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A expulsão partidária de parlamentar não enseja a perda do mandato eletivo

15/02/2023 às 19:30
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A expulsão partidária, de iniciativa de terceira pessoa (partido politico, filiado etc.), é decisão alheia à vontade do agente politico.

Atualmente, muito se discute sobre a possibilidade de uma agremiação política ajuizar ação judicial eleitoral pleiteando a perda do mandato eletivo de parlamentar expulso da legenda partidária pela qual se elegeu por infidelidade partidária.

Muitos tribunais têm respondido afirmativamente a indagação.

Isto ao entendimento de que a desfiliação voluntária (sem justa causa) e involuntária (em casos de expulsão, por exemplo) do parlamentar autoriza o pedido de perda do mandato eletivo pela agremiação politica (PETIÇÃO Nº 105451, ACÓRDÃO Nº 4244 DE 27/09/2010, RELATOR (A) JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS, PUBLICAÇÃO: DJE - DIÁRIO DE JUSTIÇA ELETRÔNICO DO TRE-DF, VOLUME 11, TOMO 203, DATA 29/09/2010, PÁGINA 02/03).

Crê-se, com as devidas vênias, que o entendimento seja equivocado.

Não se pode ter como sinônimos as figuras da expulsão e da infidelidade partidária.

A expulsão partidária, ao contrário da infidelidade partidária que tem suas hipóteses previamente previstas em lei, não se encontra inserida nas hipóteses legais de perda de mandato eletivo.

Expulsão partidária, portanto, não pode ensejar a perda do mandato eletivo.

A corroborar as afirmativas precedentes, inicialmente, assinale que aos partidos políticos, nos exatos termos do §1º do artigo 17 da Constituição Federal de 1988, é garantida autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer direitos e obrigações de seus filiados:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

(...) §1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (...). (Grifos e omissões nossos).

A autonomia partidária, contudo, é limitada.

A Magna Carta Brasileira, no §6º do artigo 17, expressamente declara que parlamentares, salvo os casos previamente estabelecidos em lei e anuência da agremiação politica, somente perderão seus mandatos quando desligarem-se do partido pelo qual tenham sido eleitos:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

(...) §6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão. (...). (Grifos e omissões nossos).

O desligamento partidário, além de previsão legal, tem de ser voluntário (no caso de infidelidade partidária, por exemplo) para incidir a perda do mandato, ou seja, qualquer ato involuntário do parlamentar (expulsão, por exemplo) não pode apená-lo com a perda do mandato.

Expulsão e infidelidade partidária não são sinônimas, insista-se.

As normatizações legais sobre o tema são claras neste sentido.

Disciplinando o processo de perda de mandato de cargo eletivo e os casos de justificação de desfiliação partidária, a Resolução TSE 22.610/2007 (art. 1º) declara que o partido politico pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa, atestando ser justa causa à incorporação ou fusão de partido politico, a criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal:

Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§1º - Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal. (...). (Grifos e omissões nossos).

Também sobre os casos de perda de mandato eletivo, a Lei Federal n. 9.096/1995 (Dispõe sobre os partidos políticos) sofreu alterações com a edição da Lei Federal n. 13.165/2015, sendo nela introduzida o artigo 22-A que tem a seguinte redação:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfilar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

II - grave discriminação política pessoal; e

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Grifos nossos).

Desfiliação partidária, voluntária ou sem justa causa, enseja a perda do mandato por infidelidade partidária, não sendo possível a perda do mandato nos casos em que a extinção do vinculo seja decorrente da expulsão.

A expulsão não se encontra inserida nas hipóteses de infidelidade partidária.

Inexistindo desfiliação voluntária e sem justa causa, a toda evidência, inexistirá o direito do partido político de pleitear, perante o Poder Judiciário (Justiça Eleitoral), a perda de mandatos eletivos de seus agentes.

Ato expulsório retira o interesse processual sobre pedido de perda do mandato de filiado.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre o assunto e em decisões recentes, firmou entendimento no sentido de que a ocorrência de desfiliação partidária constitui pressuposto indispensável para a propositura da ação de decretação de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária sem justa causa (TSE – AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO Nº 060060184, REL. MIN. ALEXANDRE DE MORAES, JULGADO EM 20.08.2020 DJE DE 17.09.2020; (TSE – RESPE Nº 060046753, REL. MIN. JORGE MUSSI, DJE DE 18.03.2020; TSE – AI Nº 060054541, REL. MIN. EDSON FACHIN, DJE DE 05.03.2020; TSE – AI Nº 20556, REL. MIN. ARNALDO VERSIANI, DJE DE 23.10.2012, P. 3):

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO SEM JUSTA CAUSA. DEPUTADO FEDERAL. EXPULSÃO PROMOVIDA PELO ÓRGÃO ESTADUAL DO PARTIDO. EXTINÇÃO DO VÍNCULO POR MOTIVOS ALHEIOS À VONTADE DO FILIADO. AUSÊNCIA DE QUESTIONAMENTO NA VIA JUDICIAL CABÍVEL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é incabível a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária quando o desligamento de filiado decorre de decisão de expulsão proferida pela agremiação política à qual estava vinculado. 2. É fato incontroverso que o Diretório Estadual do PDT do Maranhão, no exercício da competência que lhe foi conferida no art. 43, f, do seu estatuto, abriu o processo administrativo disciplinar 002/2020 contra o então filiado Gilliano Fred Nascimento Cutrim, culminando na aplicação da penalidade de expulsão, sendo essa comunicada à Justiça Eleitoral nos autos do processo 0600038–96.2021.6.10.0047, transitado em julgado em 11/3/2021. 3. Não houve nenhum movimento do PDT, pelas vias administrativas ou judiciais cabíveis, no sentido de invalidar o ato de expulsão promovido pelo órgão estadual do partido, não sendo possível o questionamento incidental apenas nesse momento, no bojo da ação de perda de mandato eletivo, que possui causa de pedir e objeto delimitados. Precedente. 4. Ainda que assim não fosse, não se verifica, nos presentes autos – seja nos pedidos contidos na petição inicial, seja no presente agravo interno –, o requerimento de anulação do ato jurídico que excluiu o agravado do partido. 5. Agravo a que se nega provimento.

(TSE – AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA/PERDA DE CARGO ELETIVO Nº 060017334, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI, JULGADO EM 02.06.2022, DJE DE 20.06.2022). (Grifos nossos).

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Na linha da Excelsa Corte de Justiça Eleitoral são os posicionamentos dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE/MS – PROC. Nº 22034, REL. DES. HERALDO GARCIA VITTA, JULGADO EM 15.03.2016, DJE DE 22.03.2016, P. 08/09; TRE/PB – PROC. Nº 18124, REL. DES. TERCIO CHAVES DE MOURA, JULGADO EM 30.01.2014, DJE DE 03.02.2014; TRE/PR – PROC. Nº 0600545-41.2018.6.16.0000, REL. DES. JEAN CARLO LEECK, JULGADO EM 20.11.2018, DJ DE 29.11.2018):

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. VEREADOR. Filiado expulso do partido. A perda de cargo eletivo por desfiliação injustificada pressupõe o desligamento voluntário do mandatário. A expulsão não corresponde ao rompimento do vínculo por vontade própria. Incabível a propositura de ação de decretação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária, no caso de mandatário expulso da legenda. Jurisprudência consolidada e atual do TSE. Precedentes colacionados na decisão. Ausência de interesse processual. Inutilidade do processo. Reposicionamento quanto à legitimidade dos autores, ora agravantes. Previsão da Resolução nº 23.610/2007 do TSE. Agravo a que se dá parcial provimento. Manutenção do indeferimento da petição inicial por ausência de interesse processual dos autores, mas entendo-os legitimados a propor a ação.

(TRE/MG – PROC. Nº 060053340, REL. DES. CLÁUDIA APARECIDA COIMBRA ALVES, JULGADO EM 18.12.2020, DJEMG DE 21.01.2021). (Grifos nossos).

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DA PERDA DO CARGO ELETIVO. VEREADOR. EXPULSÃO DO MANDATÁRIO. AUSÊNCIA DE ATO VOLUNTÁRIO DE DESLIGAMENTO. CARÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DA PARTE AUTORA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. A infidelidade partidária decorre de ato voluntário do filiado que, por escolha própria, opta por deixar os quadros do partido pelo qual se elegeu para ingressar em outro. No caso da expulsão, contrariamente, a decisão quanto à saída do filiado é tomada pelo partido que, unilateralmente, decide excluí-lo do seu quadro. Não há, neste último caso, que se falar em infidelidade por parte do expulso; 2. Segundo a jurisprudência remansosa do TSE, carece de interesse processual para a propositura de demanda como a da espécie o partido político que promove a expulsão do mandatário do seu quadro de filiados. 3. Processo extinto sem resolução de mérito.

(TRE/BA – Proc. nº 0600097-54.2021.6.05.0199, Rel. Des. AVIO MOZAR JOSE FERRAZ DE NOVAES, julgado em 04.04.2022, DJE de 07.04.2022). (Grifos e omissões nossos).

Como se extrai dos entendimentos dos tribunais eleitorais brasileiros, a infidelidade partidária decorre de ato voluntário do filiado que, por escolha própria, opta por deixar os quadros do partido pelo qual se elegeu para ingressar em outro. No caso da expulsão, contrariamente, a decisão quanto à saída do filiado é tomada pelo partido que, unilateralmente, decide excluí-lo do seu quadro.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

A expulsão partidária, de iniciativa de terceira pessoa (partido politico, filiado, etc.), é decisão alheia à vontade do agente politico e, em sendo ato involuntária a conduta, não se há dizer de perda de mandato eletivo do parlamentar.

Não há, em conclusão, perda de mandato eletivo em razão de expulsão partidária.

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Sobre o autor
Francisco Valadares Neto

Graduado Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (ILES/ULBRA). Concluiu, em 2004, pós-graduação em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIP), obtendo o título de Pós-Graduado em Direito Constitucional. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, na cidade de Buenos Aires – Argentina (2016). Atualmente, além das atividades de advogado, exerce o cargo de Procurador Jurídico do Município de Brasiléia – Estado do Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALADARES NETO, Francisco. A expulsão partidária de parlamentar não enseja a perda do mandato eletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7168, 15 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102422. Acesso em: 21 nov. 2024.

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