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Direito à razoável duração do processo administrativo

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01/07/2007 às 00:00

Resumo:


  • O direito à razoável duração do processo é um novo direito fundamental inserido na Constituição Federal, aplicável tanto no âmbito judicial quanto administrativo.

  • Esse direito já estava implícito na Constituição, decorrente do Princípio da eficiência e do devido processo legal, sendo um corolário destes princípios.

  • A aferição da razoabilidade da duração do processo administrativo deve ser feita casuisticamente, considerando a complexidade da causa, o comportamento das partes e a atuação do agente público, com base em critérios objetivos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este novo direito não se destina somente aos processos judiciais em trâmite no Poder Judiciário, porque também é expressamente aplicável aos processos administrativos.

1. Introdução

            Entre as alterações promovidas na Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, encontra-se a introdução do inciso LXXVIII, ao art. 5º, estabelecendo que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

            Trata-se de um novo direito fundamental, já que inserido no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. O objetivo desta norma constitucional é tornar o Poder Judiciário mais eficaz, célere, no sentido de assegurar ao cidadão uma justiça mais ágil, resultando em uma maior efetividade na prestação jurisdicional, e, por conseqüência, atender aos anseios do jurisdicionado, que busca, no Judiciário, um meio efetivo de satisfazer seus direitos.

            Mas este novo direito não se destina somente aos processos judiciais em trâmite no Poder Judiciário, embora esteja inserido na emenda da denominada "Reforma do Judiciário", porque também é expressamente aplicável aos processos administrativos, que tramitam no âmbito da Administração Pública, a exemplo das demais garantias constitucionais processuais também aplicáveis, como é o caso do contraditório e da ampla defesa.

            Este novo direito fundamental tem como destinatário o legislador, para que crie normas que visem assegurar a razoável duração do processo, e também os aplicadores do direito, como os juízes e os próprios agentes públicos de modo geral, no sentido de dar maior eficácia à norma constitucional, conduzindo o processo da forma mais eficiente possível, e sem dilações indevidas.

            O presente trabalho tem por enfoque a aplicação deste novo direito fundamental na Administração Pública, especificamente no processo administrativo, pois observamos a existência de poucos estudos sobre o tema. A maioria dos juristas tem debruçado seus estudos em sua aplicação nos processos judiciais, provavelmente pelo fato da necessidade premente de criar mecanismos de tramitação rápida destes processos, o que tem sido feito, aliás, através de freqüentes alterações na legislação processual.

            Além do mais, ao contrário do processo civil, é recente o pleno desenvolvimento de estudos sobre a processualidade administrativa no Brasil, em virtude de ser novidadade a codificação do processo administrativo na ordem jurídica nacional. A nível federal, foi publicada a Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Frise-se, também, que a Constituição de 1988 estendeu ao processo administrativo todos os princípios processuais constitucionais, a exemplo do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, abrindo, assim, um novo foco de discussão sobre os direitos do administrado em face dos atos do Poder Público.

            O objetivo precípuo deste artigo é procurar o significado do termo "duração razoável do processo", ou, a contrario sensu, verificar quando um processo não tem duração razoável, dentro dos parâmetros jurídicos estabelecidos pela própria lei e revelados pela jurisprudência dominante. Verifica-se uma séria dificuldade de determinar este conceito pelo intérprete, em razão de ele ser vago e indeterminado, o que indiscutivelmente enseja, no caso concreto, a necessidade de se empreender certa dose de subjetivismo para se alcançar a finalidade colimada. Também se discutirá quais são os possíveis efeitos do eventual descumprimento do direito à razoável duração do processo, sob o enfoque da Responsabilidade Civil do Estado.

            Conclusivamente, o que se espera da inserção deste novo direito fundamental é que ele não se traduza numa norma meramente programática, desprovida, portanto, de qualquer eficácia. Assim, caberá aos aplicadores do direito, juízes e administradores públicos, a função primordial de concretização deste direito fundamental, como tantos outros que se encontram contemplados em nosso ordenamento jurídico, seja em obediência aos textos internacionais, internalizados pelo Brasil, seja pela força normativa da Constituição da República.


2. Direito à razoável duração do processo – um direito preexistente à emenda constitucional nº 45/2004.

            Insta, inicialmente, salientar que o direito à razoável duração do processo tem aplicação imediata, em virtude do disposto no parágrafo 1º, do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Por se tratar de um direito fundamental, não é prudente admitir que sua eficácia fique condicionada às ações legislativas posteriores, que, muitas vezes, nem chegam a se concretizar. Aliás, essa é a preocupação de André Ramos Tavares (2005, p. 32), segundo o qual "resta saber se essa será mais uma daquelas normas meramente programáticas, desprovidas de eficácia prática e de sanção pelo seu não cumprimento imediato."

            Relevante informar que o direito à razoável duração do processo administrativo já se encontrava inserido no nosso ordenamento jurídico, pois já estava assegurado no art. 37 da Constituição Federal, quando estatui que a eficiência é um dos princípios da Administração Pública, bem como que tal direito também já se encontrava incluído na cláusula do devido processo legal, inserto no art. 5º, inciso LIV, ao asseverar que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;"

            Isto porque o Princípio da Eficiência traz ínsita a idéia de celeridade e simplicidade, sem procrastinações, sem delongas, sem descumprimento de prazos, e outros meios que possam impedir que o processo cumpra sua finalidade, consubstanciada na prática do ato decisório final. Em razão disso que o aludido princípio se fez constar da Lei nº 9.784, de 29.01.99 (que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal) que, em seu art. 2º, dispõe: "A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência". José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 60-61), em seus Comentários à Lei nº 9.784, de 1999, estabelece que a celeridade é o sentido dado à eficiência quando aplicado no processo administrativo, senão confira-se:

            No processo administrativo, o princípio da eficiência há de consistir na adoção de mecanismos mais céleres e mais convincentes para que a Administração possa alcançar efetivamente o fim perseguido através de todo o procedimento adotado. Exemplificamos com o aspecto relativo à produção de provas (arts. 29 a 47). É necessário dar cunho de celeridade e eficiência nessa fase, com a utilização de computadores, com a obtenção de documentos pelas modernas vias da informática e, por que não dizer, por gravações de depoimentos para minorar o gasto do tempo que ocorre nessas ocasiões.

            A eficiência é, pois, antônimo de morosidade, lentidão, desídia. A sociedade de há muito deseja rapidez na solução das questões e dos litígios, e para tanto cumpre administrar o processo administrativo com eficiência. (CARVALHO FILHO, 2005, P. 60-61, grifei)

            Não há dúvida da íntima conexão entre a eficiência e o direito fundamental à duração razoável do processo, sob o aspecto da celeridade processual, que se traduz na ausência de demora no trâmite dos processos administrativos, obstando que se neguem direitos, sob a forma de procrastinação na prática de atos processuais. Neste ponto, é emblemática a decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, anterior à Emenda Constitucional nº 45, a qual já dispunha sobre o fato da mora ou omissão administrativa importar em violação aos princípios da eficiência e da razoabilidade, abaixo exposta:

            "ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA. ATO OMISSIVO DO MINISTRO DE ESTADO ANTE A AUSÊNCIA DE EDIÇÃO DA PORTARIA PREVISTA NO § 2º DO ART. 3º DA LEI 10.559/2002. PRAZO DE SESSENTA DIAS. PRECEDENTE DO STJ. CONCESSÃO DA ORDEM.

            (.....)

            Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), não se pode permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes, ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo suficiente para o comprimento das providências pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de Anistia -, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da Justiça profira decisão final do processo administrativo, como entender de direito. Precedente desta Corte. 4. Ordem parcialmente concedida. (MS 9420/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25.08.2004, DJ 06.09.2004 p. 163) (grifou-se)

            Da mesma forma, o direito à razoável duração do processo se encontra inserido na cláusula do devido processo legal, isto é, está implícito no disposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, segundo o qual "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

            Consoante o entendimento de Cintra, Grinover e Dinamarco (2004), o devido processo legal alberga um conjunto de garantias constitucionais que asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, também, são indispensáveis ao correto exercício de jurisdição. Garantias estas não servem apenas aos interessados, como direitos públicos subjetivos, mas configuram a salvaguarda do próprio processo. Do mesmo modo, Nelson Nery Junior (2004, p. 60), de forma elucidativa, esclarece:

            (....)bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécie. (NERY JUNIOR, 2004, p. 60)

            Destarte, o devido processo legal abrange todos os direitos fundamentais atinentes ao processo, inclusive o direito à razoável duração do processo, como bem elucida o Ministro Celso de Mello:

            O exame da garantia constitucional do "due process of law" permite nela identificar, em seu conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria configuração, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas; (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis "ex post facto"; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamentos em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); e (l) direito à prova. (Supremo Tribunal Federal, Mandado de Segurança 26358 MC/DF, relator Ministro Celso de Mello, publicado em 2/03/2007, grifei).

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            Assim, o direito a um processo com duração razoável, ou seja, um processo justo, sem dilações indevidas, decorre diretamente da cláusula do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV, da Carta Constitucional de 1988, como elucida José Rogério Cruz e Tucci (1998, p. 88), em texto, inclusive, anterior à emenda nº 45/2004, ao afirmar, peremptoriamente, que "o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vem expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF)".

            Diante dessas breves considerações sobre o princípio da eficiência e o princípio do devido processo legal, é indubitável concluir, portanto, que o direito à razoável duração do processo não consiste em um direito novo no ordenamento constitucional, mas vem reforçar a necessidade premente de se criarem mecanismos para garantir a celeridade no trâmite dos processos, sem, obviamente, restringir os demais direitos fundamentais incidentes no processo.


3. Processo administrativo. Instrumento de atuação do Poder Público

            Preliminarmente aos comentários sobre o conceito e extensão do "direito à razoável duração do processo administrativo", é pertinente tecer breves considerações a respeito do próprio processo administrativo, que é o lócus de incidência daquele direito fundamental, objeto de nosso estudo.

            Primeiramente, é preciso esclarecer que o ato administrativo, como manifestação da vontade da administração, no desempenho de suas funções de Poder Público, não nasce de modo espontâneo, como se surgisse do nada. Ao contrário, é fruto ou "produto de um processo ou procedimento através do qual a possibilidade ou exigência supostas na lei em abstrato passam para o plano de concreção[...].existe sempre um modus operandi para chegar a um ato administrativo final."(MELLO, 2004, p. 86).

            A preocupação com o processo administrativo é recente, na medida em que "predominou por longo período a preocupação com o termo final da decisão, o ato administrativo, sem que a atenção se voltasse para os momentos que precedem o resultado final." (MEDAUAR, 1993, p. 14). Por outro lado, na lição de Romeu Felipe Bacellar Filho (2003), por força da tradição do processo jurisdicional sempre se impediu a aceitação da ocorrência do fenômeno em outros campos de manifestação do Poder Estatal, o que não deixa de ser uma renitência injustificada.

            A existência da processualidade, também na esfera administrativa, teve como precursor no direito brasileiro o jurista Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, o qual defendeu o "fenômeno processo" como termo geral, presente no exercício de todas as funções estatais: administrativa, judicial ou legislativa. Já em 1971, lecionava que "o processo possui um conceito próprio que não escapa ao conhecimento do Direito Administrativo." (SOBRINHO, apud BACELLAR FILHO, 2003, p. 44).

            Na atualidade, a doutrina brasileira reconhece que o processo não é patrimônio exclusivo ou monopólio da função jurisdicional. Existe também em todas as funções estatais, na legislativa e administrativa, permitindo que se possa falar em um "Direito Processual Administrativo":

            Por outro lado, se a função é administrativa, a relação jurídica traduzirá processo administrativo, sendo, da mesma forma, inafastáveis as características do processo em geral – de um lado, as atividades seqüenciadas produzidas pelos figurantes da relação jurídica e, de outro, o objetivo final a que se destina.

            Como na via administrativa as autoridades não desempenham função jurisdicional, poderia supor-se (como supõem erroneamente alguns, já alertamos) não ser muito técnica a denominação processo legislativo. Contudo, tanto quanto o processo judicial, que visa a uma decisão, o processo administrativo tem igualmente objetivo certo, no caso a prática de ato administrativo final. (CARVALHO FILHO, 2006, p. 812)

            Registre-se que a própria Constituição Federal adotou a expressão "processo administrativo", resultando no reconhecimento do processo nas atividades da Administração Pública, a exemplo do próprio dispositivo constitucional aqui estudado, constante do inciso LXXVII, do art. 5º, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", bem como o inciso LV, do mesmo artigo, que dispõe: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;".

            Com efeito, o processo representa o instrumento de atuação de todos os poderes estatais, o que resulta na formação de um núcleo constitucional comum de processualidade, consubstanciada na "unidade nos grandes princípios, no entendimento das garantias constitucionais do processo, na estrutura e na interação funcional dos institutos fundamentais....". (Dinamarco, 1992, p. 73-74). A diferenciação reside, dentre outros aspectos, na impossibilidade da coisa julgada administrativa, da instauração ex officio do processo administrativo, da imparcialidade do julgador no Judiciário, da inafastabilidade do Judiciário.


4. Direito Constitucional à razoável duração do processo administrativo

            Um dos objetivos da Reforma do Poder Judiciário foi reafirmar o direito constitucional à razoável duração do processo, uma vez que, como já exposto anteriormente, este direito já vinha implícito na Constituição Federal, em decorrência do Princípio do devido processo legal e do Princípio da eficiência. Portanto, tal direito não pode ser visto com um mero instrumento formal, mas um direito posto à disposição do cidadão, a exemplo das demais garantias processuais, com o objetivo de dar maior efetividade às decisões do Estado, oriundas de qualquer dos Poderes estatais.

            Salienta-se que o processo, em seu desenvolvimento, requer um tempo determinável para sua conclusão final, uma vez que há, no decorrer do procedimento, uma série de solenidades a serem cumpridas, prazos específicos para a prática de atos processuais e, principalmente, o direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa, que são meramente reflexos da cláusula constitucional do due process of law. Desta forma, o processo é um instrumento dinâmico, já que não se resolve em um único ato, mas é orientado a desenvolver-se dentro de um espaço de tempo. Assim, os atos processuais"embora tenham uma determinada ocasião para serem realizados, normalmente não perfazem de modo instantâneo, mas, sim, desenrolam-se em várias etapas ou fases"(TUCCI, 1997, p. 25). Neste aspecto, impõe transcrever a opinião de Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró:

            O processo, em seu desenvolvimento, requer um tempo para que seja transcorrido todo o iter necessário até o provimento final. Assim como a vida, o processo tem diferentes momentos, que podem ser descritos como nascimento, desenvolvimento e extinção do processo. Não se pode imaginar um processo no qual o provimento fosse imediato.

            Trata-se de um instituto essencialmente dinâmico, não exaurindo o seu ciclo vital em um único momento. Ao contrário, destina-se a desenvolver-se no tempo, possuindo duração própria. Em outras palavras, é característica de todo de todo processo durar, não ser instantâneo ou momentâneo, prolongar-se. O processo implica um desenvolvimento sucessivo de atos no tempo. Daí porque o tempo está arraigado na sua própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. (LOPES JR; BADARÓ, 2006, p. 5-6).

            Por outro lado, embora o processo não tenha a vocação de dar uma resposta imediata ao administrado nas suas pretensões perante o Poder Público, não se pode admitir que seja dada a qualquer tempo. É necessário compatibilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa com as expectativas razoáveis da efetividade processual. Assim, é importante fixar um necessário equilíbrio entre a celeridade do processo administrativo e a observância dos direitos processuais do administrado. Na lição de André Luiz Nicollit (2006, p. 8), aplicável plenamente ao processo administrativo, "uma decisão justa não pode ter o açodamento e irreflexão incompatíveis com a atividade jurisdicional, tampouco pode ter a morosidade destrutiva da efetividade da jurisdição" Deste modo, é imprescindível encontrar o razoável, o equilíbrio, a fim de que o processo seja um instrumento de justiça. Sob esta perspectiva é que será estudado o direito à razoável duração do processo no âmbito administrativo.

            É relevante salientar que o direito individual objeto de análise está diretamente relacionado com outros direitos expressos na Constituição, especificamente com o direito de petição, previsto no art. 5º, inciso XXXIV, alínea "a", segundo o qual é assegurado "o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder", e a alínea "b" do mesmo inciso, ao dispor o direito de "obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;". Com efeito, a própria mora da administração em dar uma resposta ao administrado em tempo razoável, configura a própria negação aos direitos explicitados na Constituição Federal, tendo em vista que o direito de petição "não pode ser destituído de eficácia. Não pode a autoridade a quem é dirigido escusar-se de se pronunciar sobre a petição, quer para acolhê-la, quer para desacolhê-la, com a devida motivação." (SILVA, 2006, p. 130)

            Cumpre ressaltar que há uma íntima ligação entre o direito assegurado no art. 5º, inciso LXXVIII, com a proteção aos direitos humanos, já que inserida em Convenções que tratam sobre este tema, e, especificamente, entre nós, o Pacto de São José da Costa Rica – Convenção Americana sobre Direitos Humanos nas Américas, de 1969, que constitui um dos sustentáculos de proteção aos direitos humanos nas Américas. Tal pacto, adotado no âmbito da Organização dos Estados Americanos, também traz dispositivos relacionados ao tema. Assim, dispõe o art. 8º:

            Art. 8º. Toda a pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.

            Relevante informar que o Estado brasileiro internalizou a Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH, cuja promulgação se deu por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, que foi publicado no Diário Oficial de 9 de novembro de 1992.

            Neste passo, cumpre informar que as políticas de afirmação e defesa dos direitos humanos guardam estreita vinculação com a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos termos do inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal. Isto porque os direitos humanos espelham os valores próprios da dignidade humana. Do princípio da dignidade humana decorrem os típicos direitos fundamentais, como a proteção à vida, à integridade física e moral de cada ser humano e a segurança.

            Na realidade, todos os direitos fundamentais, inclusive o direito ao processo em tempo razoável, se insere dentro do princípio da dignidade da pessoa humana, pois reconhece o ser humano como merecedor de consideração e respeito por parte do Estado e da sociedade, visando lhe proporcionar condições essenciais para uma vida digna e saudável. Sobre a amplitude de tal princípio, manifesta-se Ingo Wolfgang Sarlet :

            (....)constata-se, de outra parte, que os direitos e garantias fundamentais podem – em princípio e ainda que de modo e intensidade variáveis – ser reconduzidos de alguma forma à noção de dignidade da pessoa humana, já que todos remontam a idéia de proteção e desenvolvimento das pessoas, de todas as pessoas, com bem destaca Jorge Miranda. Neste sentido, Vieira de Andrade, sustentando que o princípio da dignidade da pessoa humana radica a base de todos os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, admite, todavia, que o grau de vinculação dos diversos direitos àquele princípio poderá ser diferenciado, de tal sorte que existem direitos que constituem explicitamente em primeiro grau da idéia de dignidade e outros que destes são decorrentes. Assim, mesmo que se deva – nesta linha de entendimento – admitir que o princípio da dignidade da pessoa humana atua como elemento fundante e informador dos direitos e garantias fundamentais também da Constituição de 1988 – o que, de resto, condiz com a sua função como princípio fundamental – também é certo que haverá de se reconhecer um espectro amplo e diversificado no que diz com a intensidade desta vinculação(...). (SARLET, 2006, p. 60)

            Sob essa perspectiva, é correto afirmar que a mora do poder público na emissão de uma decisão administrativa de interesse do cidadão, em virtude de um processo devidamente instaurado, consubstancia-se em um atentado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, por submeter o administrado a protelações injustificáveis, acarretando situações de incerteza, angústia e aflição, acabando, também, por atingir outros valores relevantes do homem.

            Como exemplo, é comum, no âmbito da Administração Pública, a instauração de processos disciplinares contra servidores que não chega ao seu termo final em prazo razoável, por desídia na condução dos processos, não obstante os prazos fixados em lei, ou mesmo pela inépcia dos seus responsáveis em sua condução, incorrendo o procedimento em nulidades insanáveis, fazendo com que haja a necessidade de instauração de novo processo disciplinar com a mesma finalidade. Isto cria no servidor (acusado ou indiciado) uma situação de incerteza, insegurança em relação a sua situação funcional, e submete o servidor a uma exposição desnecessária, violando, assim, a sua dignidade como cidadão.

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Sobre o autor
Márcio Luís Dutra de Souza

advogado da União, com exercício na Consultoria Jurídica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pós-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Márcio Luís Dutra. Direito à razoável duração do processo administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1460, 1 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10056. Acesso em: 22 dez. 2024.

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