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O Plano Diretor e o instituto da desapropriação como ferramentas de planejamento urbano

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21/12/2022 às 22:49

Resumo:


  • Os Planos Diretores são instrumentos de gestão das cidades que visam ordenar ações políticas para garantir desenvolvimento harmônico, expansão urbana e qualidade de vida da população, conforme o Estatuto da Cidade.

  • A Desapropriação é um instituto do Direito Público que permite que o Poder Público adquira compulsoriamente propriedades privadas para fins de utilidade pública, mediante justa indenização.

  • O Município possui competência para promover desapropriações, mesmo que apenas a União tenha a prerrogativa de legislar sobre o tema, conforme a Constituição Federal de 1988.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. DO INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

Neste capítulo encontra-se informações acerca do instituto de desapropriação, de dados históricos a um estudo de ordem constitucional do instituto. Observamos as transformações que a história se encarregou de lançar em torno da temática deste instituto

Também, Observaremos as principais características da desapropriação, como este instituto coexiste dentro do Direito Público e suas interferências legais. Além disso, será elucidado o conceito da atual concepção da desapropriação, os sujeitos passivo e ativo desta relação entenderemos quais bens passíveis de desapropriação e como as desapropriações agem como ferramenta do planejamento urbanístico.


2.1 ORIGENS DO INSTITUTO

Há uma controvérsia doutrinária quanto a existência do Instituto da Desapropriação no período Romano. Há por um lado autores que acreditam que não havia existência deste instituto e por outro, aqueles que afirmam que a expropriação existiu, ainda que de forma sem regramento explícito.

Alicerçado no argumento de que a propriedade em Roma possuía caráter inviolável e sagrado, Manuel Baptista Lopes defende (1968, p.11) que em Roma a existência da desapropriação seria impossível. Como evidência a esta teoria, Eurico Sodré apresenta uma lenda contada por Tito Lívio que um patrício fez prevalecer o seu Direito de propriedade em face do Estado Romano, opondo-se a construção de um aqueduto que passaria em terras de suas posses.

Coexiste a corrente de que levanta a possibilidade da existência da expropriação observando as numerosas obras públicas da época do Império Romano.

É evidente que os romanos conheciam o fenômeno da desapropriação, ainda importantíssimas obras públicas e é impossível que jamais defrontassem com o problema de um proprietário que a elas opusesse, dentro de sua propriedade. E, nesses casos, a indenização correspondente dependia do grau de arbítrio das autoridades (SODRÉ, 1955, p. 11)

Compreende-se, portanto, que a desapropriação no Império Romano está relacionada com o poder de Império do Estado. A atenção e o cumprimento das regras jurídicas daquela época evitam as arbitrariedades e dão a segurança jurídica que desde aquela época era perseguida. A inexistência de norma que previa a aplicação do instituto da desapropriação no Império Romano dá força a corrente que afirma que a desapropriação em Roma nunca existiu.

Durante o Idade Média, o absoluto poder estatal afastou-se do conceito exclusivo de propriedade. Havia a figura do suserano e dos vassalos que figuravam como possuidores das terras do Rei mediante concessão dele. Assim leciona Silvio Salvo Venosa (2003):

Na idade Média, a propriedade perde o caráter unitário e exclusivista. Com as diferentes culturas bárbaras, modificam-se os conceitos jurídicos. O território, mais do que nada, passa a ser sinônimo de poder. A ideia de propriedade está relacionada à de soberania nacional. (VENOSA, 2003, p.179)

Até este momento, a desapropriação não era ainda um instituto formal como o concebido na idade Moderna. Não havia leis regulando o processo de expropriação e muito menos previsão de indenização. Toda a extensão territorial era de propriedade da Família Real que deliberavam conceder o uso das terras para vassalos ou suseranos. Até mesmo o interesse público era desconsiderado e se confundia com as vontades tiranas de um Rei.

Após a queda do Estado Absolutista, foi instaurado um modelo oposto ao do período medieval. A limitação ao poder do Estado e a separação de poderes foram elementos que trouxeram novas abordagens à prática da desapropriação. Assim leciona Miguel Nogueira de Brito (2007):

Ao mesmo tempo, as vicissitudes da evolução da teoria do domínio dividido no continente, feita à margem de qualquer expressão político-constitucional de alcance equivalente ao da Magna Carta e dos documentos que se sucederam, explica também a circunstância, já atrás apontada, de a garantia da propriedade se centrar em Inglaterra e, depois, nos Estados Unidos, no plano do direito constitucional, ao contrário do que se sucedeu no continente europeu, onde essa garantia foi originalmente encarada sobretudo como um problema de direito privado (BRITO, 2007 p.235)

Podemos traçar que a partir da queda do absolutismo, com o fortalecimento do Estado Liberal, não intervencionista, houve uma maximização dos valores em torno do direito de propriedade. Ele passou a ser um direito absoluto, exclusivo e perpétuo. Absoluto, pois havia possibilidade de o proprietário utilizar o bem de forma livre e irrestrita. A exclusividade se dava a partir do momento em que a titularidade se dava de forma única, sem a concorrência de terceiros. E o caráter perpétuo se dava a partir da imprescritibilidade da titularidade do bem. Leciona Dalmo de Abreu Dalari (2005) que:

O Estado Moderno nasceu absolutista e durante alguns séculos todos os defeitos e virtudes do monarca absoluto foram confundidos com as qualidades do Estado. Isso explica porque já no século XVII o poder público visto como inimigo da liberdade individual e qualquer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima. Essa foi a raiz individualista do Estado liberal (DALARI, 2005, p.25)

Ressaltando o individualismo no pós-idade média, a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão de 1789 passou a tratar a propriedade privada como um direito inviolável e sagrado, entretanto trazendo à tona discretamente o que seria mais tarde os fundamentos do instituto da desapropriação: Ninguém pode ser privado dela, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada o exigir de uma maneira clara e sob a condição de uma justa e prévia indenização.

Há de se fazer referência também ao Código Civil Napoleônico, no Art. 544 Fica verificado que o direito de propriedade se trata de o direito de gozar, dispor das coisas de maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos. Nota-se timidamente, mais uma vez o advento de outro instituto que permeia o direito de propriedade: A função social.

No Brasil, os institutos acerca do Direito de propriedade começaram a ganhar mais cores a partir da constituição de 1824. Em seu artigo 179, no item 22 fica o Direito à propriedade plenamente garantido, prevendo indenização em caso de conflito entre o Público e o Particular. Vejamos:

É garantido o Direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público, legalmente verificado, exigir o uso e o emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para determinar a indenização.

Muito embora não houvesse o termo desapropriação, nem noções de utilidade pública ou necessidade de urgência naquela carta, observava-se a indenização prévia para o bem público legalmente verificado que a lei ordinária definia.

O conceito de necessidade e utilidade pública é pela primeira incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro na constituição republicana de 1891. Há praticamente uma repetição do texto constitucional anterior, substituindo um conceito indeterminado de bem legalmente verificado por termos mais claros. Vejamos:

O direito de propriedade mantem-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indemnização prévia

Outro avanço durante a vigência da constituição da Constituição de 1891 foi o advento do código de 1916 que passou a tratar a desapropriação como perda da propriedade: Assim lemos o Artigo 590:

Art. 590. Também se perde a propriedade imóvel mediante desapropriação por necessidade ou utilidade pública.

§ 1º Consideram-se casos de necessidade publica:

I. A defesa do território nacional.

II. A segurança pública.

III. Os socorros públicos, nos casos de calamidade.

IV. A salubridade pública.

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Mais tarde, a Constituição de 1934 consagrou o instituto da desapropriação tal qual é concebida nas demais Constituições que a sucederam. O dispositivo que faz menção ao instituto é artigo 133, em seu item 17. Assim observamos:

Art. 133: É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

Temos, finalmente, o Texto da Constituição de 1988 e o Código Civil e o Estatuto da Cidade, que vigoram sob a égide da Constituição Cidadã e disciplinam o uso de solo e a desapropriação.

2.2 CARACTERÍSTICAS DA DESAPROPRIAÇÃO

Em linhas gerais, o Instituto da Desapropriação trata-se de um instrumento do Direito Público que tem por finalidade solucionar conflito entre a Administração Pública e o Particular em relação ao Direito de Propriedade, impondo condições ao Particular em nome do interesse público.

Celso Antônio Bandeira de Melo (2004) conceitua o instituto da desapropriação do ponto de vista teórico e em linhas gerais como:

O procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e adquire para si mediante indenização fundado no interesse público. (BANDEIRA DE MELLO, 2004 p.758)

Por outro lado, Marçal Justen Filho (2006) leciona que:

Desapropriação não é um procedimento e sim um ato administrativo ou jurisdicional muito embora entenda ser necessário a realização de um procedimento prévio. (JUSTEN FILHO, 2006 P.429)

Apesar da nuance entre as duas Doutrinas, é de pleno consenso que a expropriação possui finalidade pública e este é o elemento que condicionará a sua validade por meio de um decreto expropriatório. Portanto observa-se que a expropriação será caracterizada por uma aquisição excepcional do Direito de Propriedade justificada por uma finalidade.

Consoante norma em vigor a partir do Decreto-Lei 3365/41, a desapropriação recai sobre aqueles bens privados, podendo eles serem classificados como móveis e imóveis, incluindo nestes o espaço aéreo e o subsolo, bem como os bens semoventes. Também compreende o rol de bens privados bens imateriais e incorpóreos.

 Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

 § 1º A desapropriação do separo aéreo ou do subsolo só se tornará necessária, quando de sua utilização resultar prejuízo patrimonial do proprietário do solo.

 § 2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.

 Vale salientar que o Código Civil de 2002 em seu art. 1230 excepciona o rol de bens privados. Vejamos:

Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.

Estes bens elencados no dispositivo do Código Civil constituem bens da União quando combinado à interpretação o art.176 da Constituição Federal de 1988.

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

Portanto, fica nítido o interesse do Legislador e proteger estas reservas a fim de não arrolar estes bens como passíveis de propriedade privada e, deste modo, inexistindo a possibilidade de desapropriação, uma vez que estes já compõem o rol de bens da União.

Como já notado, os bens públicos são excetuados da possibilidade de desapropriação.

O Código Civil encarrega-se de arrolar estes bens indisponíveis, inalienáveis e não-usucapíveis. Vejamos:

Art. 99. São bens públicos:

I - Os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - Os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - Os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Referente aos bens da Administração indireta, apesar do silêncio no Código Civil, a doutrina instrui no sentido de interpretar por analogia o art. 2º do Decreto-Lei 3365/41. Observemos a lição de Di Pietro(2007):

Com relação aos bens pertencentes às entidades da administração indireta, aplica-se, por analogia, o art. 2º do Decreto-Lei 3365, sempre que se trate de bem afetado com uma finalidade pública. Tais bens, enquanto mantiverem essa afetação, são indisponíveis e não podem ser desafetados por entidade política menor. Esse entendimento não destoa da tese adotada na Súmula 157 do STF, segundo a qual é necessária prévia autorização do presidente da República para a desapropriação, pelos Estados, de empresa de energia elétrica. (DI PIETRO, 2007 p.157)

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Destarte, fica entendido a partir destes apontamentos que bens desapropriáveis são aqueles classificados como particulares, independente se classificado como material ou imaterial. E, embora que aqueles bens particulares forem de propriedade de entes da administração pública indireta, não são passíveis de desapropriação, uma vez que são classificados por analogia como bens públicos que não são vedados da possibilidade de desapropriação.

2.3 COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO DE EXPROPRIAR

Ao contrário do senso comum, a desapropriação pode promovida por todos os entes federativos que a Constituição Federal de 1988 confere como tal, além de entes que exercem funções delegadas do Poder Público, sendo estes autorizados por bem ou contrato.

Assim Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2004):

Podem promover a desapropriação, isto é, efetivar a desapropriação, ou seja, praticar os atos concretos para efetuá-la (depois de existente uma declaração de utilidade pública expedida pelos que têm poder para submeter um bem à força expropriatória), além da União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, as autarquias, os estabelecimentos de caráter público em geral que exerçam funções delegadas do Poder Público e concessionários de Serviço, quando autorizados por lei ou contrato. (BANDEIRA DE MELLO, 2004 p.585)

Bandeira de Mello (2004) observa em seu comentário o artigo 3º do Decreto-Lei 3365/41. Este dispositivo determina:

 Art. 3o Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.

A confusão em torno da promoção da desapropriação se dá pelo fato da União ser o único ente credenciado pela Constituição Federal de 1988 a legislar acerca da desapropriação, a partir do art. 22, II da Carta:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

II - Desapropriação;

Destarte, fica esclarecido que o Município possui sim competência para promover a desapropriação, muito embora apenas e tão somente a União seja aquele ente autorizado a legislar acerca deste instituto.

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Sobre o autor
André Jales Falcão Silva

Advogado (OAB/CE: 29.591). Possui uma ampla formação acadêmica incluindo Bacharelado em Direito e Licenciatura em Sociologia e diversas especializações nos campos do Direito e da Educação. Atua profissionalmente como Professor de disciplinas do eixo das ciências sociais e aplicadas e como Perito Judicial, em diversos tribunais, com ênfoques em Documentoscopia e Grafoscopia. É Psicanalista vinculado ao Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Jales Falcão. O Plano Diretor e o instituto da desapropriação como ferramentas de planejamento urbano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7112, 21 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101713. Acesso em: 21 dez. 2024.

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