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Reestruturação judicial e a operação drop down

20/11/2022 às 14:25

Resumo:


  • O ensaio aborda o instituto jurídico-societário do "drop down", pouco explorado na doutrina brasileira, mas relevante para empresas em crise financeira sob reestruturação judicial.

  • Decisões judiciais brasileiras têm aplicado o "drop down" no contexto da recuperação judicial, apesar de não estar expressamente previsto na legislação, fundamentando-se no princípio da preservação da empresa.

  • O "drop down" envolve a transferência de ativos para a criação de uma nova entidade jurídica que contribui para a reorganização e recuperação da empresa em dificuldades, podendo se enquadrar no art. 50 da Lei 11.101/05.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O drop down não está expresso de forma textual entre os meios de reestruturação judicial previstos no dispositivo legal em comento, mas a entidade em crise, sob o regime recuperatório, pode legalmente criar pessoa jurídica visando o soerguimento.

O presente ensaio científico tem por objetivo discorrer acerca de instituto jurídico-societário pouco tratado pela hodierna doutrina nacional1, mas, sem dúvida, de suma importância para agentes econômicos mergulhados em crise econômico-financeira que se encontram em regime de reestruturação [plenamente] judicial.

Em relação ao importante tema serão alinhadas algumas considerações, visando o debate científico.

A operação societária assim denominada drop down2 ocorre com bastante frequência nos Estados Unidos da América, mas no Brasil ainda não está legalmente prevista [operação considerada, portanto, atípica, ou seja, não recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio, até o momento].

Entrementes, já há decisões judiciais a respeito da aplicação de tal instrumento jurídico, inclusive no âmbito do processo (plenamente) recuperacional, conforme se infere dos seguintes acórdãos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DO PLANO DE RECUPERAÇÃO REJEITADO EM ASSEMBLEIA DE CREDORES. ABUSO DE DIREITO. Princípio da preservação da empresa (art. 47 da Lei n. 11.101/05). Controle judicial nas deliberações dos credores em assembleia. Admissibilidade. Abuso do direito. Ocorrência. Oposição do agravante ao plano de recuperação. Ausência de justificativa para a afirmação de que a agravada não detém capacidade produtiva para superar a crise econômica. Necessidade de assegurar certo intervalo de tempo para reorganização da atividade com a finalidade de alavancar negócios para o pagamento de suas dívidas. Hipótese de prestigiar a maioria quantitativa dos credores quirografários em detrimento da qualitativa.

ABUSIVIDADE DAS CLÁUSULAS CONTIDAS NO PLANO DE RECUPERAÇÃO. Deságio de 45%. Abusividade não configurada. Prazo de carência de 12 meses para o pagamento do débito em dez anos. Tempo para reorganização da atividade produtiva. Utilização de taxa referencial como índice de correção monetária e fixação de juros remuneratórios em 2% ao ano não caracterizada abusividade. Operação societária de drop-down e criação da PRJn Engenharia Ltda. como unidade produtiva isolada. Ausência de prejuízo ao desenvolvimento das atividades da recuperanda e aos credores, pois o resultado líquido apurado com a exploração das atividades e com a venda da unidade serão revertido ao pagamento dos créditos. Decisão mantida. Recurso improvido3

E mais:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Homologação do plano - Onerosidade excessiva Inocorrência Controle de legalidade que não pode se estender para disposições de natureza econômica - Deságio de 50% para o crédito quirografário e supostos longos prazos de pagamento e de carência (120 parcelas mensais e 24 meses de carência) - Validade das cláusulas Precedentes Recurso improvido.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Homologação do plano 'Drop Down'. Abusividade não verificada Criação de sociedade empresária subsidiária e transferência de ativos que buscam otimizar e viabilizar o soerguimento da empresa em crise Medida legítima prevista no art. 50, inciso II da Lei 11.101/05 Precedentes Recurso improvido.4

A operação societária em exame pode ser levada a efeito, por exemplo, quando se objetiva o fortalecimento do agente econômico no mercado [e, consequentemente, obtenção de mais lucros, em última análise]; ou melhorar [ampliar] o desempenho da entidade, com mais geração de bens e produtos, bem como prestação de serviços mais eficiente e rapida.

Também pode visar a própria mantença neste mesmo mercado, considerando o aporte de ativos destinados a incrementar a atividade desenvolvida pela pessoa jurídica em crise, sem descuidar da estratégia do controle societário e intuito de maior lucratividade.

Entrementes, aqui não há espaço para tratar dos temas e muito menos das [eventuais] implicações fiscais [até porque, consoante dito, inexiste regulamentação legal do instituto no Brasil] decorrentes.

Importa, isso sim, fazer a indispensável conexão do instituto societário com a Lei 11.101/05, especialmente considerando o teor do art. 50.

O drop down não está expresso de forma textual entre os meios de reestruturação judicial previstos no dispositivo legal em comento, mas a entidade em crise, sob o regime recuperatório, pode legalmente criar pessoa jurídica visando o soerguimento [a nova entidade seria a receptora de ativos, em sentido amplo]. Não se descuida que as hipóteses previstas no enunciado legal (art. 50) são meramente exemplificativas [numerus apertus].

Pode haver outras soluções para a resolução da crise empresarial, com o escopo de que ocorra o efetivo cumprimento do plano de reestruturação, mediante a adoção, por exemplo, do drop down. A hipótese enquadrar-se-ia perfeitamente na regra do art. 50, inc. II da Lei 11.101/05.

Eram estas as breves considerações sobre o relevante instituto de direito societário.


Notas

1 Na prática é bastante comum a utilização do drop down por grandes companhias, mas não apenas. Observe-se o texto da Lei 13.874/2019, especialmente no que diz com a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica. São interpretadas em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade as normas de direito público acerca da atividade econômica de cunho privado.

2 Trata-se de operação [ou reestruturação] societária que de forma alguma se confunde com aquelas previstas tanto no Código Civil quanto na Lei 6.404/76. Com efeito, nada tem a ver com a cisão, a fusão e a incorporação societária [ a propósito, o Código Civil não trata da cisão]. Sobre as operações societárias, ver: Código Civil, arts. 1.113 a 1.122, e Lei 6.404/76, arts. 220 a 234]. Tal tipo de reorganização societária - drop down do direito estadunidense - a bem de ver, se traduz no aumento de capital social que uma pessoa jurídica faz em outra entidade, mediante a transferência de ativos ([inclusive intangíveis, de valor econômico] sentido amplo do vocábulo), direitos e obrigações [Lei 6.404/76, art. 7º] mediante participação societária e controle. É possível afirmar que haveria (em tese) certa similaridade com a cisão [parcial ou total] prevista no Direito pátrio, porquanto, de acordo com o art. 229 da Lei 6.404/76, a companhia transfere parcelas de seu patrimônio [bens ou direitos] a uma ou mais entidades, constituídas para tal fim ou já existentes, extinguindo-se, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. Entrementes, no drop down não há redução do capital social ou mesmo a extinção da jurídica “cindida”. A assim denominada pessoa jurídica “conferente” passa a ter participação no capital social da entidade, dita “receptora”, sem que ocorra redução de capital social daquela, mas há o aumento do capital social desta. Em decorrência de ativos transferidos, a “conferente” recebe o equivalente em participação societária (quotas sociais ou ações), na “receptora”. Em vez de bens etc., a pessoa jurídica “conferente” passa a ter quotas ou ações equivalentes a estes. Em resumo, há mera substituição de ativos e passivos por ações ou quotas. Destarte, esta é a técnica jurídica denominada de drop down. A propósito, em incorporação societária [Lei 6.404/76, art. 227 e Cód. Civil, art. 1.116] não há falar, porquanto uma ou mais entidades são absorvidas por outra, que lhe sucede quanto aos direitos e obrigações livremente contraídas. Consoante visto, no drop down inexiste absorção de uma pessoa jurídica por outra, de modo que inaplicáveis as regras previstas na Lei 6.404/76 e Código Civil.

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3 TJSP, 1ª Câmara Reservada, Ag.Inst. n. 2159288-57.2017.8.26.0000, rel. Des. Hamid Bdine, julg. 13/12/20217.

4 TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Ag.Inst. n. 2290263-65.2020.8.26.0000, rel. Des. J. B. Franco de Godoi, julg. 28/10/2021. Consta do v. acórdão: Isso porque a criação de nova sociedade (subsidiária) com os bens e ativos da recuperanda e com o mesmo objeto visa dar continuidade à empresa, viabilizando a participação de licitações, contratos públicos e particulares e, assim, otimizando a execução do plano de recuperação.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Reestruturação judicial e a operação drop down. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7081, 20 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101197. Acesso em: 23 dez. 2024.

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