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A responsabilidade civil dos transportadores pelos assaltos ocorridos nos transportes coletivos urbanos de passageiros

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14/08/2007 às 00:00

Resumo:


  • O contrato de transporte coletivo urbano de passageiros é regido por normas específicas no Código Civil de 2002, que estabelece a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados aos passageiros ou a terceiros.

  • A responsabilidade civil do transportador pode ser afastada em casos de força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima, mas há divergências sobre a aplicação dessas excludentes em situações como assaltos nos transportes coletivos.

  • O debate sobre a responsabilidade do transportador em casos de assaltos em transportes coletivos urbanos envolve a previsibilidade dos eventos e a capacidade do transportador de garantir a segurança dos passageiros, com decisões judiciais variando entre a atribuição e a exclusão de responsabilidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CAPÍTULO IV

DOS ASSALTOS OCORRIDOS NOS TRANSPORTES COLETIVOS URBANOS DE PASSAGEIROS

4.1 Da Responsabilidade Civil do Transportador

No capítulo anterior, trabalhamos, de maneira detalhada, a responsabilidade civil dos transportadores nos transportes coletivos urbanos de passageiros. Primeiramente, falamos sobre a responsabilidade contratual, depois sobre a extracontratual. Agora, tentaremos, neste capítulo, enquadrar os assaltos ocorridos nos citados transportes em uma destas espécies de responsabilidade ou, de acordo com o que iremos nos deparar, em uma cláusula eximente do dever ressarcitório.

O tema da responsabilidade civil do transportador por danos resultantes de crimes praticados no interior dos transportes coletivos de passageiros tem sido objeto de grande divergência doutrinária e jurisprudencial.

No Supremo Tribunal Federal, quando lhe era afeto a análise de causas fundadas em normas infraconstitucionais, predominava o entendimento de que o ato de terceiro, agente do delito e causador do dano, equiparava-se ao caso fortuito, causa de exclusão da responsabilidade, conforme se depreende dos seguintes acórdãos:

Civil. Responsabilidade civil do transportador. Assalto a ônibus suburbano. Passageiro que reage e é mortalmente ferido. Culpa presumida, afastada. Regra moral nas obrigações. Risco não coberto pela tarifa. Força maior. Causa adequada. Segurança fora do alcance do transportador. Ação dos beneficiários da vítima, improcedente contra a empresa transportadora. Votos vencidos. [59]

Responsabilidade civil (procedimento sumaríssimo). Assassinato de passageiro, em virtude de assalto praticado por desconhecidos, num trem da referencia durante a viagem. Ato de terceiro equiparável a caso fortuito. Inevitabilidade do fato e ausência de culpa do transportador. Inexistência de vinculação com o contrato de transporte. Incidência do obstáculo previsto no art. 325, inc. V, do RISTF. Argüição de relevância rejeitada. Inocorrência de divergência com a súmula 187 do STF, por inexistir nexo de causalidade entre o acidente e o transporte. Alegações de ofensa à lei federal e dissídio de jurisprudência não apreciados, porquanto e defeso no recurso extraordinário o seu exame, sem o prévio afastamento do obstáculo regimental, pela ocorrência das ressalvas contidas no ''caput'' do art. 325, do RISTF. Recurso extraordinário não conhecido. [60]

Mesmo assim, a jurisprudência de grande parte dos nossos Tribunais, inclusive a do Tribunal de Justiça da Paraíba, tem se mostrado sensível a realidade social de violência que nos encontramos.

A ventilada corrente jurisprudencial defende que a empresa de transportes deve ser responsabilizada pelos roubos ou latrocínios que ocorrerem no interior dos ônibus, desde que se comprove que tais ilícitos ocorriam freqüentemente no veículo e que mesmo assim o transportador não reforçou a segurança.

Vale ressaltar que, hodiernamente, não se pode pôr em dúvida que no Brasil dos dias correntes o assalto nos meios de transporte de carga e de pessoas é fato previsível e até corriqueiro.

Não calha o argumento de que as cláusulas de segurança estão fatalmente ligadas à contraprestação tarifária, o problema não é do juiz, mas das concessionárias ou permissionárias do serviço. Elas podem exigir do concedente tarifas mais adequadas e acobertar-se dos riscos mediante contratos de seguro, a exemplo do que acontece nos países desenvolvidos.

O que não se concebe é que famílias inteiras, geralmente de poucos ou de nenhum recurso (o usuário de tais serviços de ordinário pertence às classes mais humildes) fiquem desamparadas, relegadas à miséria, por decorrência de uma exegese fossilizada da lei que remonta ao começo do século.

Observemos os seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, os quais sintetizam bem tal entendimento:

Estrada de ferro. Morte de passageiro em decorrência de assalto no interior de composição ferroviária. Obrigação de indenizar. O caso fortuito ou força maior caracteriza-se pela imprevisibilidade do evento. No Brasil contemporâneo, o assalto à mão armada nos meios de transporte de carga e passageiros deixou de revestir esse atributo, tal a habitualidade de sua ocorrência, não sendo lícito invocá-lo como causa de exclusão da responsabilidade do transportador. [61]

Vale lembrar, que esta primeira decisão serviu de paradigma para a seguinte, sendo as duas, inclusive, as únicas decisões proferidas até hoje nesse sentido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Responsabilidade Civil. Transporte coletivo. Assalto. Responsabilidade da empresa transportadora. O assalto a cobrador de ônibus não é fato imprevisível nem alheio ao transporte coletivo, em zona de freqüentes roubos, razão pela qual não vulnera a lei a decisão que impõe à empresa a prova da excludente da responsabilidade pela morte de um passageiro. Precedente desta Quarta Turma (REsp nº 50.129/RJ, rel. MinistroTorreão Braz).Recurso exclusivamente pela alínea a, não conhecido. [62]

Por fim, devemos lembrar que, em consonância com a cláusula de incolumidade, inerente a todos os contratos de transportes, o transportador assume, no momento que celebrar o referido pacto, uma obrigação tácita de transportar o passageiro, bem como sua bagagem, são e salvo ao local de destino.

Ademais, o serviço público delegado pelo Estado aos concessionários ou permissionários é passível de responsabilidade objetiva, com base no artigo 37, § 6.º da CF, onde está disposto que :

As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. [63]

Desta forma, o Estado prevê uma grande segurança ao cidadão, usuário destes serviços, abrangendo este tipo de responsabilidade aos concessionários ou permissionários em caso de acidentes ocasionados por seus agentes.

No pólo oposto da presente celeuma jurisprudencial, encontramos aqueles que defendem que os assaltos à mão armada, dentro de ônibus, por se apresentar como fato totalmente estranho ao serviço de transporte (força maior), constitui-se em causa excludente da responsabilidade da empresa concessionária do serviço público.

Entendem, fulcrados no art. 144 da Constituição Federal, que, apesar de existirem meios de se evitar a ocorrência dos retrocitados infortúnios, é dever do Estado realizar a segurança pública.

Conseqüentemente, o Poder Público não pode transferir o mencionado encargo público ao transportador. Este se encontra, como delegatário de um serviço público, impossibilitado de tomar as providências necessárias para evitar a ocorrência dos elencados delitos sem que resulte no aumento de seus custos, tendo em vista que não poderia elevar o valor da tarifa que cobra, já que este é fixado pelo ente público.

Os assaltos, portanto, de acordo com a presente corrente, caracteriza o fortuito externo, inteiramente estranho ao risco do transporte. Não cabe ao transportador transformar o seu veículo em carro blindado, nem colocar uma escolta de policiais em cada ônibus para evitar assaltos. A prevenção de atos dessa natureza cabe ao Estado, inexistindo fundamento jurídico para transferi-la ao transportador.

Finalmente, concluem que embora tenha o transportador obrigação legal de zelar pela integridade física de seus passageiros, configura fato totalmente alheio ao transporte em si o roubo ou latrocínio ocorrido no interior do coletivo, sendo visto, portanto, como fator excludente da responsabilidade por parte do transportador.

Trazemos à lume os seguintes acórdãos, os quais ilustram bem a narrada concepção:

CIVIL. INDENIZAÇÃO. TRANSPORTE COLETIVO (ÔNIBUS). ASSALTO À MÃO ARMADA SEGUIDO DE MORTE DE PASSAGEIRO. FORÇA MAIOR. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA.

1. A morte decorrente de assalto à mão armada, dentro de ônibus, por se apresentar como fato totalmente estranho ao serviço de transporte (força maior), constitui-se em causa excludente da responsabilidade da empresa concessionária do serviço público.

2. Entendimento pacificado pela Segunda Seção.

3. Recurso especial conhecido e provido. [64]

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIRO EM COLETIVO. ASSALTO. MORTE. RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR AFASTADA. PRECEDENTES.

A Segunda Seção deste Sodalício firmou orientação no sentido de que o assalto à mão armada dentro de coletivo constitui força maior a afastar a responsabilidade da empresa transportadora pelo evento danoso daí decorrente para o passageiro.

Recurso especial conhecido e provido. [65]

Transporte coletivo. Assalto à mão armada no interior do ônibus. Precedente da Segunda Seção.

1. A Segunda Seção já assentou ser excludente da responsabilidade da empresa transportadora "o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo" (REsp nº 435.865/RJ, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 12/5/03, Segunda Seção).

2. Recurso especial conhecido e provido. [66]

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Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça, conforme pudemos verificar nos acórdãos acima expostos, praticamente pacificou seu entendimento de acordo com a segunda corrente, tanto que, até a presente data, existiram apenas duas decisões em sentido contrário. Contudo, nos tribunais menores ainda se perfaz bastante presente a narrada divergência.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme pudemos verificar no presente trabalho monográfico, o transporte coletivo urbano, hodiernamente, tornou-se um instrumento fundamental para o cumprimento das funções sociais e econômicas do Estado Moderno.

Tal transporte se perfaz bastante presente em nosso cotidiano, o que acarreta o surgimento de uma série de problemas. Em nosso país, por exemplo, o mesmo mostra-se cada vez mais deficiente e até desumano.

Ante a narrada realidade, um dos temas mais importantes, no que pertine ao ventilado serviço público, diz respeito a responsabilidade civil do transportador. Esta, de acordo com o que trabalhamos, no ordenamento jurídico pátrio, poderá ser de duas espécies: objetiva, sem a necessidade da comprovação de culpa e subjetiva, necessitando esta da comprovação da culpa do agente. Esta última possui uma subdivisão, comportando a responsabilidade civil com culpa presumida, vale dizer, é necessário a presença da culpa, entretanto, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao réu provar que não agiu com culpa.

Com relação aos transportes, atualmente, a responsabilidade do transportador perante os passageiros é objetiva. Contudo, grande divergência existe nos casos de assaltos sofridos pelos passageiros, em um transporte coletivo urbano, no decorrer da viagem.

Parte dos nossos julgadores defendem a responsabilização, enquanto outros entendem que não deverá haver responsabilidade dos transportadores.

Todavia, tal discussão vem perdendo força nos últimos tempos, já que o Superior Tribunal de Justiça praticamente pacificou seu entendimento em consonância com a segunda corrente, ficando a presente divergência adstrita, basicamente, aos tribunais menores.

Porém, não concordamos com o posicionamento que vem predominando. Nascida sob o enfoque da teoria do ato ilícito, a responsabilidade civil evoluiu no sentido de atingir atividades carregadas de perigo, sem a necessidade da comprovação de culpa.

Com isso, a responsabilidade civil, nas atividades perigosas, entre as quais encontramos os transportes, atingiu o seu estágio atual de objetividade. Esta hodierna concepção, lastreada das atividades humanas em perigosas e não perigosas, prima pela preocupação com a pessoa humana, em face dos mecanismos e aparatos técnico que o "modernismo" trouxe à vida diária, pondo em risco bens e valores fundamentais do homem e da sociedade.

Ante tal realidade, pugnamos pela responsabilização dos transportadores na presente hipótese e, em se comprovando a omissão do Estado em prestar um adequado serviço de segurança, mesmo tendo ciência dos inúmeros assaltos ocorridos em determinados transportes, o transportador poderia impetrar uma ação regressiva em face do Estado para ser ressarcido pelos valores indenizatórios pagos aos passageiros.

O que não se concebe é que famílias inteiras, geralmente de poucos ou de nenhum recurso (o usuário de tais serviços de ordinário pertence às classes mais humildes) fiquem desamparadas, relegadas à miséria, por decorrência de uma exegese fossilizada da lei que remonta ao começo do século.

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Sobre o autor
Galtiênio da Cruz Paulino

assistente jurídico do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, advogado em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULINO, Galtiênio Cruz. A responsabilidade civil dos transportadores pelos assaltos ocorridos nos transportes coletivos urbanos de passageiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1504, 14 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10267. Acesso em: 19 dez. 2024.

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