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Juizados de instrução e colaborador da Justiça:

esboço de proposta legislativa

19/08/2007 às 00:00
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Algumas autoridades, pela relevância das funções que ocupam, gozam do chamado "foro especial por prerrogativa de função", ou seja, são julgadas originariamente pelos Tribunais. A morosidade, nesses casos, está empiricamente comprovada. Os números divulgados pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) (O Estado de S. Paulo de 06.07.07, p. A7) são os seguintes: de 1988 a 2007 tramitaram no STF 130 ações penais (resultado: nenhuma condenação); no STJ: 333 ações, sendo 5 condenados (1,5%). O mais grave problema, entretanto, não reside na existência do "foro especial", sim, no mau funcionamento do Judiciário. O cerne dessa específica questão não está nas regras processuais, sim, no aspecto operacional (funcional). Daí a urgente necessidade de serem criados os Juizados de Instrução, combinando-os com a figura do colaborador da Justiça.

Uma proposta legislativa (um esboço, aliás) poderia ser traçada da seguinte maneira:

"Art. 1º. Os Juizados de Instrução, compostos por juízes ou desembargadores, atuarão junto aos Tribunais naturais nos casos de competência originária fixada em razão da prerrogativa da função.

Art. 2º. O juiz de instrução, escolhido em lista tríplice pelo Tribunal respectivo, será nomeado pelo seu Presidente.

Art. 3º. Compete ao juiz de instrução autorizar e presidir a investigação preliminar de todos os fatos imputados a quem goza de foro especial por prerrogativa de função, observando-se, no que couber, a Lei 8.038, de 28 de maio de 1990.

Art. 4º. Todas as pessoas que possam prestar esclarecimentos sobre os fatos investigados serão ouvidas sob contraditório e ampla defesa.

Art. 5º. Ao suspeito ou indiciado que colaborar voluntariamente com a investigação preliminar dos fatos, presidida pelo juiz de instrução, desde que contribua efetivamente para a identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime bem como para a recuperação total ou parcial do produto auferido e repare os danos causados, especialmente ao erário público, será concedido perdão judicial ou redução de pena.

Art. 6º. O juiz de instrução, depois do recebimento definitivo da peça acusatória, poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, conceder perdão judicial ao acusado, extinguindo-se a punibilidade, quando comprovada a efetividade da colaboração.

Parágrafo único. Para a concessão do perdão judicial serão levadas em conta a personalidade e a conduta post-factum do colaborador, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão do fato.

Art. 7º. Não concedido o perdão judicial, o processo será remetido ao Tribunal competente que observará a máxima oralidade possível, podendo ser ratificados os depoimentos, declarações ou esclarecimentos prestados contraditoriamente perante o juiz de instrução.

Art. 8º. No caso de condenação pelo Tribunal competente, será a pena reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), desde que durante o processo fique comprovada ou ratificada a efetividade da colaboração do acusado, nos termos do art. 5º desta Lei.

Parágrafo único. Para a diminuição da pena serão levadas em conta a personalidade e a conduta post-factum do colaborador, a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão do fato.

Art. 9º. O disposto no art. 5º desta Lei não se aplica aos delitos cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.

Art. 10. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, todas as medidas especiais de segurança e proteção à sua integridade física, nos termos da Lei 9.807/1999, considerando-se a ameaça ou coação eventual ou efetiva."

Eficiência e garantias devem ser os dois vetores que demarcam o funcionamento da Justiça criminal moderna. Se os Tribunais não contam com estrutura para a instrução dos processos originários, parece muito acertada a criação do Juizado de Instrução. O juiz ou desembargador que o compõe presidirá toda instrução, atuando em conjunto com o Ministério Público e todos os demais órgãos públicos que possam contribuir para a elucidação dos fatos.

Um outro ponto importante para se alcançar esse desideratum constitui a figura do colaborador da Justiça. Quem colabora com a Justiça, com eficácia, seja para a identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, seja alternativa ou concomitantemente para a recuperação total ou parcial do produto auferido e ainda repara os danos causados, especialmente ao erário público, deve ser merecedor de algum prêmio, que vai da redução da pena até o perdão judicial.

Não é desconhecido, no ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da colaboração, sobretudo por meio da delação premiada, que já conta com previsão em vários diplomas legais: lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), lei de proteção das vítimas e testemunhas (Lei 9.807/1999), lei do crime organizado (Lei 9.034/1995), lei de lavagem de capitais (Lei 9.613/1998) etc.

Cada texto legal faz as suas exigências. Mas não existe um regramento único e coerente para o colaborador da Justiça. O legislador brasileiro deveria cuidar disso urgentemente, levando em conta: prêmios proporcionais, veracidade nas informações prestadas, exigência de checagem minuciosa dessa veracidade, eficácia prática da colaboração e delação, segurança e proteção para o colaborador e, eventualmente, sua família, possibilidade de colaboração inclusive após a sentença de primeiro grau, aliás, até mesmo após o trânsito em julgado, envolvimento do Ministério Público e da Magistratura no acordo de colaboração etc.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Juizados de instrução e colaborador da Justiça:: esboço de proposta legislativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1509, 19 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10294. Acesso em: 27 dez. 2024.

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