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ACP contra tarifa de esgotos e suspensão de fornecimento de água

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Agenda 01/04/2002 às 00:00

IV - A interrupção do fornecimento de água à população - A ilegalidade do procedimento da sanepar:

Consoante já destacado em linhas acima, através da Lei Municipal nº 98/73, a SANEPAR obteve a concessão para explorar os serviços de abastecimento de água no município de Assis Chateaubriand.

Não obstante tratar-se de serviço público de extrema necessidade à população, como também indispensável à sobrevivência humana, a SANEPAR vem adotando em Assis Chateaubriand perversa política empresarial de corte do abastecimento de água em razão de falta de pagamento das faturas.

Em suma, caso o consumidor não promova o pagamento da fatura no prazo de 30 dias após seu vencimento, a SANEPAR suspende o fornecimento da água.

Às escâncaras, percebe-se que tal procedimento viola normas constitucionais, constituindo ato abusivo, ilegal e atentatório à dignidade humana, cuja prática pretendemos coibir através da demanda que ora se inicia.

Por incontáveis vezes o Ministério Público desta comarca foi procurado por cidadãos economicamente hipossuficientes que se queixavam não só das cobranças abusivas de serviços de esgoto, como também da política abusiva da SANEPAR no tocante ao corte do serviço de abastecimento de água.

É evidente que a suspensão do fornecimento de água potável como meio coercitivo para o pagamento da fatura não possui substrato legal.

Sob outro âmbito, tal procedimento também pode ocasionar doenças contagiosas, por tratar-se de questão de saúde pública, já que a interrupção do fornecimento de água potável força a população a buscar água em locais perigosos e insalubres, frisando-se novamente que o art.196 da Carta Magna impõe ao Estado o dever de garantir a saúde da população.

Segundo dados colhidos junto à Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 80% dos casos de doenças mundiais resultam da ingestão de água contaminada, a qual pode ocasionar cerca de 25 tipos diferentes de enfermidades (fonte: "Água: a vida por uma gota", Agenda dos 10 anos do CEDEA")

Nessa órbita, ao utilizar o corte no abastecimento de água potável como meio ilegal de cobrança, a SANEPAR incrementa os riscos de proliferação de uma série de doenças à população, que em última análise, também deverão ser arcadas pelo poder público através de seus entes hospitalares.

Ademais, evidente é a contradição da SANEPAR se compararmos o corte de água com o deficitário tratamento de esgoto exigido da população: sob o argumento de que o tratamento de esgoto é questão de saúde pública, a SANEPAR passa a exigir a ligação de menos da metade da população urbana de Assis Chateaubriand à rede coletora (e mesmo assim contamina o meio ambiente), ao tempo em que, devido a falta de pagamento de clientes economicamente hipossuficientes (aposentados, bóia-frias, etc.), veda acesso dos últimos à água tratada!

Mais grave é o fato de que a imensa maioria, senão a totalidade das pessoas que têm suas casas com o serviço de abastecimento de água interrompido serem de baixa renda, o que amplia dramaticamente o risco de doenças, em razão da má alimentação, dificuldade ou impossibilidade de acesso a medicamentos ou tratamento médico e pouca instrução, muitas vezes até mesmo no que diz respeito às condições e práticas de higiene.

Importa ressaltar, diante da essencialidade do precioso líqüido, que o consumidor inadimplente assim o é não por simples capricho ou descuido, mas sim pelas dificuldades econômicas advindas da crise que o país vivencia, que vem a acarretar, principalmente aos excluídos das benesses da sociedade contemporânea - os mais pobres - maiores dificuldades, fazendo com que se obriguem a inadimplir alguns de seus débitos.

Assim, a cruel política empresarial da SANEPAR prioriza a interrupção do fornecimento do mais fundamental dos elementos, do qual depende a saúde e vida humana, como forma de constrangimento dos mais humildes habitantes de Assis Chateaubriand.


V - O fornecimento de água potável como serviço essencial - O entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema:

Nos últimos anos, dezenas de ações judiciais interpostas em todo o país têm questionado a ilegalidade do corte de fornecimento de água.

Nesse vértice, vários acórdãos vêm definindo a impossibilidade da suspensão do fornecimento de água em virtude do inadimplemento, dentre eles o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

"ÁGUA - Fornecimento por departamento do Estado - Pagamento de preço público ou taxa - Atraso do Consumidor - Corte - Ilegalidade. (Revista dos Tribunais nº 588/259).

Lapidar também é o entendimento exarado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, cuja ementa segue:

"MANDADO DE SEGURANÇA - ÁGUA - FORNECIMENTO - DÉBITO - CORTE NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CONSIDERADO ESSENCIAL - INADMISSIBILIDADE - APELO DESPROVIDO. O fornecimento de água - serviço de natureza compulsória, posto essencial à higiene e à saúde pública, não é passível de interrupção por débito do usuário. Para a exigência da contraprestação em atraso deste serviço dispõe o fornecedor de meios regulares. (TJ/SC ApMS n.º 3.720, 4ª Câmara Cível - votação unânime - Rel. Des. Alcides Aguiar - publicado no DJSC em 31.01.94).

No mesmo sentido também já decidiu o colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, conforme transcrito nos Cadernos do Ministério Público, Volume 2, nº 4, maio 1999, pg.41:

"2.3.1. Fornecimento de água não pode ser interrompido por inadimplência.

‘O fornecimento de água, por se tratar de serviço público fundamental, essencial e vital ao ser humano, não pode ser suspenso pelo atraso no pagamento das respectivas tarifas, já que o Poder Público dispõe dos meios cabíveis para a cobrança dos débitos dos usuários’. Essa foi a decisão unânime da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou o recurso especial da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN contra o pescador Ademar Manoel Pereira.

Segundo o pescador, em julho de 1997, o barraco de madeira em que morava com a família incendiou e todos os móveis foram destruídos, não podendo nada ser recuperado. E, por isso, devido às dificuldades financeiras, atrasou o pagamento das contas de água à CASAN. A esposa de Ademar, Marlene Teixeira Pereira, foi ao escritório da companhia para pedir o parcelamento da dívida, pois não teriam condições de pagar a quantia à vista. O pescador estava reconstruindo a casa com a ajuda da comunidade local, e não poderia ficar sem água. O representante da CASAN negou o pedido de Marlene. Então, o pescador, que hoje trabalha na Prefeitura de Piçarras (SC) onde recebe um salário de 200 reais, entrou com mandado de segurança contra a empresa.

A primeira instância acolheu o pedido de Ademar Manoel. A CASAN, então, apelou ao Tribuna de Justiça de Santa Catarina, tendo sua apelação rejeitada. Inconformada, a companhia entrou com recurso especial no STJ alegando que o fornecimento de água constitui serviço remunerado por tarifa, e que deve ser permitida sua interrupção no caso de não pagamento de contas. Para o ministro Garcia Vieira, relator do processo, "a Companhia Catarinense de Água cometeu um ato reprovável, desumano e ilegal. É ela obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não poderia cortar o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento", casos previstos no Código de Defesa do Consumidor.

Segundo Garcia Vieira, para receber seus créditos, a CASAN deve usar os meios legais próprios, "não podendo fazer justiça privada porque não estamos mais vivendo nessa época e sim no império da lei, e os litígios são compostos pelo Poder Judiciário, e não pelo particular. A água é bem essencial e indispensável, subordinado ao princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e muito menos por atraso no seu pagamento", finaliza o ministro.(Decisão unânime da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sendo Relator o Ministro Garcia Vieira - RESP 00201112, julgado em 20 de abril de 1999).

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Destarte, resta demonstrada que referida prática é ilegal, devendo ser prontamente rechaçado pelo Poder Judiciário.

Sob outro âmbito, importa destacar que a legislação pátria proíbe a suspensão do fornecimento de serviços de utilização compulsória para o consumidor.

Nesse sentido, a utilização dos serviços de fornecimento de água e remoção de dejetos prestados pela requerida são de utilização compulsória para o consumidor, ou seja, independem da vontade deste para serem prestados, pois assim dispõe o art. 8º caput da Lei Complementar Estadual n.º 04/75:

"Art. 8º. Todo o prédio, destinado a habitação ou para fins comerciais ou industriais, deverá ser ligado às redes de abastecimento de água e remoção de dejetos, quando a exploração dos sistemas for estadual, municipal ou concedida".

No mesmo diapasão, destaca o art.7º da Lei Complementar n.º 33.641/77:

"Art. 7º. Todos os prédios residenciais, comerciais, industriais ou instalações em logradouros públicos, localizados em áreas servidas por Sistema de Abastecimento de Água e por Sistema de Coleta de Esgotos, serão obrigados a fazer as respectivas ligações aos sistemas, aterrando os poços ou fossas existentes."

Esta "compulsoriedade" atribuída pelo legislador aos serviços de fornecimento de água e remoção de dejetos nos trazem duas conclusões interessantes à presente demanda.

A primeira refere-se à indispensabilidade da água para a manutenção da saúde do usuário e de toda a coletividade, posto que o fim destas normas é propiciar a todos os cidadãos, até mesmo contra a sua vontade, uma condição de dignidade humana advinda do saneamento básico.

Já a segunda refere-se a incoerência lógica existente entre a obrigatoriedade do serviço e a possibilidade de suspensão do mesmo diante do simples inadimplemento do usuário, posto que tal obrigatoriedade, imposta para que prevaleça o interesse público sobre o privado, pode ser invalidada pela possibilidade da suspensão, o que beneficia exclusivamente a empresa prestadora do serviço.

Assim, volvemos a frisar que estamos diante da estarrecedora possibilidade de virem a se propagar doenças altamente contagiosas e letais (cólera e hepatite entre elas) em razão da política adotada pela SANEPAR para cobrança de seus serviços.

Se tal atitude não for coibida, número cada vez maior de pessoas deixará de ter acesso a um dos mais elementares benefícios da sociedade contemporânea: a água tratada.

Ressaltar que tais doenças poderão não apenas se restringir às regiões mais pobres das cidades, como também poderão atingir caráter epidêmico, atingindo tanto aqueles que não podem quanto os que podem pagar em dia suas contas de água.

Inegável, portanto, o interesse público (inclusive daqueles que jamais atrasaram sequer um talão de água) na determinação judicial de cessação da prática ilegal e nociva.

O administrativista DIÓGENES GASPARINI, com sua invulgar sabedoria, sopesa o entendimento da impossibilidade do corte no fornecimento de serviços compulsórios:

"Com efeito, se a Administração Pública os considera essenciais e os impõe, coercitivamente, aos usuários situados no interior da área de prestação, como ocorre com os serviços de coleta de esgoto sanitário, não os pode suprimir ante a falta de pagamento. Ademais, sendo o serviço compulsório remunerado por taxa, espécie do gênero tributo, possui a administração ao seu dispor o meio eficaz e próprio (ação de execução) para obter o valor devido e os acréscimos legais, não lhe cabe impor outras sanções."(in DIREITO ADMINISTRATIVO, Saraiva, 1995, pp. 218).

Em resenha, se uma norma impõe a compulsoriedade do serviço para o consumidor, por outro também obriga as concessionárias a prestá-lo, posto que não teria sentido obrigar o consumidor ao uso de tal serviço se a requerida pudesse romper o fornecimento da forma que melhor atendesse aos seus interesses.

Vale asseverar que a imposição do uso do serviço em questão desconsidera a vontade do consumidor para fazer valer interesse público dos mais relevantes, que é a saúde e a higiene da população como um todo, de forma que o inadimplemento da contraprestação não pode obstar o alcance de tal interesse.

Destacar que no inicio do ano 2000, centenas de pessoas carentes dirigiram abaixo assinado ao Presidente da Sanepar (documento incluso às fls.163/168), suscitando a impossibilidade de pagamento das elevadas faturas da empresa. Nesse sentido, vislumbra-se tratar de pessoas extremamente carentes, que não se recusam a pagar o que devem, somente não o fazendo por força das circunstâncias, ora de caráter eventual e temporal.

Nessa esteira, com tal procedimento a SANEPAR inobserva as normas de ordem pública previstas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo pacífico a subsunção do Poder Público às normas previstas na Lei n.º 8.078/90, quando da prestação de serviços públicos aos usuários.

Mesmo assim, através da prática que ora se espera coibir, a SANEPAR vem infringindo várias regras previstas neste estatuto do consumo, não sendo demais ressaltar que tais normas, diante do que dispõe o artigo 1º, são de ordem pública e interesse social.

A primeira destas regras, já destacada linha acima, vem insculpida no art.22 caput, do CDC, in verbis:

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes e, quanto aos essenciais, contínuos."

Este artigo cria para a empresa requerida um dever de continuidade dos serviços essenciais, sendo indiscutível que a água é um bem indispensável para a vida de qualquer ser vivo. Tal fato é de conhecimento das autoridades sanitárias, como fica demonstrado claramente através da obrigatoriedade dada por lei ao uso de tais serviços.

Todavia, mencionado regramento não vem sendo cumprido pela requerida, a qual utiliza o inadimplemento do consumidor como forma coativa para coarctar o fornecimento de água potável, quando a lei determina de forma clarividente que os serviços essenciais devem ser prestados de forma contínua.

Tecendo comentários sobre esta norma, o eminente e respeitado jurista ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN salienta:

"A segunda inovação importante é a determinação de que os serviços essenciais - e só eles - devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço. Tratando-se de serviço essencial e não estando ele sendo prestado, o consumidor pode postular em Juízo que se condene a administração a fornecê-lo. Ressalta-se que o dispositivo não obriga o Poder Público a prestar o serviço. Seu objetivo é mais modesto: uma vez que o serviço essencial esteja sendo prestado, não mais pode ele ser interrompido. Uma coisa é o consumidor saber que não pode contar, por qualquer razão alegada pela administração, com um determinado serviço público. Outra, bem distinta, é despojar-se o consumidor, sem mais nem menos, de um serviço essencial que vinha usufruindo."(......) "O Código não disse o que se entendia por serviços essenciais. Essencialidade, pelo menos neste ponto, há que ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo serviço público indispensável à vida em comunidade, ou melhor, em uma sociedade de consumo. Inclui-se aí, não só os serviços públicos stricto sensu (os de polícia, os de proteção, de saúde), mais ainda os serviços de utilidade pública (os de transporte coletivo, os de energia elétrica, os de gás, os de telefone, os de correio)..." (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, Saraiva, 1991, pp. 110/111).

Mais incisiva ainda é a lição do mestre MÁRIO AGUIAR MOURA, que preleciona de forma contundente:

"A continuidade dos serviços essenciais significa que devem ser eles prestados de modo permanente e sem interrupção, salvo ocorrência de caso fortuito ou força maior que determine a sua paralisação passageira. A hipótese é a de o particular já estar recebendo o serviço. Não pode a pessoa jurídica criar a descontinuidade. Serviços essenciais são todos os que se tornam indispensáveis para a conservação, preservação da vida, saúde, higiene, educação e trabalho das pessoas. Na época moderna, exemplificativamente, se tornaram essenciais, nas condições de já estarem sendo prestados, o transporte, água, esgoto, fornecimento de eletricidade com estabilidade, linha telefônica, limpeza urbana etc. Dentro da obrigatoriedade de serem tais serviços contínuos e permanentes, vem à baila a regra administrativa de corte no fornecimento, v. g. de água, eletricidade, linha telefônica, no caso do usuário deixar de pagar as taxas impostas pelo Poder Público. Sou do parecer que tal ação da Administração, ofendendo norma cogente de proteção ao consumidor, será ato contrário à lei e que enseje o remédio da restauração do serviço. Os meios que tem o Poder Público são os de promover a cobrança das taxas impagas na forma da lei. (O Poder Público como fornecedor perante o Código de Defesa do Consumidor, in Repertório de Jurisprudência IOB, 2º quinzena de abril/92, p. 174).

Neste mesmo sentido, como luvas ao caso em exame, insta destacarmos ementa do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, já noticiada acima:

"FORNECIMENTO DE ÁGUA - SUSPENSÃO - INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO - ATO REPROVÁVEL, DESUMANO E ILEGAL - EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO E AO CONTRANGIMENTO. A Companhia Catarinense de Água e Saneamento negou-se a parcelar o débito do usuário e cortou-lhe o fornecimento de água, cometendo ato reprovável desumano e ilegal. Ela é obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua, não expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento. (Resp. n.º 201.112 - SC,1ª Turma por unanimidade, Rel. Ministro Garcia Vieira, publicado no DJ em 10.05.99).(grifou-se)

Ainda consta do referido acórdão:

".... Com isso a Companhia Catarinense de Água cometeu um ato reprovável, desumano e ilegal. É ela obrigada a fornecer água a população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não poderia cortar o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento (Código de Defesa do Consumidor, art. 22 e 42). Para receber os seus créditos, tem a impetrada os meios legais próprios, não podendo fazer justiça privada porque não estamos mais vivendo nessa época e sim do império da lei e os litígios são compostos pelo Poder Judiciário e não pelo particular. A água é bem essencial e indispensável para à saúde e higiene da população. Seu fornecimento é serviço público indispensável, subordinado ao princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e muito menos por atraso no seu pagamento.... "

Em outro acórdão, o Ministro JOSÉ DELGADO, integrante da 1ª Turma do SUPERIOR DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA, também asseverou a impossibilidade da suspensão do fornecimento de serviços essenciais, como segue:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DA TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. 1.É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente. 2.Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia elétrica e consistente na interrupção do fornecimento da mesma. 3.A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade da prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4.Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5.O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade. 6.Não há de se prestigiar a autuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 7.O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 8.Recurso improvido." (ROMS n.º 8915 - MA, 1ª Turma - unânime - Rel. Ministro José Delgado, publicado no DJ de 17.08.98)(grifou-se)

Sob outro âmbito, também já decidiu o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL da 4ª REGIÃO que para a satisfação de créditos não pode a concessionárias interromper serviços essenciais, devendo utilizar as vias legais para tal mister:

"ADMINISTRATIVO, MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. 1.A concessionária de energia elétrica deve buscar a satisfação de seus créditos através dos meios legais de que dispõe, o que não significa a suspensão do serviço público. 2. Remessa "ex officio" improvida." (TRF 4ª Região, REO 0441560/94/RS: DJ 27.09.95, Juiz Nylson Paim de Abreu)

Por outro lado, o expediente do corte utilizado pela SANEPAR viola o disposto no artigo 42 da Lei 8078/90, posto que tal forma de pressão constitui verdadeira coação, com a única finalidade de constranger o consumidor.

Neste sentido preleciona o mestre FÁBIO ULHOA COELHO:

"Um outro lado da vulnerabilidade do consumidor se revela quando, por ter sido inadimplente, vem a ser cobrado pelo fornecedor. Notadamente, as pessoas de poucos conhecimentos ou recursos podem ser presas fáceis de meios inidôneos de cobrança. A proteção do consumidor alcança, neste tema, a vedação do uso de expedientes capazes de exporem ao ridículo o consumidor ou submeterem-no a qualquer forma de constrangimento ou ameaça. A sua inadimplência não pode ser tratada de maneira vexatória ou coercitiva. Em outros termos, ao fornecedor cabe exercer o seu direito de forma regular. Poderá, evidentemente, valer-se de todas as garantias juridicamente proporcionados ao credor, mas nunca poderá intimidar ou ridicularizar o consumidor. Esta vedação apenas explicita que o fornecedor não pode exercer abusivamente o seu direito de credor, devendo observar com rigor o padrão legalmente previsto para o recebimento de seu crédito". (Comentários ao Código de Proteção do Consumidor - vários autores, Saraiva, 1991, p. 172).

Em síntese, é repugnável o procedimento da requerida, adotando forma coativa como meio de cobrança de dívida, violando expressamente o disposto no art.71 do Código de Defesa do Consumidor, que inclusive prevê crime na conduta de:

"utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer"

Portanto, o fornecimento de água constitui serviço essencial, o que concede a qualquer ofendido pleitear a medida judicial em defesa do seu direito básico para que seja observado o fornecimento de produtos e serviços (relação de consumo) a teor de art. 6º, incisos VI e X, c/c o art. 22 do CDC.

Ressaltar que tal principio proíbe o retrocesso, porque o art. 5º, inciso XXXII e art.170 da Carta Magna vem protegidos pelo art.1º do CDC, o que atende a política nacional de relação de consumo, cujo o objetivo é o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia de relações de consumo (art.4ºcaput, do CDC).

Ademais, destaque-se que a odiosa política empresarial da SANEPAR penaliza o consumidor duplamente. Nesse sentido, prova-se pelas inúmeras faturas juntadas ao feito que a requerida, além de interromper o serviço essencial, ainda cobra para desligar e religar o hidrômetro (vide faturas juntadas às fls. ).

Em complemento, frise-se que a matéria jornalística encartada às fls.152 também noticia a suspensão do corte de água pela SANEPAR na Comarca de Campo Mourão-PR, através de recente decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, pois segundo destacou o Desembargador BONEJOS DEMCHUK "A companhia de água, no caso a SANEPAR, é obrigada a fornecer a água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não pode cortar o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento.....A SANEPAR tem os meios legais próprios para receber os seus créditos e não pode fazer justiça privada, porque não estamos mais vivendo esta época e sim do império da lei e os litígios são compostos pelo Poder Judiciário e não particular".

Por fim, embora haja previsão legal acerca da concessão da Tarifa Social aos hipossuficientes, vislumbramos diuturnamente na Promotoria de Justiça, que centenas de pessoas desconhecem tal direito, seja por má informação, seja por omissão da SANEPAR.

Nesse contexto, basta verificarmos as faturas de água para vislumbrar que em nenhuma delas há informação acerca da concessão da Tarifa Social. No mesmo prisma, no verso das faturas sequer há menção sobre tal direito, somente havendo advertências no sentido de que o inadimplemento pode gerar multa e suspensão no fornecimento dos serviços.

Desta forma, através da presente ação, também visa o Ministério Público a exigir da SANEPAR, à luz do art.6º incisos II e III da Lei 8078/90, que informe aos consumidores o direito à obtenção da tarifa social estabelecida pelo Decreto Estadual nº 3.731/97.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. ACP contra tarifa de esgotos e suspensão de fornecimento de água. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16488. Acesso em: 7 nov. 2024.

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