Audiência de custódia.

Até que ponto a ausência da audiência de custódia prejudica a justiça brasileira?

Leia nesta página:

A falta da audiência de custódia pode interferir na integridade física e moral dos custodiados presos em flagrante?

Audiência de Custódia corresponde à apresentação pessoal do preso ao juiz competente após a efetivação do cerceamento de sua liberdade, oportunidade em que o magistrado analisa sob o critério do contraditório e da ampla defesa, práticas de tortura e maus tratos por policiais, bem como a necessidade de impor medidas cautelares provisórias.

Assim, em caso de prisão em flagrante o agente, pela sistemática, antes da audiência de custódia será levado a uma delegacia de polícia, oportunidade em que será interrogado, posteriormente será lavrado auto de prisão em flagrante o qual será remetido ao juiz competente.

Mediante tal hipótese o magistrado deverá decidir, dentre outras, pela imposição da prisão preventiva, temporária ou pela concessão da liberdade provisória.


Apesar de não ser positivada no ordenamento jurídico brasileiro, advém de tratados e convenções internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Sobre os Direitos Civis e Políticos de Nova York.

O Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido por convenção americana de direitos humanos prevê a audiência de custódia em seu artigo 7º e 5º, vejamos

toda a pessoa detida ou retida deve ser levada sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgado dentro de um prazo razoável ou posta em liberdade...

No Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos o tema é garantido pelo artigo 9º que diz,

qualquer pessoa presa em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, a presença de juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou posta em liberdade...


Atualmente, com base na resolução do Conselho Nacional de Justiça e nos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, o Brasil se comprometeu perante a sociedade mundial quanto a realização da audiência de custódia.

O CNJ editou a resolução 213/2015 na qual se regula minuciosamente o procedimento do ato da audiência de custódia e determinou que todos os Tribunais de Justiça e Tribunais Federais a realizem.

Apesar do aparente conflito sobre ter ou não o CNJ legislado sobre processos penais cuja competência cabe apenas à União, esse tema foi enfrentado no julgamento da Adi 5240 também em 2015. O STF entendeu que, com base no artigo segundo da convenção americana de direitos humanos, a resolução do CNJ é válida no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, a audiência pública de Custódia apresenta três finalidades precípuas:

  • a primeira delas diz respeito a melhor adequação no processo penal brasileiro,

  • a segunda refere-se a colocar frente a frente o prezo e seu julgador,

  • por fim a terceira finalidade serve para uma melhor fiscalização quanto a atuação e possibilidade de maus-tratos ou torturas por parte dos policiais em relação ao custodiado após sua captura.

Ocorre que, rotineiramente, este instituto deixa de ser observado maciçamente, causando inúmeros prejuízos aos custodiados que por muitas vezes são liberados quando apresentados em audiência de custódia, justificando assim, dentre outras coisas, um devido processo legal com direito ao contraditória e a ampla defesa do agente custodiado.


Antes de adentrarmos no mérito propriamente dito da questão, faz-se necessário um breve esclarecimento acerca da prisão em flagrante e suas modalidades, haja vista que a audiência de custodia se dará, ou deveria dar-se, após a apreensão/captura do agente, suposto infrator.

As modalidades da prisão em flagrante estão prescritas nos artigos 301 a 303 do Código de Processo Penal, vejamos;

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Cabe também uma análise acerca do artigo 310 do mesmo diploma legal, no qual é definido as faculdades do julgado ao receber os autos de prisão em flagrante, vejamos;

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

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Uma vez entendida a dinâmica da prisão em flagrante, seu procedimento e seus efeitos, passaremos a analisar o instituto da audiência de custódia.


O Brasil, ao aderir aos tratados e convenções internacionais versando sobre direitos humanos, compromete-se a respeitá-los e buscar meios de efetivá-las, o que de certa forma vem acontecendo a passos lentos e protelatórios, pois sequer existe legislação positivada tratando da matéria.

No entanto, apesar de todas estas normas regulamentadoras do direito de audiência de custódio, o Brasil não vem cumprindo rigorosamente com sua obrigação.

O instituto da audiência de custódia é algo de vital importância ao cumprimento e efetivação dos direitos humanos e sociais, princípios basilares da República federativa do Brasil e sua inobservância causa impactos negativos profundos e muitas vezes irreparáveis na vida dos custodiados.

Ainda que a ausência da audiência de custódia por si só não justifique a liberdade do agente, sua inobservância viola diretamente direito liquido e certo do preso.

Por todo o exposto, tem-se que a audiência de custódia deve ser respeitada e cumprida em todos os seus termos, não podendo de forma alguma o Estado transferir ao agente sua precariedade quanto a demanda destas audiências alegando que o judiciário não comporta o cumprimento destas da maneira que deveria, pois caso assim fosse, o cidadão estaria a serviço do Estado, e não o Estado a serviço do bem-estar do cidadão.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 21ª edição. Editora Impetus. 1012 p. São Paulo. 2019.

TAVORA, Nestor. Direito Processual Penal. 14ª edição. Editora Juspodivm. 1888 p. 2019.

Organização dos Estados Americanos. Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), 1969.

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. ONU - 1969

PAIVA, Caio. Audiência de custódia e o processo penal brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36ª ed. São Paulo. Malheiros, 2010.

_______. RESOLUÇÃO 213, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2015. Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/resolucao-audiencias-custodia-cnj.pdf. Acesso em 20 novembro. 2019

_______. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

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