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Algumas linhas introdutórias ao estudo do Direito Processual

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02/08/2007 às 00:00
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Notas

01 Não se deve confundir a lei com a norma jurídica. A primeira é representada por um conjunto de enunciados ou preceitos normativos; é o texto legal, um programa a ser utilizado pelo intérprete. Já a norma jurídica é fruto da interpretação. É sentido que se apreende de um texto; brota e é conseqüência da interpretação do texto normativo. Fala-se, assim, que o ordenamento jurídico, quando concebido como uma somatória de enunciados ou preceitos, seria apenas um ordenamento em potência, um conjunto de probabilidades de interpretação ou um conjunto de normas potenciais; já o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, seria um conjunto de interpretações ou de normas jurídicas. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo : Malheiros Editores, 2002. 72). Nesse prisma, a norma jurídica preexiste parcialmente, em estado potencial, no invólucro do enunciado (Ibid., 75), e será produzida ou fabricada pelo intérprete, mediante um trabalho interpretativo que abarca não só os enunciados, mas também os próprios fatos e os valores envolvidos, cujo fim maior é a sua aplicação ao caso concreto sob exame, seja ele de que natureza for.

02 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7ª. ed. São Paulo : Editora Atlas, 2003. p. 31.

03 Tome-se, a título de exemplo, os seguintes enunciados de direito material, colhidos do Código Civil: nas compras e venda de imóveis, e salvo cláusula em contrário, as despesas de escritura e registro ficam a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição (art. 490); o transportador não pode recusar passageiros, salvo em casos específicos devidamente previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem (art. 739); o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (art. 1.128).

04 Leciona MARINONI que, outrora, quando vigia o modelo do Estado legislativo, a lei, genérica e abstrata, dirigia-se a uma sociedade de "homens livres e iguais", todos com idênticas necessidades. A liberdade era o valor magno e para garanti-la o Estado liberal resolveu tratar a todos de forma igual perante a lei. Ainda nessa época, a lei era fruto da vontade do Parlamento, cujos integrantes representavam a burguesia – não havia, pois, confronto ideológico. Hoje, superada essa fase, as casas legislativas cederam lugar às divergências, de maneira que diferentes idéias sobre o papel do Direito e do Estado passaram a se confrontar. (MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no estado constitucional. Disponível em: http://www.professormarinoni.com.br/. Acessado em: 05/10/2005). Daí porque se utilizou a expressão "em tese", entre parênteses, no parágrafo anterior: com o intuito de evidenciar que, nem sempre, as leis são elaboradas conforme a vontade dominante, mas, sim, segundo vontades políticas de grupos de interesses, estes que se impõem, influenciando o Parlamento mediante atos de pressão (lobismo).

05 É de se lembrar que o Estado, no exercício de sua soberania, vetou a autotutela, convencido de que a violência é um mal extremamente prejudicial aos ideais que justificam a própria vida em coletividade. Contudo, ao agir assim, positivando essa proibição, tipificando o seu descumprimento, inclusive, como crime (CP, art. 345), se viu compelido a assumir um penoso dever: o de solucionar os diversos conflitos de interesses, diuturnamente, surgidos na sociedade, sempre que provocado para tanto, e isso mediante uma operação não-violenta e justa. Sequer é facultado ao Estado furtar-se à prestação jurisdicional, mesmo que escorado na cômoda afirmação da inexistência de lei regulando a situação concreta posta em exame. A tutela sempre haverá de ser prestada, beneficiando ou não aquele que a postulou, segundo critérios justos e fundamentados, construídos pelo juiz, com a participação conjunta das partes.

06 RESENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil. Vol. 1º. 4ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1954. p. 16.

07 LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil. Parte geral. São Paulo : Editora Atlas, 2005. p. 9.

08 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. Vol. 1º. 23ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2004. p. 13.

09 ROCHA, Op.cit., p. 40.

10 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Vol. I. São Paulo : Classic Book Editora e Distribuidora de livros ltda., 2000. p. 110.

11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. I., São Paulo : Malheiros Editores, 2005. p. 56.

12Ibid., p. 56.

13 As formas garantem uma estrutura ao processo alinhada ao modelo do devido processo legal e condizente com o próprio Estado Democrático de Direito. Daí afirmar-se que as formas caracterizam-se como verdadeiras garantias às partes de que o exercício jurisdicional irá pautar-se em alguns valores caros à sociedade, como: (a) a segurança, (b) a justiça, (c) a efetividade, (d) a igualdade, (e) o contraditório, (f) a ausência de arbitrariedade, dentre outros.

14 ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 5-7.

15 Assevere-se, já aqui, que os preceitos processuais nem sempre geram influência exclusivamente restrita ao plano do processo. Há aquelas, denominadas enunciados materiais processuais, que formam verdadeiras pontes entre os direitos material e processual, e que, por isso mesmo, atingem diretamente a vida das pessoas, não se limitando apenas a lançar efeitos sobre o processo judicial.

16 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Vol. 3.º. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas : Bookseller Editora e Distribuidora, 1998. p. 6.

17 DINAMARCO, Op.cit., p. 56.

18 É preceito processual aquele que impõe ser o procedimento sumário o adotado nas causas cujo valor não exceder a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo (CPC, art. 275, I). Detém a mesma natureza, a regra que estabelece o prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita e dirigida ao juiz da causa, para oferecer contestação (CPC, art. 297). Também de idêntico caráter, o importante princípio da motivação das decisões judiciais, obrigando o juiz a delinear os caminhos lógicos percorridos em seu pensamento, para proferir a decisão, possibilitando o controle da atividade jurisdicional pelas partes. Todos esses enunciados estabelecem formas, modelos a serem seguidos para se chegar, de um modo justo, à tutela jurisdicional efetiva.

19 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Vol. 1. 10ª. ed. Rio de Janeiro : Lúmen Juris, 2004. p. 38.

20 O copo foi projetado para facilitar a ingestão de líquidos. Se estou com sede, a forma mais prática e civilizada da saciá-la, é beber, prazerosamente, e por intermédio de um copo, uma boa porção de água fresca. Todavia, se a sede é tamanha que opto por abrir a geladeira e, de imediato, consumir a água diretamente do gargalo de uma garrafa, ninguém poderá negar que o meu objetivo foi, igualmente, cumprido, mesmo que contrariamente às regras mais comezinhas de etiqueta. Não terei prejuízos! – a não ser os incômodos olhares de desaprovação daqueles que presenciaram a cena marcante.

21 DINAMARCO, Op.cit., p. 56-57.

22 Mesmo que a ação de consignação em pagamento não se preste a revisar cláusulas contratuais, a jurisprudência já entendeu ser possível, diante das peculiaridades do caso concreto, e em razão do tempo decorrido, o deferimento dessa pretensão, quebrando-se a rigidez das formas em prol da efetividade. Se houve defesa e esta não se limitou apenas a refutar a possibilidade de revisão de cláusulas em sede de ação consignatória, tendo o réu impugnado o alegado direito a revisão, de maneira ampla e técnica, realmente não haveria sentido, em função do que prega princípio da instrumentalidade das formas (CPC, arts. 154 e 244), em se obstaculizar o exame da pretensão revisional. Outro exemplo, constantemente apontado na doutrina, diz respeito a impropriedade de se anular o processo por vício de citação, isso se o demandado compareceu e se defendeu.

23 Veja-se a idéia sobre sistemas apresentada por CANARIS: "Entendemos por ‘sistema’ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar em uma orem, é necessário que os entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de coerência entre si. Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema, nos perguntamos se as normas que o compõem estão num relacionamento de coerência entre si, e em que condições é possível essa relação." (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1996 (trad. da 2. ed. alemã, 1983).

24 PAULA, Adriano Perácio de. Direito processual do consumidor. Do processo civil nas relações de consumo. Belo Horizonte : Del Rey, 2002. p. 22.

25 ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. Rio de Janeiro : Livraria Editora Freitas Bastos, 1940.

26 MONTEIRO, João. Teoria do processo civil. 6ª. ed. Rio de Janeiro : Editor Borsoi, 1956.

27 BRASIL, Eurico Figueiredo. Direito judiciário civil. Rio de Janeiro : Editora Spencer S.A., 1972.

28 SANTOS, Op.cit., p. 14.

29 ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 21ª. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2005. p. 50.

30Ibid., p. 50. Essa unidade do direito processual é constatável no próprio texto constitucional, quando, ao discriminar a competência legislativa da União e dos Estados (concorrente), refere-se a ele de forma unitária, abrangendo, pois, tanto o direito processual civil, como o processual penal (CF, arts. 22, I, e 24, XI). (Ibid., p. 50). Em última medida, isso significa que os principais conceitos e princípios atinentes ao direito processual, são comuns a ambos os ramos (jurisdição, ação, contestação, processo, coisa julgada, recurso, preclusão, competência, princípios do contraditório, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição, etc.) (Ibid., p. 50).

31 SANTOS, Op.cit., p. 14.

32 FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1.º. 17ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 66. É importante a advertência de José Albuquerque Rocha, ao apontar o equívoco da idéia de que a divisão do direito processual já se encontraria encerrada. Em verdade, nada impede que outros ramos sejam criados, e isso efetivamente irá ocorrer, na medida em que novas necessidades processuais forem surgindo. (ROCHA, Op.cit., p. 40). Apenas para exemplificar, é certo defender a existência de um direito processual das relações de consumo, aplicável, tão-só, àquelas situações que se enquadram na moldura estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor, cujos preceitos, visando equilibrar a relação jurídica processual, fornecem ao hipossuficiente (consumidor) algumas benesses processuais (a inversão do ônus da prova, por exemplo). De mais a mais, fala-se, hoje, na edificação de uma lei processual coletiva, endereçada a reger a atividade jurisdicional voltada a solução de conflitos coletivos (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos).

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33 FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1.º. 17ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 66.

34 CHIOVENDA, Op.cit., p. 97.

35 CHIOVENDA, Op.cit., p. 98.

36 DINAMARCO, Op.cit., p. 62.

37Ibid., p. 62.

38 Os preceitos normativos que impõem prazos, meios de prova e sua valoração, criam procedimentos e recursos, dizem respeito apenas ao processo. Operam exclusivamente pelo lado interno do processo e nele exaurem sua atividade, não lançando efeitos diretos para o lado externo ou sobre a vida das pessoas – são preceitos processuais puras ou processuais formais. Já os preceitos que estabelecem as fontes de prova, determinam a organização judiciária, regem a coisa julgada, regulam situações externas ao processo, não vinculadas apenas a sua dinâmica, mas à própria vida das pessoas – esses são preceitos processuais substanciais ou processuais materiais. (Ibid., p. 63).

39 MORTARA, em seus comentários ao Código de Processo Civil Italiano, assinala que, historicamente, a divisão entre direito público e direito privado, não passou de uma fórmula doutrinária pouco exata, e acrescenta que se mantém tal classificação apenas pela comodidade de indagação e em deferência às velhas tradições.

40 Constate-se outro forte argumento a ser utilizado para combater a dicotomia entre os direitos público e privado: cada vez mais se vê uma maior influência do direito constitucional nos demais ramos do direito, tanto que vários autores vêm afirmando que, hodiernamente, estar-se-á vivenciando uma verdadeira constitucionalização do próprio direito civil. É o que se constata, por exemplo, na marcante influência dos direitos fundamentais sobre as relações firmadas entre particulares, tradicionalmente consideradas típicas relações de direito privado. E essa autoridade conferida aos enunciados constitucionais, esse poder de influir sobre os demais ramos jurídicos, confere uma nova feição ao direito, colorindo-o, todo ele, com forte tonalidade "publicizada". Daí afirmar-se que o modelo hermenêutico atual, que necessariamente obriga uma conformação das leis infraconstitucionais à Constituição Federal, também corrobora para a tese de que, hoje, não mais faz sentido defender-se uma cisão entre os direitos público e privado.

41 DINAMARCO, Op.cit., p. 56.

42Ibid., p. 56.

43 CÂMARA, Op.cit., p. 38.

44 SANTOS, Op.cit., p. 14.

45 FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro. Vol. 1.º. 17ª. ed. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 66.

46 FILHO, Op.cit., p. 66.

47 DINAMARCO, Op.cit., p. 62.

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Sobre o autor
Lúcio Delfino

advogado e consultor jurídico em Uberaba (MG), doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, professor dos cursos de graduação e pós-graduação da UNIUBE/MG, membro do Conselho Fiscal (suplente) do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, diretor da Revista Brasileira de Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Lúcio. Algumas linhas introdutórias ao estudo do Direito Processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1492, 2 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10207. Acesso em: 18 nov. 2024.

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