Capa da publicação Crimes hediondos, individualização da pena e regime fechado
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O princípio da individualização da pena e o cumprimento da pena em regime integralmente fechado para autores de crimes hediondos

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Resumo:


  • A Suprema Corte Brasileira considerou inconstitucional a imposição de regime integralmente fechado para crimes hediondos, por violar os princípios da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana.

  • A progressão de regime para crimes hediondos passou a ser regulada pela Lei 13.964/19, exigindo o cumprimento de percentuais que variam de 40% a 70% da pena para mudança para um regime menos rigoroso.

  • A individualização da pena na esfera administrativa engloba aspectos como regime disciplinar, alocação do condenado, sanções e recompensas, remição e detração da pena, sendo essenciais para tornar a execução da pena única para cada caso concreto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é, nos termos da Constituição, um dos fundamentos da República (art. 1º, III, CR/88), sendo mencionada em diversos dispositivos constitucionais e, na esfera internacional, verifica-se que, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos demonstrou-se a necessidade em proteger a dignidade humana, o que é corroborado pelo texto do art. 1º daquele documento, segundo o qual "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos".

[...] dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência34. Consiste em atributo que todo indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo etc15.

Quanto à dignidade humana, pode-se dizer que possui dois elementos caracterizadores, o positivo e o negativo. O elemento negativo implica na proibição de imposição de tratamento degradante ou de qualquer discriminação que atente contra a condição humana, conforme se extrai do art. 5º, III, da Constituição da República, o qual determina que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".

O elemento positivo, por sua vez, implica na necessidade de que o ser humano tenha acesso a condições materiais mínimas para sua existência. O elemento positivo também está amparado pelo texto constitucional, quando há a previsão de que a ordem econômica terá a finalidade de assegurar a todos uma existência digna.


Da progressão de regime dos crimes hediondos após a edição da lei 13.964/19

Até o mês de março do ano de 2007, vigorava o texto legal que previa que a pena imposta aos crimes hediondos seria “cumprida integralmente em regime fechado”, redação esta que, conforme se extrai, fora declarada inconstitucional pela Suprema Corte brasileira, vindo a ser editada, então, a Lei 11.464/07, que trouxe nova redação ao §1º do art. 2º da Lei 8072/90, que passou a determinar que "a pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”.

Considerando a citada alteração, a lei 11.464/07 trouxe, também, as frações de pena que, obrigatoriamente deveriam ser cumpridas para que pudesse haver a mudança da pena para um regime mais brando, estabelecendo que a progressão de regime dar-se-ia com o “cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”16.

No ano de 2019, porém, fora sancionada a Lei 13.964 que, mais uma vez alterou a questão da progressão de regime dos crimes hediondos, cujas regras de passagem para regime de pena mais brando passaram a ocorrer na forma do art. 112 da Lei 7.210/90, Lei de Execuções Penais.

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: [...]

  • 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário

  • 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

    • condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional

    • condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

    • condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

  • 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

  • 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

A progressão de regime para crimes desta natureza passou então, a ser permitida mediante o cumprimento de percentuais que variam entre 40% (quarenta por cento) e 70% (setenta por cento) a depender de certos critérios de ordem subjetiva e objetiva.


Conclusão

A Suprema Corte Brasileira entendeu que a obrigatoriedade de imposição de regime exclusivamente fechado para os crimes hediondos seria inconstitucional, por ir de encontro aos princípios da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana e, de igual modo, entendeu que mesmo a imposição legal de regime inicial de cumprimento fechado fere os referidos princípios constitucionais.

A decisão não parece a mais acertada, haja vista que, conforme se viu ao longo do presente trabalho, o regime de cumprimento é apenas um dos aspectos da individualização da pena, já que o ordenamento jurídico prevê diversos outros elementos hábeis a tornar a execução da pena única para cada caso concreto, seja na aplicação da pena, seja no seu cumprimento.

No que diz respeito à dignidade da pessoa humana, há que se destacar que nenhum direito fundamental é absoluto e, baseado neste fundamento, a Constituição da República estabelece tipos de pena que, por sua vez, mitigam direitos individuais daquele que pratica algum tipo de infração penal, inclusive o direito à liberdade. Ademais, a privação de liberdade, por si só, não deve ser considerada uma lesão à dignidade da pessoa, eis que, tal medida é adotada como ultima ratio.

Não se pode esquecer, ainda, que em que pese a pena tenha caráter preventivo, com escopo de ressocialização do apenado, possui, ainda, o aspecto retributivo que, não se pode negar, é uma demanda social importante, sobretudo no tocante aos crimes hediondos, que são, por sua natureza, de maior ordem de reprovabilidade. No que diz respeito a crimes graves, a sociedade demanda uma resposta do Estado que, nesse caso, poderá impor penas restritivas de liberdade que trazem certo alívio social.

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Referências bibliográficas

ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial. 13ª edição. São Paulo: Saraiva Educação,2018.

BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 22ª edição. São Paulo/SP: Saraiva, 2016.

BRITO, Alexis Couto de. Execução penal. 5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. BALTAZAR, José Paulo Junior. Legislação penal especial esquematizado.5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, volume I. 22ª edição. Niterói/RJ: Ímpetus, 2020.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado - parte geral - vol. 1. 10ª edição. São Paulo: Método, 2016.

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.

SANCHES, Rogério. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 6ª edição. Salvador/BA: JusPODIVM, 2018.

SILVA, José Geraldo da. BONINI, Paulo Rogério. LAVORENTI, Wilson. Leis penais especiais anotadas. 11ª edição. Campinas/SP: Millenium Editora, 2010. p. 215.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p 60.


Notas

2 “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.

3 “a lei regulará a individualização da pena [...]”

4 BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2000.

5 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. BALTAZAR, José Paulo Junior. Legislação penal especial esquematizado.5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 70.

6 SILVA, José Geraldo da. BONINI, Paulo Rogério. LAVORENTI, Wilson. Leis penais especiais anotadas. 11ª edição. Campinas/SP: Millenium Editora, 2010. p. 215.

7 Art. 33, Decreto-Lei 2.848/40.

8 Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 6ª edição. Salvador/BA: JusPODIVM, 2018. p 443.

9 Curso de direito penal: parte geral, volume I. 22ª edição. Niterói/RJ: Ímpetus, 2020. p 615.

10 BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 22ª edição. São Paulo/SP: Saraiva, 2016. p 147.

11 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado - parte geral - vol. 1. 10ª edição. São Paulo: Método, 2016. p. 47.

12 BRITO, Alexis Couto de. Execução penal. 5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.p 73.

13 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015. p 84

14 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015. p 217

15 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p 60.

16 Art. 2º, § 2º da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07.

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Sobre o autor
João Victor Teixeira Camargos Diniz

Investigador da Polícia Civil de Minas Gerais. Formação Técnico-Profissional, Carreira Investigador de Polícia. Bacharel em Direito pela PUC Minas. Pós-graduado em Advocacia Cível pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG e Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Verbo Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, João Victor Teixeira Camargos. O princípio da individualização da pena e o cumprimento da pena em regime integralmente fechado para autores de crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7128, 6 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101887. Acesso em: 26 dez. 2024.

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