O aumento dos casos de violência infanto/juvenil durante o isolamento social da COVID-19
Antes de adentrar na questão do aumento dos casos de violências contra crianças e adolescentes durante a Covid-19, faz-se necessário realizar uma comparação com o histórico dos casos e dos tipos de violências nos anos anteriores.
De acordo com a publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública juntamente em parceria da Fundação José Luiz Egydio Setúbal1, o qual traz dados a respeito da violência contra crianças e adolescentes, tendo como base os anos de 2019 aos primeiros seis meses do ano de 2021, verificou-se que o crime de estupro de vulnerável concentra o maior número de vítimas envolvendo crianças e adolescentes de 0 a 17 anos de idade, totalizando cerca de 73.442 casos, mostrando ainda que esse crime é praticado com mais frequências em vítimas de 10 a 14 anos de idade, sendo que 85% dessas vítimas são do sexo feminino.
Em segundo lugar, destaca-se os maus tratos, o qual teve dentre os anos de 2019 ao primeiro semestre de 2020, 28.098 casos, onde 90% das crianças e adolescentes vítimas, possuíam até 14 anos de idade, frisando que, dentro desses 90%, crianças com idade entre 5 anos a 9 anos representam 35%, ou seja, são a maioria das vítimas.
Em sequência, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, traz ainda os dados em relação aos crimes de Lesão Corporal Dolosa dentro do âmbito familiar, com 23.494 casos, mostrando que o sexo feminino representa o maior número de vítimas com 77% do número de casos identificados, sendo 51,7% de meninas com a faixa etária entre 15 a 17 anos. Posteriormente, os dados trazem resultados referente ao crime de Mortes Violentas Intencionais (MVI), registrando 3.717 casos, com vítimas entre 15 a 17 anos de idade, e seguida, crime de Exploração Sexual, totalizando 1.093 casos registrados, dentre o período de 2019 ao primeiro semestre de 2021.
Quadro 1

Fonte: FBSP; FUNDAÇÃO JOSÉ LUIZ EGYDIO SETÚBAL. Violência contra crianças e adolescentes (2019- 2021).
Diante dos dados apresentados, percebe-se que dentre os crimes de lesão corporal dolosa no âmbito de violência doméstica, estupro, exploração sexual e os maus tratos, nos períodos analisados pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, tais crimes, tiveram grande número de casos registrados no 1º semestre do ano de 2019. Enquanto que no 1º semestre de 2020, os mesmos crimes acima listados, tiveram uma queda muito significativa em seus números de casos registrados, observa-se que, a queda foi tão somente na questão de casos registrados e não diminuição da violência.
Quadro 2.

Fonte: FBSP; FUNDAÇÃO JOSÉ LUIZ EGYDIO SETÚBAL. Violência contra crianças e adolescentes (2019-2021).
O período em que houve a diminuição dos dados de registros de violência contra crianças e adolescentes, foi exatamente no primeiro semestre de 2020, ou seja, momento em que o a pandemia da Covid-19 estava em maior colapso e as medidas de isolamento social encontravam-se em um nível mais sério, fazendo com que as escolas permanecessem fechadas, por exemplo, local onde a equipe escolar na maioria dos casos, conseguem identificar as crianças e adolescentes vítimas de violência e assim comunicam as autoridades responsáveis para que sejam tomadas as medidas cabíveis, mas com estas instituições fechadas devido ao isolamento social, a notificação dos casos de violência tiveram quedas nos dados, dando a entender que a violência diminuiu, mas não, o que diminuiu foram os registros, simplesmente pela falta de mecanismos e pessoas para ajudarem tais vítimas.
Assim, entende-se que o período em que a pandemia estava no auge da contaminação foram os períodos mais violentos, tento em vista que, os agressores cometiam a violência contra as crianças e aos adolescentes, e não eram punidos, tampouco esses casos eram registrados, uma vez que os registros criminais se encontravam muito mais propensos à subnotificação dos casos.
O aumento dos casos de violência infanto/juvenil durante o isolamento social em Tucuruí-PA
Em primeiro momento, é válido destacar que só no Estado do Pará, conforme os dados publicados pela SEGUP (Secretaria de Estado de Segurança Pública) verificou-se que entre os meses de janeiro a setembro de 2021, ocorreu um aumento de cerca de 1.331 casos de crimes contra crianças e adolescentes, tendo 6.676 registros de casos, comparando com os meses de 2020, onde houve 5.345 casos registrados.
Observa-se que em todos os dados, sejam os que estão disponíveis no Anuário Brasileiro de Segurança Pública ou na SEGUP, é notório que o aumento da violência infanto juvenil é perceptível no primeiro semestre de 2021, logo após as medidas de isolamento social contra a Covid-19 diminuírem, mais uma vez destacando que, não houve diminuição da violência durante o isolamento social, mas sim diminuição de registros.
Na cidade de Tucuruí/PA, sudeste do Pará, a qual conta com cerca de 116.605 habitantes, não é diferente de outras cidades maiores, a violência é algo que marca a vida da população desse munícipio, principalmente a vida das crianças e adolescentes.
O Conselho Tutelar de Tucuruí, no mês de maio de 2022, registrou 10 casos de supostos abusos sexuais contra crianças e adolescentes, envolvendo vítimas entre 11 a 13 anos de idade2. Assim como em outras cidades de diferentes Estados brasileiros, em Tucuruí o Conselho Tutelar recebeu uma grande quantidade de denúncias envolvendo crimes de abusos sexuais, aliciamento e violência física.
De acordo com os dados do PARAPAZ Lago de Tucuruí, fornecidos pela Delegacia Especializada no Atendimento a Criança e ao Adolescente DEACA de Tucuruí/PA, apontam que em 2020, o ano em que pandemia teve maior impacto, foram registrados 87 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo que desse total, destaca-se quatro crimes com maior número de registros, sendo esses: 31 casos de estupro de vulnerável, 26 casos de suspeita de violência sexual, 13 registros de estupro e 08 casos envolvendo suspeita de exploração sexual. A respeito dos crimes de violência física contra crianças e adolescentes no mesmo ano, foram registrados um total de 119 casos, vindo a se destacar 6 tipos de crimes, a saber, 33 registros de violência psicológica, 17 casos de violência física, 16 casos de registro de suspeita de violência física, e ainda 15 registros de maus tratos, 09 casos de suspeita de violência psicológica e 04 casos de negligência.
Já no ano de 2021, de acordo com os dados, houve um aumento significativo nos registros envolvendo os crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes, totalizando 151 casos, ou seja, um aumento de aproximadamente 73,56% em comparação com o ano de 2020. As violências que tiveram maior números de registros foram novamente estupro de vulnerável, com 57 novos casos, suspeita de violência sexual 43 registros, e ainda tiveram registros de casos envolvendo atos libidinosos, com 23 registros, estupro 16 casos e suspeita de exploração sexual com 06 casos registrados. Ainda em 2021, segundo o PARAPAZ, foram registrados 114 casos de violência física, sendo que os casos com maiores registros foram, violência psicológica totalizando 38 casos, em segundo lugar violência física com 36 registros e maus tratos com 15 casos.
O PARAPAZ ainda disponibilizou os dados referentes aos meses de janeiro a junho de 2022, e apenas em 06 meses foram registrados 85 casos relacionados a violência sexual, diferente dos dois anos anteriores em que o crime de estupro aparecia com maior número de casos registrados, dessa vez o que se apresenta com maiores casos, são a suspeita de violência sexual, com 43 casos, logo em seguida, estupro de vulnerável com 25 registros e atos libidinosos totalizando 11 casos. Tratando a respeito de violência física, nesse mesmo período, foram 44 casos, e o que aparece com maior registro é a violência psicológica e ameaça, ambos com 10 casos e negligência e maus tratos, com 04 casos cada.
É válido destacar que, os dados de 2022, são tão somente relacionados aos seis primeiros meses, e já conta com todos esses registros, e infelizmente a tendência é ir aumentando, uma vez que, as crianças e os adolescentes estão cada vez mais vulneráveis diante dos agressores.
Leis de Proteção às Crianças e Adolescentes e as Penalidades aplicadas contra os agressores
Para falar sobre proteção às crianças e adolescentes destaca-se a lei nº 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, a qual tem por objetivo dispor e garantir a proteção integral desse público, inclusive prevê em seu artigo 5º que nenhuma criança
ou adolescente deverá ser exposto a qualquer tipo de violência3. O artigo 70 desta lei, dispõe que tanto a família, quanto o Estado, bem como a sociedade, todos possuem o dever de prevenir que as crianças e os adolescentes sejam vítimas de ameaça ou que venham a ter qualquer dos seus direitos violados. Pois bem, é a partir do artigo 225 ao 244-B do ECA, onde será abordado sobre os crimes praticados contra a criança e ao adolescente, trazendo ainda as penalidades a serem aplicadas de acordo com aquilo que está sendo violado.
Além do ECA, foi criada ainda duas leis para corroborar ainda mais a importância de proteger a criança e ao adolescente, inclusive de punir os agressores. Assim, em 26 de junho de 2014, fora criada a Lei nº 13.010/14, popularmente conhecida como Lei Menino Bernardo4, tal lei alterou o 13 do ECA5, resguardando o direito da criança e do adolescente de serem educados sem a utilização de nenhum castigo físico, muito menos que sejam submetidas a tratamentos cruéis ou degradantes.
A segunda lei criada, foi em homenagem ao menino Henry Borel, uma criança de 04 anos de idade, vítima de assassinato em 2021, por hemorragia interna logo após ser espancado dentro de casa por sua mãe e o padrasto. A Lei nº 14.344/22 (Lei Henry Borel) veio para corroborar ainda mais e enfatizar que todas a pessoas que tenham conhecimento que uma criança ou adolescente esteja sendo vítima de qualquer tipo de violência tem o dever de denunciar os agressores. A lei em tela ainda estabelece em seus dispositivos legais, medidas protetivas voltadas para crianças e adolescentes que estejam sendo vítimas de violência doméstica e familiar, bem como ainda passa a considerar o assassinato de menores de 14 anos de idade como sendo crime hediondo.
Diante todas essas informações a respeito da proteção à criança e aos adolescentes, tanto no ECA quanto no Código Penal Brasileiro encontra-se disposto acerca das penalidades em que devem ser aplicadas aos agressores, pode-se destacar o artigo 217-A do Código Penal, que aborda sobre o Estupro de Vulnerável, bem como Atos Libidinosos, um dos crimes com maiores números de casos registrados de acordo com os dados levantados anteriormente. Tal artigo prevê que quem ter conjunção carnal, ou vim a praticar atos libidinoso em que a vítima seja menor de 14 anos de idade, terá como pena, reclusão de 08 a 15 anos. Inclusive, o artigo 217- A do CP, em seus parágrafos aponta as agravantes do crime em comento, como por exemplo, o §4º do artigo 217-A, o qual tem uma pena mais elevada se da conduta do caput resultar na morte do menor, a pena será de reclusão de 12 a 30 anos.
Ainda sobre os crimes de violência sexual, o Código Penal Brasileiro dispõe o capítulo II, especifico titulado como Dos Crimes Sexuais Contra Vulneráveis, onde é tratado sobre as penalidades aplicadas a quem praticar os crimes de Estupro de Vulnerável (art. 217-A), Corrupção de Menores (art. 218. Pena de reclusão, de 2 a 5 anos), Satisfação de Lascívia Mediante Presença de Criança ou Adolescente (art. 218-A Pena de reclusão, de 2 a 4 anos), Favorecimento da Prostituição ou de Outra Forma de Exploração Sexual de Crianças ou Adolescente ou de Vulnerável (art. 218-B Pena de reclusão, de 4 a 10 anos), Divulgação de Cena de Estupro ou de Cena de Estupro de Vulnerável, de Cena de Sexo ou de Pornografia (art. 218-C Pena de reclusão, de 1 a 5 anos). Dispõe ainda sobre o crime de Maus-Tratos no artigo 136, caput do CP, com pena de detenção, de 2 meses a 1 ano ou multa, mas se dos maus- tratos resultar lesão corporal grave, a pena será de reclusão, de 1 a 4 anos, conforme previsto no §1º. E pena de reclusão, de 4 a 12 anos se resultar em morte (§2º). É importante destacar que no crime de maus-tratos sendo praticado contra menores de 14 anos, a pena será aumentada de um terço (§3º).
Considerações Finais
Diante de todo o exposto, ficou demonstrado por meio dos dados estatísticos que de fato houve o aumento dos casos de violência contra crianças e adolescentes registrados após o isolamento da Covid-19, além disso, foi demonstrado durante todo o trabalho a importância da criação de leis para proteção das crianças e adolescentes, bem como em punir os agressores.
É válido destacar que em apenas nos primeiros seis meses de 2022, o PARAPAZ de Tucuruí já registrou 129 casos de violência contra crianças e adolescentes, sendo que 85 registros são de violência sexual e 44 casos são de violência física, números estes alarmantes e que devem ser tratados com maior rigidez, não apenas por parte dos órgãos de atendimento responsáveis, mas também de todos da sociedade, da escola, da igreja, dos vizinhos, uma vez que é dever de todos assegurar e proteger os direitos da criança e do adolescente.
Assim, é de conhecimento de todos que as Políticas Públicas são importantes em qualquer aspecto, não seria diferente no tema de violência contra criança e adolescente, logo, a elaboração de Políticas Públicas que envolvam o programa de acolhimento das famílias e das vítimas de qualquer tipo de violência contra esses menores, precisam ser colocadas em práticas com mais firmeza e eficácia, a realização diária de palestras, distribuição de cartilhas explicativas para toda a comunidade, principalmente para as crianças e aos adolescentes.
Inclusive se faz necessário por parte do Estado a criação de Centros de Lazer, envolvendo teatros, esportes, cursos, palestras de conscientização e de explicação sobre os crimes, bem como, atendimentos contínuos com psicólogos e outros médicos, com o intuito de fazer com que as crianças e adolescentes consigam identificar e denunciar qualquer pratica violenta contra eles.