Capa da publicação 1808: fuga da Coroa e início do Direito brasileiro
Capa: Domingos Sequeira

1808: fuga da Coroa portuguesa e formação do Direito tipicamente brasileiro

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

SESMARIAS E APOSSAMENTO DE TERRAS NO BRASIL COLÔNIA.

As sesmarias constituíram a primeira forma de repartição fundiária no Brasil, tendo grande importância no povoamento das terras brasileiras. No entanto, haja vista as exorbitantes incongruências legislativas com seus diversos dispositivos que visavam regular as sesmarias e o apossamento de terras, almejando nessa distribuição, dar proveito as terras devolutas (terras públicas sem destinação do poder público e que nunca integraram o patrimônio de um particular) que ficariam paradas, bem como, o povoamento da gigante colônia, com isso surgem conflitos resultantes da má gestão desse mecanismo, posto que, imensas porções de terras eram doadas sem critério nenhum de demarcação territorial, onde, dentre esses limites cabiam porções de terras “sem demarcação” que os menos afortunados tomavam posse para dar meio à sua subsistência produzindo nas terras que eram fronteiriças entre sesmaria e sesmaria.

Com isso surge o apossamento (tomar posse e produzir nessa terra) também de parte dessas terras, sendo a forma mais aceita de reconhecimento sobre as terras e o que mais tinha relevância no que tange ao direito de posse delas, isso gerava conflitos entre sesmeiros e posseiros das terras, causando uma parte significativa dos delitos ocasionadas pelas turbações (termo que até os dia hodiernos vigora quando se trata de posse e propriedade no código civil, sendo uma ofensa a posse de outro, onde só uma pequena parte da propriedade é perdida, é um esbulho parcial), onde o governo se via no dever de intervir.

Medidas para conter e dar uma forma mais regrada para as concessões foi a restrição de doações de terras que excedessem a quantia de “quatro léguas de comprimento e uma de largo”, sem falar em uma espécie de imposto sobre as sesmarias, chamado de ‘encargo de cultivo’, logo após, para ter um controle melhor sobre as formalidades das doações D. João publica um alvará, que é o documento utilizado por ele para legislar sobre o assunto, visando resolver os problemas provenientes das doações, a enorme demanda judicial que foi gerada entre outros fatores.

Esse alvará também serviu para agilizar o processo judicial de demarcação territorial das terras que eram alvos de litígios, onde a alternativa mais viável encontrada foi a de presumir-se-á o possuidor da terra quem tiver título de doação mais antigo. Posteriormente, iniciou-se uma diligência para regular mais ainda as concessões, onde foram criados cargos competentes, em busca da chegada de imigrantes, a liberação de concessões para estrangeiros que residirem no Brasil e houve ordem para que não houvesse a entrega de cartas de concessão sem antes haver a prévia medição e demarcação pelos setores responsáveis, que agora todas as vilas da colônia tinham.

A principal lei criada nesse sentido foi a lei de terras, como mais uma das ações imprecisas e desesperadas de diminuir os erros legislativos cometidos com as sesmarias, tendo como alternativa punir com a perda de terras improdutivas introduzindo-a como patrimônio público, lhes dando prazos para que o fosse feito, sob pena aos beneficiários das sesmarias, de as terras serem apossadas por pessoas que não fossem proprietários delas, a fim de ter um lugar onde pudesse viver, fomentou também o loteamento das terras, dividindo-as em porções menores e proibindo as doações, entre outras. Marcos, et al (2014) esclarece como a lei de terras tratou das sesmarias, apossamento de terras devolutas:

“As sesmarias que estivessem cultivadas seriam validadas. Mas era necessária a prova da morada habitual do sesmeiro, ou de um seu representante, nas terras.”

“Já as posses mansas e pacíficas seriam legitimadas nas mesmas condições previstas para os sesmeiros. Contudo, havia de se proceder à medição nos devidos prazos estipulados pelo governo, sob pena de caírem em comisso.”

“As terras devolutas deveriam ser medidas e o governo deveria extremar o domínio público do domínio privado, através de procedimento administrativo e, em casos de dúvidas factuais, recorrer ao arbitramento. Qualquer recurso deveria ser dirigido ao presidente da província, podendo subir ao governo. A lei obrigou os posseiros a tirarem os respectivos títulos dos terrenos que desde então lhes pertenciam, sendo condição sine qua non para as hipotecas ou alienações. “

Essa lei gerou um momento de calmaria, o que acabou com o surgimento da produção cafeeira, voltaram os inevitáveis conflitos entre os produtores (os donos das grandes propriedades) e os que eram responsáveis pela produção de mantimentos (posseiros). Foi introduzido em conjunto com o entendimento posterior, de que se as terras tinham posseiros que lá moravam, produziam, davam serventia para as terras, eles tinham pleno direito sobre elas, surgindo um meio semelhante à usucapião atual. Por fim, também o surgimento de fatos que foram alicerces para criação do entendimento jurisprudencial, onde foram utilizados acontecimentos relevantes para se tirar embasamento das decisões judiciais anteriores e eram usadas nas posteriores.


CONCLUSÃO

Por toda a extensão do presente artigo, foi exposto a origem da formação do Direito tipicamente brasileiro dividido em três tópicos, os quais tratam das principais circunstâncias importantes que contribuíram e contribuem até a contemporaneidade para o surgimento e a atualização da jurisdição brasileira. Tópicos na qual tratam o contexto tanto em uma ótica geral sobre o corpo histórico e se abranda relatando a formação do Direito civil, Direito consuetudinário e relatando também as sesmarias e o apossamento de terras no Brasil colônia.

O vigente estudo baseia-se em pesquisas aprofundadas do que ocorreu durante os séculos passados, e então, compreender o presente e talvez um futuro próximo, do sistema jurídico brasileiro. Assim como toda pesquisa e estudo, não sendo diferente dos demais, neste artigo ao longo do tempo foram surgindo alguns questionamentos por parte dos autores e também estudiosos, questionamentos esses que precisam de esclarecimentos, aos quais serão pontualmente relatados também.

Primeiro ponto, chegamos ao entendimento que Portugal em nenhum momento demonstrou preocupação em preservar o Brasil desde sua chegada, seu interesse eram nas riquezas que esta terra poderia lhes proporcionar, não houve o sentimento de empatia com os povos indígenas que já habitavam as terras e não houve muito menos a preocupação em respeitar o modo como eles viviam. Portugal na verdade, só passou a ter interesse em proteger o território após algumas ameaças, quando o comércio de especiarias nas índias começou a cair e começaram as invasões em massa nas terras brasileiras, devido essa baixa no comércio eles viram o Brasil como principal fonte de renda, que foi onde começou além da extração do pau Brasil, a cultura açucareira.

Outro aspecto importante de pontuar, é o golpe militar ocorrido em 1964, um momento tomado pela desvalorização da vida humana e da liberdade, foi uma era trevosa. Isso gerou muita revolta e um anseio no cenário político de construir uma nova constituição com valores democráticos e que garantisse a dignidade da pessoa humana. Foi então, com o fim do regime militar que foi criada a constituição de 1988, baseada nos mais caros preceitos democráticos, uma verdadeira resposta à era tomada pelos golpes de estado. A CF/1988 é reconhecida como o exemplo no mundo todo, ela tem como objetivo construir uma sociedade livre e solidária, visando uma sociedade mais igualitária.

Observamos que esse é um problema bastante presente desde a época do Brasil colônia, e que durante todos esses períodos houveram muitos conflitos em diversos aspectos na história do Brasil. Atualmente como já foi citada acima, a constituição vigente trás soluções para muitos destes problemas, mas algo interessante de enfatizar sobre uma solução para o apossamento de terras, pode ser encontrada no código civil de 2002, que garante de maneira expressa e visa uma melhor organização sobre o problema citado acima.

“Art. 1.228 - Código Civil de 2002.”

“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Portanto, diante tudo que foi abordado neste artigo, percebemos que os conflitos de interesse sempre estiveram presente no cotidiano do brasileiro, está presente em toda sua formação histórica, o intuito geral deste artigo foi de agregar na compreensão e explorar todos esses acontecimentos e como eles impactaram a construção do Direito atual.

Ademais podemos concretizar que as demandas de interesse para solucionar os conflitos sempre vão evoluindo, uma coisa não podemos negar, é que com a promulgação da constituição Brasileira de 1988, o desafio de solucionar os conflitos não diminuíram, mas sempre fizeram e fazem parte da meta para ser alcançada por esse texto constitucional, o papel de construir uma sociedade cada vez mais igualitária não é fácil, mas sem sombras de dúvidas quanto a isto podemos dizer que vencemos as etapas dia após dia, seja para solucionar demandas, seja para construir um Direito tipicamente Brasileiro cada vez mais justo.


Referências bibliográficas

ALTAVILLA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos, 4.a ed., São Paulo, Melhoramentos, 1964, 224 p.

BEVILÁQUA , Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, 4.a ed., Rio, Francisco Alves, 1931, v. I, pp. 9-89.

CÂMARA, José Gomes B. Subsídios para a História do Direito Pátrio, Rio, Livraria Brasiliana, 5 vs., 1954, 1964, 1965, 1966 e 1967.

CARNEIRO, Levi. Estudo Crítico-Bibliográfico, in Esboço, por A. Teixeira de Freitas, Rio, Ministério da Justiça, 1952, pp. VII-XXXVI.

CASTEX, Manuel Arauz. Derecho Civil, Parte Geral, t. I, Buenos Aires, Tecnicojurídica, 1965, pp. 73-82.Formação histórica do Direito Civil Brasileiro 105

DANTAS, San Tiago. Dois Momentos de Ruy Barbosa, Rio, Casa de Ruy Barbosa, 1951, pp. 49-107

EICHLER, Hermann. Codificación de Derecho Civil y Teoria de los Sistemas de Derechos, in Rev. da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v.58, 2.° fase, 1973, pp. 229-256.

ESPINOLA FILHO, Eduardo. Codificação, in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, Rio, Borsoi, v. IX, sem data, pp. 83-105.

_. Código Civil, in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro,Rio, Borsoi, v. IX, sem data, pp. 124-181.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, 3. ed.São Paulo: Globo, 2001.

FERREIRA, Waldemar. História do Direito Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1962, v.I, 318 p.

GUEDES, Jefferson Carús. Anotações sobre a história dos cargos e carreiras da Procuradoria e da Advocacia Pública no Brasil: começo e meio de uma longa construção. In: Jefferson Carús Guedes; Luciane Moessa de Souza. (Org.). Advocacia de Estado: questões institucionais para a construção de um Estado de Justiça. Estudos em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Jose Antonio Dias Toffoli. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 26. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2008. Apresentação de Antonio Cândido: O significado de Raízes do Brasil. LEAL, Victor Nunes. Justiça ordinária federal. Problemas de Direito Público e outros problemas, Brasília: Ministério da Justiça, 1997. v. 2.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: lições introdutórias, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: SENAC, 2008.

MACHADO NETO, A. L. História da idérias jurídicas no Brasil. São Paulo: Grijalbo – EdUSP, 1969.

MARCILIO, M. Luiza. População e Sociedade. Evolução das sociedades pré-industriais. Petropolis: Vozes, 1984.

MARCOS, Rui de Figueiredo. Et al. História do direito brasileiro. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

MARTINS JÚNIOR, J. Izidoro. História do Direito Nacional, 2. ed., Pernambuco, Cooperativa Editora, 1941, 274 p.

NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário do Brasil: crônicas dos tempos coloniais. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000. v. 1.

NORONHA, Ibsen José Casas. Aspectos do direito no Brasil quinhentista: consonâncias do espiritual e do temporal. Coimbra: Almedina, 2008.

NOZOE, Nelson. Sesmarias e apossamento de terras no Brasil colônia. Ampec, 2005. Disponível em: <https://www.anpec.org.br/encontro2005/artigos/A05A024.pdf>. Acesso em: 13.1.2023.

OTÁVIO, Rodrigo. A Codificação do Direito Civil no Brasil, Rev. de Direito Civil, Comercial e Criminal, Rio, Jacinto, 1933, pp. 12-60.

PACHECO, José da Silva. Evolução do processo civil brasileiro: desde as origens até o advento do novo milênio, 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo, 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1965.

ROCHA, Manoel Antonio Coelho da. Ensaio sobre a História do governo e legislação de Portugal. Coimbra, 1851.

SCHUBSKY, Cássio. Advocacia pública: apontamentos sobre a história da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo CEPGE – Imprensa Oficial, 2009.

TRIPOLI, César. História do Direito brasileiro (ensaio). Vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1936.

_________. História do Direito brasileiro (ensaio). Vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1947.

VALLADÃO, Haroldo. História do Direito especialmente do Direito brasileiro, 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977.

VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, Especialmente do Direito Brasileiro, Rio, Freitas Bastos, Parte II, 1973, pp. 89-1

VAMPRÉ, Spencer. Código Civil Brasileiro, São Paulo, Magalhães, 1917 pp. VII-XVII.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

VENANCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo. São Paulo: Perspectiva, 1977.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos