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Obrigação de fazer: falta de leitos nos hospitais

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DA NATUREZA DOS INTERESSES TUTELADOS

Pelo que se depreende do exposto, a presente demanda busca a defesa de interesses e direitos difusos dos cidadãos usuários dos serviços de saúde.

Iniludível que se está diante de interesses difusos diante dos fatos narrados, segundo a definição do artigo 8l, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

"Art. 8l - (...)

Parágrafo único - (...)

I - Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato".

A respeito do tema, tem-se o escorreito magistério de Marcelo Pimentel, verbis:

"A legitimação do direito individual coletivo pressupõe a não-ofensa a qualquer outro direito individual ou coletivo previsto em lei, Por isso, a doutrina criou a categoria dos interesses difusos, que são exatamente os interesses que se caracterizam pela conflitualidade social, isto é, interesses coletivos em oposição uns com os outros, de tal sorte que, se tornam geradores de conflito na própria sociedade. Ora, a greve pode muitas vezes envolver interesses difusos, porque a paralisação interessa a um grande grupo de trabalhadores, ao mesmo tempo em que pode chegar a um ponto (o prolongamento da greve ou a prática decorrentes dela) em que afete interesses maiores de toda a sociedade. Sábio, mesmo, seria que o constituinte ou a lei previsse uma intervenção da autoridade pública (o Poder Judiciário ou o próprio Legislativo) nestes casos de grave conflitualidade de interesses sociais, quando evidente a prevalência do interesse público na cessação da greve."


(grifo nosso) ("Abuso do Direito de Greve", in Revista Ltr, vol. 54, nº 12, dezembro de 1.990, p. 1.441).

Realmente, constata-se, de pronto, que o interesse e direito da comunidade usuária e do consumidor é referente à continuidade e adequação do serviço público.

O interesse é indivisível porque diz respeito a todos aqueles que, ligados por circunstâncias exclusivamente fáticas, ficaram e estão expostos a sofreram danos, o que realmente está ocorrendo, ante a falta do serviço essencial ao atendimento de suas atividades inadiáveis, pessoas estas indeterminadas.

A propósito da sobredita "indivisibilidade", José Carlos Barbosa Moreira preleciona:

"um bem (latíssimo senso) indivisível, no sentido de insuscetível de divisão (mesmo ideal) em quotas atribuíveis individualmente a cada um dos interessados. Estes se põem numa espécie de comunhão tipificada pelo fato de que a satisfação de todos, assim como a lesão de um só, constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade".


(in "Legitimação para a defesa dos Interesses difusos no direito brasileiro", Revista AJURIS/RS nº 32/82).

Nesse mesmo sentido pode-se citar lição de Ada Pellegrine Grinover, segundo a qual

"O objeto dos interesses difusos (no sentido amplo, que também engloba os coletivos) é sempre um bem coletivo insuscetível de divisão, sendo que a satisfação de um interessado implica, necessariamente, a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um indica a lesão de toda a coletividade."


(A problemática dos interesses Difusos, in "A Tutela dos Interesses Difusos", Ed. Max Limonad - l984, p. 3l).



DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Nesses termos, a presente ação civil pública colima assegurar e defender direitos difusos dos usuários dos serviços públicos de saúde, os quais foram e estão sendo franca e impunemente violados.

Objetiva manter a continuidade e a adequação do serviço público, como lhe possibilitam os artigos 129, inciso II, da Constituição Federal e 6º, inciso X, e 22, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.078/90.

A Constituição Federal, no seu artigo l29, incisos II e III, confere legitimidade ao Ministério Público para:

"Art. 129 - ...

(...)

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos."

Na esteira desse dispositivo constitucional, o artigo 26, inciso IV, letra "a", da Lei Complementar Estadual nº 072, de 18.0l.94, assim dispõe:

"Art. 26 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

(...)

V - promover o inquérito civil e ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos".

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Ademais, a Lei Federal nº 7.347/85 atribui legitimidade ao Ministério Público para ajuizamento de ação civil pública para prevenção ou reparação dos danos causados a comunidade usuária dos serviços públicos, em decorrência de violação de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (artigos lº, 3º, 5º e 21).

Por derradeiro, a Lei Federal nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) concede ao Ministério Público legitimidade para a defesa coletiva dos interesses e direitos difusos e individuais homogêneos do Consumidor (artigo 82, inciso I) e, no artigo 91, prescreve que "os legitimados de que trata o artigo 82, poderão propor, em nome próprio ou no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, na forma dos artigos seguintes.

A legitimidade processual do Ministério Público para a promoção de ação civil pública é considerada originária, visto que advém de preceito insculpido nos artigos 127 e 129, inciso III, da Carta Magna. Diversos autores, seguidores da dogmática processual clássica ou tradicional, afirmam que a legitimidade do Ministério Público para as ações coletivas é hipótese de legitimação extraordinária.

Todavia, a Teoria Processual Contemporânea, calcada em estudos de autores alemães, informa que essa legitimidade é a denominada "legitimação autônoma para a condução do Processo", e isso se dá nas ações coletivas para defesa de direitos difusos e coletivos (cf. Nelson Nery Junior, "Código de Processo Civil Comentado", in anotações ao artigo 82, do CDC, Ed. RT, 1.994, p. 1.234).

Nesse sentido é a lição do Professor Alfredo Buzaid, in verbis:

"Coube aos autores alemães o mérito de haverem definido a substituição processual como instituto autônomo, denominando-o KOHLER PROZESSSTANDRECHT, isto é, o direito de conduzir o processo em seu próprio nome como parte, discutindo relações jurídicas alheias; ele é parte e intervém como tal. O que caracteriza a substituição processual é a cisão entre a titularidade do direito subjetivo e o exercício da ação judicial. Nos casos ordinários fundem-se numa mesma pessoa o titular do direito e o titular da ação, ou, em outras palavras, quem move a ação é geralmente o titular da relação jurídica de direito material. Esta coincidência denota a legitimidade normal. Quando, porém, a lei autoriza que pessoa alheia à relação de direito material possa ajuizar a ação que competiria em princípio àquele, temos uma legitimação anômala, que recebe o nome de substituição processual"


(cf. "Considerações sobre o mandado de segurança coletivo", São Paulo, Saraiva, 1992, págs. 63/64).



DO CABIMENTO E NECESSIDADE DA CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR

A medida cautelar se impõe desde já porque o provimento da pretensão a final poderá ser inócuo para prevenir a perpetuidade do dano ao serviço público e a própria saúde pública, uma vez que a população encontra-se completamente desassistida, sendo bastante relevante o fundamento da lide, à vista da presença dos indissociáveis requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, nos termos do artigo 12 da Lei Federal nº 7.347/85 e do artigo 460, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, ou subsidiariamente antecipando a tutela pretendida nos termos do artigo 273, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, face a presença dos requisitos de seus incisos I e II.

Presentes a aparência do direito e o perigo da demora. Conforme já foi exaustivamente ressaltado, a prestação do serviço de saúde é serviço de relevância pública, e por isto os requeridos não podem paralisá-lo, suspendê-lo, restringi-lo ou limitá-lo no universo de usuários e nas várias especialidades da medicina como vem ocorrendo em decorrência de falta de leitos suficientes. A obrigação da prestação desse serviço essencial é princípio que deve ser cumprido sem solução de continuidade e da maneira adequada à plenamente satisfazer a demanda. Neste sentido o artigo 22, da Lei Federal nº 8.078/90, segundo o qual "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo Único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código." (grifamos)

O perigo da demora também está suficientemente ressaltado nesta petição inicial. Existe justificado receio de ineficácia do provimento final, razão pela qual é preciso que seja concedida liminarmente a tutela pleiteada.

Neste ponto saliente-se que já ocorreram mortes, conforme vem sendo ampla e freqüentemente noticiado e denunciado pela imprensa, devendo posteriormente ser apuradas as responsabilidades dos agentes dos vários órgãos públicos e esferas de poder envolvidos, que, ao contrário do que era de se esperar, não acudiram prontamente às necessidades e reclamos da população.



DO PEDIDO

Em face de tudo quanto acima foi exposto, o Ministério Público requer:

1.

seja determinada a citação dos requeridos, nas pessoas de seus representantes legais ou substitutos legais, utilizando-se da faculdade conferida pelo parágrafo 2º, do artigo 172, do Código de Processo Civil, a fim de que, advertidos da sujeição aos efeitos da revelia, consoante o disposto no artigo 285, última parte, do Código de Processo Civil, e, se desejarem, apresentem resposta ao pedido ora formulado, no prazo de quinze (15) dias;

2. ao final, a procedência dos pedidos, condenando-se os requeridos, além do pagamento das custas e demais despesas processuais, à obrigação de fazer consistente na prestação adequada e contínua dos serviços de saúde no âmbito do Município de Campo Grande-MS, determinando-se, para tanto, que os requeridos promovam imediatamente, nas esferas de suas respectivas atuações e obrigações legais já declinadas, dentro do prazo máximo de vinte (20) dias, o pleno funcionamento do nosocômio denominado "Hospital Regional de Mato Grosso do Sul Rosa Pedrossian, criado pela Lei nº 1.719, de 16/12/96, e denominado pela Lei nº 1.318, de 3/12/92, localizado neste Município de Campo Grande-MS, e até o presente momento ainda não ativado, oferecendo através do mesmo à população, atendimento integral, ilimitado, irrestrito, igualitário em todas as especialidades no tratamento ambulatorial (pronto-socorro, consultas, exames, etc.), nas internações e cirurgias, mantendo em operação e funcionamento todos os seus equipamentos e recintos e dispondo de recursos humanos capazes através da devida lotação do mesmo com número suficiente de profissionais, tudo nas devidas e necessárias proporções verificadas para o normal funcionamento dos serviços médico-hospitalar e demais ações da saúde relativos ao Sistema Único de Saúde, adquirindo-se, ainda, todos os equipamentos e aparelhos necessários e essenciais ao pleno funcionamento do referido nosocômio.

3. cominar no caso de descumprimento da atividade devida postulada, ao pagamento de multa diária, para cuja estimativa, ante a natureza e importância do direito em foco, sugere o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), devida somente se, após o trânsito em julgado da sentença, houver o descumprimento da condenação, quantia sujeita a correção monetária, pelos índices oficiais, desde a distribuição da inicial até o efetivo adimplemento, destinada a recolhimento ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados (Lei Estadual nº 1.721, de 18/12/96 - publicada no D.O. nº 4431, de 19/12/96);

4. conceder liminar, sem a oitiva das partes contrárias, compelindo os requeridos a que, desde já, tomem todas as medidas necessárias tendentes a dar continuidade e adequação à prestação dos serviços de saúde no Município de Campo Grande-MS, especialmente ordenando-se-lhes, para tanto, que desde já e imediatamente, até que seja efetivada em definitivo a medida pleiteada no item 2, promovam, em caráter provisório e complementar, a contratação dos serviços da iniciativa privada, para a garantia total dos serviços e ações relativos ao SUS, mediante competente contrato, garantindo, assim, as internações e os atendimentos necessários, eliminando-se, de conseqüência, todas as restrições e limitações de acesso aos serviços em decorrência da inexistência de leitos, de espaço físico e de hospitais públicos, necessários e que atendam a rede pública de saúde, sob pena da imposição de multa diária na hipótese de descumprimento, nos moldes e parâmetros acima deduzidos, sem prejuízo da prática de crime de desobediência.

Requer, mais:

  1. a produção de todas as provas admitidas em Direito, notadamente documentos, oitiva de testemunhas, laudos, realização de perícias, vistorias e inspeções judiciais;
  2. a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à vista do disposto no art. 18 da Lei Federal nº 7.347/85, e no artigo 87, do Código de Defesa do Consumidor;
  3. a realização de suas intimações dos atos e termos processuais, na forma do artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil, na Rua Íria Loureiro Viana, nº 415, centro, nesta Capital.

Embora seja, a rigor, inestimável, dá-se à causa, simplesmente em atenção ao disposto no artigo 258, do CPC, o valor de R$ 1.000,00.

Termos em que
pedem deferimento.

Campo Grande, MS, 5 de agosto de 1997.

Amilton Plácido da Rosa
Promotor de Justiça do Consumidor

Paulo Alberto de Oliveira
Promotor de Justiça de Proteção do Patrimônio Público e Social

Maria do Socorro Hozano de Souza
Promotora de Justiça dos Direitos Constitucionais do Cidadão

Ariádne de Fátima Perondi
Promotora de Justiça da Infância e Adolescência

Sobre os autores
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido; OLIVEIRA, Paulo Alberto et al. Obrigação de fazer: falta de leitos nos hospitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16157. Acesso em: 22 nov. 2024.

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