Os crimes contra a propriedade intelectual no Código Penal: um breve resumo

Leia nesta página:

O Código Penal se ocupa de proteger o direito autoral, ou seja, direitos morais ou patrimoniais que surgem quando se cria uma obra com valor econômico, seja ela intelectual, artística, científica, literária etc.

Recentemente, vimos nos jornais que uma decisão judicial questionou a autoria de um famoso compositor popular de uma de suas mais conhecidas composições. Neste artigo, veremos o conteúdos dos artigos 184 e 186 do Código Penal, para caracterizarmos corretamente o crime de violação aos direitos de autor e sua natureza penal.

1) O artigo 184: violação de direito autoral

Vejamos inicialmente o que diz o tipo penal sobre a matéria:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: 

Pena detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.           

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

Pena reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:         

Pena reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.        

§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.      

Vejamos o que a doutrina consultada nos diz sobre os chamados crimes contra a propriedade intelectual nos artigos 184, caput; 184 §1º; 184 §2º; 184 §3º e 184 §4º.

Em primeiro lugar, é oportuno lembrar que aquilo que estes dispositivos visam proteger é o direito autoral, ou seja, direitos morais ou patrimoniais que surgem quando se cria uma obra e quando se usa uma obra economicamente, seja ela intelectual, artística, científica, literária etc.

Greco (2017) e Bitencourt (2012) reiteram que esses direitos abrangem direitos do autor e direitos conexos aos do autor (segundo Bitencourt, os relativos à interpretação e à execução da obra por seu criador, considerando-se como tais a gravação, reprodução, transmissão, retransmissão, representação ou qualquer outra modalidade de comunicação ao público).

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo deste crime, inclusive partícipes ou coautores.  Mas o sujeito passivo somente pode ser quem criou a obra intelectual literária, científica, artística etc. ou seus herdeiros ou sucessores, além desses direitos poderem ser transferidos para terceiros, exceto os de natureza personalíssima, com o efeito de que, se o sujeito passivo for pessoa jurídica de direito público, segundo Bitencourt, a ação penal será pública incondicionada.

A doutrina consultada (GRECO, 2017; BITENCOURT, 2012) ainda aponta como a violação dos direitos de autor pode se concretizar de formas variadas: reprodução da obra, comercialização sem autorização do autor etc. Por isso, Bitencourt aponta que violar significa transgredir, falsificar ou ofender o direito do autor, embora a lei penal não defina o que é direito de autor ou direito autoral (norma penal em branco), estando tal definição na lei  9.610/98.

Importante destacar as figuras qualificadas deste crime: conforme a doutrina consultada, os §§ 1º e 2º do art. 184 disciplinam as figuras qualificadas da violação de direitos autorais com majoração da pena. Diz Bitencourt:

São tipificadas como qualificadas as seguintes condutas: 1) Reproduzir (reprodução), por qualquer meio ou processo, obra intelectual, total ou parcialmente, para fins comerciais, isto é, com intuito de lucro (direto ou indireto), sem autorização expressa do detentor do direito. É proibida a reprodução de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma. A autorização pode ser dada pelo detentor do direito ou por seu representante legal (§ 1º). 2) Distribuir, vender, expor à venda, alugar, introduzir no País, adquirir, ocultar, emprestar, trocar ou ter em depósito, com o fim de lucro, original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou videofonograma, produzidos ou reproduzidos com violação de direito autoral (§ 2º). (BITENCOURT, 2012)

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Esses dois parágrafos dizem respeito à chamada pirataria de obras intelectuais. A pena máxima foi mantida (4 anos), mas a pena mínima nesses dois parágrafos, em vez de um ano, é de dois anos, além de cumular com pena de multa.

Qual o motivo do aumento dessa pena? Segundo a doutrina consultada, o intuito de lucro é esse motivo, impossibilitando a suspensão condicional do processo. Além disso, a forma qualificada deste crime é de ação pública incondicionada. Bitencourt adverte os professores que Direito que alimentam o que ele chama de indústria do xerox nas universidades, que segundo ele se enquadra nessa forma qualificada da violação dos direitos autorais. Lembrando que só satisfaz o tipo a conduta sem autorização de quem detém o direito sobre a obra, seja o autor ou um terceiro.

A doutrina ainda aponta a questão da ciberpirataria, com as novas tecnologias e a internet e a realidade trazida pelo expediente do download. Com a ressalva de que é um crime que exige dolo, segundo Bitencourt (2012), vontade livre e consciente de violar direito autoral alheio, além de, nas modalidades qualificadas, se exigir fim de lucro direto ou indireto. A falta da intenção da prática da conduta visando lucro não permite a qualificadora.

É um crime material, consumado com a prática da conduta, como publicação, execução ou exposição de obra, admitindo-se também a tentativa. E, além disso, é crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, e crime de mera conduta, não sendo necessário haver nenhum resultado

Na forma simples, a pena é de três meses a um ano, ou multa; nas formas qualificadas (§§ 1º e 2º), é cumulativa: reclusão, de dois a quatro anos, e multa. O crime do art. 184, caput, é de ação penal de iniciativa privada, a não ser que o crime seja contra, nas palavras de Bitencourt, entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público. Mas em relação às condutas tipificadas nos §§ 1º e 2º, a ação penal será pública incondicionada (art. 186).

2) O artigo 186: natureza da ação penal do art. 184

 Art. 186. Procede-se mediante:

 I queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184;       

 II ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1o e 2o do art. 184;          

III ação penal pública incondicionada, nos crimes cometidos em desfavor de entidades de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público;         

IV ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3o do art. 184.          

Nesta segunda seção, trataremos do que diz a doutrina consultada em relação aos artigos 186, I; 186, II; 186, III e 186, IV do Código Penal. Trata-se de uma exposição no Código Penal da natureza da ação penal dos crimes previstos no art. 184, contra a propriedade intelectual. Segundo o art. 186, I, a ação penal é de exclusiva iniciativa privada nas hipóteses dos crimes previstos no caput do art. 184; segundo o art. 186, IV é pública condicionada à representação nos crimes previstos no § 3º do art. 184 e, segundo o art. 186, II, é  pública incondicionada nos crimes previstos nos §§ 1º e 2º do art. 184, além de, conforme o art. 186, III, também ser pública incondicionada quando o crime for praticado contra entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público.  

A doutrina discute o prazo decadencial e a prova de direito da ação. Greco (2017) e Bitencourt (2012) entendem que o prazo decadencial é de seis meses, dentro dos quais deve haver as diligências. Com a observação de que a partir da apreensão ou perícia, a queixa não pode tardar mais de 30 dias, prazo preclusivo, mas não decadencial. Bitencourt aponta um erro crasso do STF que entendeu em um acórdão que o prazo para se oferecer queixa crime nessa matéria seria de 30 dias. Bitencourt sentencia: constata-se facilmente que, nesse julgamento, a Suprema Corte confundiu alhos com bugalhos. Porque, segundo o autor, não existe esse prazo decadencial de trinta dias, sendo a previsão contida nos arts. 524 a 530 do CPP aplicável apenas aos crimes previstos no caput do art. 184, cuja ação penal é de exclusiva iniciativa privada, pois o prazo decadencial para a propositura da ação penal privada é o de seis meses. Em relação ao direito de ação, a doutrina consultada aponta que é necessário que a denúncia ou queixa seja instruída com prova pericial dos objetos que constituam o corpo de delito (art. 525 do CPP).

Finalmente, podemos notar como a propriedade intelectual é tutelada em nosso direito penal, não devendo caber entendimento contrário ao de se garantir ao autor de obra intelectual a proteção devida à sua autoria.

Que o compositor referido no início deste breve artigo possa ter reconhecida sua autoria e fazer valer seus direitos contra a violação de seus direitos de autor, ao utilizarem indevidamente e sem autorização uma de suas obras.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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