Resumo: Este artigo tem como objetivo fazer uma análise comparativa dos modelos de controle de constitucionalidade adotados pelo Brasil e pela Argentina, enfocando a forte influência dos sistemas americano e austríaco no controle jurisdicional exercido pelo Poder Judiciário. Assim, inicialmente, são apresentados alguns conceitos estabelecidos pela doutrina para o controle de constitucionalidade. Na sequência, discorre-se sobre as principais características dos sistemas americano e austríaco, considerados as bases para os vários modelos existentes de justiça constitucional; bem como acerca dos princípios da rigidez e da supremacia, vez que ambos estão intrinsecamente ligados para que o controle constitucional seja efetivado. Aborda-se, ainda, sobre os sistemas brasileiro e argentino de controle jurisdicional de constitucionalidade, donde se pôde concluir que, embora ambos combinem os sistemas americano e austríaco, o modelo argentino ainda não prevê um controle direto e concentrado como acontece no modelo adotado pelo Brasil.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Rigidez constitucional. Supremacia da Constituição.
1 INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade é tema recorrente no âmbito jurídico e apresenta fecunda reflexão no que concerne ao objeto do controle, sua extensão e seus efeitos. Nesse contexto, pretende-se realizar uma análise comparativa dos modelos de controle de constitucionalidade adotados pelo Brasil e pela Argentina.
Cabe ressaltar que o controle de constitucionalidade pode se dar no âmbito político, jurisdicional e misto. No entanto, não se pretende aprofundar o tema, mas apenas discorrer acerca do sistema de controle jurisdicional exercido por órgãos do Poder Judiciário, dotados de independência e que podem agir por provocação ou ex-lege, de acordo com a previsão constitucional.
Assim, para fundamentação do assunto, são apresentados alguns princípios basilares, que se entrelaçam e ao mesmo tempo mantém certa interdependência, criando, desse modo, a base que serve ao controle de constitucionalidade, tais como: supremacia da Constituição e a rigidez constitucional.
Tal instrumento de garantia da supremacia constitucional comporta diversos modelos de fiscalização da constitucionalidade (francês, alemão, italiano, brasileiro, argentino). Contudo, para o foco deste estudo, apenas dois desses sistemas de controle serão abordados: o americano e o austríaco, posto que o modelo de controle de normas adotado pelo Brasil e pela Argentina provém desses dois grandes sistemas.
2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: CONCEITUAÇÃO
Inicialmente, convém apresentar a conceituação de controle de constitucionalidade como modo hermenêutico de compreensão à espécie em análise.
A doutrina moderna tem se esforçado para conceituar o controle de constitucionalidade. Nesse sentido, o professor Ferreira Filho (2007, p. 34) o define como: A verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente a lei) com a Constituição.
Ainda segundo o autor, essa adequação deve ser passada pelo crivo dos requisitos formais e substanciais (materiais). Os requisitos formais se subdividem em subjetivos, como o órgão competente para iniciativa legiferante; e em objetivos, como a forma, os prazos, o rito, observados em sua edição. Já os requisitos substanciais referem-se aos direitos e garantias consagradas na Constituição (FERREIRA FILHO, 2007, p. 34).
Ainda nesse circunspecto conceitual, colaciona-se a lição de Bulos (2009, p. 106), para quem o controle de constitucionalidade é o instrumento de garantia da supremacia constitucional. Depreende-se, assim, que o controle não é apenas um instrumento de subsunção das normas infraconstitucionais à Constituição.
Há ainda um conceito que se aproxima dos contornos já tracejados até o presente momento, trazendo uma conotação atual à configuração brasileira de controle, o qual pode ser exercido pelo Poder Constituinte Derivado, in verbis:
O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos consiste no conjunto de ações e caminhos pelos quais a Constituição permite o controle do exercício do Poder Constituinte derivado e da elaboração do ordenamento infraconstitucional. São meios ofertados pela Carta Magna para garantir sua própria supremacia, o que se manifesta em não se admitir que leis ou atos normativos que a contrariem possam produzir efeitos. (MIRANDA, 2005, p. 127, grifo nosso).
Sem embargo, mediante uma visão historicista da supremacia constitucional, encontra-se sua fórmula genuína na visão de Hans Kelsen, a quem se deve a criação do modelo austríaco de fiscalização, considerado de suma importância, pois serviu para complementar o controle difuso e preservar a Lei Maior contra leis ou atos normativos federais ou estaduais que a contrariasse (MALAQUIAS, 2003, p. 50).
3 SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: AMERICANO E AUSTRÍACO
Com o fito hermenêutico, mister se faz expor as principais características dos sistemas de controle de constitucionalidade americano e austríaco que constituem as matrizes das quais derivam os diversos modelos de justiça constitucional, inclusive o brasileiro e o argentino.
3.1 Sistema americano de controle
O Poder Judiciário é responsável para exercer o controle de constitucionalidade americano. Com competência difusa, cabe à Suprema Corte americana a última palavra para definir qualquer matéria constitucional, ou seja, trata-se do órgão de cúpula do Judiciário que decide em última instância pela (in) constitucionalidade de uma lei, ficando os demais órgãos impossibilitados de se manifestarem de maneira diferente. Entretanto, Malaquias (2003, p. 27) aponta falhas no que tange à ausência de controle concentrado em alguns casos concretos:
Denota-se nesse sistema que a exigência do surgimento de uma controvérsia in concreto para a análise da constitucionalidade de uma lei acaba deixando de fora do controle da Suprema Corte questões que envolvam os poderes e questões que, abstratas e desvinculadas de lides particulares, têm importância nacional. A ausência de controle concentrado em um processo objetivo torna esse sistema incompleto. (MALAQUIAS, 2003, p. 27).
Na visão de Malaquias (2003, p. 27), o sistema federal e o valor normativo superior atribuído à Constituição em relação às leis ordinárias foram a mais importante criação do constitucionalismo norte-americano e a grande inovação frente à tradição inglesa da soberania do Parlamento.
Contudo, foi com o célebre caso Marbury versus Madison, em 1803, que a teoria do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos da América foi consolidada. Tal caso possibilitou que um magistrado declarasse a inconstitucionalidade de uma lei, momento em que o juiz Marshall proferiu a decisão que se tornou parte da história do judicial review. (BULOS, 2009, p. 107).
Um breve escorço histórico trazido por Bulos (2009, p. 107) mostra a dimensão do que representa o caso Marbury versus Madison em relação aos sistemas constitucionais de controle.
Para uma melhor compreensão acerca da desenvoltura dos elementos de origem do sistema de controle de constitucionalidade e a influência norte-americana, cabe retratar, em diminuta síntese da evolução histórica, o caso Marbury versus Madison, ipsis litteris:
Eis a resenha deste caso: em 1801, Willian Marbury foi nomeado para o cargo de juiz de paz do distrito da Columbia. O presidente John Adams, do partido federalista, foi quem o nomeou, nos precisos termos da lei. Como o presidente Adams estava terminando seu mandato, não houve tempo hábil para empossar Marbury no cargo. Então o republicano Thomas Jafferson, ao assumir a Presidência dos Estados Unidos, mandou que seu Secretário de Estado, James Madison, negasse posse a Marbury. Este, inconformado com tal arbitrariedade, recorreu a Suprema Corte a fim de que o Secretário Madison fosse obrigado a lhe dar posse. (BULOS, 2009, p. 108).
Indo um pouco mais além, esmiúça-se o caso em comento: Thomas Jefferson havia derrotado John Adams nas eleições presidenciais de 1800, tomando posse no dia 4 de março de 1801. No mês de fevereiro daquele ano, o congresso de maioria federalista, ou seja, apoiando John Adams, aprovou o Judiciary Act, que na época havia previsão de dobrar o número de juízes federais e autorizou a nomeação de 42 juízes de paz para o distrito de Columbia. Nessa celeuma, então, é que o Presidente, ao fim de seu mandato, indicou federalistas para os cargos, sendo a nomeação confirmada pelo Senado Federal americano em 3 de março de 1801. Observa-se que boa parte de tais juízes não chegou a tomar posse, pois ao iniciar o mandato do novo Presidente Jefferson, ordenou ao seu Secretário de Estado, James Madison, que não entregasse os documentos necessários aos pretensos juízes, para que assim se efetivassem como tais. Importa mencionar que no ano de 1802, antes do julgamento do caso Marbury versus Madison, o Congresso aprovou lei que revogava o Judiciary Act de 1801, tendo em vista que a conformação do Congresso naquele período era de maioria republicana, indo de encontro com os federalistas que aprovaram respectivo ato legislativo, em mandato anterior (BULOS, 2009, p. 108 - 110).
Configurado pano de fundo para o grande julgamento, a Suprema Corte encontrava-se com alguns empecilhos para conceder a Marbury o mandado por ele pugnado, posto que corria o risco de ter sua decisão não cumprida, em vista da oposição ferrenha do Poder Executivo, então republicano. Finalmente, a decisão que pôs termo ao caso em questão ocorreu em 1803 pelo citado juiz Marshall que, de fato, empossou Marbury. Com isso, a repercussão de tal decisão foi uma nova perspectiva da revisão judicial implementada num caso prático, bem como uma vitória, à época, dos federalistas que eram maioria no judiciário graças as nomeações de Adams em seu governo, em face dos republicanos do Poder Executivo (BULOS, 2009, p. 108 - 110).
Em consonância com o caso emblemático, afigura-se a importância do sistema constitucional difuso, no qual em situações específicas pode ocorrer a declaração de inconstitucionalidade dos atos normativos a elas aplicáveis, com suas respectivas repercussões jurídicas.
O sistema americano de controle pode ser traduzido pelas palavras de Canotilho (1992, p. 979), que trata com clareza hialina a sistematização da apreciação do caso em concreto e sua submissão ao controle jurisdicional de constitucionalidade, in verbis: A competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é reconhecida a qualquer juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a um caso concreto submetido à apreciação judicial.
Depreende-se, portanto, que o cerne do modelo norte-americano de controle de constitucionalidade repousa na possibilidade de qualquer juiz, diante do caso concreto, percebendo o contraste de uma lei ordinária face à Lei Suprema, aplicar esta e excluir aquela. Assim, resta claro o importante papel da Suprema Corte nesse sentido, pois sua decisão tem efeito vinculante, ou seja, garante a eficácia erga omnes (MALAQUIAS, 2003, p. 28).
3.2 Sistema austríaco de controle
Ultrapassados os primeiros contornos do controle de constitucionalidade difuso com seu nascedouro no ordenamento jurídico americano, ou seja, a apreciação do caso concreto sob o crivo da constitucionalidade, passa-se à discussão do controle conhecido como concentrado cravejado pelo ordenamento jurídico austríaco que, sem sombra de dúvidas, é o modelo que de fato retumbou com maior frequência ao se comparar ao difuso americano, sendo inclusive um marco para o controle de constitucionalidade moderno.
Na Áustria, o controle da constitucionalidade das leis ficou conhecido em meados de 1920, ano em que o país adotou a teoria desenvolvida por Hans Kelsen, cuja principal característica estava na apreciação da legitimidade da lei in abstrato, não havendo necessidade da existência de uma demanda envolvendo interesses subjetivos em andamento, como nos moldes existentes nos Estados Unidos. À época foi instituída uma Corte Constitucional competente para, de modo concentrado e unicamente por meio de ação direta, analisar a constitucionalidade das leis daquele país. (MALAQUIAS, 2003, p. 29).
Após a reforma do texto constitucional em 1929, a Áustria também passou a admitir o controle de constitucionalidade concreto, ou seja, aquele ocorrido durante o curso de uma demanda judicial. Contudo, diferentemente do modelo americano, não facultava a qualquer juiz, diante do caso concreto [...] apreciar a constitucionalidade da lei, motivo pelo qual foram criados dois órgãos judiciários superiores com legitimidade para submeterem à Corte Constitucional as questões sobre constitucionalidade de leis, relativas a casos concretos que por eles tramitasse. (FERRARI, 1999 apud MALAQUIAS, 2003, p. 29).
Portanto, seguindo a teoria Kelseana, na configuração do modelo austríaco, os dois órgãos que realizam o controle concentrado são: o Tribunal Supremo (como um órgão de jurisdição ordinário) ou o Tribunal Constitucional (como um órgão especialmente criado para o efeito). (CANOTILHO, 1992, p. 980).
Mendes et al. (2010, p. 139-140) colacionaram a lição de Hans Kelsen que delineia a importância da presença de um Tribunal Constitucional competente para declarar a nulidade de atos legiferantes atentatórios à ordem estabelecida pela constituição vigente, in verbis:
Embora se tenha plena consciência disso porque uma teoria jurídica dominante pela política não lhe dá ensejo é certo que uma Constituição que, por não dispor de mecanismos de anulação, tolera a subsistência de atos e, sobretudo, de leis com elas incompatíveis, não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante. [...] Assim, essa carência de força obrigatória contrasta radicalmente com a aparência de rigidez outorgada à Constituição através da fixação de requisitos especiais de revisão. (KELSEN apud MENDES et al., 2010, p. 139-140).
Ainda segundo Mendes et al. (2010, p. 1557), há nessa vertente uma viabilização de um sistema que, ao perceber a inconstitucionalidade do mandamento legal, atribui meio sancionatório, com a consequente retirada do ordenamento jurídico vigente da lei atentatória à ordem estabelecida pela Constituição.
Canotilho (1992, p. 980), por sua vez, elucida que, a par da concepção Kelseana divergir em sua gênese da judicial review americana, o controle constitucional não é propriamente uma fiscalização judicial, mas uma função constitucional autônoma que tendencialmente se pode caracterizar como função de legislação negativa. Tais preceitos são chancelados com o respectivo juízo realizado por tal tribunal na compatibilização ou incompatibilização das leis ou normas com a Constituição.
Nessa linha de desígnios é que Mendes et al. (2010, p. 1557) ataviam as ideias já propugnadas até o presente momento em relação à visão Kelseana sugerida no controle austríaco. Para o autor, há uma necessidade de anulação de ato em desconformidade com o ordenamento constitucional por órgão específico imbuído de tais poderes, e se assim não o fosse, tal constituição não teria sua força cogente que dela pode se extrair.
Como se vê, não se limita Kelsen a reconhecer a sanção como elemento integrativo de conceito de inconstitucionalidade. Considera indispensável, igualmente, a existência de sanção qualificada, isto é, do procedimento de anulação do ato inconstitucional por órgão competente. Daí afirma-se que, para Kelsen, a jurisdição constitucional é uma decorrência lógica da Constituição em sentido estrito. (MENDES et al., 2010, p. 1557).
De fato, tal sistemática foi bem recepcionada em vários modelos de controle de constitucionalidade mundiais, principalmente em se tratando de período pós-guerra, tais como: Itália, Alemanha, Turquia, Espanha, Portugal, dentre outros. Nesse diapasão, o sistema austríaco, também conhecido como europeu continental, insurge como o mais moderno sistema de controle de constitucionalidade
4 PRINCÍPIOS CONFORMADORES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Com efeito, a discussão de alguns princípios basilares que se entrelaçam e que mantém uma tônica de interpendência cria, certamente, um pano de fundo ao controle de constitucionalidade. Dentre esses princípios estão o da supremacia da Constituição e o da rigidez constitucional.
Para preservar a Constituição, bem como os direitos e garantias por ela estabelecidos, é indispensável ter em mente os conceitos de supremacia e rigidez constitucional. Isso porque existe uma interligação evidente entre ambos para se efetive o controle de constitucionalidade, conforme se extrai da explanação abaixo:
A ideia de controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos está ligada a dois aspectos: a) a supremacia da Constituição sobre as demais normas do ordenamento jurídico e b) a rigidez constitucional. Em relação ao primeiro aspecto, há Estados em que o ordenamento jurídico está baseado em um sistema piramidal, i.e., a produção de uma norma depende de outra que lhe é superior hierarquicamente. (...) Podemos dizer que a CF/88 é norma superior em relação às demais normas infraconstitucionais e, portanto, a interpretação do sistema jurídico-normativo vigente deve ser feita de cima para baixo, visto que a CF/88 é norma-origem, não existindo outra acima dela. O segundo aspecto está ligado diretamente ao primeiro. As Constituições rígidas são aquelas que preveem para a sua alteração um procedimento especial, qualificado e mais dificultoso do que a elaboração de uma lei ordinária. Se a legislação ordinária pudesse alterar o texto constitucional estaríamos diante de uma Constituição flexível, não havendo hierarquia entre as normas. Desta forma, a rigidez constitucional cria uma relação piramidal entre a Carta Magna e as outras normas do mesmo ordenamento jurídico. (NISHIYAMA, 2001, p. 77, grifos do autor).
Diante disso, corrobora-se do entendimento de que é necessária a rigidez para que se tenha a supremacia constitucional, pois é ela que sustenta essa supremacia, proporcionando ao sistema unidade, conformidade, completude e coerência. (PAGANELLA, 2015).
Há que se mencionar que o constitucionalismo moderno, base epistemológica dos princípios que abarcam a noção moderna de superioridade, revela e induz a previsão da força cogente do controle e suas implicações. Nesse sentido, o professor Bulos (2009, p. 5) leciona com propriedade e de forma objetiva acerca da noção de constitucionalismo, in verbis:
A noção de constitucionalismo pode ser ampla ou restrita. Em sentido amplo, constitucionalismo é o fenômeno relacionado ao fato de todo Estado possuir uma constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político adotado. Já em sentido restrito, constitucionalismo é a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos exercerem, com base nas constituições escritas, os direitos e garantias fundamentais. (BULOS, 2009, p. 5, grifos do autor).
O princípio da supremacia da Constituição remonta a ideia de construção escalonada do ordenamento jurídico de Kelsen, exigindo, para tanto, a previsão e a existência de mecanismos e instrumentos processuais adequados para a solução de possíveis conflitos constitucionais em qualquer ordenamento jurídico que adote tão importante princípio.
A Constituição resplandece sua superioridade em detrimento dos atos normativos infraconstitucionais, no sentido material e formal eis que é esta que delimita a forma de produção, bem como a matéria afeta ao ato , condicionando sua permanência no ordenamento jurídico vigente a obediência a tais preceitos.
Nesse sentido, Veloso (1999, p. 19) assevera que o controle serve como barreira para os excessos, abusos e desvios de poder, garantindo as liberdades públicas, a cidadania, os direitos e garantias fundamentais.
Não obstante, assegura-se a supremacia e a defesa da Constituição na ordem jurídica por meio do controle de constitucionalidade, prevalecendo a Lei Maior sempre soberana diante de todas as demais leis ou atos normativos que a antagonizem.
O princípio da rigidez constitucional, por sua vez, somente existe em face da supremacia axiológica das normas constitucionais em relação às demais normas jurídicas (DUARTE, 2007, grifo nosso). Portanto, é essa rigidez que dificulta qualquer mudança das normas da Lei Maior.
5 CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE
5.1 Sistema brasileiro de controle jurisdicional de constitucionalidade
O controle de constitucionalidade brasileiro obedece a um modelo estrutural com características marcantes, ressaltando a intervenção do sistema americano e austríaco. Ou seja, tem matizes da forma concentrada exercida por um órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (Tribunal Constitucional), e coloridos da influência latente do sistema americano, pois confere a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade diante do caso concreto, por via de defesa ou exceção.
Classifica-se, para fins meramente didáticos, que o controle preventivo a rigor não poderia ser considerado como tal, eis que como exercido na fase de elaboração da norma, ou seja, esta ainda não integrou o ordenamento jurídico, é denominado pela doutrina inclusive como controle atípico. Também é desempenhado na fase de procedimento de elaboração legislativa pelas comissões, bem como pelo Chefe do Poder Executivo, por intermédio do instituto do veto, caso julgue inconstitucional o projeto legislativo na fase de chancela prevista no corpo constitucional.
Na via transversa, encontra-se doutrina moderna e entendimento jurisprudencial dominante da Excelsa Corte, pois há de fato possibilidade de controle jurisdicional preventivo dos atos legislativos. No entanto, não persiste vasta quantidade de hipóteses de incidência do controle preventivo exercido pelo Poder Judiciário.
A principal, onde se observa sensível a intervenção jurisdicional, ocorre na possibilidade de impetração de mandado de segurança por parlamentar que teria direito líquido e certo de não participar de procedimento legiferante de proposta de emenda constitucional tendente a abolir cláusulas pétreas (núcleos imodificáveis) ou, ainda, ofensa as limitações constitucionais formais a possibilidade de emendas exercidas pelo poder reformador.
Nessa seara, mencionam-se alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal que admitem o controle judicial preventivo relativo à violação de forma do processo legiferante ordinário. Há também outra hipótese que merece destaque nessa oportunidade, qual seja, o controle preventivo realizado por intermédio de mandado de segurança impetrado pelo Presidente da República para tornar inócuo o procedimento legislativo de projeto de lei que tende a ofender a iniciativa legislativa privativa deste. Vale ressaltar que o Supremo entende que a sanção aferida no projeto de lei não supre a ausência de iniciativa do Poder Executivo, ou seja, deverá assegurar por meio de provisão jurisdicional que o pleito do citado mandado de segurança está eivado de direito líquido e certo.
Com efeito, convém citar, de modo exemplificativo, alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal que evidenciam a viabilidade de intervenção do Poder Judiciário nos atos legiferantes, com o fim de opor as inobservâncias à Carta Constitucional, em especial os princípios implícitos e explícitos ou cláusulas pétreas ou, ainda, procedimentos legislativos em descompasso com a forma estabelecida no corpo da Constituição no que tange ao processo legislativo ordinário. São eles: Mandado de Segurança nº 20.257, Mandado de Segurança nº 24.356-2, Mandado de Segurança nº 24.642-1 e Mandado de Segurança nº 21.303-5 AgRg, todos do Distrito Federal.
Colaciona-se, a seguir, entendimento doutrinário de que o controle jurisdicional preventivo pode ocorrer pela via judicial quando existe vedação no próprio corpo constitucional ao trâmite da espécie normativa:
O Supremo Tribunal Federal tem entendido que o controle preventivo pode ocorrer pela via jurisdicional quando existe vedação na própria Constituição ao trâmite da espécie normativa. Cuida-se de outras palavras do direito-função do parlamentar de participar de um processo legislativo juridicamente hígido. Assim o § 4º do art. 60 da Constituição Federal veda a deliberação de emenda tendente a abolir os bens protegidos em seus incisos. Portanto o Supremo Tribunal Federal entendeu que o parlamentar tem direito a não ver deliberada emenda que seja tendente a abolir os bens assegurados por cláusula pétrea. No caso, o que é vedada é a deliberação, no momento do processo legislativa. A mesa, portanto, estaria praticando uma ilegalidade se colocasse em pauta tal tema. (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 1999, p. 26).
Repise-se que o controle da constitucionalidade, nesse caso, é realizado, via de exceção, por intermédio de mandado de segurança impetrado por parlamentar contra a mesa da casa na qual o projeto tramita.
5.2 Sistema argentino de controle jurisdicional de constitucionalidade
A Constituição da Nação Argentina datada de 1853 foi reformada sucessivas vezes. Sua última reforma ocorreu em 22 de agosto de 1994. De acordo com seu artigo 116, é atribuição da Suprema Corte e dos tribunais inferiores o conhecimento e a decisão de todas as causas que versem sobre matéria constitucional, in verbis:
Artículo 116.- Corresponde a la Corte Suprema y a los tribunales inferiores de la Nación, el conocimiento y decisión de todas las causas que versen sobre puntos regidos por la Constitución, y por las leyes de la Nación, con la reserva hecha en el inciso 12 del Artículo 75; [...]. (ARGENTINA, 1994).
Campos (1996, p. 359) ensina que o sistema de controle de constitucionalidade no modelo argentino é o sistema jurisdicional difuso, isto porque todos os juízes podem levar a cabo, sem prejuízo de chegar à Suprema Corte, como tribunal último, pela via do recurso extraordinário estabelecido pela Lei nº 48 em seu artigo 14.
Veloso (1999, p. 41) esclarece que assim como ocorreu no caso Marbury x Madison, a Constituição da Argentina não estabelece o controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. Porém, esse controle foi consagrado pela jurisprudência no caso Sojo em 1887, tendo as mesmas características e produzindo efeitos semelhantes ao caso norte-americano. Nesse sentido, complementa o autor:
Criado pretorianamente pela Corte Suprema de Justicia de La Nación, o controle da constitucionalidade argentino é judicial e difuso, podendo ser exercido por qualquer juiz ou tribunal federal ou provincial , tendo a decisão eficácia inter partes e não erga omnes, podendo a Corte Suprema resolver definitivamente a controvérsia, através de recurso extraordinário, mas a sentença só declara a inconstitucionalidade da lei e sua respectiva inaplicação com relação à questão sub judice, não tendo efeito geral, nem força vinculante. (VELOSO, 1999, p. 41).
De fato, existe no texto constitucional argentino tão somente uma previsão implícita, não direta, do sistema de constitucionalidade adotado, conforme se depreende da interpretação sistemática do seu artigo 116 combinado com os artigos 33, 36, 43, 86, 108 e 117.
A Constituição argentina pode ser reformada total ou parcialmente; logo não há óbices severos para a reforma constitucional. A necessidade de reforma deve ser declarada pelo Congresso mediante voto de um terço de seus membros. No entanto, exige convenção convocada especialmente para a reforma constitucional:
Artículo 30- La Constitución puede reformarse en el todo o en cualquiera de sus partes. La necesidad de reforma debe ser declarada por el Congreso con el voto de dos terceras partes, al menos, de sus miembros; pero no se efectuará sino por una Convención convocada al efecto. (ARGENTINA, 1994).
Ademais, também outorga a toda pessoa o direito de propor ação de rito sumário (acción expedita y rápida de amparo), na inexistência de qualquer outro meio judicial, contra ato de autoridade pública ou de particulares, na circunstância de lesão iminente ou real, que possa restringir, alterar ou ameaçar o titular de um direito, como resultado de arbitrariedade ou de ilegalidade manifesta, e com referência a direitos e garantias reconhecidos pela Constituição, por tratado ou por lei. Possibilita, ainda, que o juiz declare a inconstitucionalidade da norma guerreada, porém, sempre diante do caso concreto e com efeito entre as partes.
Artículo 43- Toda persona puede interponer acción expedita y rápida de amparo, siempre que no exista otro medio judicial más idóneo, contra todo acto u omisión de autoridades públicas o de particulares, que en forma actual o inminente lesione, restrinja, altere o amenace, con arbitrariedad o ilegalidad manifiesta, derechos y garantías reconocidos por esta Constitución, un tratado o una ley. En el caso, el juez podrá declarar la inconstitucionalidad de la norma en que se funde el acto u omisión lesiva. (ARGENTINA, 1994).
Campos (1996, p. 360) é categórico ao afirmar que no controle jurisdicional argentino até hoje nunca se chegou a aceitar dentre as denominadas vias diretas ou ações de inconstitucionalidade a ação declaratória de inconstitucionalidade pura, apesar da jurisprudência da Corte argentina demonstrar que há na órbita federal ações de inconstitucionalidade.
Finalmente, Campos (1996, p. 360) conclui que agora se tem por certo que há ações de inconstitucionalidade, no entanto, não há ações declarativas de inconstitucionalidade puras.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na narrativa feita, pôde-se demonstrar a diferença entre os sistemas utilizados para o controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil e na Argentina. No entanto, ambos apresentam um ponto em comum: atuam em função da preservação do Estado Democrático de Direito.
O Brasil apresenta um dos mais amplos e complexos modelos de controle jurisdicional de constitucionalidade, posto que dispõe ao mesmo tempo do sistema difuso e do concentrado, embora não tenha um tribunal constitucional exclusivo para isso. Por influência norte-americana, a primeira Constituição Republicana brasileira já estabelecia o sistema americano ou difuso, gerando competência aos tribunais federais e estaduais para decidirem sobre a constitucionalidade das leis. A Magna Carta de 1934 é reconhecida por historiadores como sendo um marco na direção do sistema austríaco ou concentrado de controle de constitucionalidade. A Constituição de 1988 agregou importantes elementos, contribuindo para o aperfeiçoamento e para a democratização da fiscalização da supremacia da Constituição, pois continuou reconhecendo um sistema misto de controle jurisdicional.
No modelo constitucional argentino o Poder Judiciário exerce um controle difuso de constitucionalidade, e não existe na Constituição daquele país a previsão de vias judiciais que proporcionem um controle direto e concentrado conforme o modelo brasileiro. No entanto, a reforma constitucional de 1994 permitiu que na ação de amparo o juiz possa declarar a inconstitucionalidade da norma em que se funda o ato ou omissão lesiva de autoridades públicas ou de particulares que lesionem, restrinjam, alterem ou ameacem direitos e garantias reconhecidos pela Constituição, por um tratado ou por uma lei.
Finalmente, observa-se que ambos os ordenamentos jurídicos combinam os sistemas de controle jurisdicional de constitucionalidade tradicionais, americano e austríaco, com peculiaridades próprias, podendo-se inferir que têm uma concepção difuso-concentrada. A preservação do sistema difuso se dá em razão de uma maior democratização dos meios de acesso à justiça garantidos constitucionalmente.
REFERÊNCIAS
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CAMPOS, Germán Jorge Bidart. Manual de la constitución reformada. Buenos Aires: EDIAR, 1996, tomo I.
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DUARTE, Paulo. A rigidez constitucional e a supremacia da Constituição, out. 2007. Disponível em: <http://pauloduarteadvogado.blogspot.com.br/2007/10/rigidez-constitucional-e-supremacia-da.html>. Acesso em: 10 abr. 2015.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
MALAQUIAS, Vagner dos Santos. Efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade. 2003. 133f. Monografia (Graduação em Direito) - Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, Presidente Prudente, SP, 2003.
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.
MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito constitucional. Brasília: Senado Federal, 2005.
NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Aspectos básicos do controle de constitucionalidade de leis e de atos normativos e breve análise da Lei nº 9868, de 10.11.1999, e da Lei nº 9882/99, de 03.12.1999. RT/Fasc.Civ., v. 788, n. 90, jun. 2001.
PAGANELLA, Marco Aurélio. Supremacia constitucional, rigidez e princípio da unidade do sistema jurídico brasileiro: relação lógica. Disponível em: <http://sociologiajur.vilabol.uol.com.br/tapaganella6.htm>. Acesso em: 10 abr. 2015.
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: CEJUP, 1999.