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O fator acidentário previdenciário (FAP) e o nexo técnico epidemiológico (NTE)

25/06/2007 às 00:00
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Introdução

No último dia 12 de fevereiro, o presidente Lula assinou o Decreto nº. 6042/07 que traz imediata conseqüência para todas as empresas em nosso país. Esse Decreto oficializa a necessidade de implantação pela Previdência de dois instrumentos legais que provocam mais uma mudança de paradigma na área da saúde e segurança do trabalho, que são: o Nexo Técnico Epidemiológico (NTE) e o Fator Acidentário Previdenciário (FAP). Esses novos instrumentos têm o intuito de permitir a flexibilização das alíquotas de contribuição das empresas ao seguro acidente de trabalho (SAT).

É provável que a quase totalidade dos empresários ainda desconheça o significado destes dois novos instrumentos legais e o efeito que irão trazer para suas empresas. Juntamente com o PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), que entrou em vigor em janeiro de 2004, o NTE e o FAP representam uma nova percepção da Previdência em relação ao acidente de trabalho.


Desenvolvimento

De acordo com o Regulamento da Previdência Social (RPS), no art. 336, a empresa deverá comunicar à Previdência Social o acidente de trabalho ocorrido com o segurado empregado, exceto o doméstico, e o trabalhador avulso, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência, e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa. A comunicação, que pode ser feita pela internet, é a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).

Infelizmente, é comum que muitos empregadores deixem de elaborar este documento, buscando com isso evitar possíveis responsabilizações civis e, ainda, excluir o direito do segurado à estabilidade provisória, quando do retorno (art. 118, da Lei nº. 8213/91). De modo a atenuar esta questão, o Ministério da Previdência Social deu importante passo ao criar o Nexo Epidemiológico, que é o vínculo da classificação internacional de doenças (CID), obtida a partir da Perícia Médica, com a atividade desempenhada pelo segurado, reconhecendo-se o benefício como acidentário mesmo sem a CAT. Essa nova realidade, atendendo aos anseios dos segurados, foi criada pela Resolução nº. 1236, do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), publicado em 10 de maio de 2004. Este novo procedimento é de especial importância para as doenças ocupacionais, nas quais há grande resistência à emissão do CAT.

Esta nova sistemática também passou a constar da Lei nº. 8213/91, com a redação dada pela Medida Provisória nº. 316/06, posteriormente convertida na Lei nº. 11430, de 26 de dezembro de 2006, que acrescentou o art. 21-A ao Plano de Benefícios. Nestas situações, como o benefício será considerado acidentário de ofício, não haverá multa pela ausência de comunicação de acidente do trabalho (CAT) por parte do empregador (art. 22, § 5º, da Lei nº. 8213/91, com redação dada pela Lei nº. 11430/06). No Regulamento da Previdência Social, o assunto é tratado a partir do art. 337, com redação dada pelo Decreto nº. 6042/07, que dá nova formatação ao Anexo II do RPS, o qual estabelece Nexo Técnico Epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade. Esta presunção de benefício acidentário é válida a partir de abril de 2007 (art. 5º, I, do Decreto nº. 6042/07).


Fator Acidentário Previdenciário (FAP)

O Decreto nº. 6042/07 regulamentou o art. 14 da Lei nº. 10666/03, o qual diz que o Poder Executivo regulamentará a questão da redução ou incremento do SAT (Seguro Acidente do Trabalho), em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, inserindo, com isso, o art. 202-A no RPS, e fixando que a variação da alíquota do SAT básica será feita a partir do Fator Acidentário Previdenciário (FAP).

De acordo com a nova lei, agora o Poder Executivo – como acima citado – poderá até aumentar o SAT, caso a empresa não venha atender as expectativas de investimentos em prevenção e controle de acidentes de trabalho. Desta forma, ao invés da redução somente, é cabível em matéria também aumento do SAT para os que não tomam as medidas cabíveis em matéria de medicina e segurança do trabalho. Assim, as alíquotas SAT de 1 %, 2 % ou 3 % poderão ser aumentadas em até 2 %, 4 % ou 6 %, respectivamente. O FAP oscilará de acordo com o histórico de doenças e acidentes de trabalho por empresa e incentivará aqueles que investem na prevenção aos agravos da saúde do trabalhador.

Em outras palavras, cada setor de atividade econômica receberá uma classificação de risco, que equivalerá a 1 %, 2 % ou 3 % de contribuição sobre a folha salarial. Dentro desses setores, as empresas serão monitoradas e receberão uma classificação anual, feita de forma individualizada com base no indicador de sinistralidade, calculado de acordo com a gravidade, freqüência e os custos dos acidentes de trabalho. Com isso, uma empresa de risco 3, que hoje paga 3 %, poderá ter a contribuição reduzida à metade caso apresente baixo índice de ocorrências. Nesse caso, a alíquota cairá para 1,5 % da folha salarial.

Mas o mesmo sistema que premia também pune. As empresas que apresentarem índices de acidentes acima de média do setor terão que recolher o dobro aos cofres da Previdência. Na prática, a alíquota de contribuição sobre a folha de pagamento vai variar de 0,5 % a 6 %, onde quem prevenir mais pagará menos. De acordo com dados das empresas de prevenção de acidentes, apenas 01 (uma) em cada 100 (cem) empresas do país investe em políticas de segurança do trabalho.

Todas as empresas de um mesmo segmento pagam uma mesma alíquota sem evidências de base empírica ou científica para sua definição. A atual forma de determinar as alíquotas de contribuição não premia aquelas empresas que investem em prevenção.

Com essas ações, a Previdência Social visa proporcionar aos trabalhadores, um ambiente de trabalho mais salubre, além da certeza de que os agravos a sua saúde ou integridade física serão adequadamente caracterizados e aos empregadores, redução tributária como vantagem competitiva aos bons empregadores gerando eventuais ganhos de imagem mercadológica quanto ao item segurança e saúde do trabalho.


Nexo Técnico Epidemiológico (NTE)

O Nexo Técnico Epidemiológico (NTE) é uma metodologia que consiste em identificar quais doenças e acidentes estão relacionados com a prática de uma determinada atividade profissional. Com o NTE, quando o trabalhador contrair uma enfermidade diretamente relacionada à atividade profissional, fica caracterizado o acidente de trabalho. Nos casos em que houver correlação estatística entre a doença ou lesão e o setor de atividade econômica do trabalhador, o Nexo Epidemiológico caracterizará automaticamente que se trata de benefício acidentário e não de benefício previdenciário normal.

Com a adoção dessa metodologia, a empresa deverá provar que as doenças e os acidentes de trabalho não foram causados pela atividade desenvolvida pelo trabalhador, ou seja, o ônus da prova passa a ser do empregador, e não mais do empregado. Até a entrada em vigor do NTE, ao sofrer um acidente ou contrair doença, o INSS ou o trabalhador, ainda são os responsáveis por comprovar que os danos haviam sido causados pela atividade então desempenhada.

O NTE presume, como ocupacional, o Benefício por Incapacidade requerido, em que o atestado médico apresenta um código da doença (CID) que tenha relação com o CNAE (Código Nacional da Atividade Econômica) da empresa empregadora do trabalhador requerente. Como justificativas da Previdência Social para a implantação do NTE encontramos a geração de dados mais precisos sobre acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Brasil, superando as dificuldades advindas da subdeclaração do CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), além de permitir, também, a criação de instrumentos que permitam melhorar a gestão da área de Benefícios por Incapacidade e uma melhor formulação de políticas próprias da Previdência.

A presunção quanto ao nexo ocupacional será dada quando da realização da Perícia Médica pelo INSS. Talvez já prevendo a incongruência gerada pelo próprio Decreto e as manifestações contrárias que existirão, estão previstos os direitos de ampla defesa e do contraditório, os quais poderão ser utilizados tanto pelas empresas como pelos trabalhadores.

A empresa poderá requerer a não aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico (NTE) ao caso concreto mediante a demonstração de inexistência de nexo causal entre o trabalho e o agravo (poderá ser apresentado no prazo de 15 dias). O INSS informará ao segurado sobre a contestação da empresa, para, querendo, impugná-la (formulando alegações e apresentando provas), sempre que a instrução do pedido evidenciar a possibilidade de reconhecimento de inexistência do nexo causal entre o trabalho e o agravo.

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Porém, alguns comentários devem ser feitos com relação ao NTE. O NTE não leva em consideração a avaliação dos ambientes e das condições de trabalho; fatores biológicos do grupo de trabalhadores (idade, sexo, características raciais, fatores familiares); multicausalidade dos adoecimentos, incapacidade e morte; que a "aptidão" para o trabalho não enseja, necessariamente, ausência de patologias, que poderão ser computadas como relacionadas ao CNAE da empresa; o trabalho dos profissionais de Saúde e Segurança do Trabalho, desqualificando as ações por eles estabelecidas e implementadas e as ações implementadas pelas empresas no sentido de controle e melhoria das condições dos ambientes de trabalho.

O Nexo Técnico Epidemiológico (NTE) poderá estimular o "eugenismo", ou seja, um estudo, uma seleção mais rígida por parte de algumas empresas e de alguns poucos profissionais, nos processos de admissão.

Além disso, poderão surgir sintomas decorrentes de exposição a riscos ou atividades de trabalho pregressas, que serão computados no CNAE (Código Nacional da Atividade Econômica) onde o trabalhador exerce suas atividades atualmente, gerando uma base estatística não verdadeira.

Insta salientar que o Nexo Técnico Epidemiológico (NTE), alem de permitir o reconhecimento automático de determinadas incapacidades como acidentárias, traz como conseqüência a elevação do Fator Acidentário Previdenciário (FAP), em razão da piora dos índices de freqüência.

O Nexo Técnico Epidemiológico começará a vigorar a partir de abril de 2007, em conformidade com o art. 5º, I, do Decreto nº. 6042/2007.


Ações (reclamatórias) trabalhistas com o advento do NTE e do FAP

O Nexo Técnico Epidemiológico altera a forma de caracterizar as doenças e acidentes do trabalho. Até agora, qualquer dano à saúde do empregado, causado pelo trabalho, só poderia ser classificado como "Acidente de Trabalho", se fosse possível fazer o nexo causal, isto é, correlacioná-la efetivamente com a atividade por ele exercida, e o empregador emitisse o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Com o NTE, o nexo causal já está previamente estabelecido pela Previdência, através de análise estatística, na qual foram correlacionadas todas as atividades econômicas e os benefícios de auxílio doença e acidente do trabalho, pagos por ela nos últimos anos.

Por exemplo, a perda da audição, causada pelo ruído elevado é uma doença comum na atividade de mineração e beneficiamento de rochas. Estatisticamente há uma correlação entre as duas. Portanto, com a aplicação do NTE, qualquer trabalhador que recorrer à Previdência com esta doença, oriundo desta atividade econômica, será classificado como portador de um acidente de trabalho. Caberá ao empregador, provar o contrário, através de documentação médica. Com isso, com a nova legislação torna-se desnecessário a emissão do CAT, para caracterização do acidente de trabalho.

Portanto, com o advento desses dois institutos (NTE e FAP) a tendência é o aumento significativo de reclamatórias trabalhistas, inclusive pleiteadas – cumulativamente - danos morais.


Conclusão

Entende-se, desse modo, que essas alterações, além de manter e reforçar os direitos dos trabalhadores irão reforçar a importância dos conceitos prevencionistas dentro das empresas, já que, caso assim não hajam, tais empresas não terão argumentos para contestar as determinações da Previdência Social, além de terem um maior recolhimento para o SAT (Seguro Acidente de Trabalho), após a aplicação das novas regras do Fator Acidentário Previdenciário (FAP), que começará sua vigência a partir de setembro de 2007.

Portanto, a vinda desse Decreto também tem, como intuito, a valorização tanto para as empresas que investem em prevenção de acidentes e doenças do trabalho e na promoção da saúde, como também para os bons profissionais, que exercem suas atividades com excelência, dedicação, ética e, principalmente, com respeito ao trabalhador.

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Sobre o autor
Leonardo Bianchini Morais

Advogado. Pós Graduado em Direito Público. Sócio-Fundador do escritório Bianchini & Morais Advogados Associados. Membro do Departamento Jurídico da ONG Instituto Ambiental Sol do Campo (Ubá/MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Leonardo Bianchini. O fator acidentário previdenciário (FAP) e o nexo técnico epidemiológico (NTE). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1454, 25 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10065. Acesso em: 2 nov. 2024.

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