Capa da publicação O pioneirismo brasileiro na aplicação do denominado “Direito Sistêmico” e suas possíveis contribuições ao Judiciário português
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O pioneirismo brasileiro na aplicação do denominado “Direito Sistêmico” e suas possíveis contribuições ao Judiciário português

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19/12/2022 às 13:02
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2. A APLICABILIDADE DO DIREITO SISTÊMICO NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Não se pode negar que a tradição no direito brasileiro é a da litigância, da decisão por terceiros, acúmulos de demandas, morosidade, onerosidade e a insatisfação das partes. Todo esse contexto impulsionou a busca de outras formas de resolução de conflitos, assim nasceu a resolução CNJ n. 125/10, buscou organizar a esfera jurídica brasileira, logo após veio a Lei 13.140/15 que foi o marco regulatório da mediação no Brasil e finalmente o recente Código de Processo Civil de 2015 consagrou o paradigma do direito pátrio para os meios consensuais de solução de conflitos.

Os procedimentos consensuais trazem outra forma de perceber e abordar os conflitos, pois partem de uma premissa que as controvérsias, decorrem de fatos fortuitos, em virtude de relacionamentos, e, portanto, encontram melhores desfechos quando solucionados pelas pessoas envolvidas, bastando um caminhar que lhes possibilite o diálogo, a exposição das questões trazidas inerentes ao conflito, à negociação, e o acordo, respeitando os limites impostos pelo direito (SANTOS, 2018, p. 32).

Essa construção resolutiva permite a expressão dos pensamentos, sentimentos, e expectativas, enfrentando as divergências e trazendo as convergências. Tal movimento capacita o autoconhecimento, amadurecimento emocional e o emponderamento pessoal, uma vez que auxilia os envolvidos a se perceberem, se regularem, a fazer suas escolhas e barganhas a partir de sua própria vontade, sem a intervenção de terceiros.

Absorvendo a exposição trazida pela ciência de Bert Hellinger, que um indivíduo não age no mundo guiado tão somente pelos limites e liberdades que acredita ter. E suas escolhas, assim como os eventos aparentemente acidentais, têm correspondências com outros fatores que lhes são invisíveis, compreende-se que muitos conflitos pedem resolução na esfera jurídica podem estar sob influência de forças ocultas. Sendo assim, somente os conhecimentos tradicionais do Direito não são suficientes para vencer os embaraços, sendo indispensáveis outros recursos que auxiliem a observar e retirar essas questões sistêmicas (SANTOS, 2018, p. 31).

Infere-se a introdução da Hellinger Sciencia no direito brasileiro com a abordagem sistêmica e as técnicas de constelação familiar (ou constelação sistêmica), traz valioso complemento para atingir uma verdadeira resolução satisfativa das partes.

Como se apresentará doravante, o Direito Sistêmico mostra resultados, qualitativos e quantitativos, atingidos com a aplicação desta abordagem e das constelações no Poder Judiciário. Além de reduzir o número de ações judiciais, também minimiza a possibilidade de novas divergências nos casos já tratados, permitindo a manutenção dos laços afetivos das famílias e reduzindo a possibilidade de sofrimento, principalmente de crianças e adolescentes.

Neste sentido, a mencionada Resolução n.125/10 do Conselho Nacional de Justiça do Brasil incumbiu os tribunais de criar núcleos permanentes de métodos consensuais de solução de conflitos; incentivando ou promovendo a capacitação e o treinamento dos servidores aos procedimentos autocompositivos; criando e mantendo cadastros de conciliadores e mediadores.

Outrossim, além dos procedimentos de conciliação e mediação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, e das ações concentradas, mutirões, realizadas em outros espaços nas datas programadas, a Resolução n.125/10 instituiu o sistema de mediação digital, acessível em seu sítio eletrônico, através do qual as partes podem dialogar e, chegando a um acordo, obter homologação judicial.

Importante destacar que para entendimento prático da abordagem da constelação familiar, Verde (2012, p.9 apud Ulsamer, 2010, p.12) esclarece de forma clara a aplicação:

Primeiro é necessário para o cliente ter uma razão específica para colocar sua constelação. O requisito é frequentemente uma pergunta acerca da causa de certos sentimentos conflitantes (depressão, sentimento de culpa, etc.) ou acerca da causa de relações perturbadas na família. Primeiro o cliente dá ao terapeuta fatos essenciais acerca da sua família nas últimas 02 ou 03 gerações. Perguntas importantes que precisam ser respondidas são: Quem morreu cedo (antes dos 25 anos)? Houve crimes cometidos por membros da família? Por acaso algum membro da família carrega um pesado sentimento de culpa por alguma razão? Os pais tiveram relações amorosas prévias, e elas tiveram consequências dignas de nota (ex: agressões, emigrações, nascimentos fora do casamento, adoção, etc.)? Então o cliente escolhe entre os membros do grupo, pessoas para representar seus pais, irmãos, a si mesmo e outros membros importantes da família. Também são representados membros da família que já morreram. Espontaneamente é centrado, o cliente posiciona cada representante, um em relação ao outro, na área de trabalho. Os representantes em seus respectivos lugares, sentem as relações desse sistema e percebem sentimentos das pessoas que elas representam. Esse efeito é ainda um fenômeno inexplicável. Durante o trabalho prático com constelações, o terapeuta aprende a confiar nesse fenômeno mais e mais e a deixar-se levar por ele. (Traduzido do inglês do texto original extraído do site do Dr. BertholdUlsamer, com permissão do autor. Tradutor Décio Fábio de Oliveira Júnior).

Por derradeiro, as ações, condutas e compilação dos resultados da política disposta pela Resolução 125 do CNJ, imputadas aos tribunais, câmaras de mediação e conciliação privadas, universidades e instituições de ensino, recebem vigilância, disciplina e incentivo do Comitê Gestor de Conciliação instituído.

2.1. SAMI STORCH E A INTRODUÇÃO DAS TÉCNICAS DE CONSTELAÇÃO FAMILIAR NA COMARCA DA CIDADE DE CASTRO ALVES, ESTADO DA BAHIA.

A inclusão da técnica das constelações familiares é algo relativamente recente no Poder Judiciário brasileiro. As iniciativas e projetos que promovem a aplicação das constelações ainda se desenvolvem de forma embrionária em diferentes Tribunais de Justiça do país.

A temática em tela foi introduzida no direito brasileiro pelo juiz Sami Storch, indivíduo que deu início ao uso das constelações no Poder Judiciário brasileiro. O magistrado dedica-se aos estudos da filosofia de Hellinger e das constelações familiares desde 2004, quando conheceu a terapia e a ciência hellingeriana e percebeu seu potencial para o campo jurídico.

A abordagem sistêmica do direito fundamentada nos princípios sistêmicos da filosofia Hellingeriana se estende a pensar desde a elaboração da lei até sua aplicação na prática. O olhar sistêmico ocorre sem juízo de valor, integrando a participação de todos na construção e desconstrução do conflito, respeitando e trazendo à responsabilidade cada indivíduo, preservando as relações de amor, visando à saúde do sistema adoecido (STORCH. 2013).

Neste sentido, o referido juiz verbera que percebeu que os relacionamentos humanos nem sempre se orientam pelas leis positivadas, que muitos dos conflitos vivenciados entre grupos ou entre indivíduos têm origem em questões mais profundas do que os fatos trazidos aos autos de um processo judicial, percebeu ainda que na presença de uma complexidade maior do que o que pode ser aparentemente percebido, os ditames das leis ou da decisão judicial não sanam a questão trazida ao direito (STORCH, 2013).

Sami, em sua trajetória como jurista, ainda na advocacia e, depois, na magistratura, percebeu que os relacionamentos humanos e os conflitos decorrentes destes, sejam em grupos ou entre indivíduos, têm origem em questões mais profundas do que aquelas trazidas no processo judicial. Percebeu, ainda que, a presença de uma complexidade maior do que pode ser aparentemente percebido nos ditames das leis, ou da decisão judicial, não sanam a questão trazida ao direito.

Ele observou também que mesmo quando uma ou ambas as partes se sentiam aliviadas com a sentença, a questão permanecia, vindo novamente à esfera jurídica aqueles envolvidos.

O Direito Sistêmico, segundo o magistrado, se propõe enquanto método sistêmico-fenomenológico de solução de conflitos a atuar na origem do problema e, com esse viés terapêutico, trazer a solução capaz de sanar o conflito, de promover a conciliação profunda e definitiva entre os envolvidos, trazendo-lhes a paz (STORCH. 2013).

A abordagem sistêmica do direito fundamentada nos princípios sistêmicos da filosofia Hellingeriana se estende a pensar desde a elaboração da lei até sua aplicação na prática. O olhar sistêmico ocorre sem juízo de valor, integrando a participação de todos na construção e desconstrução do conflito, respeitando e trazendo à responsabilidade cada indivíduo, preservando as relações de amor, visando à saúde do sistema adoecido. (STORCH. 2010. O que é o direito sistêmico).

De maneira a comprovar o êxito resultante das intervenções, STORCH (2013) elucida que, durante a Semana Nacional de Conciliação de 2012, das 78 audiências da área de família, 42 em que uma ou ambas as partes tinham participado da Constelação Familiar, 37 resultaram em acordos, 1 em extinção e em apenas outras 4 não houve acordo. Das outras 36 audiências, nas quais nenhuma das partes presenciou a aplicação do método, houve acordos em 25.

Ou seja, nos processos em que as Constelações foram empregadas, o índice de acordos foi de 88% em contraponto aos 69% que seguiram o trâmite da conciliação formal. Relatou-se, inclusive, extraordinária facilidade em formalizar conciliações entre as pessoas que participaram das Constelações Familiares, que já chegavam dispostas a realizar acordo (STORCH, 2013).

Além disso, conforme pode-se extrair dos dados obtidos após aplicação de questionários aos participantes, que as famílias que tiveram oportunidade de assistir palestras sistêmicas conseguiram, na visão dos conciliadores, uma maior facilidade em realizar acordos:

a. 71% dos entrevistados afirmaram que, após a palestra, houve melhoria nas conversas entre os pais nos quesitos referentes as guardas, visitas, dinheiro e outras decisões com relação aos seus filhos; 41% achou considerável a ajuda; 15,5 % achou que ajudou muito.

b. 71% afirmaram que houve melhoria no relacionamento com a outra parte: pai/mãe de seu(s) filho(s); 26,8% consideraram que melhorou muito; 12,2% que melhorou muito.

c. 59% das pessoas afirmaram ter verificado após a palestra, mudança no comportamento do pai/mãe de seu(s) filho(s) que proporcionou melhoria no relacionamento entre as partes; 28,9% a melhoria foi considerável ou muita.

d. 94,5% disseram ter havido melhoria no relacionamento com o filho; 48,8% afirmaram que melhorou muito; 30,4% melhorou consideravelmente; 4,8% não perceberam nenhuma melhora. 53

e. 76,8% afirmaram que houve melhora no relacionamento do pai/mãe de seu(s) filho(s) com ele(a); para 41,5% foi considerável a melhora; muita melhora para 9,8% dos entrevistados.

f. Para 59%, a palestra ajudou/facilitou na obtenção do acordo durante as audiências de conciliação; para 27% ajudou consideravelmente; 20,9% ajudou muito.

g. Outras tabulações da pesquisa: 55% das partes afirmaram que, a partir da vivência das constelações familiares, estavam mais calmos/tranquilos para cuidar do assunto; 45% afirmaram que reduziram as mágoas; 33% afirmaram que ficou mais fácil o diálogo com a outra parte; 36% disse que passou a respeitar mais a outra pessoa e compreender as suas dificuldades; 24% afirmou que a outra pessoa envolvida/parte passou a lhe respeitar mais (BECKENKAMP; BRANDT, 2019, p. 13).

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Tais números exerceram impacto significativo no meio jurídico, despertando diferentes posições doutrinárias, na medida em que foram sendo conhecidos nas publicações que divulgaram esses dados (BECKENKAMP; BRANDT, 2019).

Assim, compreendendo que de acordo com a filosofia Hellingeriana, que os relacionamentos humanos tendem a serem conduzidos pelas leis ocultas de seus sistemas familiares, Sami Storch entendeu que a utilização dessa filosofia e suas técnicas, promovem a compreensão da conjuntura dos conflitos, assim como, à possibilidade de soluções mais satisfativas e apaziguadoras aos envolvidos (STORCH, 2016).

2.3 OUTRAS EXPERIÊNCIAS DE APLICAÇÃO DO DIREITO SISTÊMICO

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de Goiás desenvolveu o Projeto Mediação Familiar, que é realizado junto ao 3º Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da comarca de Goiânia desde abril de 2013. Em virtude do projeto, o TJGO obteve o primeiro lugar na sexta edição do Prêmio Conciliar é Legal, do CNJ, no ano de 2015. Ademais, a atuação é, especificamente, de atendimentos pré-processuais, sendo 45 que o índice de solução dos conflitos é expressivo, aproximando-se de 94% (noventa e quatro por cento) dos casos (SOUZA, 2018, p. 35).

O juiz Paulo César Alves das Neves, coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do referido Tribunal e idealizador do projeto, explica que não é uma simples conciliação. Envolve técnicas de terapia familiar. Acrescenta que para solucionar conflitos deve-se fundamentar na Teoria Geral dos Sistemas, na Fenomenologia, no Psicodrama e na Constelação Familiar (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018).

A prática desenvolvida por Neves existe desde abril de 2013 e já atendeu 256 famílias de Goiânia, capital do referido Estado, e região metropolitana em conflitos que envolvem divórcio, pensão alimentícia, guarda de filhos e regulamentação de visitas. De acordo com o magistrado, o índice de solução é de aproximadamente 94% das demandas (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018).

No que se refere a Constelação familiar, a psicóloga Rosângela Montefusco, mediadora e professora da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás, Brasil, instituição parceira no projeto supracitado, esclarece que as sessões são baseadas na técnica da teoria sistêmica, consiste em criar esculturas vivas para reconstruir a árvore genealógica do constelado, a partir da qual são localizados e removidos os bloqueios do fluxo amoroso de qualquer geração ou membro da família (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018).

Aduz, ainda, que essa técnica possibilita resultados rápidos e eficientes. Isso tem ajudado muito, principalmente a entender e resolver questões da guarda e da pensão alimentícia (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018). É mister ressaltar que esta prática desenvolvida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás recebeu menção honrosa no XI Prêmio Innovare[2] (2014), concedido pelo Instituto Innovare.

Convém destacar que na categoria Maiores índices de composição do referido prêmio, O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás também venceu.

De acordo com o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais e de Solução de Conflitos do tribunal goiano, foram realizados 37,6 mil acordos durante a Semana Nacional da Conciliação, o que resultou na homologação de R$ 190 milhões em acordo. Do total de audiências realizadas, 86,77% resultaram em acertos. Somente no último dia dos atendimentos, o valor total arrecadado foi superior a R$ 122 milhões, com índice de 91,65% de acordos firmados (SANTOS, 2018, p. 38).

O Prêmio Especial de Qualidade em Conciliação, concedido aos tribunais que participaram de pesquisa de mensuração do grau de satisfação do cidadão com os conciliadores e com o próprio tribunal durante a Semana Nacional da Conciliação, também ficou com o TJGO (SANTOS, 2018, p. 38).

Lançado em 2010, alinhado à Resolução n. 125/2010 do CNJ, o Prêmio Conciliar é Legal é uma iniciativa do Comitê Gestor Nacional da Conciliação, coordenado pelo conselheiro Emmanoel Campelo, e reconhece práticas de sucesso, estimula a criatividade e dissemina a cultura dos métodos consensuais de resolução dos conflitos em todo o país (SANTOS, 2018, p. 38).

Entre 2015 e 2017, o Tribunal de Justiça do Pará também passou a utilizar as constelações familiares para apoiar as decisões e soluções dos conflitos. Iniciou com a realização de cursos e parcerias com as faculdades e, posteriormente, em 2017, foi criada a Comissão Sistêmica do Tribunal, atuando com as varas de família, sucessões, da infância e juventude e da violência doméstica e familiar contra a mulher (PARÁ, 2017).

No Estado de São Paulo, como primeira experiência no âmbito das constelações familiares, a comarca da cidade de São Vicente passou a aplicar a técnica na Casa da Família, local onde funcionam duas varas, um CEJUSC e o Serviço Social. Em 2017, a juíza Vanessa Aufiero da Rocha, da 2a Vara de Família e Sucessões da referida comarca, apoiou dois projetos: um para realizar um curso sobre o tema para os servidores, e outro para ministrar palestras vivenciais à comunidade jurídica e demais usuários do sistema da justiça (SÃO PAULO, 2017).

Depois disso, outros trabalhos foram desenvolvidos em diferentes comarcas, com destaque para o projeto-piloto Paz para Todos, com o propósito de aplicar a constelação nos processos que tramitam nas Casas de Família do foro. Ele possibilitou que os magistrados selecionassem algumas ações para que os envolvidos participassem de uma palestra vivencial, aplicando a técnica posteriormente. A juíza Cláudia Marina Maimone Spagnuolo, titular da 11a Vara de Família e Sucessões do Foro Regional de Santo Amaro, relatou que (SÃO PAULO, 2018):

A constelação familiar é muito importante para o Judiciário, pois, além de solucionar a causa, evita futuras judicializações entre as partes. Após a aplicação da técnica, alguns juízes já obtiveram 100% de acordos em processos.

Em 2018, foi realizado o workshop Inovações na justiça: o direito sistêmico como meio de solução pacífica de conflitos, encabeçado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), que tinha como objetivos gerais:

Ampliar o debate sobre os métodos alternativos de soluções pacíficas de conflitos, introduzindo elementos do direito sistêmico, que surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo as diretrizes das constelações familiares sistêmicas desenvolvidas pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger informando sobre sua aplicação ao sistema de Justiça, bem como apresentar as inúmeras atividades que têm sido desenvolvidas nos Tribunais do país, para reconhecimento das boas práticas (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, 2019).

Desta feita, diante do alto grau de efetividade, aliado à grande satisfação por parte dos jurisdicionados, busca-se disseminar este novo modelo integrativo para que os Tribunais do mundo comecem a empregar ao menos um dos princípios relacionados ao procedimento, ou ele efetivamente.

Relevante pontuar que, conforme dados apresentados alhures, a aplicação da abordagem das constelações sistêmicas não apresenta um impacto somente nos números do Judiciário, ela possui uma grande repercussão, talvez ainda mais relevante, no âmbito social.

Nesse ponto, deve-se dar destaque às causas familiares e aos casos que envolvem menores em atos infracionais, pois, na maioria deles, vêm acompanhados de outras questões, tais como o uso de drogas e/ou problemas com descendentes/ascendentes.

Convém destacar brevemente que a constelação vem sendo aplicada de maneira empírica não apenas no Brasil afora, mas também no âmbito internacional.

A título exemplificativo, traz-se à baila que, nos Estados Unidos da América, Dan Booth Cohen, Ph.D em Psicologia pela Saybook Graduate School e Centro de Pesquisa em São Francisco, ativista da paz e conselheiro, trabalhou com constelações aplicadas àqueles que cumpriam penas por crimes violentos, como homicídio ou estupro. O autor relatou essa atividade em sua obra intitulada I carry your heart in my heart: family constellation in prision (COHEN, 2009).

Na Espanha, em Pamplona, há cursos de Mediación sistémica em el ámbito jurídico, coordenados por Charo Cuenca Ruiz, em que se emprega a mediação e se propõe um novo olhar para o âmbito jurídico como parte ativa do sistema social e familiar, a partir do enfoque da psicologia sistêmica (VIEIRA, 2018, p. 239).

Portanto, esse procedimento possibilita aos envolvidos a percepção de onde está o ponto de desequilíbrio, para que, assim, tenha uma segunda chance de recomeçar ao finalizar ou aprender a lidar com o emaranhamento existente.

Depreende-se que ela, aos poucos, ganha mais adeptos ante sua alta taxa de sucesso e efetividade. Destarte, a sua aplicação permite que o Judiciário se aproxime da comunidade, uma vez que o magistrado abandona a figura de julgador para abraçar outra, a de pacificador.

2.4 PUBLICAÇÕES E MOVIMENTOS DAS CONSTELAÇÕES FAMILIARES NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil são oferecidos vários cursos de formação, capacitação, extensão e pós-graduação, que somaram o conhecimento trazido pela ciência sistêmica de Hellinger ao Direito brasileiro, como, por exemplo, no Poder Judiciário, Tribunais, Escolas de magistratura, faculdades, institutos, na forma de pós-graduação ou especialização.

Esse movimento corrobora a aceitação e os resultados positivos que a filosofia sistêmica hellingeriana traz ao âmbito jurídico.

No ano de 2016, Bert Hellinger e sua esposa Sophie, estiveram no Brasil para ministrar um seminário para juízes, e outros operadores do direito promovido pela Escola Nacional da Magistratura, em parceria com Associação dos Magistrados do Distrito Federal (Amagis-DF) e com o apoio do Tribunal de Justiça da região. Estiveram presentes representantes da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM, Escola Nacional da Magistratura - ENM, Associação dos Magistrados do e Associação dos Magistrados Brasileiros AMB (SANTOS, 2018, p. 35).

A realização e os desdobramentos do seminário demonstraram a receptividade dos magistrados brasileiros pela ciência Hellinger na esfera jurídica. Na ocasião, Bert Hellinger explanou sobre as ordens sistêmicas, constelações familiares e as aplicações em diversas áreas da vida inclusive, o Direito.

Falou ainda que a constelação é a conexão entre o fluxo da vida e o passado e sendo assim não existe um objetivo formulado e fixo, "significa uma abordagem nova do desconhecido". Concluiu que a constelação "não é um ofício ou método, é um caminho para outro nível de consciência. "Sophie Hellinger destacou a impossibilidade de explicar com detalhes como as constelações familiares acontecem, e disse sobre a possibilidade de os físicos explicarem melhor vez que, entendem melhor o funcionamento dos campos de energia (SANTOS, 2018, p. 35).

A disciplina Constelações aplicadas no Direito de Família é oferecida no curso de extensão da Escola Nacional de Advocacia/AASP em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito de Família e Sucessões IBDFAM, ministrada pelo advogado e constelador Frederico Ciongoli, quem também desenvolveu, em caráter privado, o curso Mediação Sistêmica Ativa com vistas a preparar e fortalecer o mediador já capacitado, através de vivências que o auxiliem no autoconhecimento e no empoderamento pessoal; no conhecimento para o preparo de um ambiente harmônico e favorável ao procedimento de mediação a partir dos princípios da hierarquia; da ausência de intenção; e da ausência de julgamento; a percepção das comunicações ocultas entre as partes (SANTOS, 2019, p. 35).

O Tribunal de Justiça do Pará realizou em parceria com a faculdade Faci Devry em 2017, o curso de extensão "Percepção Sistêmica no Judiciário Brasileiro" ministrado pelo desembargador e corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da 8a Região, e constelador sistêmico, e pela oficial de Justiça e consteladora Carmem Sisnado.

O curso foi direcionado aos magistrados, defensores e servidores judiciários para difundir a abordagem e o funcionamento das ordens sistêmicas que regem os indivíduos através de dinâmicas ocultas e para sensibilizar os operadores do direito frente as questões emocionais que estão por trás dos conflitos e semear o campo para uma futura formação de consteladores.

Agenor de Andrade, juiz da Comarca de Mocajuba, Estado do Pará, recebeu o curso como um renascimento na carreira da magistratura

descobri que as leis da constelação sistêmica estão presentes na maioria dos conflitos postos ao Poder Judiciário, materializadas nos processos. Isso fez aprimorar meu olhar sobre cada pessoa que bate às portas do Fórum pedindo que o juiz dê uma resposta ao seu caso concreto. [...] As ferramentas da percepção sistêmica podem ser aplicadas em várias áreas do direito, como o Direito de Família, na violência doméstica, na recuperação da dignidade da vítima no processo penal, na ressocialização dos internos dentro da execução penal, no Direito da Criança e Adolescente, e em outros casos de conflito com a lei (PARÁ, 2017a).

Percebe-se nas palavras do magistrado, assim como em outros depoimentos de operadores do direito e de jurisdicionados, que as constelações têm sido bem recebidas e promovido bons resultados, propiciando acordos conscientes e pacificadores da alma, de maneira a extinguir definitivamente a questão que foi levada a juízo.

Conforme citado por Grazielly Alessandra Baggenstoss e Magda Fiegenbaum (2017,p. 120) em artigo publicado no VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI, realizado em Braga Portugal, os bons números resultantes da aplicação do direito sistêmico

(...) tem inspirado diversas comarcas de outros Estados brasileiros a trilharem o mesmo rumo, ganhando, dia-a-dia, maior destaque e repercussão, como se extrai das seguintes manchetes de notícias: Juiz consegue 100% de acordos usando técnica alemã antes das sessões de conciliação (CNJ, 2014); OAB/DF debate Constelação no Judiciário (OAB/DF 2016); Tribunal da Bahia reconhecido pelo CNJ por conciliação, (STORCH, 2015); TJBA é destaque em premiação do CNJ; tribunal é campeão em número de conciliações (TJBA, 2015); TJ de Goiás é premiado por mediação baseada na técnica de constelação familiar (TJGO,2015); Sorriso: sessão de constelação evita divórcio (TJMT, 2015); Método de solução de conflitos familiares é utilizado em Vara de Família de Natal (TJRN, 2015).

No que tange à discussão que se aproveita para este estudo, coadunando com essa concepção sistêmica, o Ministério da Saúde do Brasil também chama de integrativas as práticas que usam recursos terapêuticos que abarcam tanto a medicina tradicional quanto as práticas medicinais complementares, mostrando que tais técnicas são de grande relevância ao cuidado integral da saúde da população.

Em razão disso, restou anunciado no 1º Congresso Internacional de Práticas Integrativas e Saúde Pública (INTERCONGREPICS) que a constelação familiar foi inserida entre os dez novos procedimentos integrativos capazes de tratar doenças, podendo também ser usado para aprimorar as relações humanas, como se demonstrará ao final deste trabalho.

Confira-se (BRASIL, 2019):

Pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) serão beneficiados com 10 novas Práticas Integrativas e Complementares (PICS). Os tratamentos utilizam recursos terapêuticos, baseados em conhecimentos tradicionais, voltados para prevenir diversas doenças, como depressão e hipertensão. São elas: apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais. (...) Evidências científicas têm mostrado os benefícios do tratamento integrado entre medicina convencional e práticas integrativas e complementares. Além disso, há crescente número de profissionais capacitados e habilitados e maior valorização dos conhecimentos tradicionais de onde se originam grande parte dessas práticas (grifou-se).

Isso significa que cidadãos podem buscar esses tratamentos de forma gratuita por meio do Estado, o que reforça a tese de que o método ganha cada vez mais espaço não apenas no direito, mas também na área da saúde pública.

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Sobre a autora
Ingrid Paula Gonzaga e Castro

Servidora do TJ-GO, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UCAM/RJ, Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC/GO, Doutora em Função Social do Direito pela FADISP, Pós-Doutora em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade de Coimbra-PT, Instrutora em técnicas autocompositivas, Professora na graduação e pós-graduações em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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