6. Da Orçamentação
Por tudo já mencionado, o autor identifica também na orçamentação problemas trazidos no contexto dessa nova legislação. Iniciam-se quando o art.18, §1º que trata do ETP em seu inciso VI exige estimativa otimizada de valor e assim determina:
VI - Estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
Senhores, se o documento é um Estudo Técnico Preliminar, entendo que não se deveria exigir estimativa de valor com esse detalhamento tão específico. Por oportuno, é digno de registro que o orçamento é parte do ETP, mas também vai ser novamente detalhado no Termo de Referência ou no Projeto Básico, tornando-se um retrabalho cansativo que só quem já realizou orçamento de serviços de engenharia e obras tem a expertise dessa árdua tarefa.
Como solução proponho interpretar que se realize um orçamento estimativo simples para o ETP. Como assim? utilizando de parametrização de m2 (metro quadrado) ou algo similar. Observe que várias entidades confiáveis disponibilizam desta forma, alguns inclusive detalhando tipo de obra/serviço e sua qualidade (baixa/média/alta), sendo suficiente como algo preliminar.
Já no tocante ao orçamento base para a Contratação ou Licitação que é parte integrante de um Termo de Referência ou Projeto Básico, entendo que não se deve fugir do que mencionou o art.23, §2º quando se trata de orçamentação de obras e serviços de engenharia que, praticamente, não difere muito do que consta no Decreto Federal nº 7.983/13 (utilização dos sistemas referenciais SICRO ou SINAPI), acrescido dos Benefícios e Despesas Indiretas- BDI e dos encargos sociais cabíveis.
Por ser a orçamentação uma peça técnica de engenharia, entendemos que um detalhamento maior não é cabível neste momento particular, pois adentraria em uma discussão técnica científica de engenharia, não oportuna neste artigo legislativo.
Sobre orçamento sigiloso, a Lei nº 14.133/2021 prescreveu a discricionariedade da Administração em divulgar antes do certame ou da contratação, mas num dado momento será este tornado público, além de sempre os órgãos de controle terem seus acessos disponibilizados.
Soma-se ainda que conforme determinado pelo art.24 da Lei nº 14.133/2021, se a decisão da Administração é pelo sigilo antes da apresentação das propostas, o ato deve ser justificado no processo. Assim a regra é que o orçamento venha disponibilizado no termo de referência ou no projeto básico, se optado em contrário, deve haver justificativa para tal procedimento.
7. Análise e Matriz de Riscos
Entendemos ainda oportuno neste artigo, antecipar este assunto ao edital (última etapa da fase preparatória), mesmo que na sequência dos artigos da Lei isso não esteja a ocorrer, porém a motivação é simples, face a análise de risco ou matriz de risco serem atos anteriores à confecção do instrumento editalício.
Registre-se que apesar dos nomes (análise e matriz) estarem vinculados à risco da contratação, esses são dispares no procedimento. A análise é obrigatória por constar sua imposição no art.18, X, e serve para que a Administração tenha conhecimento destes antes da licitação e da contratação, visando o sucesso do certame e da execução. Já a matriz de risco é a forma, após identificado na análise de risco, de se realizar o ato de discriminar (mapa) e determinar em edital quais serão assumidos pelo contratado e quais riscos a Administração toma para si.
A bem da verdade, a Lei não foi incisiva em obrigar constar matriz de risco nas contratações, exceto quando esta envolver obras e serviços de grande vulto ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital obrigatoriamente comtemplará (art.22, §3º).
Por fim, merece registro que apesar de constar na legislação a exigência da análise de risco (art.18, X), não há prescrição ou diretrizes básicas de como se materializar tal ato, que costuma na prática se realizar em um documento que os identifica, relaciona, quantifica e os especifica.
8. Do Instrumento Convocatório Edital
Nesta última peça técnica da fase preparatória que se transforma em Lei interna da convocação elevada pelo princípio vinculativo, concebe-se após os elementos basilares, advindos do Estudo Técnico Preliminar, Anteprojeto e/ou Termo de Referência ou Projeto Básico se coadunando a elaboração do edital, estabelecendo regras para o certame, definindo modalidade, requisitos, critérios de julgamento, ou melhor, tudo o quanto for necessário para que se realize a competitividade e a melhor contratação.
O art.25 da Lei nº 14.133/2021 é taxativo em mencionar o conteúdo, quando diz:
O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.
Considero que é o coroamento da fase preparatória. Observe-se que na confecção do edital, um dos principais problemas é nas exigências da qualificação técnica para as obras e serviços de engenharia, nos quais é necessário indicar as parcelas de maior relevância técnica ou valor significativo do objeto. Filiamos-nos a que tais exigências devem vir definidas e mencionadas pelo Termo de Referência ou Projeto Básico, inclusive estas devem ter a participação do demandante, indicando quais serviços são os mais relevantes e se possuem, após a orçamentação, valor significativo para o objeto e assim podem ser exigidas como tal.
No edital, a menção (de parcelas de maior relevância técnica) é obrigatória em conjunto com a necessária qualificação econômico-financeira como requisitos, bem como os demais elementos definidores citados pela Lei no inciso IX do art.18 e do art.25 com seus parágrafos e incisos. Destaco que em cada ponto mencionado na Lei, inclusive de forma até repetitiva, será necessário justificar o porquê ou não da exigência, o que provoca uma enormidade de afazeres que poucas Administrações serão capazes de atender.
A nível de subsidiar os autores nas justificativas, considero que estas devem apontar os pressupostos que objetivamente foram a base das exigências desses requisitos, com ênfase naqueles que limitam a competitividade.
Por fim, fica a máxima: se os documentos que antecedem o edital atenderam com êxito as prerrogativas que lhe foram impostas, a confecção do Instrumento editalício será em muito facilitada e terá toda a possibilidade de atender com sucesso o futuro certame e a fase executória seguinte também com sucesso.
9. Considerações Finais
Acreditamos que já nos posicionamos bastante sobre o quanto se acresceu em formalidades e justificativas a nova legislação. A fase preparatória, apesar de se encontrar privilegiada, não escapou de uma excessiva burocracia, somada a infindáveis pontos que exigem justificativas, tanto no que se decidiu, quanto no que se optou por não mencionar ou requisitar.
Uma nova Lei sempre tem seu lado bom e ruim, mas essa possui, em nossa análise, uma prevalência negativa no conjunto geral, não obstante possuir em alguns pontos significativos avanços.
Um dos avanços que considero extremamente oportuno é o que mencionou o caput do art.53 da Lei, somado ao seu §1º e incisos I e II, que por sua importância transcrevemos:
Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
§ 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá:
I - apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II - redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
Isto garantirá segurança jurídica importante para todos que de uma maneira ou outra participam da elaboração dos documentos e elementos que compõem a fase preparatória, inclusive da autoridade máxima que tem a prerrogativa de autorizar a divulgação do edital, passando a ser corresponsável por tudo elaborado.
Sobre este ponto, sempre advoguei que as Comissões de Licitação ou Equipes de Apoio ao Pregoeiro contivessem ao menos um de seus membros com conhecimento jurídico adequado, defendendo tese inclusive sobre isto, sugerindo que o profissional advogado por sua especificidade e competência, além do que prescreveu a Lei nº 8.906/64, seria a escolha certa para essa atividade.
Ainda sobre o controle da legalidade, que é muito bem-vindo, permanece válida a necessidade do profissional especialista em leis, pois se deixamos a análise de tudo para o final da fase preparatória, isto pode acarretar o refazer de muitas etapas, o que seria evitado, além do apoio significativo nas necessárias justificativas exigidas.
Registro que o legislador não se contentou com o simples visto da assessoria jurídica, mas requerendo a necessidade de parecer jurídico observando todos os atos praticados com os critérios objetivos e manifestação em linguagem simples, compreensível e de forma clara e objetiva das peças que compõem a fase preparatória. Será necessário, portanto, fortalecer em muito as assessorias jurídicas das Administrações, sob pena de não conseguir atender os ditames da legislação vigente.
Não nos esqueçamos que apesar do veto do §6º do art. 53, sobre a culpabilidade dos advogados públicos, o art. 184. do CPC é claro: entendimento ou manifestação interpretativa em parecer não é o mesmo que agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções. Os demais agentes administrativos ou equiparados por força da última atualização do LINDB Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 4657/42), obtiveram também amparo pelas alterações ocorridas nos art. 22 e 28, respondendo apenas em caso de erro grosseiro ou dolo (órgãos de controle, por favor respeitem a legislação vigente nas aplicações de punições).
Nesta toada do lado bom da nova Legislação, a criação da nova modalidade diálogo competitivo é de um extremo avanço, não obstante as restrições impostas (art. 32, parágrafos, incisos e alíneas). O Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI (art. 81) também segue o positivismo de reconhecer que a Administração sozinha não é capaz de resolver tudo e, assim, esse apoio nas formulações de soluções, principalmente as tecnológicas e inovadoras, é importante a participação de privados em tais ações.
Sobre os meios alternativos de resolução de controvérsias (art. 151. a 154) entendo mais do que oportuno, inclusive com a permissão de inclusão dos vários institutos a definir: da conciliação, da mediação, do comitê de resolução de disputa e a arbitragem. São institutos mais que importantes e se evita a judicialização, pena que não os colocou como obrigatórios nas contratações com a Administração Pública.
Voltando a essas considerações finais sobre a fase preparatória, a qual por tudo explanado, é forçoso reconhecer que o nível das exigências trazido para esta fase, apesar de demonstrar a busca do maior controle, requererá um nível de capacidade técnica acima do que muitos agentes públicos podem possuir e, por isso, é necessário investir em capacitação urgente para ter sucesso na aplicação correta deste novo instrumento legislativo que já é Lei Vigente.
Por fim, registro que a Legislação Nova mencionou a necessidade de regulamentação em vários pontos (por volta de 50 pontos) e que sem este regulamento se torna ainda mais temerário realizar o certame de acordo com a Lei nº 14.133/2021, sendo recomendado por este autor cautela no ser pioneiro em utilizar tais regras sem essas definições que ainda estão por vir, e, que, desde já, acrescento que interpretações díspares das esplanadas fazem parte do nosso sistema jurídico pátrio e da sociedade democrática como um todo.
Referências
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