A autonomia político-administrativa municipal acha-se assegurada pelos artigos 29 e 30 da Constituição Federal.
Essa autonomia abrange a competência dos Municípios para “legislar sobre assuntos de interesse local” e “instituir e arrecadar os tributos de sua competência” (incisos, I e II), dentre outras.
Apesar da clareza dos textos constitucionais, na prática, há muitas dúvidas quanto à atuação do Município por meio de sanções pecuniárias instituídas em lei, para tornar efetiva a sua autonomia político-administrativa.
A primeira dúvida repousa no poder municipal de impor multas a tabeliães e registrários que deixarem de fiscalizar o recolhimento do ITBI.
O artigo 19 da Lei nº 14.256/91 com a redação dada pela Lei nº 14.256/06, incumbe aos notários e oficiais de registro de imóveis a verificação da prova de pagamento do ITBI. O seu artigo 20, por sua vez, impõe a pena de multa a quem descumprir a determinação do artigo 19.
Em relação ao notário, essas normas são inconstitucionais porque o ITBI tem como fato gerador a transmissão, e a transmissão da propriedade imobiliária somente ocorre com o registro do título de transferência no registro de imóveis competente, ocasião em que o imposto passa a ser devido.
Entretanto, o TJSP declarou a inconstitucionalidade desses dois dispositivos sob o fundamento de que a obrigação imposta a notários e registrários implica invasão de competência da União para legislar sobre registro público e que cabe apenas ao Poder Judiciário disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos que exercem tais atividades (AI nº 994.08.217573-0, Rel. Des. Corrêa Viana, j. em 25-5-2010),
Com a devida vênia, o art. 19 impugnado não implica legislar sobre registro público, mas, apenas exteriorização do poder municipal no exercício de sua competência tributária, instituindo as obrigações acessórias concernentes à fiscalização do imposto criado. Fiscalizar e arrecadar imposto de sua competência é inerente à entidade política titular do tributo. Não há, nem pode existir tributo não possível de fiscalização e arrecadação.
O município pode validamente atribuir a terceira pessoa vinculado ao fato gerador da obrigação tributária atribuir a responsabilidade pelo pagamento do imposto (art. 121 c.c art. 128 do CTN).
Outrossim, o art. 134, VI do CTN estatui a responsabilidade solidária dos tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício.
Aqui vale repetir o que antes dissemos. Essa disposição do art. 134, VI do CTN só tem aplicação a atos do oficial de registro (averbação, registro na matrícula do imóvel). A escritura de compra e venda lavrada pelo notário não deflagra o fato gerador do ITBI, porque essa escritura não transmite a propriedade imobiliária, conforme art. 1.145 do C.C).
Outro aspecto que gera dúvida e insegurança diz respeito ao exercício da competência do Município nos assuntos de interesse local, mas, incidindo sua ação sobre bens pertencentes a outras esferas políticas.
Nesse sentido é comum a fiscalização municipal sobre o uso das praias, um bem público de União, na categoria de uso de bem comum.
As Prefeituras litorâneas têm legislado, concedendo alvarás para montagem de barracas nas praias, disciplinando as atividades comerciais de pequeno porte, bem como estatuindo uma séria de vedações como presença de animais nas praias, circulação de quadriciclos. No auge da pandemia esses Municípios abrigavam os usuários de praias a utilizar as máscaras. Algumas Prefeituras chegaram a interditar o uso dessas praias.
Embora a praia, por estar dentro da área urbana, ser necessariamente abrangida pela expressão “legislar sobre assuntos de interesse local” (art. 30, I da CF), temos para nós que não pode o município estabelecer condicionamentos sobre o uso de bem comum, de domínio da União (art. 20, IV da CF), a menos que tenha autorização legislativa da União.
Entretanto, essa matéria não está nada pacificada, quer na doutrina, quer na jurisprudência.