Capa da publicação Rol da ANS e coberturas extrarrol na Lei nº 14.454
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Planos de saúde: as coberturas pelo rol da ANS e as coberturas extrarrol (Lei nº 14.454/2022)

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Resumo:

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. As coberturas tradicionais dos planos de saúde: a CID e o rol da ANS – 3. As coberturas extrarrol conforme a tese do STJ sobre a taxatividade do rol da ANS

Este trabalho analisa as alterações legislativas nas coberturas dos planos de saúde, destacando a Lei nº 14.454/2022 e o papel do rol da ANS.


PALAVRAS-CHAVE: Planos de saúde. Rol da ANS. Coberturas extrarrol.

1. Introdução


O tema da taxatividade do rol da ANS foi debatido em 2022, levando a alterações na Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.454/2022.


Essas mudanças abriram espaço para coberturas além do rol da ANS, as coberturas extrarrol, trazendo novas perspectivas para o setor.


2. As coberturas tradicionais dos planos de saúde: a CID e o rol da ANS


A relação entre a CID e as coberturas dos planos de saúde é fundamental, sendo o rol da ANS considerado referência básica para as coberturas mínimas.


Apesar disso, as imperfeições do rol da ANS levaram a debates judiciais sobre a taxatividade das coberturas, destacando a importância do tema.


3. As coberturas extrarrol conforme a tese do STJ sobre a taxatividade do rol da ANS


O STJ estabeleceu critérios para coberturas extrarrol, indicando situações excepcionais para a superação das limitações do rol da ANS.


A Lei nº 14.454/2022 introduziu o parágrafo 13 no artigo 10 da Lei nº 9.656/1998, abrindo espaço para coberturas extrarrol em condições excepcionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei nº 14.454/2022 garantiu coberturas extrarrol sem afastar a taxatividade do rol da ANS. Como as decisões do STJ e do STF impactam os consumidores e os planos de saúde?

Resumo: Este trabalho tem como objeto o exame do status legislativo das coberturas dos planos de saúde a partir das alterações realizadas na Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.454/2022, as quais fizeram com que as coberturas deixassem de se restringir exclusivamente à previsão no rol da ANS ou em contrato.

Palavras-chave: Planos de saúde. Rol da ANS. Coberturas extrarrol.

Sumário: 1. Introdução. 2. As coberturas tradicionais dos planos de saúde: a CID e o rol da ANS. 3. As coberturas extrarrol conforme a tese do STJ sobre a taxatividade do rol da ANS. 4. A Lei nº 14.454/2022 e o rol da ANS reafirmado como referência básica: a taxatividade. 5. A aplicação simultânea do Código do Consumidor à da Lei nº 9.656/1998. 6. A nova disciplina legal para as coberturas extrarrol. 6.1. Análise do caput do § 13. 6.2. Análise do inciso I do § 13. 6.3. Análise do inciso II do § 13. 6.3.1. Primeira parte do inciso II do § 13. 6.3.2. Segunda parte do inciso II do § 13. 7. O rol da ANS e a Lei nº 14.454/2022 no STF. 8. Considerações finais.


1. Introdução

No ano de 2022, o tema da taxatividade do rol da ANS – o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar –, foi bastante debatido por diversos segmentos da sociedade em razão de dois julgamentos sobre o tema que estavam na iminência de ocorrer no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Quase que em seguida às decisões do STJ, foram realizadas alterações na Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.454/2022, as quais abriram uma nova frente de coberturas assistenciais para além do rol da ANS, as coberturas extrarrol.

As novidades trazidas pela Lei nº 14.454/2022 alavancaram as decisões de perda do objeto de cinco ações constitucionais que já tramitavam no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mesmo tema da taxatividade do rol da ANS, assim como deram ensejo ao ajuizamento de uma nova ação no STF que questiona suas disposições.

No presente estudo, apresentaremos nossa visão sobre esse tema tão palpitante: a de que o rol da ANS continua a ser taxativo, e, agora, com a coexistência de uma nova frente excepcional de coberturas assistenciais extrarrol. Não trataremos das coberturas adicionais contratadas (coberturas ex contractu), por não terem relevância aqui.

Para fins de enquadramento temporal, este estudo foi finalizado em dezembro de 2022.


Nota de atualização (do Editor): No julgamento da ADI 7.265, em 18 de setembro de 2025, o STF validou a Lei 14.454/2022 por via de interpretação conforme e fixou que o rol da ANS permanece, em regra, taxativo, admitindo-se exceções somente quando preenchidos criteriosos requisitos cumulativos: prescrição médica ou odontológica; inexistência de negativa expressa ou pendência de análise pela ANS; ausência de alternativa terapêutica adequada no rol; comprovação científica robusta (evidências / ATS) e registro na Anvisa — além de exigência processual de prévio requerimento e consulta técnica (NatJus).


2. As coberturas tradicionais dos planos de saúde: a CID e o rol da ANS

Na Lei nº 9.656/1998, que rege os planos1 de saúde, é seu art. 10 que disciplina o plano-referência, isto é, o plano básico, as mínimas condições de cobertura (caput e §§ 4º, 12 e 13) e as exclusões de cobertura que são padrão (incisos I a X e § 1º). Diz o caput:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12. desta Lei, exceto: (...)

A CID – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma grande listagem de questões de saúde. Dizemos questões de saúde porque não se trata apenas de um elenco de doenças: como observa Ruy Laurenti, a CID é “utilizada como instrumento para codificar motivos de consultas em serviços de atendimento médico, passando a incluir várias entidades que não são doenças2. Atualmente, a CID está na sua 11ª revisão, a CID-113.

Nesse sentido, é importante interpretar adequadamente o termo doenças que o art. 10 da Lei nº 9.656/1998 emprega ao se referir à CID: o sentido almejado pela Lei é o de qualquer dos itens listados na CID, quer sejam eles doenças, quer sejam outras questões de saúde.

Portanto, o papel da CID é fundamental na dinâmica legal das coberturas dos planos de saúde. Na metodologia adotada pela legislação brasileira, a amplitude das coberturas é definida pela ANS, conforme deflui do § 4º do art. 10 da Lei nº 9.656/1998:

Art. 10. (...)

§ 4º. A amplitude das coberturas no âmbito da saúde suplementar, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será estabelecida em norma editada pela ANS, que publicará rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado a cada incorporação.

Trata-se do célebre rol da ANS, que a Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, criadora da ANS, designa como referência básica em matéria de coberturas:

Art. 4º. Compete à ANS:

(...)

III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades;

A partir disso tudo, o conceito de referência básica significa que o rol da ANS precisa prever, minimamente, tratamentos para todos os itens da CID. Por outras palavras, um rol que não preveja tratamento para algum dos itens da CID não será básico; será, em vez disso, uma listagem insuficiente e aquém do legalmente exigido. Será, em suma, um rol que se ressente ilegalmente de omissões. Explicam Maria Stella Gregori e Maria T. Carolina de Souza Gouveia4:

Por procedimentos e eventos em saúde deve-se entender, além das intervenções relativas ao parto, as internações e o uso ou manejo de meios e técnicas destinadas a diagnóstico ou terapêutica para males e afeções, com vistas a prevenir, curar ou controlar patologias, ou, ao menos, minimizar seus sintomas.

(...)

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS é, portanto, a referência normativa para a garantia de cobertura assistencial aos beneficiários dos planos de assistência à saúde, com vistas a, além do parto, fazer frente às necessidades de diagnóstico e tratamento de todas as doenças, lesões e agravos em saúde catalogados na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial da Saúde – CID, conforme disposto no art. 10. da Lei nº 9.656, de 1998.

Essa leitura sobre a relação entre a CID e as coberturas mínimas também tem a confirmação do STJ. A esse propósito, vale transcrever trecho do acórdão da 4ª Turma no recurso especial (REsp.) nº 1.733.013/PR5, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2019:

2. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10. da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID da Organização Mundial da Saúde.

Entretanto, nem sempre as coberturas previstas no rol da ANS atendem às necessidades dos beneficiários de planos de saúde, seja porque ele não contempla tratamentos para todos os itens da CID (incompletude), seja porque ele contempla tratamentos que não são os mais apropriados para o beneficiário conforme a prescrição realizada pelo profissional da saúde (inadequação ou alguma outra razão).

A nosso ver, é por causa dessas imperfeições do sistema de coberturas da saúde suplementar – imperfeições caracterizadas pela incompletude ou inadequação do rol da ANS, até então a única fonte regulamentar legítima de coberturas – que o tema sempre se vê discutido na Justiça. A esse respeito, analisaremos adiante o polêmico julgamento do STJ acerca da taxatividade do rol, a Lei nº 14.454/2022 (introdutora de substanciais inovações sobre a Lei nº 9.656/1998) e o posicionamento do STF até este momento.


3. As coberturas extrarrol conforme a tese do STJ sobre a taxatividade do rol da ANS

Nas duas recentes decisões sobre a taxatividade do rol da ANS, proferidas antes da edição da Lei nº 14.454/2022, o STJ apontou critérios para que houvesse cobertura extrarrol. Trata-se dos acórdãos de 08/06/2022 relatados pelo ministro Luis Felipe Salomão, da 2ª Seção daquela corte, nos embargos de divergência em recurso especial (EREsp.) nº 1.889.704/SP6 e nº 1.886.929/SP7.

Da forma como decidiu o STJ, as coberturas adicionais às do rol da ANS poderiam ser caracterizadas nas hipóteses do tópico nº 4 do item 11 das ementas dos acórdãos, ambas com redações idênticas, como segue:

11. Cabem serem observados os seguintes parâmetros objetivos para admissão, em hipóteses excepcionais e restritas, da superação das limitações contidas no Rol: 1 - o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo; 2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista; 3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol; 4 – não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

E, assim, a tese firmada pelo STJ quanto à excepcional extrapolação do rol da ANS para coberturas dos planos de saúde resultou nos termos do mesmo tópico nº 4, acima.

Todavia, não se trata de decisões vinculantes aos demais órgãos do Judiciário, nem tampouco de decisões com eficácia erga omnes ou para além das partes daqueles processos, não havendo, portanto, eficácia obrigacional para a ANS, para as operadoras ou para o público dos beneficiários.

A nosso ver, o valor da decisão foi o de reafirmar a taxatividade do rol da ANS, o que é fundamental para a estabilidade da saúde suplementar no país. Porém, ao mesmo tempo, a decisão afirmou a necessidade de se reconhecerem coberturas extrarrol em condições excepcionais, naquelas situações em que o leque de coberturas do rol da ANS se mostre insuficiente. Alguns desses parâmetros foram, com maior ou menor adaptação, incorporados ao novel § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/1998 pela Lei nº 14.454/2022, que analisaremos adiante.

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4. A Lei nº 14.454/2022 e o rol da ANS reafirmado como referência básica: a taxatividade

A Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022, realizou significativas alterações na Lei nº 9.656/1998.

Para o implemento de tais alterações, porém, a nova Lei baseou-se numa regra importante: a da taxatividade do rol da ANS, isto é, a de que as coberturas básicas continuam a ser aquelas que o rol define. Respeitada essa regra, a nova Lei abriu as exceções necessárias a perfectibilizar o sistema legal de coberturas da saúde suplementar.

Eis o novo § 12 no art. 10 da Lei nº 9.656/1998, criado pela Lei nº 14.454/2022:

Art. 10. (...)

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde.

Não nos parece que esse novo § 12 possa ser interpretado como abolição da taxatividade do rol da ANS. Pelo contrário: o novo dispositivo afirma que o rol é a referência básica para os planos de saúde – expressão que, como já vimos, é empregada pela Lei nº 9.961/2000 há mais de 20 anos, o que significa que não se pode vislumbrar o fim da taxatividade a partir de uma mesma expressão utilizada pelo legislador há tanto tempo.

No mais, não nos causa estranheza alguma, no novo § 12, a previsão textual de aplicação indistinta aos planos ditos novos (os contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e os adaptados à Lei nº 9.656/1998), e não apenas aos planos que forem contratados a partir da vigência da Lei nº 14.454/2022. Isso porque normas de ordem pública como esta devem ter aplicação imediata, especialmente em matéria de obrigações de trato sucessivo. Citamos aqui, por analogia, o debate que houve, quando do advento do Código do Consumidor, sobre a aplicação deste diploma aos contratos de plano de saúde então já firmados8, tendo resultado majoritária a jurisprudência na linha de sua aplicabilidade. Veja-se, por exemplo, dentre os julgados que resultaram na edição do enunciado nº 608 da Súmula do STJ, o agravo regimental no agravo de instrumento (AgRg no Ag) nº 1.250.819-PR, da 3ª Turma, julgado em 04/05/2010, sob relatoria do Min. Massami Uyeda9:

Em verdade, o contrato de seguro de saúde é obrigação de trato sucessivo, que se renova ao longo do tempo e, portanto, se submete às normas supervenientes, especialmente às de ordem pública, a exemplo do CDC, o que não significa ofensa ao ato jurídico perfeito.

Assim, visto que o rol da ANS permanece taxativo, é nas demais novidades legais que está a matéria de interesse quanto ao tema das coberturas: as coberturas dos planos não se circunscrevem mais ao rol da ANS. Eis, aí, a síntese da inovação trazida pela Lei nº 14.454/2022, como veremos a seguir.


5. A aplicação simultânea do Código do Consumidor à da Lei nº 9.656/1998

No tocante às coberturas dos planos de saúde, a primeira inovação trazida pela Lei nº 14.454/2022 foi a modificação do art. 1º, caput, da Lei nº 9.656/1998, para passar a prever que o Código do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) tenha aplicação simultânea a esta, e não mais subsidiária, como até então previa seu art. 35-G10. Assim ficou a nova redação:

Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (...)

Ora: se o rol da ANS precisa abranger tratamento para todos os itens da CID, qualquer lacuna do rol poderá – e deverá, segundo pensamos – ser suprida pelo Código do Consumidor. Tendo em vista que a Lei nº 9.656/1998 ora alude aos planos de saúde como produtos, ora como serviços, entendemos que o Código do Consumidor soluciona em dois principais dispositivos a questão do vício caracterizado pela insuficiência de coberturas.

Primeiro, o art. 18 do Código do Consumidor trata dos vícios do produto. Nos termos do inciso III do § 6º, parece-nos evidente a impropriedade de um plano de saúde que não cubra todos os itens da CID, já que esse é seu fim, a pretexto de que o rol da ANS não os liste. Leia-se:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

(...)

§ 6°. São impróprios ao uso e consumo:

(...)

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Segundo, o art. 20 do Código do Consumidor trata dos vícios do serviço. A partir da leitura de seu § 2º, o que se espera do plano de saúde é a cobertura para os itens da CID, e não se trata de mera expectativa hominis, mas expectativa juris, porquanto prevista em texto expresso de lei, como já vimos. Isso significa que o plano de saúde não terá prestabilidade se não cobrir o que for preciso para o tratamento dos itens da CID, caso em que o beneficiário poderá contar com a proteção do Código do Consumidor. Leia-se:

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

(...)

§ 2°. São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.

Há diversas outras disposições do Código do Consumidor que podem ser invocadas para a solução da insuficiência do rol da ANS, mas os arts. 18 e 20, acima comentados, nos parecem as mais relevantes.

Conquanto seja uma inovação bastante relevante, o Código do Consumidor permanece como norma de alcance geral, e não como norma específica do segmento da saúde suplementar. Por isso, acreditamos que a pretensão a coberturas assistenciais pela via do Código do Consumidor continuará a ser uma derivada da construção de teses sobretudo no âmbito de ações judiciais e de procedimentos administrativos em órgãos de proteção do consumidor.

A nosso ver, é na segunda inovação trazida pela Lei nº 14.454/2022 que repousa o modo mais adequado de se suprirem as lacunas das coberturas em regra estabelecidas pelo rol da ANS, como veremos a seguir.

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Sobre o autor
Samuel Belluco Silveira Santos

Advogado em São Paulo, SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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