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O direito do advogado ao recebimento dos honorários sucumbenciais, na hipótese de acordo formulado após sentença sem o seu conhecimento

12/02/2023 às 09:00

Resumo:


  • Acordos formulados entre partes vitoriosas e vencidas após a sentença, sem envolvimento dos advogados, não afetam o direito dos advogados aos honorários sucumbenciais, conforme Lei nº 8.906/94, artigos 23 e 24, §4º.

  • Honorários de sucumbência têm natureza remuneratória e pertencem ao advogado, sendo ineficaz qualquer transação que afete esse direito sem a anuência do profissional.

  • O direito ao recebimento dos honorários sucumbenciais é assegurado aos advogados independentemente do acordo entre as partes, sendo um crédito autônomo e executável.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O acordo feito entre as partes após a sentença, sem participação do advogado, afeta o recebimento dos honorários sucumbenciais?

RESUMO: O objetivo do presente estudo é, basicamente, examinar se o acordo formulado diretamente pela parte vitoriosa com a vencida após a prolação de sentença, sem o conhecimento, participação e/ou anuência do advogado, pode afetar o direito do profissional quanto ao recebimento da respectiva verba honorária sucumbencial. Partindo da premissa de que os honorários de sucumbência possuem natureza remuneratória – e, assim, pertencem ao advogado pela sua atuação no processo, nos termos dos arts. 23 e 24, §4º, da Lei nº 8.906/94 –, conclui-se que a transação celebrada entre as partes, quando já fixados os honorários de sucumbência, mesmo não tendo havido o trânsito em julgado da respectiva decisão, é absolutamente ineficaz em relação ao direito subjetivo do advogado.

PALAVRAS-CHAVES: Transação sem participação do advogado; honorários advocatícios sucumbenciais; direito subjetivo do profissional. arts. 23 e 24, §4º, da Lei nº 8.906/94;


Em sua aclamada obra “A Metamorfose” (Die Verwandlung), Franz Kafka, ao tratar do caixeiro-viajante Gregor Samsa, que acorda transformado em um “gigantesco inseto” – e, portanto, é deixado de lado por aqueles que outrora dependiam de si para sobreviver –, nos apresenta, metaforicamente, algumas problemáticas relacionadas à condição humana, especialmente a facilidade com que alguém passa de necessário a substituível.

Deveras, a obra oculta uma crítica a uma sociedade onde os interesses pautam a convivência. Trata-se de uma forma – cruel, mas verdadeira – de retratar a frieza do ser humano diante de situações de conflito. Na medida em que alguém não mais tem nada a oferecer, não serve para mais nada.

A prática forense revela que, vez ou outra, ainda que excepcionalmente, o advogado sente-se um “gigantesco inseto”; de fomentador do êxito do seu cliente, passa a ser um indesejável contratempo.

Uma dessas situações se dá nos casos em que, julgado procedente o pedido inicial, o constituinte vitorioso formaliza acordo com a parte adversa, inclusive aceitando valores inferiores àqueles lhes assegurados pelo provimento jurisdicional favorável, sem o conhecimento, participação e/ou anuência do respectivo advogado, olvidando-se ao direito alheio do profissional em relação à verba alimentar.

Em hipóteses tais, a despeito da falta de lealdade e boa-fé dos participantes, é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que, a teor dos artigos 840 e seguintes do Código Civil, as partes capazes podem livremente transacionar sobre direito disponível, sendo prescindível a intervenção de advogados, cujo acordo será válido e eficaz, desde que não evidenciado nenhum prejuízo (nesse sentido, “verbi gratia”: STJ – AgInt no AREsp n.º 1.832.717/MS. Rel.: Min. Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julg.: 02/08/2022).

Todavia, embora válido e eficaz o acordo formulado sem a participação do advogado, a composição somente prevalece em relação àqueles que dela participaram.

Significa dizer, em outras palavras, que a transação firmada pelas partes, sem a aquiescência dos causídicos, não tem o condão de prejudicar a verba honorária de sucumbência devida, vez que essa, tendo natureza remuneratória, pertencente ao advogado pela sua atuação no processo, nos termos dos arts. 23 e 24, §4º, da Lei nº 8.906/94, que assim dispõem, respectivamente:

“Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”

“Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que o estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

§ 4º O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.”

Deveras, uma vez fixados os honorários advocatícios por ato decisório, a titularidade do respectivo crédito constitui direito subjetivo do advogado (ou dos advogados beneficiados), que detêm legitimidade ativa para executá-los autonomamente.

Por essa razão, nas palavras do mestre José Rogério Cruz e Tucci, em artigo intitulado “Ineficácia da transação entre as partes em relação aos honorários de sucumbência”:

“(...) A autocomposição extrajudicial, pois, sobretudo aquela noticiada nos autos do processo, não terá qualquer validade e eficácia se estabelecer concessões atinentes a bens e direitos de terceiros, incluindo-se aí, os próprios advogados da causa. De duas uma: ou estes participam do negócio pactuado entre as partes, admitindo-se inclusive que abram mão da totalidade ou de parcela de seus honorários de sucumbência; ou, então, não participam daquele, e, assim, consequentemente, o negócio lhes é estranho, não podendo projetar quaisquer efeitos sobre o capítulo da sentença que fixou a verba honorária de sucumbência! (...).”

Nessa mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o REsp 1.819.956/SP, consignou que “o negócio jurídico firmado pelos litigantes não pode ser oponível ao patrono que não participou da transação e foi diretamente afetado pelos seus efeitos, a ponto de ter excluído um direito que lhe era próprio”.

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Em igual sentido, também do Tribunal Cidadão, colhe-se a lição do Ministro Luis Felipe Salomão, exarada no julgamento do AgInt nos EDcl no REsp n.º 1.750.858/PR, no sentido de que “são os honorários advocatícios verbas de natureza alimentar, constituindo-se direito autônomo, só podendo dele dispor o seu titular, ou seja, o advogado - e somente ele”. E continuou:

“Após o provimento judicial estabelecendo honorários, tendo as partes transacionado sem nada disporem sobre os honorários, independentemente da participação de seus advogados, cabe aos causídicos o recebimento dos honorários, desimportando eventual trânsito em julgado.”

Disso tudo se conclui, portanto, que a transação celebrada entre as partes, quando já fixados os honorários de sucumbência, mesmo não tendo havido o trânsito em julgado da respectiva decisão, é absolutamente ineficaz em relação ao direito subjetivo do advogado, que é considerado terceiro. Assim, nessa condição, não pode sofrer qualquer prejuízo decorrente de negócio jurídico formalizado “inter alios”.

Logo, embora seja possível a homologação do acordo firmado diretamente entre o constituinte e a parte adversa, sem o conhecimento, participação e/ou anuência do(s) respectivo(s) advogado(s), é imperioso que se assegure aos causídicos o direito quanto ao recebimento da verba honorária sucumbencial, cujo valor deve ser apurado com base no título judicial exequendo, sem qualquer interferência do montante ajustado exclusivamente entre as partes.


REFERÊNCIAS.

BRASIL. LEI 8.906, DE 04 DE JULHO DE 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm.

BRASIL. LEI 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2022. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no AREsp 1.832.717/MS, Rel.: Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2022.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.819.956/SP, Rel.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, relator para acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/12/2019.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt nos EDcl no REsp 1.750.858/PR, Rel.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/09/2019.

KAFKA, Franz. A METAMORFOSE. Tradução Ciro Mioranza. São Paulo: La Fonte, 2019.

TUCCI, José Rogério Cruz e. Ineficácia da transação entre as partes em relação aos honorários de sucumbência. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-25/paradoxo-corte-ineficacia-transacao-entre-partes-relacao-aos-honorarios.

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Sobre o autor
Ygreville Gasparin Garcia

Advogado. Sócio Proprietário da F & G Felini e Garcia Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Público. Autor de artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Ygreville Gasparin. O direito do advogado ao recebimento dos honorários sucumbenciais, na hipótese de acordo formulado após sentença sem o seu conhecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7165, 12 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102409. Acesso em: 22 dez. 2024.

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