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Mandado de segurança contra quebra de sigilo bancário (Lei Complementar nº 105)

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Agenda 01/11/2001 às 01:00

IV. IRRETROATIVIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 10.174, DE 09 DE JANEIRO DE 2001. ART 5º, § 2º DA CF/88 C/C ART 98 DO CTN. PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

04.01. Ademais disso, mesmo se ainda assim não fosse, o art. 5º, §2º da CF/88 c/c art. 98 do CTN determinam que o art. 1º da Lei nº 10.174, de 09 de janeiro de 2001 deveria observar o quanto determinado pelo art. 8º, I, do Pacto de San José da Costa Rica, o que inviabilizaria a hipótese de se emprestar efeito retrooperante a dispositivo da Lei nº 10.174/2001.

04.02. É imperioso esclarecer que o art. 5º, §2º, da CF/88, estabeleceu que:

"Art. 5º

§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a Republica Federativa do Brasil seja parte."

Deste modo, o referido dispositivo desempenha uma função integrativa, funcionando como um liame entre as normas constitucionais e os direitos previstos nos tratados, e apesar dos mesmos serem internalizados através da ratificação por Decreto Legislativo e promulgação por Decreto presidencial, a Constituição Federal de 1988 admitiu no dispositivo em exame a aquisição de outros direitos e garantias através de tratados internacionais.

04.03. No particular, no campo do Direito Tributário, o CTN (norma de hierarquia de Lei Complementar) estatuiu no seu art. 98 que:

"Art. 98 - OS tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha."

Portanto, fica evidenciado que "A legislação interna deve observar as normas contidas em tratados e convenções internacionais (art. 98, CTN)..."(TRF 1ª R, 3ª T., REO 91.01.00254-6/BA, Rel. Juiz Vicente Leal, DJ de 14/05/92, p. 12.500), até mesmo porque "o art. 98 do CTN com hierarquia de lei complementar, estabelece que os tratados e convenções internacionais, na matéria tributária, revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pelas que lhes sobrevenha. Assim, uma vez convertidas as cláusulas do tratado ou convenção em lei interna pelo decreto legislativo, não poderá, então, essa lei tributária interna ser desrespeitada por posterior lei ordinária, ou outra qualquer norma de herarquia inferior à lei complementar"(STJ, 1ª T., REsp nº 302.323-RJ, Rel. Min. José Delgado, Dj 30.03.2001).

04.04. Por esta perspectiva, no caso em exame o dispositivo contido no art. 1º da Lei nº 10.174, de 09 de janeiro de 2001 deveria observar a irretroatividade determinada pela inteligência do art. 8º, I, do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil através do Decreto nº 678/92, estabelecendo que:

"... toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido com anterioridade por uma lei para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem... fiscal"

Portanto, como no caso em exame não se pode emprestar efeito retrooperante ao art. 1º da Lei nº 10.174, de 09 de janeiro de 2001, sob pena de violação do art. 5º, §2º da CF/88, art. 98 do CTN e art. 8º, I, do Pacto de San José da Costa Rica, ficando claro que o Mandado de Procedimento Fiscalizatório (MPF) em exame foi irregularmente instaurado (art. 11, §3º, da Lei nº 9.311/96), razão pela qual no curso deste MPF irregularmente instaurado não é licito nem admissível que a autoridade impetrada determine inclusive a quebra de sigilo bancário administrativamente (CF, art. 5º, LVI).

04.05. Assim, o procedimento foi instaurado irregularmente, representando um abuso de poder e por isso não se coaduna com a ordem legal (art. 98 do CTN c/c art. 8º, I, do Pacto de San José da Costa Rica) e ordem constitucional (art. 5º, §2º da CF/88).


V. SIGILO BANCÁRIO. ART. 5º, XII E X DA CF/88. CLÁUSULA PÉTREA. LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO ORGÂNICA DO PODER. PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE DE ATRIBUIÇÕES. PRINCÍPIO DA IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO SIMULTÂNEO DE FUNÇÕES. PRINCÍPIO DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. NÃO É COMPATÍVEL COM A CF/88 NORMA QUE AUTORIZA A QUEBRA DE SIGILO POR DECISÃO EXCLUSIVA DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, INDEPENDENTE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DOUTRINA SÓLIDA. PRECEDENTES DO STF

05.01. Dentre algumas definições de sigilo bancário elaboradas pelos estudiosos da matéria, a ensinada por JUAN CARLOS MALAGARRIGA, é a que detém maior prestígio, na medida que conceitua o instituto da seguinte forma:

"O sigilo bancário é obrigação de não revelar a terceiros, sem causa justificada, os dados referentes a seus clientes que cheguem a seu conhecimento como conseqüência das relações jurídicas que os vinculam". 6

05.02. Já no ambiente constitucional o sigilo bancário encontra respaldo no art. 5º, X, CF/88, na medida que deve ser considerado como sendo uma das "projeções específicas do direito à intimidade", na feliz expressão do Ministro Celso de Melo (STF, MSMC - 23639/DF).

Neste mesmo sentido, do ponto de vista do direito individual fundamental, a Desembargadora Federal do TRF da 3ª Região - DIVA MALERBI - entende que o sigilo bancário também "acha-se inscrito na cláusula da inviolabilidade aos dados, inovação da Constituição Federal de 1988, pois que o âmbito de proteção do direito não se restringe à proibição à violação, mas compreende também o dever de terceiros que estejam colocados na contigência de ter de divulgá-los". 7

Desta forma, o sigilo bancário está protegido, em nossa Carta Magna, no art. 5º, X e XII, como se vê:

"Art. 5º.

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução penal processual".

Ao analisar a matéria do sigilo bancário sobre o prisma constitucional, JOSÉ DELGADO, Ministro do STJ, ensina que:

"Em face dessa elevação no panorama constitucional concedida ao sigilo bancário, deve ser tratado como sendo direito fundamental do indivíduo, portanto, merecedor de ser inserido no rol dos protegidos pelo art. 60, §4º, IV, da CF. Insuscetível passa a ser de sofrer qualquer modificação por via de Emenda Constitucional, isto é, pelo Constituinte Derivado. 8

Neste mesmo sentido, em laborioso artigo sobre a matéria, o ilustre IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, conclui que:

"Sempre estive convencido de que a expressão ‘sigilo de dados’ hospeda aquela de ‘sigilo bancário’. Esta é espécie daquele gênero.

Por outro lado, nos direitos e garantias individuais, claramente, o constituinte assegurou a preservação da intimidade e privacidade das pessoas e a preservação do sigilo de dados.

Trata-se de cláusula imodificável, de acordo com expressa manifestação da Câmara dos Deputados, ao rejeitar o projeto governamental, e do STF ao inadimitir que o Ministério Público pudesse ter acesso aos dados bancários sem autorização judicial." 9

(grifos aditados)

Para arrematar de vez a questão, o renomado tributarista PLÍNIO JOSÉ MARFON é definitivo em afirmar que:

"Com efeito, a doutrina não diverge quanto ao fato de que tais direitos (privacidade/intimidade) são protegidos pelo disposto no art. 60, §4º, da CF/88, donde se conclui que o sigilo bancário é considerado cláusula pétrea." 10 (grifos nossos)

Portanto, o direito ao sigilo bancário, por ser uma extensão do direito à intimidade, integra a categoria dos direitos da personalidade, sendo consequentemente, de natureza fundamental e por isso mesmo cláusula pétrea protegida pelo manto do art. 60, §4º, IV, da CF/88, não sendo suscetível de ser abolido sequer por Emenda Constitucional.

05.03. Entretanto, sob o pretexto de regular o sigilo das operações financeiras foi recentemente editada a Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001, passando a permitir a inusitada forma de quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva da autoridade administrativa, independente de autorização judicial, como se observa:

"Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§3º Não constitui violação do dever de sigilo:

VI - a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º desta Lei Complementar.

Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente".

Já no nível infralegal, o Presidente da República regulamentou a matéria através do Decreto nº 3.724, de 10.01.01, da seguinte forma:

"Art. 1º Este Decreto dispõe, nos termos do art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 sobre a requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal e seus agentes, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas, em conformidade com o art. 1º, §§ 1º e 2º, da mencionada Lei, bem assim esclarecer procedimentos para preservar o sigilo das informações obtidas.

Art. 2º A Secretaria da Receita Federal, por intermédio de servidor ocupante do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal, somente poderá examinar informações relativas a terceiros, constantes de documentos, livros e registros de instituições financeiras e de entidades a elas equiparadas, inclusive os referentes a contas de depósitos e de aplicações financeiras, quando houver procedimento de fiscalização em curso e tais exames forem considerados indispensáveis.

§2º O procedimento de fiscalização somente terá inicio por força de ordem específica denominada Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), instituído em ato da Secretaria da Receita Federal, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º deste artigo.

Art. 4º Poderão requisitar as informações referidas no caput do art. 2º as autoridades competentes para expedir o MPF.

§1º A requisição referida neste artigo será formalizada mediante documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) e será dirigida, conforme o caso, ao:

III - presidente da instituição financeira, ou entidade a ela equiparada, ou a seu preposto;

IV - gerente de agência.

§ 2º A RMF será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessária à execução do MPF."

Desta forma, consoante se observa dos enunciados normativos acima dispostos, a legislação infraconstitucional e regulamentar passou a outorgar ao Poder Executivo a "legitimidade" de resolver o confronto entre o interesse público e o direito fundamental individual (cláusula pétrea) para determinar e promover a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva sua, independentemente de autorização judicial para fazê-lo, o que diga-se de passagem não se coaduna com o art. 5º, X e XII e art. 60, §4º, IV, da CF/88.

No particular, já existe precedente da Justiça Federal - Seção Judiciária da Bahia que se posicionou contra a quebra de sigilo bancário por decisão exclusiva da administração sem autorização judicial.

O Jornal Gazeta da Bahia, que é caderno estadual do Jornal Gazeta Mercantil, no 24/05/01, noticiou matéria sob o título "Sai primeira liminar no Estado contra efeito da 105", esclarecendo que o Juiz Federal da 14ª Vara da Seção Judiciária da Bahia - MOACIR FERREIRA RAMOS - concedeu liminar (Mandado de Segurança nº 2001.33.00.007229-6) para impedir a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial, por entender que "o sigilo bancário é uma garantia individual enquadrada no artigo 5º da Carta Magna", e por isso "o sigilo bancário se insere nas cláusulas pétreas da Constituição Federal, não podendo ser modificado nem por Emenda Constitucional", pois "O que se procura resguardar é o direito do cidadão de não ver sua vida privada invadida por quem legalmente não está investido de competência para esse proceder". 11

Portanto, conclui-se facilmente que a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial não se coaduna com o art. 5º, X e XII e art. 60, §4º, IV, da CF/88.

05.04. Todavia, se já não fossem suficientes os argumentos supra, cabe ainda ressaltar que a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial não se coaduna com os princípios da separação orgânica dos poderes e indelegabilidade de atribuições consubstanciados no art. 2º; art. 60, §4º, III, c/c a inteligência do art. 68 da CF/88.

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Em verdade, fala-se em funções do Estado como exteriorização de seu poder, uma vez que antes de tudo o Ente estatal vem a ser uma organização jurídica personificada, com âmbito de validez próprio. Deste modo, o Estado pode aquilo que a sua Constituição determina ou permite, ao passo que a Constituição é ditada pelo Poder Político (soberano), exercido num determinado instante.

Desta forma, o Poder Político é um só, indivisível, dele necessitando o Estado para organizar-se, para manter a ordem e em subsistir. O Estado sem poder se converte em um inerte, vazio de substância, em um não Estado, razão pela qual esse poder é essencialmente uno. Neste contexto, as funções do Estado são separadas e não o seu Poder. Podem ser criados órgãos distintos para o desenvolvimento dessas funções, sem que a unicidade do Poder reste comprometida. 12

Devemos ao Barão de Montesquieu a sistematização final da repartição de poder, através da criação de órgãos distintos e independentes uns dos outros para o exercício de certas e determinadas atividades.

Foi observando a sociedade que Montesquieu verificou a existência de três funções básicas: 1ª) produtora do ato geral; 2ª) produtora do ato especial; e 3ª) solucionadora de controvérsias. No particular, apesar das duas últimas aplicarem o disposto no ato geral, porém, seus objetivos eram diversos, pois enquanto uma visava executar, administrar e dar o disposto no ato geral para desenvolver a atividade estatal, a outra tinha por objetivo solucionar controvérsias entre os súditos e o Estado ou entre os próprios súditos.

No absolutismo o Príncipe concentrava o exercício do poder de forma absoluta, exercitando-o por si ou por meio de auxiliares as distintas funções, sem a existência de órgãos independentes uns dos outros, pois a vontade do Príncipe era a fonte do ato geral, do especial e daquele solucionador de controvérsia. Em síntese, legislação, execução e jurdisdição dependiam de seu querer. "L’État c’est moi" (Luís XIV).

Por isto, MICHEL TEMER, esclarece que:

"O valor da doutrina de Montesquieu está na proposta de um sistema em que cada órgão desempenhasse função distinta e, ao mesmo tempo, que a atividade de cada qual caracterizasse forma de contenção da atividade de outro órgão do poder. É o sistema de independência entre os órgãos do poder e da inter-relacionamento de suas atividades. É a fórmula dos ‘freios e contrapesos’ a que alude a doutrina americana". 13

Neste mesmo sentido, VALMIR PONTES FILHO, adverte:

"O Poder não deve ser exercido incontroladamente, sob pena de vermos instaurada uma ditadura. Sem a separação funcional - à qual está incita a idéia de independência dos órgãos, a sua colaboração recíproca e o sistema de checkes and balances - os direitos individuais não poderiam estar garantidos, diante da onipotência do Ente estatal". 14

Abraçando estes mesmos princípios, o jurista argentino AGOSTIN GORDILHO, adverte:

"Também é importante advertir acerca da fundamental importância política que tem a interpretação que se dá à teoria da divisão dos poderes; ela foi concebida como garantia da liberdade, para que o poder através de mútuo controle e interação dos três grandes órgãos do Estado: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. Falar, portanto, em divisão de poderes - no sentido de outorga das funções estatais, em regime de exclusividade, a órgãos distintos e independentes - é defender a liberdade, é impedir o absolutismo." 15

Esta concepção está totalmente impregnada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que observamos no seu art. 2º e art. 60, de forma categórica, tal concepção:

"Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

"Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

III - a separação dos Poderes".

Portanto, fica evidenciado como ensina MICHEL TEMER que cada órgão do Poder exerce, preponderantemente, uma função, e, secundariamente, as duas outras. Da preponderância advém a tipicidade da função; da secundariedade, a atipicidade. Neste passo, as funções típicas do Legislativo, Executivo e Judiciário são, em razão da preponderância, legislar, executar e julgar. 16

Quanto ao Executivo se tem reconhecido atipicamente, até possibilidade de legislar em situações especialíssimas através de Leis Delegadas mediante expressa delegação do Congresso Nacional (CF, art. 68, caput, e §2º), ou através de Medidas Provisórias de forma transitória e nos casos de relevância e urgência (CF, art. 62).

Neste particular, é importante frisar que a atipicidade da função no caso das Leis Delegadas o Poder Executivo é tão proeminente que o Executivo deverá solicitar autorização ao Congresso Nacional para que este lhe delegue competência para editar instrumento normativo com força de lei sobre matérias específicas (CF, art. 68), sendo expressamente vedada a delegação de competência para editar Lei Delegada sobre os direitos individuais (CF, art. 68, §1º, II).

Já no que se refere as Medidas Provisórias, cumpre ressaltar também a atipicidade da função, tanto que a própria CF prevê esta transitória hipótese do poder de legislar (30 dias de eficácia) nos casos de relevância e urgência, mas por outro lado não autoriza que esta modalidade legislativa de hierarquia de lei ordinária possa disciplinar ou restringir os direitos individuais porque cláusula pétrea (CF, art. 60, §4º, IV), e ainda assim tal instrumento normativo para ser convertido em lei deverá ser submetido ao exame do Congresso Nacional.

Portanto, percebe-se a grande preocupação da Constituição com a ingerência do Poder Executivo no campo dos direitos e garantias individuais, e talvez devido a lembrança do passado recente a Assembléia Constituinte ter procurado afastar de todas as formas das atribuições do Poder Executivo, seja através da tipicidade ou atipicidade da função, qualquer ingerência neste campo que envolve a própria consistência do Estado Democrático de Direito.

De igual modo, deve ser reconhecida a atipicidade da função jurisdicional atribuída ao Poder Executivo que até pode organizar instâncias recursais para apreciar defesas e recursos administrativos, mas encontra a barreira intransponível no desempenho desta atividade atípica no que diz respeito a solucionar litígio que importe em restrição ao direito individual porque cláusula pétrea (CF, art. 60, §4º, IV), inclusive porque isto é uma função típica do Poder Judiciário e por isso não poderia sequer ser delegada sem a autorização expressa e específica da Constituição.

Tais conclusões se extraem do ordenamento jurídico em razão da regra maior da indelegabilidade de atribuições de um para o outro Poder, salvo as exceções previstas na Constituição de forma expressa e específica.

No momento que a Constituição assinalou a independência entre os Poderes, naturalmente pressupôs a separação (CF, art. 2º c/c art. 60, §4º, III), portanto não seria de boa lógica ver a vontade soberana da Assembléia Constituinte ser ultrapassada pela vontade secundária dos órgãos de delegar suas funções típicas uns para os outros, pois se a delegação pudesse ser feita ao talante de cada Poder não haveria necessidade da autorização delegatória constitucional.

Particularmente, a Constituição prevê exaustivamente as hipóteses de delegação, e quando não desejou que tais delegações ocorressem, obviamente não as determinou, consoante regra de hermenêutica consubstanciada no brocardo latino: ubi lex voluit dixit, ubi noluit tocuit, isto é, quando a lei quis determinou; sobre o que não quis, guardou silêncio.17

Neste mesmo sentido, JOSÉ AFONSO DA SILVA esclarece que o Princípio da Separação ou da Divisão dos Poderes está na raiz do sistema federativo, sendo aduzido logo no art. 2º da Constituição, estando ao seu lado o Princípio da Indelegabilidade de atribuições, e em razão disso as exceções a esta regra devem ser expressamente previstas na Constituição.18

Na jurisprudência, os tribunais já vem adotando posicionamento firme que o princípio da indelegabilidade de atribuições e o princípio da separação orgânica dos poderes, apenas admitem a delegação de atribuições expressamente prevista na Constituição, como se vê:

".........

A Carta Constitucional de 1967 com a Emenda nº 1/69 estabeleceu, no art. 6º, parágrafo único, o princípio da indelegabilidade de atribuições, preceito aliás não repetido pela Constituição da República de 1988, uma vez que se extrai a disposição do próprio sistema.

Assim, os poderes são independentes e harmônicos, exercendo cada um sua função precípua.

De pronto concluir-se da inconstitucionalidade do art. 66 da Lei nº 7.450/85, que delega poderes ao Ministro da Fazenda, com ofensa ao princípio da separação de Poderes porque a fixação do prazo para recolhimento de tributo é matéria reservada à lei." (grifamos)

(TRF 3ª R., REO MS nº 7.118, Rel. Juíza Annamaria Pimentel; RTRF 3ª, v. 9, p. 248/251)

Foi Abraçando estes mesmos princípios que a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sob o prisma eminentemente constitucional, ao analisar o art. 129, VIII, da CF/88 decidiu que somente autorização delegatória expressa da Constituição poderia legitimar o Ministério Público a promover a quebra do sigilo bancário diretamente sem a autorização judicial, como se vê:

"CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. C. F., ART. 129, VIII.

I - A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C.F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a C.F. consagra, art. 5º, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa.

II - R.E. não conhecido." (grifamos)

(STF, 2ª T., RE nº 215.301-0, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13.04.99, DJ 28.05.99, cópia em anexo)

Neste julgamento do RE 215.301-0, conforme se observa do extrato de ata em anexo, o Ministro Carlos Velloso, foi também acompanhado pelo voto dos Ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim, resultando que a 2ª Turma do STF, por unanimidade, não conheceu do recurso interposto pelo Ministério Público Federal, ficando claro as seguintes premissas no voto condutor:

"VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator):

Ora, no citado inc. VIII, do art. 129, da C.F., não está escrito que poderia o órgão do Ministério Público requerer, sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de alguém. E se consideramos que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade que a Constituição consagra, art. 5º, inc. X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria a ação do Ministério Público para requerer, diretamente, sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa." (grifos aditados)

No caso em exame, quando o art. 1º, §3º, VI e art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001 c/c art. 1º; art. 2º, §2º; art. 4º, III e IV, §2º do Decreto nº 3.724/2001 autorizam a quebra do sigilo bancário (CF, art. 5º, X e XII) por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial, traz a baila situação onde o Poder Executivo pretende ter legitimidade para exercer uma função típica do Poder Judiciário, o que contraria o princípio da independência e separação orgânica dos Poderes e o princípio da indelegabilidade de atribuições, justamente por faltar a autorização delegatória expressa e específica da Constituição neste sentido.

Assim, não se coaduna com os princípios da separação orgânica dos poderes e indelegabilidade de atribuições (art. 2º; art. 60, §4º, III, c/c a inteligência do art. 68 da CF/88) situação onde se realize a quebra do sigilo bancário (CF, art. 5º, X e XII) por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial, sem a devida autorização delegatória expressa e específica da Constituição.

05.05. Ademais, cumpre ressaltar ainda que também não se coaduna com o princípio da impossibilidade de exercício simultâneo de funções a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial.

No ordenamento constitucional também se extrai o princípio da impossibilidade do exercício simultâneo de funções, segundo o qual "quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro" (...) "ficando evidente que o exercício simultâneo de funções não é tolerado pela Constituição (salvo as hipóteses expressamente mencionadas)", pois o objetivo constitucional é cristalino: "quer-se preservar a independência de cada órgão do Poder".19

Ora, se o princípio da impossibilidade do exercício simultâneo de funções se manifesta na convicção do nosso sistema constitucional (CF, art. 56, I), com mais força ainda, e por que não dizer ostensivamente, com relação ao Poder Judiciário e a função jurisdicional, quando se observa o contexto do art. 2º; art. 95, Parágrafo único, I c/c art. 5º, XXXVII e LIII, da CF/88.

"CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 95. Os juizes gozam das seguintes garantias:

Parágrafo único. Aos juizes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

Art. 5º

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIV - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;"

Desta forma, quando a legislação infraconstitucional e regulamentar passou a outorgar ao Poder Executivo a "legitimidade" de resolver o confronto entre o interesse público e o direito fundamental individual (cláusula pétrea) para determinar e promover a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva sua, independentemente de autorização judicial para fazê-lo, na verdade estava autorizando ao mesmo funcionário subordinado ao Poder Executivo a legitimidade para instaurar a acusação (art. 2º, §2º, do Dec. nº 3.724/2001) e efetivar a quebra do sigilo bancário garantido constitucionalmente (art. 4º, do Dec. nº 3.724/2001).

Logo, se o funcionário que instaura a acusação (art. 2º, §2º, do Dec. nº 3.724/2001) exerce função típica do Poder Executivo, então, esse mesmo funcionário subordinado ao Poder Executivo não pode ao mesmo tempo exercer função típica do Poder Judiciário (art. 4º, do Dec. nº 3.724/2001) que importe em quebra de um direito inerente à privacidade garantido pela Constituição, sob pena de violação ao princípio da impossibilidade do exercício simultâneo de funções.

Assim, não se coaduna com a Constituição Federal, nem com o princípio da impossibilidade do exercício simultâneo de funções (art. 2º; art. 95, Parágrafo único, I c/c art. 5º, XXXVII e LIII, da CF/88) situação onde o mesmo funcionário do Poder Executivo é quem tem legitimidade para instaurar a acusação e efetivar a quebra do sigilo bancário (CF, art. 5º, X e XII), independente de autorização judicial.

05.06. Ademais disso, cumpre ressaltar ainda que também não se coaduna com o princípio da reserva de jurisdição a quebra do sigilo bancário por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial.

É importante ressaltar que o princípio da reserva constitucional de jurisdição foi disseminado pelo ilustre constitucionalista lusitano J. J. GOMES CANOTILHO, para quem por efeito de uma verdadeira discriminação material de competência jurisdicional fixada no texto da Carta Política, a prática de determinados atos que impliquem em restrições a direitos resguardados pela Constituição somente podem ser ordenados por magistrados. 20

No particular, o Ministro do STJ - ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO - ao comentar sobre o princípio da reserva constitucional de jurisdição já esclareceu que:

"A função específica, atribuída pela Constituição ao Poder Judiciário, é a de compor os litígios em nome do Estado. É a denominada função jurisdicional, que na sua essência, se funda no inciso XXXV do art. 5º daquela Lei Maior, nestes termos: ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Ao lado dessa função típica, os órgãos do Poder Judiciário exercem outras, previstas na própria Constituição". 21

Abraçando este mesmo princípio, e desdobrando-o no caso concreto de forma lapidar, o Ministro Carlos Velloso ao relatar o já citado RE 215.301-0, foi acompanhado pelo voto dos Ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim, realizou as seguintes ponderações no seu voto condutor:

"VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator):

Todavia, já deixei expresso no voto que proferi no MS 21.729-DF, por se tratar de um direito que tem status constitucional, a quebra não pode ser feita por quem não tem o dever de imparcialidade. Somente a autoridade judiciária, que tem o dever de ser imparcial, por isso mesmo procederá com cautela, com prudência e com moderação, e que, provocada (...) poderá autorizar a quebra do sigilo.

Então, como poderia a parte, que tem interesse na ação, efetivar, ela própria, a quebra de um direito inerente a privacidade, que é garantido pela Constituição? (...) Há órgãos e órgãos... que agem individualmente, e alguns, até, comprometidos com o poder político. O que não poderia ocorrer, indago, com o direito de muitos, por esses Brasis, se o direito das pessoas ao sigilo bancário pudesse ser quebrado sem maior cautela, sem a interferência da autoridade judiciária" (grifamos)

(STF, 2ª T., RE nº 215.301-0, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13.04.99, DJ 28.05.99, cópia em anexo)

No particular, é importante ressaltar que mesmo nos casos das CPIs onde existe autorização delegatória expressa e específica da Constituição no seu art. 58, §3º, para que o Poder Legislativo no âmbito dessas comissões tenham os mesmos "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais", ainda assim, mesmo quando existe essa expressa delegação constitucional (o que não é o caso dos autos) o Poder Judiciário através da sua Corte Constitucional já tem firmado entendimento que tais poderes excepcionais não podem ser exercidos legitimamente quando se opõe aos direitos individuais da liberdade, privacidade e propriedade (CF, art. 5º), por força do princípio da reserva constitucional de jurisdição.

No SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o Ministro Celso de Mello, reportando-se ao princípio da reserva constitucional de jurisdição decidiu que:

"DECISÃO:

O postulado da reserva constitucional de jurisdição - consoante assinala a doutrina (J. J. GOMES CANOTILHO, ‘Direito Constitucional e Teoria da Constituição’, p. 580 e 586, 1998, Almedina, Coimbra) - importa em submeter, à esfera única dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’.

Isso significa - considerada a cláusula da primazia judiciária que encontra fundamento no próprio texto da Constituição - que esta exige, para a legítima efetivação de determinados atos, notadamente daqueles que implicam restrição a direitos, que sejam eles ordenados apenas por magistrados.

Assim sendo, tendo presentes as razões expostas, considerando o relevo jurídico da tese suscitada nesta impetração - especialmente a alegação de ofensa ao princípio da reserva constitucional de jurisdição -, defiro a liminar ora postulada (fls. 10, item n. 1), para, até a prestação de informações pela autoridade ora apontada como coatora, suspender a eficácia do ato ora impugnado (ato este que resultou da aprovação de Requerimento nº 81) e sustar a execução de qualquer medida de busca e apreensão e de quebra dos sigilos telefônico, bancário e fiscal do impetrante."

(STF, MS 23.452/RJ, Min. Celso de Mello, j. 01.06.99, DJ 08.06.99, p. 11, cópia em anexo)

De igual modo, o Ministro Carlos Velloso, quando na Presidência do STF, deferiu diversas liminares para sustar eficácia de determinações de quebra de sigilo bancário, vazada nos seguintes termos:

"DESPACHO - Vistos, Despachei dois casos semelhantes a este, em 20 e 21 de dezembro p. passado, os MMSS 23.599-DF e 23.602-DF, impetrados, respectivamente, por Dório Antunes de Souza e Solange Antunes Resende. Em ambos, deferi a medida liminar. Assim a decisão que proferi no MS 23.602-DF:

‘DESPACHO: - Vistos.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as decisões das Comissões Parlamentares de Inquérito, que decretam a quebra do sigilo bancário, fiscal e/ou telefônico, devem ser fundamentadas, tal como ocorre com as decisões das autoridades judiciais.

Indico, por exemplo, o decidido no MS 23.452-RJ. No voto que proferi por ocasião do citado julgamento, deixei expresso o meu entendimento no sentido de que adoto o princípio da reserva de jurisdição. É dizer, certos atos, relacionados com os direitos e garantias fundamentais, a Constituição reservou aos juizes, exclusivamente. É o que Canotilho denomina de ‘reserva constitucional de jurisdição’.

Assim posta a questão, vejo configurados, no caso, os pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora. Por isto, defiro a liminar requerida, pelo que suspendo a eficácia do ato impugnado, sustando-se a execução de qualquer providência para efetivá-lo."

(STF, MSMC 23614/DF, Min. Carlos Velloso, j. 12.01.00, DJ 01.02.00, p. 118)

(Neste mesmo sentido: MMSS 23.599-DF; MMSS 23.602-DF; MSMC 23.612-DF)

Com base neste mesmo princípio, o atual PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o Ministro Marco Aurélio, já decidiu que:

"DESPACHO: DECISÃO - LIMINAR - COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - ATO DE CONSTRIÇÃO - PESSOAS NATURAIS E JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO - PRÁTICA DIRETA - INVIABILIDADE - LIMINAR CONCEDIDA.

A partir do momento em que elementos tidos por indispensáveis, pela Comissão Parlamentar de Inquérito, dependam da prática de atos que impliquem efetivo constrangimento, atingindo a liberdade e a privacidade de pessoas de direito privado, há de atentar-se para a necessária atuação do Estado-Juiz, de quem competir a função jurisdicional. Impõe-se a consideração do sistema da Carta da República, alicerçado que se encontra na cláusula reveladora da separação e harmonia dos Poderes, artigo 2º. Em jogo a liberdade do cidadão, há de ter-se presente a regra do inciso LXI do artigo 5º do Diploma Fundamental, segundo a qual ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar, ou crime propriamente militar definidos em lei’. Fazendo-se presente invasão da vida privada, há de observar-se, visando ao afastamento da inviolabilidade, assegurada constitucionalmente, o crivo equidistante do Judiciário. Todo e qualquer ato de constrição, seja qual for o órgão incumbido da investigação, extravasa os poderes alusivos a esta última, exigindo, por isso mesmo, a análise e definição por órgão investido do ofício judicante. A este cabe decidir, diante das peculiaridades do caso, a oportunidade, ou não, de implementá-lo, fixando-lhe os parâmetros.

3. Pelas razões supra, defiro a liminar, na extensão pleiteada, ou seja, para suspender, até decisão final deste mandado de segurança, os efeitos do Requerimento aprovado nº 81... ".

(STF, MS 23454-DF, Min. Marco Aurélio, j. 29.05.99, DJ 07.06.99, p. 04, cópia em anexo)

Abraçando este mesmo princípio, no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o Ministro Maurício Corrêa - hoje designado relator das ADIN’s nº 2389-6 e nº 2406-0, que encontram-se ainda pendentes de apreciação e questionam a constitucionalidade da quebra de sigilo bancário por acesso direto aos dados por parte de funcionário do Poder Executivo sem autorização judicial como determina a Lei nº 10.174/2001 (docs. anexos) - também já deferiu liminar para sustar quebra de sigilo bancário com base no princípio da reserva constitucional de jurisdição, como se observa:

"DECISÃO:

11. Pelo menos neste primeiro estádio de deliberação, tenho que a expressão ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’ não exclui a atuação jurisdicional, quando provocada, se o ato contra o qual se busca reparação esgarça os lindes da mera instrução processual. A indisponibilidade de bens, pela sua própria natureza, com as naturais consequências que produz, diz respeito diretamente com o constitucional direito de propriedade do cidadão (CF, artigo 5, caput, e inciso XII), circunstância que está, em princípio, a deferir ao Poder Judiciário o seu necessário controle, máxime quando a providência imposta sequer contém um mínimo de motivação.

12. Afastando-se do que me parece ser a função investigatória, e sem ater-se às limitações de ordem constitucional que restrigem a competência de seu exercício, desbordou-se, a Comissão Parlamentar de Inquérito ao determinar procedimento que pela sua intrínseca contextura jurídica se apresenta como ato privativo reservado ao Estado-juiz, situação tal que expõe o ato impugnado, por via do mandado de segurança, ao deferimento da cautelar."

(STF, MS 23.465-DF, Min. Maurício Corrêa, j. 18.06.99, DJ 25.06.99, p. 55, cópia em anexo)

Neste mesmo sentido, no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o Ministro Sepúlveda Pertence - hoje designado relator das ADIN’s nº 2397-7, nº 2386-1 e nº 2390-0, que encontram-se pendentes de julgamento e questionam a constitucionalidade da quebra de sigilo bancário por exclusiva decisão do funcionário do Poder Executivo sem a necessidade de autorização judicial, conforme previsto na Lei Complementar nº 105/2001 e no Decreto nº 3.724/2001.174/2001 (docs. anexos) - também já deferiu liminar para sustar quebra de sigilo bancário com base no princípio da reserva constitucional de jurisdição, como se observa:

"DESPACHO:

É extremamente significativa a opinião daqueles que subtraem, dos poderes de instrução da autoridade judicial literalmente estendidos às CPIs, aquelas medidas que - objeto de garantias constitucionais explicitas do controle jurisdicional prévio - se entendem compreendidas, em qualquer hipótese, no que Canotilho (Direito Constitucional, 1988, p. 580) viria a denominar ‘reserva de jurisdição’. Essa orientação tem tido, ontem como hoje, o aval de pareceristas, cujos argumentos suplantam a fáciol objeção de parcialidade (v.g., Francisco Campos, RF 175/71; Luiz Roberto Barroso, RF 235/165; Ada Grinover, autos f. 82 e ss.; Nelson Hungria, Ver. Bras. Crim. e Dir. Penal 10/39).

A tese tem suportes de inegável solidez, e trânsito no direito comparado.

De tudo, defiro em termos a liminar para que a autoridade coatora - até a decisão definitiva do mandado de segurança -, suste de imediato, com relação ao impetrante, os efeitos do ato questionado, suspendendo aqueles das requisições já expedidas e abstendo-se de expedir outras, assim como para que preserve o sigilo dos dados até agora obtidos."

(STF, MS 23.466-DF, Min. Sepúlveda Pertence, j. 17.06.99, DJ 22.06.99, p. 31, cópia em anexo)

De igual modo, outra não é a posição dos mais eminentes juristas e tributaristas ao tratar da matéria:

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

"Parece-me, pois, que o direito de o contribuinte ter seu sigilo bancário preservado não poderá ser retirado - enquanto não houver uma ruptura institucional, o que ninguém deseja -, podendo ser quebrado, apenas, por autorização judicial. 22

MIN. DOMINGOS FRANCIULLI NETTO

"A par disso, firmo meu entendimento de que, com efeito, não há como se estabelecer ressalvas ao exercício de um direito fundamental, dispensando-se a apreciação prévia do Poder Judiciário". 23

MARIA TERESA DE CÁRCOMO LOBO

"A última parte da questão já está, de certo modo, solucionada no contexto das considerações acima expendidas. Assim, dou pela absoluta incompatibilidade com a Constituição norma que autorize a quebra de sigilo por decisão exclusiva de autoridade administrativa, independente de autorização judicial". 24

AMÉRICO MASSET LACOMBE

"Portanto, a conclusão nos parece clara: o sigilo bancário constitui um direito e garantia individual, uma espécie do conceito genérico da intimidade, amparado constitucionalmente por norma de eficácia plena e imediata (§ 1º do art. 5º da CF). Por conseguinte, nenhuma lei complementar poderá limitar o alcance desta garantia constitucional para permitir a sua quebra por determinação do Ministério Público ou de autoridade administrativa. A quebra de sigilo bancário só poderá ser feita por autorização judicial, em razão da supremacia do interesse público. É portanto, cláusula pétrea". 25

RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA

"Portanto, é necessário que medida tão extrema como a quebra do sigilo bancário seja procedida apenas em casos de interesse da justiça, previstos em lei, mediante prévia justificação perante o juiz competente e sob rigoroso controle deste". 26

CECÍLIA MARIA MARCONDES HAMATI

"Portanto, de acordo com a forma colocada pela Constituição Federal a quebra de sigilo bancário é vedada, não podendo, desta feita, a autoridade administrativa requisitar informações desta natureza, ainda que para investigação de prática de sonegação que enseja crime tributário". 27

JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO

"É exclusiva a competência do Judiciário para decretar a quebra do sigilo a fim de tornar transparentes os movimentos bancários, sendo vedado o procedimento unilateral por parte de autoridade administrativa". 28

VITÓRIO CASSONE

"Não é compatível com os termos da vigente Constituição norma infraconstitucional que autorize a quebra de sigilo bancário por decisão exclusiva de autoridade administrativa, independentemente de autorização judicial". 29

MARLENE TALARICO MARTINS RODRIGUES

"À luz desse balizamento, torna-se imprescindível autorização judicial para a quebra do sigilo, até porque a autoridade administrativa sendo parte no processo, não poderia a ela ser atribuído esse poder, em nome do princípio do equilíbrio das partes na relação processual. 30

HELENILSON CUNHA PONTES

"É absolutamente inconstitucional regra legal (seja de que natureza for) que autorize à autoridade administrativa o amplo acesso aos dados protegidos pelo sigilo bancário, sem prévia

autorização judicial, pois conduziria ao aniquilamento do direito fundamental à intimidade, privacidade e sigilo de dados, norma de bloqueio, cujo objetivo é precisamente proteger os indivíduos contra as investidas do Estado". 31

PLÍNIO JOSÉ MARFON

"Diante de todo o exposto, portanto, entendemos não ser possível a quebra do sigilo bancário pela autoridade administrativa sem a prévia interferência do Poder Judiciário, sendo incompatível com a Constituição Federal norma que a autorize". 32

OSVALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO

"Estou que, nos termos postos atualmente na Constituição, de 1988, (...), de fato, informações, realmente, acobertadas pelo direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, e ao segredo profissional, além da correspondência epistolar, das comunicações telegráficas, de dados dos computadores e das comunicações telefônicas, não podem, sem ferir a Constituição, ser transferidas ao talante exclusivo de autoridade administrativa". 33

WAGNER BALERA

"É natural que o recurso extremo da quebra de sigilo só deve se dar com estrita observância do devido processo legal e sob rígido controle do Poder Judiciário, guardião último da ordem jurídica". 34

No caso em exame, como o art. 1º, §3º, VI e art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001 c/c art. 1º; art. 2º, §2º; art. 4º, III e IV, §2º do Decreto nº 3.724/2001 autorizam a quebra do sigilo bancário (CF, art. 5º, X e XII) por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial, traz a baila situação onde o Poder Executivo pretende ter legitimidade para exercer uma função típica do Poder Judiciário, sem autorização expressa e específica da Constituição para fazê-lo, o que contraria o princípio da reserva constitucional de jurisdição.

Portanto, não se coaduna com o princípio da reserva constitucional de jurisdição (art. 2º; art. 60, §4º, III; art. 95, Parágrafo único, I; art. 5º, XXXV, XXXVII e LIII c/c a inteligência do art. 58, §3º da CF/88) a quebra do sigilo bancário (CF, art. 5º, X e XII) por decisão exclusiva da administração, independente de autorização judicial.

05.07. Assim, como a autoridade impetrada já realizou o ato preparatório que antecede a quebra do sigilo que trata o art. 4º, §2º, do Decreto nº 3.724/2001, fica claro que está na iminência de promover administrativamente a quebra do sigilo bancário do impetrante sem a intervenção da autoridade judiciária, termina instaurando procedimento ilegal que representa abuso de poder, que de acordo com matérias acima expostas não se coaduna com a Constituição Federal.

Sobre o autor
Júlio Nogueira

advogado tributarista em Salvador, membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da International Fiscal Association (IFA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Júlio. Mandado de segurança contra quebra de sigilo bancário (Lei Complementar nº 105). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -608, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16444. Acesso em: 23 dez. 2024.

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