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Juiz determina que empréstimos consignados para idosos analfabetos sejam feitos em cartório

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DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

            Consoante expendido, temos perfeitamente caracterizada situação a ser amparada pela tutela coletiva, decorrente de direito individual homogêneo, porque trata-se de um grupo individualizado de pessoas com interesse comum por uma relação jurídica base, ou seja, violação de direito decorrente de uma relação de consumo tendo por beneficiários pessoas idosas, pobres e analfabetas, o que autoriza não apenas as disposições constantes no CDC, como igualmente do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003).

            O saudoso Hely Lopes Meirelles, através da obra "Mandado de Segurança", posicionou-se lapidarmente sobre o referido instituto processual da seguinte forma:

            " A ação Civil Pública, disciplinada pela Lei nº 7.347, de 24/07/1985, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações da ordem econômica (art. 1º), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade. Na realidade, a ação civil pública surgiu com seu campo de aplicação restrito quanto aos setores de sua incidência como em relação aos interesses que podiam ser defendidos mediante a utilização do novo instrumento processual.a legislação posterior-especialmente o Código de Defesa do Consumidor – ampliou ambas as áreas, permitindo que a ação civil pública viesse a abranger os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, nos casos dos três primeiros incisos do art. 1º (proteção ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e tão somente os interesses difusos ou coletivos, nos demais casos." (in op. Cit. p.169/170).


DA TUTELA ANTECIPADA

            A antecipação da tutela, instituto que se constitui em novidade no nosso ordenamento jurídico, fez introduzir no CPC os princípios da verossimilhança, da prova inequívoca e do perigo da irreversibilidade, exurgidos com a nova redação do art. 273, dada pela Lei 8.952/94. Na concessão da medida (incisos I e II) há que atentar -se para o fato de que esta não se confunde com as cautelares elencadas nos arts. 796 a 889, do CPC, nem tampouco as prejudica.

            Para HUMBERTO TEODORO JÚNIOR, "verossimilhança e a aparência de verdade, o razoável, alcançando, em interpretação lato sensu, o próprio fumus boni iuris e, principalmente, o periculum in mora. Prova inequívoca é aquela clara, evidente, que apresenta grau de convencimento tal que a seu respeito não se posse levantar dúvida razoável, equivalendo, em última análise, à verossimilhança da alegação, mormente ao direito subjetivo que a parte queira preservar. Fundado receio de dano e o abuso de direito de defesa são requisitos alternativos e não cumulativos, para o efeito de concessão da liminar de tutela de mérito."

            No caso em apreço, existe configurada uma relação de consumo entre os beneficiários do INSS que buscam voluntariamente um empréstimo através da modalidade consignada e as instituições financeiras cujos serviços cingem-se a empréstimos pecuniários e operações financeiras, sendo perfeitamente normatizada pelo CDC, conforme recente orientação da Suprema Corte. Vale ressaltar a própria Súmula

            A pretensão aqui discutida encontra-se perfeitamente protegida pelo ordenamento jurídico, uma vez que o empréstimo consignado realizado de maneira abusiva implica não apenas em vício no consentimento com a correspondente declaração de nulidade de suas cláusulas além da conseqüente responsabilidade civil das sociedades financeiras.

            Neste sentido, o que se objetiva com a presente ação é obstar o abuso decorrente desses contratos de empréstimo na modalidade consignada, porque em total desconformidade com os preceitos legais, uma vez que trazem evidente prejuízo aos contratantes, frise-se, em grande parte pessoas idosas, pobres, analfabetas ou semi-alfabetizadas.

            Em conseqüência não se deseja que as pessoas aqui beneficiadas sejam impedidas de contratar empréstimos bancários, mas que caso assim desejem, manifestem expressamente esta vontade através do registro do respectivo contrato no Cartório de Registro Público desta comarca, além de que seja intimado o INSS para que suspenda imediatamente com a consignação das importâncias objetos deste tipo de contrato para todos aqueles beneficiários que sejam analfabetos e recebam pelo menos, 01 (um) salário-mínimo, e a partir da concessão desta decisão apenas proceda com o respectivo desconto consignado no benefício previdenciário caso, tratando-se de pessoa analfabeta encontre-se o contrato devidamente registrado pelo notário público.

            Portanto, assim estão caracterizados os requisitos necessários à concessão da tutela antecipada, a fim de que seja evitado o desconto no benéfico previdenciário do contratante analfabeto, caso o contrato não seja registrado mediante instrumento público como orienta a lei.

            Ainda em tutela antecipada, requer também que as sociedades financeiras demandadas abstenham-se de proceder com os referidos empréstimos consignados sem a observância dos procedimentos legais supra elencados, sob pena de ser-lhes aplicadas multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por contrato realizado, a partir da publicação da decisão concessiva do pedido antecipatório, além da devolução em dobro do valor do respectivo empréstimo consignado, independente da indenização por danos materiais e morais que restarem comprovadas em instrução processual das ações individuais.


DO PEDIDO

            Em decorrência do exposto, postula a Defensoria Público do Estado da Bahia, o seguinte:

            a)Distribuição urgente desta inicial, com prioridade na tramitação, haja vista tratar-se de interesses de pessoas idosas, nos termos artigo 1º da Lei 10.741/2003;

            b) Concessão dos efeitos da tutela antecipatória para com fundamento no art. 461, CPC, que as sociedades financeiras demandadas abstenham -se de realizar contratos de empréstimos consignados com beneficiários do INSS idosos e analfabetos sem que tais contratos encontrem-se devidamente registrados por instrumento público, sob pena de ser -lhes aplicada multa cominatória no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por contrato realizado sem a observância do procedimento postulado, além da intimação do INSS para que suspenda imediatamente a consignação de valores objetos de contratos de empréstimo consignado realizado com pessoas analfabetas nesta comarca que contraponham as condições supra elencadas até o julgamento desta ação, bem como, a obrigação de não realizar respectivos descontos em contratos semelhantes que não apresentem as formalidades do reconhecimento mediante registro público;

            c) Confirmação, ao final, da tutela antecipada postulada;

            d)Declaração de nulidade de todas as cláusulas dos contratos de adesão de empréstimo consignado que tragam evidente prejuízos aos beneficiários do INSS, conforme preconizam os arts. 39 e 46, do CDC, desde que realizados sem a observância das formalidades legais, além da condenação das instituições financeiras demandadas a devolverem em dobro os valores indevidamente consignados, independente da indenização, pelos danos materiais e morais, a serem posteriormente comprovados em ações individualmente propostas;

            e)Citação das Rés para responderem a presente ação, sob pena de ser-lhes aplicada a pena de revelia e consequente confissão acerca dos fatos apresentados;

            f) Pugna ainda pela intimação do Ministério Público para intervir no feito;

            g)Requer a produção de todos os meios de prova em direito permitidos, especialmente, apresentação de novos documentos e perícias, caso sejam necessárias, além da inversão do ônus da prova, tal qual preconizado pelo CDC;

            h)Condenação das requeridas ao pagamento de custas e honorários de advogado, ressaltando-se que estes reverter –se - ão em favor do Fundo próprio administrado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia, nos termos da Lei Orgânica 26/2006.

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            Atribui-se à causa o valor de R$ 106.000,00 (cento e seis mil reais).

            Paulo Afonso - BA, 29 de junho de 2007.

            JOSÉ RAIMUNDO PASSOS CAMPOS

            Defensor Público do Estado

            GENEIR MARQUES DE CARVALHO FILHO

            Defensor Público do Estado.



PODER JUDICIÁRIO

JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE PAULO AFONSO-BAHIA

            Processo nº 1582905-1/2007

            Ação: Civil Pública

            Autora: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA

            Réus.: BANCO BMC S/A, BANCO GE CAPITAL S/A, BANCO PANAMERICANO S/A, BANCO IDUSTRIAL DO BRASIL, S/A, BANCO MÁXIMA S/A, BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A, BANCO PARANÁ S/A, BIC BANCO S/A, BANCO BONSUCESSO S/A, BANCO BGN S/A e BANCO PINE S/A.


DECISÃO:

            Vistos etc.

            A Defensoria Pública do Estado da Bahia, ajuíza Ação Civil Pública contra os requeridos BANCO BMC S/A, BANCO GE CAPITAL S/A, BANCO PANAMERICANO S/A, BANCO IDUSTRIAL DO BRASIL, S/A, BANCO MÁXIMA S/A, BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A, BANCO PARANÁ S/A, BIC BANCO S/A, BANCO BONSUCESSO S/A, BANCO BGN S/A e BANCO PINE S/A, todos qualificados na exordial.

            Alega que a presente ação visa resguardar os direitos de pessoas idosas e analfabetas que têm empréstimos consignados nos benefícios de aposentadoria e pensão, vinculados ao Instituto de Previdência Social – INSS.

            Acrescenta que na maioria dos casos os segurados e beneficiários do INSS, quase sempre idosos, não requereram o respectivo empréstimo. Ao revés, muitas das vezes foram coagidos por supostos prepostos das instituições rés, a manifestarem adesão ao respectivo contrato, o que, segundo ainda as alegações da autora, de imediato, evidencia vício de consentimento, proporcionando anulabilidade do respectivo negócio jurídico (art. 138 e seguintes do CC).

            Salienta que, em outras situações os valores dos empréstimos sequer foram depositados na conta dos contratantes, mas vinha sendo descontada a correspondente parcela no benefício do segurado/pensionista, tendo ocorrido situações onde o valor do empréstimo era superior àquele originariamente acordado, o que denotaria conduta abusiva praticada pelas instituições financeiras rés, passíveis de serem obstadas pelo judiciário.

            Informa que outra prática abusiva perpetrada pelas acionadas e de uso corrente nesta comarca, corresponde ao empréstimo por telefone, no qual prepostos das rés entram em contato com os beneficiários do INSS e oferecem o serviço de empréstimo em dinheiro, sendo que estes tiveram a ingrata surpresa de ter sido descontado nos seus proventos de aposentadoria/pensão a parcela consignada, mesmo sem ter anuído à oferta.

            Relata que o Juizado Especial Cível desta Comarca registrou entre o final de 2004 e dezembro de 2006, 126 (cento e vinte e seis) ações judiciais contra as apontadas instituições financeiras, enquanto que este ano, já foram ajuizadas outras 59 (cinquenta e nove) ações com o mesmo objeto, todas tendo por autores pessoas idosas e em grande parte analfabetas.

            Positiva que a situação demonstra a existência de direito individual homogêneo, modalidade de direito coletivo, no qual o Código de Defesa do Consumidor, conceitua como aqueles decorrentes de origem comum, cuja tutela coletiva é perfeitamente amparada através da Ação Civil Pública, utilizando o rito procedimental específico previsto na Legislação consumerista.

            Esclarece a Defensoria que o CDC repele expressamente a prática verificada por parte das acionadas:

            "Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou servilos, dentre outras práticas abusivas:

            ...

            IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista a sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços."

            Bem assim a Lei 10.820/2003, que autoriza em seu art. 6º, o desconto nos benefícios para fins de amortização de empréstimos, financiamentos ou arrendamentos mercantis tomados de instituições financeiras, e prevê a necessidade da apresentação do correspondente contrato, nas condições estabelecidas por regulamento, além da observância das normas editadas pelo próprio INSS.

            Assevera o cabimento da Ação Civil Pública, visto que caracterizada situação a ser amparada pela tutela coletiva, decorrente de direito individual homogêneo, por que se trata de um grupo individualizado de pessoas com interesse comum por uma relação jurídica base, ou seja, violação de direito decorrente de uma relação de consumo tendo por beneficiários pessoas idosas, pobres e analfabetas, o que autoriza não apenas as disposições constantes no CDC, como igualmente do Estatuto do Idoso.

            Em decorrência do exposto pede:

            a)Distribuição urgente da inicial, com prioridade na tramitação, haja vista tratar-se de interesses de pessoas idosas, nos termos do art. 71, da Lei 10.741/2003;

            b)Concessão dos efeitos da tutela antecipatória para, com fundamento no art. 461, CPC, que as sociedades demandadas abstenham-se de realizar contratos de empréstimos consignados com beneficiários do INSS idosos analfabetos sem que tais contratos encontrem-se devidamente registrados por instrumento público, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por contrato realizado sem a observância do procedimento postulado, além da intimação do INSS para que suspenda imediatamente a consignação de valores objetos de contratos de empréstimo consignado realizado com pessoas analfabetas nesta Comarca que contraponham as condições supra elencadas até o julgamento desta ação, bem como, a obrigação de não realizar respectivos descontos em contratos semelhantes que não apresentem as formalidades do reconhecimento mediante registro público;

            c) Confirmação, ao final, da tutela antecipada postulada;  

            d) Declaração de nulidade de todas as cláusulas dos contratos de adesão de empréstimo consignado que tragam evidentes prejuízos aos beneficiários do INSS, conforme preconizam os arts. 39 e 46, todos do DCD, desde que realizados sem observância das formalidades legais, além da condenação das instituições financeiras demandadas a devolverem em dobro os valores indevidamente consignados, independente da indenização, pelos danos materiais e morais, a serem posteriormente comprovados em ações individualmente propostas;

            e)Citação das rés para responderem a presente ação, sob pena de ser-lhes aplicada a pena de revelia e conseqüente confissão acerca dos fatos apresentados;

            f)Intimação do Ministério Público para intervir no feito;

            g)Requer todos os meios de prova em direito permitidos, especialmente, apresentação de novos documentos e perícias, caso sejam necessários, além da inversão do ônus da prova, tal qual preconizado pelo CDC;

            h)Condenação das requeridas ao pagamento de custas e honorários de advogado, ressaltando-se que estes reverter-se-ão em favor de Fundo próprio administrado pela Defensoria Pública do estado da Bahia, nos termos da Lei Orgânica 26/2006.

            É O BREVE RELATO. DECIDO.

            Efetivamente, a Constituição Federal estabelece, em seu artigo 230, que:

            Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

            Por seu turno, a Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso, reiterou o dispositivo acima transcrito, como exsurge dos artigos 1º e 2º, respectivos:

            Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

            Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

            Tem inteira razão a Defensoria Pública, quando diz, em sua petição inicial, que:

            "Dessa forma especialmente no caso em tela, os empréstimos devem ser encarados como um auxílio, um socorro àquele que está passando por dificuldades momentâneas de ordem financeira. Não podem, de outra maneira, ser usados como uma corda, para a "enforcar" e retirar quaisquer esperanças daqueles que buscam socorro."

            "Entendemos que tais recursos devem servir de estímulo e jamais como desgraça particular do hipossuficiente, onde a parte mais forte, no seu afã de auferir lucro, fere de morte direitos e princípios constitucionais, notadamente este que se comenta, visto que, na busca de tais vantagens, não observa as diretrizes e requisitos mínimos necessários para uma formação perfeita, válida e eficaz do negócio jurídico."

            "Obviamente, com a realização desses negócios jurídicos há uma sensível alteração da situação patrimonial dos beneficiários do INSS lesados, que terminam por comprometer parte de seus proventos com débitos excessivamente onerosos e cujos prejuízos são sentidos no seio familiar, que muitas vezes desagrega-se, e para evitar essa situação humilhante é que o Estado tem procurado amenizar tais efeitos nos contratos, especialmente mediante o Poder Judiciário, onde no exercício de seu mister interpretará a lei ao autorizar a revisão do contratual, até mesmo porque, tal procedimento constitui prática abusiva repelida expressamente pelo CDC, consoante apresentaram-nos o inciso IV, art. 39,. .."

            No caso dos autos, a matéria envolve direitos individuais homogêneos de pessoas idosas e analfabetas que supostamente estariam sendo vítima de conduta abusiva por parte das acionadas, que estariam celebrando contratos com as mesmas sem observar os regramentos impostos pela legislação pertinente, e normas extravagantes editadas pela Autarquia federal para a efetivação de tais contratos.

            Urge trazer à baila que o cotidiano social tem demonstrado que, se é verdade que se por um lado a possibilidade, aliada à facilidade de se contrair créditos por parte dos aposentados e pensionistas do INSS, contribuiu positivamente para que muitos idosos e pensionistas regularizassem pendências com instituições financeiras ou com credores outros, servindo até mesmo para a realização de sonhos de consumo de muitos deles, também é verdade que por outro, acarretou para tantas outras pessoas nas mesmas condições, grandes dissabores, preocupações e até mesmo problemas de saúde, em decorrência do nível de endividamento em que se viram envolvidas.

            As maciças campanhas publicitárias de apelo ao crédito desenvolvidas pelas instituições financeiras, apresentando pessoas idosas, em sua maioria atores e atrizes famosos, sempre sorridentes e demonstrando felicidade, por certo, em muito contribuiu para a situação narrada nestes autos, levando a uma procura cada vez mais constante por parte dos aposentados e pensionistas, muitos inclusive analfabetos ou semi-alfabetizados, em busca do chamado crédito "rápido" "facilitado" e a "juros baixos".

            O próprio Governo Federal, um dos incentivadores do "crédito facilitado", procurou normatizar tais empréstimos, limitando, inclusive, o percentual de comprometimento dos proventos, conforme previsão do art. 6º da Lei 10.820/2003:

            Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o desta Lei, bem como autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 10.953, de 2004)

            Art. 7o O art. 115 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:

            "Art. 115.. .....................................................................

             .....................................................................

             VI - pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de trinta por cento do valor do benefício.

            Como se pode observar, há toda uma legislação que deve disciplinar a contratação de empréstimos consignados junto aos proventos de aposentadorias e pensões de beneficiários do INSS. Entretanto, o que questiona a autora são as práticas abusivas que estariam sendo cometidas por instituições bancárias, bem como a não observância de procedimentos formais quando da contratação dos mesmos.

            Vale, ainda, transcrever, como fundamento desta decisão, o lúcido raciocínio externado pela parte autora, na peça vestibular, ipsi verbis:

            "A pretensão aqui discutida encontra-se perfeitamente protegida pelo ordenamento jurídico, uma vez que o empréstimo consignado realizado de maneira abusiva implica não apenas em vício de consentimento com a correspondente declaração de nulidade de suas cláusulas além da conseqüente responsabilidade civil das sociedades financeiras."

            "Neste sentido, o que se objetiva com a presente ação é obstar o abuso decorrente desses contratos de empréstimo na modalidade consignada, porque em total desconformidade com os preceitos legais, porque trazem evidente prejuízo aos contratantes, frise-se, em grande parte perssoas pobres, analfabetas ou semi-alfabetizadas."

            "Em consequência não se deseja que as pessoas aqui beneficiadas sejam impedidas de contratar empréstimos bancários, mas que caso assim desejem, manifestem expressamente esta vontade através do registro do respectivo contrato no Cartório de Registro Público desta Comarca, além de que seja intimado o INSS para que suspenda imediatamente com a consignação das importâncias objeto desse tipo de contrato para todos os beneficiários que sejam analfabetos e recebam pelo menos, 01 (um) salário mínimo, e a partir da concessão desta decisão apenas proceda com o respectivo desconto consignado no benefício previdenciário caso, tratando-se de pessoa analfabeta encontre-se o contrato devidamente registrado pelo notário público."

            No presente caso, a iniciativa da Defensoria Pública do Estado da Bahia na propositura da ação encontra amparo no Art. 5º, inciso II, da Lei 7.347/85, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.448/07, de 15 de janeiro deste ano, o que lhe possibilita, patrocinar a proteção dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, em virtude da grande repercussão social ocasionada pela lesão desses direitos, especialmente porque os beneficiados pela pretensão aqui deduzida são, em grande parte, pessoas de baixo poder aquisitivo.

            Avulta dizer, outrossim, que as práticas abusivas são refutadas pela legislação consumerista de forma expressa, portanto, viola o próprio Código de Defesa do Consumidor, que estabelece, em seu artigo 39, incisos IV, a sua vedação.

            A matéria em foco vem sendo objeto de exame na órbita do Poder Judiciário, sendo ilustrativo do posicionamento adotado a decisão a seguir colacionada:

            "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. SOLICITAÇÃO VIA TELEFONE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE OS DEMANDANTES. NEGLIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL. ARBITRAMENTO. 1. O fato de a instituição financeira disponibilizar seus serviços e produtos via telefone não a exime da obrigação de conferir os dados que lhe foram transmitidos pelo suposto contratante. Ao optar por conceder empréstimos sem se precaver quanto à identidade do verdadeiro contratante, o banco assume o risco de arcar com eventuais prejuízos causados a terceiro. 2. O valor da indenização deve atender ao chamado binômio do equilíbrio, não podendo causar enriquecimento ou empobrecimento das partes envolvidas, devendo ao mesmo tempo desestimular a conduta do ofensor e consolar a vítima. 3. Recursos improvidos. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0702.05.228811-6/001 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): JOSÉ CANDIDO DA SILVA PRIMEIRO(A)(S), BANCO BMG S/A SEGUNDO(A)(S) - APELADO(A)(S): BANCO BMG S/A, JOSÉ CANDIDO DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. WAGNER WILSON."


DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

            Tem cabimento a postulada antecipação da tutela, à vista do que dispõe o artigo 12 da Lei nº 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública e o artigo 273 do Código de Processo Civil, face à convergência dos seus pressupostos, como já demonstrado, pois presentes a verossimilhança das alegações da parte autora e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao patrimônio material e até mesmo à saúde dos usuários dos contratos de mútuos consignados em referência, inexistindo o risco de irreversibilidade da decisão concessiva da tutela antecipada, porquanto, se, a final, a decisão for favorável às rés, estas poderão reiniciar as contratações da forma que faziam de outrora, bem como retomar as cobranças dos empréstimos contraídos pelos beneficiários abrangidos por esta decisão.

            Posto isto, concedo parcialmente a antecipação de tutela pleiteada pela promovente, determinando às demandadas que se abstenham de realizar contratos de empréstimos consignados com beneficiários do INSS, idosos analfabetos, sem que tais contratos encontrem-se devidamente registrados por instrumento público. Determino também, ainda em sede de antecipação de tutela, a intimação do INSS para que a Autarquia suspenda imediatamente a consignação de valores objetos de contratos de empréstimos consignados realizados com pessoas analfabetas nesta Comarca, que se contraponham às condições supra elencadas e que ultrapassem o percentual de comprometimento de 30% (trinta por certo) do benefício, até o julgamento desta ação, bem como, a obrigação de não realizar respectivos descontos em contratos semelhantes que não apresentem as formalidades do reconhecimento mediante registro público.

            Havendo descumprimento desta decisão ou retardamento injustificado no seu cumprimento, fixo a multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser suportada, individualmente, por cada ré que resistir na ordem aqui determinada, por cada contrato efetivado sem observação do quanto aqui determinado.

            Publique-se Edital, no Órgão Oficial de Imprensa nos termos do artigo 94 da Lei nº 8.078/90.

            Intimem-se as rés para cumprirem esta decisão, citando-as, em seguida, para oferecerem resposta, no prazo legal.

            Ciência ao Ministério Público.

            Paulo Afonso, 10 de julho de 2007.

            ANTONIO HENRIQUE DA SILVA

            JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO

Sobre os autores
José Raimundo Passos Campos

Defensor Público no Estado da Bahia

Geneir Marques de Carvalho Filho

defensor público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, José Raimundo Passos; CARVALHO FILHO, Geneir Marques. Juiz determina que empréstimos consignados para idosos analfabetos sejam feitos em cartório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1474, 15 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16788. Acesso em: 24 nov. 2024.

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