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Prescrição intercorrente no direito tributário

02/11/2022 às 15:45
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É conhecida a jurisprudência dos tribunais que rejeitam a prescrição quando a demora no impulsionamento do processo decorrer de morosidade do órgão jurisdicional, sem que o exequente tenha qualquer responsabilidade.

Palavras chaves: Prescrição intercorrente. Suspensão do processo. Inércia. Negligência.


 Prescrição intercorrente é a perda do direito por inércia do credor que se verifica no curso do processo, geralmente depois de feita a citação do devedor, como assinala a doutrina.

Como se sabe, o despacho judicial ordenando a citação interrompe a prescrição, na mais se exigindo a citação do devedor. A partir de então, se inicia o prazo de prescrição intercorrente.

A prescrição no direito tributário é matéria reservada à lei complementar (art. 146, III, b da CF).

No entanto o CPC/2015 regulou a prescrição vedando seu pronunciamento sem oitiva da outra parte, salvo nos casos de § 1º, do art. 332 que versam sobre causas que dispensam a dilação probatória (art. 487 e parágrafo único).

A LEF regulou especificamente a prescrição intercorrente no seu art. 40 e parágrafos:    

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.     (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5o  A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.” (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)

Nos termos do caput do art. 40, não encontrado o devedor ou seus bens o juiz ordena a suspensão do processo  não correndo o prazo de prescrição nessa hipótese, seguindo-se abertura de vista à exeqüente (§ 1º).

Decorrido o prazo de um ano sem localização do dever ou de seus bens o juiz ordenará o arquivamento dos autos (§ 2º).

Encontrados o devedor ou seus  bens, a qualquer tempo, os autos serão desarquivados (§ 3º).

Se decorrido o prazo prescricional a contar da data que ordenou o arquivamento dos autos, o juiz, depois de ouvido a Fazenda, poderá de ofício reconhecer a prescrição (§ 4º). O § 5º dispensa a manifestação prévia da Fazenda no caso de cobrança cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro da Fazenda.

Como se vê, o legislador criou vários empecilhos para o pronunciamento da prescrição intercorrente  favorecendo a negligência da Fazenda.

No nosso entender, decorrido um ano após a suspensão do processo e conseqüente arquivamento dos autos em Cartório, sem que se tenha encontrado o devedor ou seus bens, inicia-se a contagem do prazo a prescrição intercorrente que há de ser pronunciada independentemente da oitiva da Fazenda, nos exatos termos da Súmula 314 do STJ que foi editada exatamente para evitar reiterados pedidos de “diligências” nunca realizadas, com o fito exclusive de interromper a prescrição.

Sobre essa questão, o Órgão Especial do TRF-4 acolheu a argüição de inconstitucionalidade do § 4º, do art. 40 da LEF para, sem redução de texto, limitar sua aplicação às execuções de dívidas tributárias, e nesse limite conferir-lhe interpretação conforme a Constituição, fixando como termo inicial do prazo de prescrição intercorrente o despacho que determina a suspensão (art. 40), por maioria de votos (Ainc nº 0004671-46.2003.404.7200/, DJe 31-8-2010).

Nessa decisão, foi dito com rara precisão:

“Não cabe ao Juiz ou a Procuradoria a escolha do melhor momento para o seu início. Constatada a não localização do devedor ou ausência de bens pelo oficial de justiça e intimada a Fazenda Pública inicia-se automaticamente o prazo”.

Outrossim, relevante lembrar a jurisprudência do STJ afastando pedidos de diligências no estertor da consumação do prazo fatal só para interromper o prazo prescricional:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. REQUERIMENTOS DE DILIGÊNCIAS INFRUTÍFERAS QUE NÃO AFETAM A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRECEDENTES: EDCL NO AGRG NO ARESP. 594.062/RS; AGRG NO AG. 1.372.530/RS; E AGRG NO ARESP. 383.507/GO. AGRAVO REGIMENTAL DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Requerimentos de diligências infrutíferas não são capazes de interromper ou suspender o fluxo da prescrição intercorrente, que se consuma depois de cinco anos contados do fim do prazo anual durante o qual se suspende o curso do feito.

2. Prestigiando o efeito estabilizador de expectativas que decorre da fluência do tempo, pretende-se evitar a prática de pedidos de desarquivamento dos autos, em momento próximo ao lustro fatal, para a realização de diligências inócuas, seguidas por novos pleitos de suspensão do curso da execução, com o reprovável intuito de escapar os créditos executados do instituto da prescrição.

3. Precedentes: EDcl no AgRg no AREsp. 594.062/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 25.3.2015; AgRg no Ag. 1.372.530/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 19.5.2014; e AgRg no AREsp. 383.507/GO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 7.11.2013.

4. Agravo Regimental da FAZENDA NACIONAL a que se nega provimento (AgRg no AREsp nº 251.790/GO; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe: 30-11-2015). No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma da Corte Especial: Resp nº 1650698/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 20-4-2017.

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Resta, agora, examinar um caso concreto trazido ao nosso conhecimento por um cliente em que após o ajuizamento da execução fiscal seguida de despacho citatório mais de sete anos se passaram sem que o Cartório tivesse providenciado a expedição do respectivo mandado citatório. A Fazenda permaneceu em silencia durante todo esse prazo.

Pergunta-se, consumou-se a prescrição intercorrente?

É conhecida a posição da jurisprudência dos tribunais que rejeitam a prescrição quando a demora no impulsionamento do processo decorrer de morosidade do órgão jurisdicional, sem que o exequente tenha qualquer responsabilidade.

É de se afastar, de início, a tese de que a prescrição intercorrente somente ocorre após a citação do devedor.

É que o parágrafo único, inciso I, do art. 174 do CTN em sua redação original prescrevia a interrupção da prescrição pela citação. Contudo com o advento da Lei Complementar nº 118/2005 a prescrição passou a ser interrompida com o despacho judicial que ordenar a citação.

Dessa forma a doutrina deve se adequar à nova realidade processual.

Logo, a partir do despacho inaugural cabe à Exequente diligenciar requerendo ao juiz que determine ao escrivão do feito o cumprimento do despacho expedindo-se o mandado de citação.

A prescrição, bem como a prescrição intercorrente existe para evitar a negligência e inércia do credor deixando uma espada de Dâmocles por tempo indefinido sobre a cabeça do devedor, situação que não interessa ao direito por gerar insegurança jurídica que prejudica a sociedade como um todo.

Não se pode deixar de responsabilizar a Fazenda no caso aventado sob a alegação de que a demora decorreu da imperfeição do mecanismo da Justiça. Não é crível, nem razoável supor que a Fazenda deva permanecer mais de sete anos sem tomar conhecimento do processo, depois de ajuizada a execução fiscal.

A prevalecer essa tese, a execução ficaria paralisada no nascedouro por 20, 30 ou 100 anos.

A interpretação do texto legal há de ser feita com razoabilidade, que é um limite imposto à própria ação de legislador.

Positivamente, no caso ora examinado a prescrição intercorrente se consumou, podendo ser arguida essa prescrição intercorrente por meio de exceção de preexecutividade.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Prescrição intercorrente no direito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7063, 2 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100939. Acesso em: 27 abr. 2024.

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