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A usurpação de competência legislativa pela prefeitura de São Paulo

31/07/2007 às 00:00
Leia nesta página:

I. Introdução.

            No ano passado, a Prefeitura Municipal de São Paulo sancionou d a Lei n° 14.145/06, a qual veio alterar o artigo 16, da Lei n° 13.278/02.

            Essa Lei introduziu várias alterações nos procedimentos licitatórios, com inversão de fases, diminuição de prazos de publicidade, possibilidade de juntada de documentos até três dias após a abertura dos envelopes, entre outras modificações.

            A questão suscitada é se o município tinha competência para realizar tal façanha.


II. Aspectos relevantes dessa Lei.

            Desde que entrou em vigência, a Administração municipal vem aplicando-a em suas licitações, descaracterizando o procedimento previsto na Lei Federal n° 8.666/93.

            De lá para cá o município passou a legislar sobre normas gerais de licitação, invadindo a competência privativa da União Federal.

            As alterações radicais caracterizam verdadeiro abuso de poder, modificando completamente o procedimento previsto na norma federal.

            As mudanças são tão absurdas que chegam ao ponto de abarcar regras previstas na Lei Federal n° 10.520/02, que disciplina o Pregão.

            O curioso é que a Lei 14.145 se intitula como sendo uma "norma específica".

            Tal assertiva não corresponde a realidade, sendo fato que as modificações alteraram o procedimento legal.

            É inadmissível a abertura preliminar da proposta de preços, para somente após abrir o envelope contendo a documentação.

            Sem falar que nem todas proponentes serão classificadas, e sim, apenas as que tiverem em 1°, 2° ou 3° lugar em relação ao menor preço.

            Na seqüência será conhecida a documentação e caso alguma daquelas licitantes não tenha comprovado sua regularidade, terá nova oportunidade de exibir os documentos porventura faltantes ou que estiverem vencidos.

            O princípio constitucional da isonomia, previsto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, foi totalmente ignorado.

            O mesmo podemos dizer com relação aos princípios norteadores da licitação, inseridos no artigo 3°, da Lei 8.666.

            Os prazos mínimos de publicidade previstos no artigo 21 da Lei Nacional podem ser reduzidos se a Administração assim entender.

            Para tanto, basta que a contratação de obras e serviços seja considerada como de "menor complexidade".

            Outra curiosidade inserida no escopo da Lei 14.145 é que por decisão fundamentada da autoridade competente, o procedimento licitatório poderá seguir a ordem prevista na legislação federal.


III. Da Inconstitucionalidade.

            A competência para legislar sobre normas gerais de licitação é privativa da União, conforme artigo 22, inciso XXVII, da Carta Magna:

            "Compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios".

            O artigo 1°, da Lei 8.666, informa que:

            "Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos. .. no âmbito dos Poderes da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios".

            A competência para editar normas gerais importa o poder da União veicular regras vinculantes para todas as órbitas federativas.

            Os entes federativos podem produzir regras próprias apenas naquilo que não infringir as disposições legais federais.

            As normas gerais são de obrigatória observância para as demais esferas de governo, que ficam dispensadas para regular apenas o restante.

            As regras previstas na Lei 8.666 não podem ser modificadas, e sim, apenas complementadas naquilo em que for omissa.

            O artigo 43 da Lei Federal determina o procedimento a ser seguido por toda a Administração Pública:

            I – abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação;

            II – devolução dos envelopes fechados aos concorrentes inabilitados;

            III – abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados

.

            O § 3° do referido artigo veda a "inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta".

            O § 4° determina que o disposto neste artigo "se aplica a todas modalidades de licitação".


III. Conclusão.

            Diante todo o exposto, a única conclusão admitida é que a Prefeitura de São Paulo usurpou da competência privativa da União Federal, passando a legislar por conta própria em matéria de normas gerais de licitação, contrariando o Estado Democrático de Direito.

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Sobre o autor
Camillo Soubhia Netto

advogado em São Paulo (SP), especializado na área do Direito Público, pós-graduando em Direito Tributário, sócio do escritório Soubhia Netto Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUBHIA NETTO, Camillo. A usurpação de competência legislativa pela prefeitura de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1490, 31 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10214. Acesso em: 26 abr. 2024.

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