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Corrupção, foro por prerrogativa de função e juizados de instrução

02/08/2007 às 00:00
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Inicia-se no dia 30 de agosto nosso 1º Congresso Internacional sobre Violência, Direito e Justiça. Minha intervenção nele versará sobre o colaborador da Justiça. Sustentarei que, nos crimes de corrupção, deve ser disciplinada uma especial forma de colaboração. De outro lado, todos os processos com foro especial por prerrogativa de função devem ser instruídos pelos Juizados de Instrução, que devem ser criados no Brasil para essa finalidade.

Vejamos: no âmbito criminal algumas autoridades, em razão da relevância das funções que desempenham (Presidente da República, Ministros, Ministros das Cortes Superiores, Senadores e Deputados, Desembargadores, juízes, membros do Ministério Público, Prefeitos etc.), devem ser julgadas originariamente pelos Tribunais, não pelos juízes de primeiro grau. Contam, como se vê, com tratamento diferenciado. Tecnicamente isso se chama "foro por prerrogativa de função" (que na linguagem jornalística acabou ficando conhecido como "foro privilegiado").

O tema vem sendo amplamente noticiado e discutido em razão das incontáveis "denúncias" de corrupção ("mensalão", "sanguessuga" etc.) que, quase sempre, envolvem uma alta autoridade. A questão primeira que se coloca é a seguinte: devemos manter ou eliminar o "foro por prerrogativa de função"? Recorde-se, desde logo, que ele faz parte da nossa tradição jurídica. De outro lado, praticamente todos os países (do mundo inteiro) o prevê. Não se trata, portanto, de um instituto desarrazoado.

Uma vez apurado um caso de corrupção, o que todos esperam é que a Justiça criminal funcione bem e que condene os culpados e absolva os inocentes. Fundamental, portanto, é que a Justiça funcione! Não importa (do ponto de vista da eficácia da Justiça) se é o órgão "X" ou "Y" que atua. Sobretudo para o povo em geral, pouca diferença faz se é o juiz de primeiro grau ou de um tribunal que condenou (ou absolveu) o acusado. O Judiciário tem que funcionar (o mais rapidamente possível, assegurando-se, óbvio, todos os direitos e garantias do processado).

A mais séria razão da endêmica corrupção no nosso país, dessa forma, (depois da ganância dos engomados corruptores e da falta de compostura dos corrompidos, que bem convivem com a idéia do enriquecimento fácil e ilícito), não está na existência do foro por prerrogativa de função ou na inexistência de leis penais, sim, na impunidade. É claro que a transparência na gestão pública assim como a educação são fatores preventivos de relevância ímpar (O Estado de S. Paulo de 22.07.07, p. A12). Mas uma vez que o sujeito deliberou transformar-se num criminoso, a questão agora já não é de prevenção, sim, de repressão, que vem falhando no nosso país.

Vamos aos números divulgados pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) (O Estado de S. Paulo de 06.07.07, p. A7): de 1988 a 2007 tramitaram no STF 130 ações penais (resultado: nenhuma condenação); no STJ: 333 ações, sendo 5 condenados (1,5%). De um lado, como se nota, é nítida a ausência (quase total) de condenações. De outro, o que também e mais espanta é a morosidade (a maioria dos processos tramita há anos nesses tribunais). O grave problema, então, não reside na existência do "foro especial", sim, no mau funcionamento do Judiciário. O cerne dessa específica questão, reitere-se, não está nas regras processuais, sim, no aspecto operacional (funcional).

O Brasil inteiro ficou estupefacto quando, dentro do Senado, para resolver o imbróglio que envolve o seu Presidente, chegou-se a aventar a possibilidade de se remeter todo o assunto para o STF, sob o argumento de que "lá as coisas não se resolvem tão cedo".

O caso "mensalão", aliás, bem ilustra (orienta) essa difusa "cultura da impunidade" que reina sobretudo nas elites políticas, econômicas etc. e que deveria ser uma abominável excrescência (porém, lamentavelmente, não o é). Em 11 de abril de 2006 o Procurador Geral da República apresentou denúncia contra quarenta pessoas. Até hoje (princípio de agosto de 2007) o STF nem sequer fez o juízo de admissibilidade (ou inadmissibilidade) da denúncia.

O erro, agora, não está no campo operacional, sim, no processual. É um absurdo sem tamanho atribuir a um Ministro de Tribunal ou a um Desembargador a responsabilidade de se encarregar da fase pré-processual (preliminar). Quem recebe, por ano, milhares de processos para julgamento, não tem a mínima condição material de instruir a fase preliminar desses casos de foro por prerrogativa de função. De outro lado, justamente porque se trata das mais altas autoridades da república, o mais conveniente é que um juiz tenha competência para isso.


Conclusão: o mais pronto possível, impõe-se a instituição de um novo juizado (Juizados de Instrução), composto de juízes de primeira instância (quando a competência é dos Tribunais de segundo grau) ou de juízes e/ou desembargadores (quando a competência é dos Tribunais superiores), que deve se encarregar da fase preliminar investigatória de todos os casos de foro especial por prerrogativa de função.

O Ministro (ou Desembargador) que vai julgar o processo não deve assumir essa tarefa (dentre outras) por duas razões: (a) porque não tem tempo nem estrutura para isso e (b) porque, participando da investigação, fica psicologicamente vinculado ao que apurou (não tendo isenção nem imparcialidade suficiente para tomar parte do julgamento final do caso). A criação de câmaras especializadas para o julgamento dessas ações (como é o caso do Rio Grande do Sul – O Estado de S. Paulo de 06.07.07, p. A9) não elimina a nossa segunda crítica acima formulada.

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A solução, portanto, está na criação de um novo Juizado Especial (Juizados de Instrução), que deve se encarregar de toda fase instrutória preliminar (ou investigativa), presidindo-a contraditoriamente até o momento da admissibilidade (ou inadmissibilidade) da denúncia, depois de a defesa ter apresentado suas alegações preliminares.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Corrupção, foro por prerrogativa de função e juizados de instrução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1492, 2 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10229. Acesso em: 28 dez. 2024.

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