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ACP contra tarifa de esgotos e suspensão de fornecimento de água

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Agenda 01/04/2002 às 00:00

VI - Do pedido liminar visando à suspensão da cobrança da tarifa de esgoto:

Estando presente e demonstrado o binômio do fumus boni juris e do periculum in mora, bem como o disposto no artigo 12 da Lei de Ação Civil Pública (7.347/85), autoriza-se a concessão de medida liminar para rechaçar ambas as práticas ilegais que vêm sendo adotada pela SANEPAR.

A "fumaça do bom direito" vem representada pela violação de normas ambientais e consumeiristas pela SANEPAR, especialmente na cobrança de serviços prestados de forma deficiente (rede de esgoto), como também na forma de cobrança vexatória e coercitiva a ensejar a interrupção do fornecimento de água aos cidadãos.

O "perigo na demora" reside no prejuízo patrimonial mensal a que estão submetidos todos os cidadãos que vêm pagando elevada tarifa de esgoto, sendo que não há contrapartida de resultado adequado do serviço, posto que a SANEPAR está contaminando as águas do município através de coliformes fecais em número não permitido, o qual constitui vetor de inúmeras doenças de natureza epidêmica.

Nesse aspecto, a cobrança de valor significativo, de forma impositiva, sem que haja a contrapartida definida em lei pela empresa concessionária de serviço público (tratar o esgoto de forma a lançar o efluente tratado dentro dos padrões ambientais estabelecidos pelo corpo d’água receptor do fluído) está a caracterizar injustificável enriquecimento da empresa em detrimento da comunidade, inclusive daqueles mais carentes e que são constrangidos, em caso de inadimplemento, com a suspensão de fornecimento de água tratada.

Destarte, em sede de liminar requer-se digne Vossa Excelência. em conceder medida liminar sem justificação prévia, determinando-se que a SANEPAR se abstenha de cobrar a Taxa/Tarifa de esgoto em todo o município de Assis Chateaubriand, enquanto não for comprovado nos autos, mediante perícia do Instituto Ambiental do Paraná ou outra entidade habilitada, acompanhando aquele a perícia, que o serviço prestado pela requerida está adequado aos parâmetros legais estabelecidos pelo CONAMA, especialmente no que diz respeito aos coliformes fecais, permitindo-lhe somente a cobrança da taxa/tarifa pelo fornecimento de água.

Cabe ressaltar que o perigo da demora na concessão da medida poderá trazer danos irreparáveis aos consumidores, pois do contrário continuarão sendo lesados pela ilegal e injusta cobrança do serviço de esgoto totalmente ineficiente.

Nesse prisma, a denegação da liminar poderia provocar um maior gravame aos consumidores/contribuintes, uma vez que o valor das importâncias pagas a título de contraprestação pelos serviços de esgoto dificilmente será totalmente reembolsada pela entidade pública, até mesmo porque eventual execução do indébito deverá ser promovida individualmente e de forma bastante custosa, já que o Ministério Público somente tem legitimidade para a ação de conhecimento, cabendo a cada um dos beneficiados por esta ação executar a sentença, no que lhe for favorável, posteriormente.

Ainda assim, aqueles que não executarem a sentença a contar um ano do trânsito em julgado, correm o risco de terem seus créditos convertidos ao fundo de que trata a Lei 7.347/85, por força da execução coletiva a ser promovida pelo requerente, nos termos do artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, prejuízo algum redundará à requerida se, deferida a liminar, vier a ser julgada improcedente a ação nesse tópico. Neste caso, bastará que o ente público efetue a cobrança dos valores constantes nas faturas de água/esgoto, cuja cobrança tenha sido obstada pela medida liminar postulada.

Ainda importa destacar que a suspensão na cobrança dos serviços de esgoto também visa a compelir a SANEPAR a readequar seus serviços, uma vez tratar-se de empresa notoriamente rica, que pouco vem se importando com o meio ambiente, fato ilustrado nas matérias jornalísticas acima mencionadas.

Vale destacar que a concessão da cautela pleiteada em nada afetará o julgamento final da lide e tampouco caracterizará a antecipação da própria decisão de mérito, pois conforme leciona o mestre GALENO LACERDA:

"A segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional atende, em regra (com exceções possíveis nas cautelas atípicas), a necessidade de proteção imediata de pessoas... No campo das cautelas inominadas, essa antecipação se estende em dimensões notáveis praticamente a todos os setores do direito, como evidencia o comentário ao artigo 799." (Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, Tomo I, 4ª ed. Forense, p. 20).

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Na mesma esteira, acrescenta o mestre:

"Não pode o juiz, como já se disse, criar o direito material em abstrato e atribuí-lo a parte e neste ponto, sem dúvida, seu poder revela-se menor do que o pretor romano e os dos juizes anglo-americanos. O direito material constitui requisito ínsito no fumus boni juris. A providência cautelar, sim, é que representa obra concreta de criação, não prevista pelo legislador, mas compreendida necessariamente no próprio dinamismo do direito material em contato com a realidade. Assim, por exemplo, a sustação do protesto cambial constitui medida não prevista em lei, mas que se inclui, sem dúvida, no âmbito do eventual direito subjetivo material nascido de fato extintivo, como o pagamento, ou impeditivo, como a nulidade do título ou só negócio subjacente, ou da própria inexistência do negócio jurídico. O direito subjetivo material, o juiz não o cria mas a providência cautelar de tutela, imprevista ou imprevisível em lei, sim. Com esta distinção, que é real e certa, evita-se o risco, apontando com freqüência na doutrina estrangeira, de que a concessão da cautela inominada importe prejulgamento do direito, objeto da ação principal. Claro esta que esse prejulgamento não existe, nem poderá existir, mesmo quando a cautela importe antecipação, meramente provisória, da prestação jurisdicional de mérito. E aqui se indica outro limite à discrição do magistrado. Como acentua Goldshimidt, a medida cautelar não pode criar a situação de fato que corresponderia ao direito do solicitante, como a entrega da coisa, extinção da hipoteca, a desocupação do imóvel, salvo quando se tratar de satisfação de necessidades primárias (alimentos, relações de família, etc.). Nesta ressalva que, eventualmente, poderá se estender a outras situações de extrema gravidade, como veremos adiante no comentário do artigo 799, ocorre a antecipação provisória e satisfativa da prestação jurisdicional, já referida no n.º 5, supra, mas a providência não perde o caráter condicional e provisório, e não significa, em absoluto, prejulgamento definitivo." (Ob. cit., pp. 86 e 87).

Assim, a concessão da cautela não implica em prejulgamento da lide, mas uma antecipação provisória e satisfativa dos efeitos que decorram desta decisão, o que é perfeitamente tolerável pelo direito pátrio.

Finalmente, é preciso ter-se em mente que estamos em sede de proteção de interesses difusos e coletivos, não inter-subjetivos. Assim sendo, o que interessa é evitar o dano, até porque, como já se viu, este é insuscetível, pelas características da lide.

Necessária, portanto, diante da aparência do bom direito e do perigo da demora no julgamento da causa, que seja determinada a suspensão liminar da cobrança do serviço de esgoto pela SANEPAR, determinando-se que doravante, somente seja cobrado dos consumidores/contribuintes a taxa/tarifa de água, excluindo-se qualquer cobrança a título de esgoto.


VII - Do pedido de tutela antecipada proibir a interrupção do fornecimento de água potável:

Com fundamento nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil, tem-se como flagrante a ilegalidade e abusividade da suspensão do fornecimento do serviço público essencial de água à população de Assis Chateaubriand, impondo-se a concessão de tutela antecipada para a imediata cessação de tal prática, bem como para que seja o mais breve e possível restabelecido o fornecimento a todos os consumidores que porventura estejam com o mesmo suspenso pela inadimplência.

Os requisitos necessários para obtenção da tutela antecipada estão presentes e satisfatoriamente caracterizados, quais sejam: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, prova inequívoca e verossimilhança da alegação.

A prova inequívoca se faz presente pela inúmeras faturas juntadas ao feito, onde se comprova que a SANEPAR interrompe o fornecimento de água para coagir o consumidor ao pagamento da fatura. Não bastasse isso, ainda cobra para desligar e religar o hidrômetro, penalizando duplamente o consumidor.

Destarte, os fatos narrados estão provados documentalmente, não havendo qualquer dilação probatória a ser realizada.

No tocante à verossimilhança da alegação, interessante a lição de NEYTON FANTONI JUNIOR, ao asseverar que:

"para a obtenção da tutela jurisdicional antecipada também se faz necessário que o requerente convença o juiz da verossimilhança da alegação. Para tanto, poderá valer-se de diversos elementos idôneos de convicção, tais como: a) prova pré-constituída da relação jurídica; b) reconstrução do conteúdo da relação jurídica, os fins por ela visados, o sentido das palavras que exteriorizaram a manifestação de vontade, as conseqüências esperadas e as conseqüências verificadas; c) precedentes judiciais fundados em circunstâncias que se identifiquem ou se assemelhem ao caso concreto mediante confrontação analítica, indicando a razoável tendência da solução a ser definida; d) ofensa a dispositivo legal expresso; e) violação a princípio ou garantia constitucional". (A TUTELA ANTECIPADA À LUZ DA EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DO PRESTÍGIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL, publicada na RJ n.º 215, pág. 31).

Transportando estas palavras para o presente caso, encontram-se presentes todos os pressupostos narrados, ou seja, há prova pré-constituída da situação vivida pelos consumidores desta comarca, demonstrando-se a ofensa a dispositivo de lei e a princípios constitucionais, sobretudo pela violação de um direito básico do consumidor que é a adequada, eficaz e contínua prestação dos serviços públicos essenciais (art. 6º, inc. X e art.22 do CDC).

Por último, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação também existe, posto que esta ilegal prática está a causar danos a saúde da coletividade dos consumidores, podendo até mesmo ser responsável por uma epidemia de uma doença qualquer, como o cólera. Aliado à isto, temos a demora natural do trâmite da presente ação, que versa sobre matéria constitucional, cabendo recurso até mesmo ao Egrégio Supremo Tribunal Federal e, ainda, a existência de prazos dilatados para a Fazenda Pública, o que tornará longa a batalha judicial, vindo em desprestígio ao Poder Judiciário.

Interessantes nesse tópico, descrever as sábias palavras de TEORI ALBINO ZAVASCKI, a afirmar que:

"o processo, instrumento que é para a realização de direitos, somente obtém êxito integral em sua finalidade quando for capaz de gerar, pragmaticamente, resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas. Daí dizer-se que o processo ideal é o que dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a entrega da prestação efetivamente devida, da prestação in natura. E quando isso é obtido, ou seja, quando se propicia, judicialmente, ao titular do direito, a obtenção de tudo aquilo e exatamente daquilo que pretendia, há prestação de tutela jurisdicional específica". (ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER, publicada na RJ n.º 237, pág. 20).

Finalmente, inexiste qualquer proibição referente à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública ou suas empresas, sendo somente necessário, em virtude da Lei n.º 9.494 de 10.09.97, que ampliou para aos casos de antecipação de tutela, as exigências feitas pela Lei n.º 8.437/92, o pronunciamento do representante judicial da Fazenda, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, sobre a tutela ora pleiteada.


VIII - Dos pedidos atinentes ao caso concreto:

Ante os argumentos expendidos, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:

A) liminarmente, e sem a oitiva da parte contrária, seja deferida medida liminar suspendendo imediatamente a cobrança da Tarifa de Esgoto em todo o município de Assis Chateaubriand, comunicando a decisão ao Gerente-Regional da Sanepar, Sr. Odacir Fiorentini, com escritório à Avenida Tupãssi, s/n, nesta cidade de Assis Chateaubriand-PR, para que implemente a presente medida, sob pena de aplicação de multa diária de R$100,00 (cem reais) para cada imóvel atingido.

B) liminarmente, e sem a oitiva da parte contrária, seja deferida medida liminar determinando que a SANEPAR, à luz do art.6º incisos II e III do Código de Defesa do Consumidor, emita comunicado explicativo a todos os consumidores deste município, por 03 meses seguidos e juntamente com a fatura de água, sobre o direito à obtenção da chamada Tarifa Social estabelecida pelo Decreto Estadual nº 3.731/97, sob pena de aplicação de multa diária de R$100,00 (cem reais) para cada imóvel ligado à rede da concessionária.

C) a citação da COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR, na pessoa de seu Diretor-Presidente, Eng. Carlos Afonso Teixeira de Freitas, para tomar ciência da presente ação civil pública, e pronunciar-se no prazo de 72 (setenta e duas) horas sobre o pedido de tutela antecipada referente à interrupção do abastecimento de água.

D) Após o decurso do prazo de 72 horas, com ou sem manifestação da SANEPAR, seja concedida a tutela antecipada na forma enunciada para determinar à requerida o imediato restabelecimento do fornecimento de água aos consumidores inadimplentes, bem como a proibição da realização de tal prática, sob pena de multa diária no valor de R$100,00 (cem reais) para cada imóvel atingido.

E) O reconhecimento da procedência da ação, declarando-se a impossibilidade da suspensão do fornecimento de água em virtude do inadimplemento dos usuários, condenando-se a SANEPAR à obrigação de não fazer, consistente na não suspensão do serviço público essencial de fornecimento de água em virtude do inadimplemento nos moldes referidos nesta ação.

F) A condenação da requerida na obrigação de fazer, consistente na imediata prestação de serviço público essencial de fornecimento de água eventualmente suspenso em virtude do inadimplemento;

G) A condenação da requerida na obrigação de não fazer, consistente na abstenção de cobrança da taxa de esgoto enquanto não demonstrada por entidade oficial a adequação do serviço aos padrões ambientais contidos na Resolução CONAMA 20/86.

H) A condenação da requerida na obrigação de fazer, consistente na adequação do sistema de tratamento de esgoto para o lançamento eficiente dos resíduos tratados, dentro dos padrões ambientais estabelecidos na Resolução CONAMA 20/86.

I) Nos termos do art.14 parágrafo único da Lei 6.938/81, seja a requerida condenada a indenizar ou reparar os danos ambientais provocados no Rio Baiano, os quais deverão ser avaliados em sede de liquidação de sentença, impondo-se sua obrigação em promover a revitalização do rio diante das normas ambientais que regem a matéria.

J) A condenação da requerida ao pagamento das despesas processuais e verba honorária de sucumbência, cujo recolhimento deverá ser feito ao "Fundo Especial do Ministério Público", criado pela Lei Estadual n. 12.241, de 28 de junho de 1998 ( D.O.E. n. 5.305, de 03 de agosto de 1998), nos termos do artigo 118, inciso II, alínea "a", parte final, da Constituição do Estado do Paraná.

K) A produção de todas as provas em direito permitidas, sobretudo a documental, testemunhais e periciais, além do depoimento pessoal de representante legal da requerida, e se preciso for, inspeções na rede coletora de esgoto, estação de tratamento e demais dependências físicas da SANEPAR nesta Comarca.

Observando-se o disposto no art. 18 da Lei Federal nº. 7.347/85, dá-se à causa, por estimativa, o valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).

Assis Chateaubriand, 20/novembro/2001.

GIOVANI FERRI

Promotor de Justiça

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. ACP contra tarifa de esgotos e suspensão de fornecimento de água. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16488. Acesso em: 7 nov. 2024.

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