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O art. 3º da Lei do Crime Organizado e a imparcialidade do juiz criminal

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23/08/2007 às 00:00
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A lei do crime organizado criou uma nova faculdade para o juiz criminal, não prevista constitucionalmente: realizar diligências pessoalmente, quando ocorrer possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou pela lei.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1.BREVE ESCORÇO SOBRE OS SISTEMAS ACUSATÓRIO E INQUISITORIAL; 1.1.Conceitos; 2. O ART. 3º, DA LEI 9.034/95; 3. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, A ADI-1570 E O ART. 3º DA LEI 9034/95; CONCLUSÃO SISTEMATIZADA; BIBLIOGRAFIA


INTRODUÇÃO.

Cuidaremos, aqui, de tema delicado, e que muitas vezes passa despercebido pela doutrina e jurisprudência pátrias, qual seja, a questão referente ao art. 3º, da Lei 9.034, de 3 de maio de 1995, no ponto em que concede poderes ao Juiz Criminal de realizar diligências, lavrar auto circunstanciado, relatando as experiências colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória.

Atentos para os novos paradigmas do Direito Penal, cuja inauguração em nosso ordenamento em muito se deve à Constituição Federal de 1988, pensamos haver extrema necessidade de uma revisitação desse artigo de lei, quiçá um estudo mais aprofundado sobre o mesmo, a fim de decidir, inclusive, se existe lugar, no plano de um sistema acusatório, constitucionalmente definido, para disposições como tais.

Como cediço, embora se defenda, classicamente, que o Juiz criminal, no seu mister de decidir sobre a liberdade ou cárcere de determinado indivíduo, deve ser imparcial, e levar em consideração apenas os elementos concretos, sem juízos de valor, quaisquer que sejam, uma pergunta se faz: será possível manter tal imparcialidade?

De fato, a resposta parece óbvia. Ademais, a questão não se encerra simplesmente em si mesma, mas traz consigo uma necessidade de valorizar o sistema acusatório, excluindo da processualística penal qualquer figura relacionada ao vestuto juiz inquisidor.

No mais, o relevante é não olvidar da necessidade premente de se aplicar o Direito sempre sob uma ótica garantista, buscando afinar a ciência com os ditames da nova ordem constitucional, e tentando abrir essa "caixa de pandora" que se tornou a ciência jurídica penal para a nova realidade do mundo.


1. BREVE ESCORÇO SOBRE OS SISTEMAS ACUSATÓRIO E INQUISITORIAL.

1.1. Conceitos.

O processo penal persecutório visa apurar a responsabilidade de uma pessoa face à ordem jurídico-constitucional, em face de uma conduta que se alega tenha violado um dos bem jurídicos da sociedade.

Tal persecução pode se realizar das mais diversas formas e com os mais variados atores.

Dá-se o nome de sistema inquisitorial àquelas formas de persecução em que alguns atores concentram, em si mesmos, mais de uma função no procedimento. Seria a hipótese de o Juiz, além de sua função típica de julgar, congregar a responsabilidade de investigar o fato delituoso.

À prima facie, denota-se que tal sistema vai de encontro ao nosso atual sistema constitucional, uma vez que existe delimitação expressa de funções e vedações.

O sistema acusatório, por sua vez, seria o que guarda maior consonância com a Constituição Federal, pois prevê a rígida separação de atribuições entre os atores envolvidos na persecução penal.

Ou melhor, no dizer de Salo de Carvalho, o modelo acusatório é caracterizado

pelo posicionamento passivo do juiz enquanto sujeito processual, tanto no que concerne à iniciativa da ação quanto à gestão da prova. Está rigidamente separado das partes (imparcialidade), principalmente do órgão acusador. A peça vestibular compete exclusivamente à acusação, e a produção probatória cabe tão-somente à acusação e à defesa. Neste juízo oral e público, a decisão está restrita ao juiz segundo seu livre convencimento – impossível, portanto, sua manifestação para abertura do processo e a investigação ex officio. A radical separação entre juiz e acusação é o mais importante de todos os elementos do modelo acusatório. [01]

Sob esta égide, o magistrado apenas se preocupa em julgar, mantendo seu distanciamento inefável entre as partes e, por conseguinte, permanecendo imparcial. Colocando na fronte da racionalidade a Constituição Federal, percebe-se que o mesmo não pode nem deve partir espontaneamente para colheita de provas, uma vez que se trata de atribuição exclusiva da polícia judiciária.

Vejamos o que dita a Constituição Federal de 1988 sobre o assunto:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

(...)

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Com se percebe, o sistema acusatório se coaduna muito melhor com a sistemática constitucional vigente, uma vez que existe rígida separação de poderes entre os órgãos integrantes do Estado, inclusive como forma de combater o mau uso do poder e o autoritarismo.

Já é senso comum, inclusive com muitos exemplos na política nacional, que a concentração de poder corrompe, não somente pela fraqueza de valores dos seus detentores, mas muito mais por um imperativo da condição humana, psicologicamente explicável.

O sistema acusatório, com sua rígida separação de funções, presta importante serviço para democracia. Neste sentido, as palavras de Geraldo Prado:

O processo penal não pode fugir, na essência, à estrutura do Estado e da sociedade onde está fadado a atuar.(...) A estrutura democrática se contrapõe à forma autoritária de Estado, de sorte que em um processo penal democrático as funções acabam distribuídas entre órgãos distintos obedecendo está mesma lógica. [02]

A Constituição Federal não diz expressamente, nem precisaria dizer, que adotou o sistema acusatório. Esta constatação deriva da própria análise sistemática de seus princípios. Sobre o tema, assim se manifestou o Prof. Álvaro Mayrink:

A Carta não precisaria expressamente dizer: "Adotamos o sistema acusatório". Bastaria por quê? Porque os princípios elencados na Carta de 1988 são claros e transparentes para que qualquer novel estudante de direito possa saber que ela adotou o sistema acusatório. Se abrirmos nosso velho e ultrapassado Código de Processo Penal, observaremos, no art. 129, inc. I, da Constituição Republicana, quando trata das funções institucionais do Ministério Público, que cabe a ele, privativamente, promover ação penal de iniciativa pública. [03]

Portanto, como decorrência do sistema acusatório, o Juiz deve se colocar em posição exterior às partes, vale dizer, o litígio se desenvolverá de forma alheia ao magistrado e ele nunca pode se envolver naquele nível para interferir, pena de desequilibrar a balança e tornar-se suspeito. Em suma, deve ser um terzietá (terceiro estranho às partes), qualquer disposição infraconstitucional que venha de encontro a isto deverá ser rechaçada do ordenamento jurídico.


2. O ART. 3º, DA LEI 9.034/95.

Como alvo principal deste estudo, e fazendo um paralelo com o sistema acusatório e inquisitorial, nos deparamos com o art. 3º, da Lei 9.034, de 3 de maio de 1995, também conhecida como "lei do crime organizado". Sua epígrafe assim versa: "Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas."

O texto do art. 3º, da sobredita lei, tem o seguinte teor:

CAPÍTULO II

Da Preservação do Sigilo Constitucional

Art.3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

§ 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.

§ 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.

§ 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos caso de divulgação.

§ 4º Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.

§ 5º Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça.

Portanto, é inegável que a lei criou uma nova faculdade para o Juiz Criminal, não compreendida entre suas atribuições constitucionais, qual seja, a de realizar diligências pessoalmente, quando ocorrer possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou pela lei.

Houve por bem, também, permitir a lavratura de auto circunstanciado da diligência, com posterior relatório das informações colhidas oralmente, procedendo-se à juntada de cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória.

Do cotejo entre a nomenclatura do capítulo (da preservação do sigilo constitucional) e o caput do art. 3º, depreende-se que a intenção do legislador ordinário não foi franquear, indiscriminadamente, a investigação criminal nas mãos do magistrado. Ao que parece, a mens legislatoris foi a de preservar o sigilo constitucional dos dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.

Entendeu-se que a concentração dos atos inquisitoriais nas mãos de uma única pessoa colaboraria para a manutenção da privacidade das informações coletadas. A previsão de que o auto de diligência deverá ser conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, colabora para confirmar isso.

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Contudo, o equívoco parece ter incidido ao apontar "aquele" que receberia o supracitado encargo.

De fato, ao magistrado, cabe apenas e tão-somente o ofício de julgar. Dizemos isso, de forma tão categórica, tendo em vista sua submissão ao princípio da imparcialidade.

A contaminação do juízo decisório pelas provas que o mesmo se encarregou de trazer aos autos, no caso do art. 3º, é muito evidente.

Repare-se que o §2º determina que o juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória. Ou seja, em última análise, o primeiro ator processual que determinará se a prova colhida tem relevância suficiente para ingressar nos autos será aquele a quem caberia valorá-la, em posterior juízo decisório.

Pergunta-se: como seria possível impugnar a licitude ou legitimidade de uma prova, dado que a impugnação será julgada pela mesma pessoa que produziu o documento? Acatando, por hipótese, a impugnação, o próprio magistrado estaria atestando seu desrespeito às leis da República. É o risco inevitável da concentração de funções em um mesmo órgão: a quebra da imparcialidade.

Ademais, o que dizer diante de contraprova suficiente para elidir a convicção formada pelos documentos carreados pelo juiz, em sua diligência? O mesmo possuiria isenção suficiente para admitir que "sua" prova foi superada, em termos de convicção, por outra mais específica produzida pelas partes?

Por fim, a quem incumbe a fiscalização dos atos investigatórios levados à cabo pelo próprio juízo?

Como se pode notar, a inconstitucionalidade é flagrante.

Partindo da mesma premissa, o Prof. Rômulo Moreira tece os seguintes comentários:

Vê-se, portanto, que se permitiu uma perigosa e desaconselhável investigação criminal levada a cabo diretamente pelo Juiz. Não é possível tal disposição em um sistema jurídico acusatório, pois que lembra o velho e pernicioso sistema inquisitivo caracterizado, como diz Ferrajoli, por "una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad", ou seja, este sistema "confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga". [04]

E continua o preclaro mestre:

É evidente que o dispositivo é teratológico, pois não se pode admitir que uma mesma pessoa (o Juiz), ainda que ungido pelos deuses, possa avaliar como "necessário um ato de instrução e ao mesmo tempo valore a sua legalidade. São logicamente incompatíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar nas mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração da justiça. (...) Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual. É inegável que ‘o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor’".

Esta nos parece ser a posição majoritária na doutrina.

Reforçando o entendimento, colacionamos o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci, comentando o afamado artigo:

Não há viabilidade constitucional para viabilizar a figura do Juiz inquisidor, aquele que busca pessoalmente a prova, realizando diligências, em rigoroso segredo de justiça, guardando consigo o que colheu e somente exibindo os documentos às partes na sua presença. [05]

De fato, é inegável que disposições deste teor violam o princípio do juízo natural, preconizado no art. 5º, incisos LIII e XXXVII, da CF, reforçado pela necessária imparcialidade do juiz como direito universalmente reconhecido (art. 10, da Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos).


3. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, A ADI-1570 E O ART. 3º, DA LEI 9034/95.

Em 12 de fevereiro de 2004, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, deu provimento parcial à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1570), ajuizada pelo Procurador-Geral da República, declarando a inconstitucionalidade do art. 3º, na parte que se refere à quebra dos sigilos fiscal e eleitoral.

Eis a ementa do r. acórdão:

EMENTA:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte.

O voto do Min. Relator Maurício Corrêa expressou o entendimento de que o dispositivo impugnado confere ao Juiz competência para diligenciar, pessoalmente, a obtenção de provas pertinentes à persecução penal de atos de organizações criminosas, o que, de fato, gera uma relação de causa e efeito entre as provas coligidas contra o suposto autor do crime e a decisão a ser proferida pelo mesmo. Afirmou-se, ainda, que ninguém pode negar que o magistrado, pelo simples fato de ser humano, após realizar pessoalmente as diligências, fique envolvido psicologicamente com a causa, contaminando sua imparcialidade.

Em verdade, tal voto muito representou na busca da imparcialidade do Juiz Criminal e na reafirmação de um sistema verdadeiramente acusatório.

Entretanto, como foi dito, a ação foi surpreendentemente julgada procedente "em parte", somente extirpando da aplicabilidade do dispositivo as atuações que envolvessem o sigilo fiscal e eleitoral. Tudo isto unicamente por razões de conflito com a Lei Complementar 105/01, que, por possuir hierarquia superior à lei ordinária 9.034/95 e ser-lhe posterior, teria revogado implicitamente as questões envolvendo os sigilos fiscal e eleitoral, além de estabelecer disciplina diversa.

É desnecessário dizer que o Pretório Excelso deixou passar por entre os dedos uma excelente oportunidade de dar maior efetividade ao entendimento consubstanciado no voto do Exmo. Relator, o que geraria um reforço surpreendente ao princípio da imparcialidade do juiz criminal.

Haveria possibilidade jurídica para a exclusão total da norma consubstanciada no art. 3º, pois as bases ideológicas para tanto já estavam lançadas.

Infelizmente, a ação não foi julgada totalmente procedente e ainda remanesce, em nosso ordenamento, o art. 3º, pelo menos na parte em que não diz respeito aos sigilos fiscais e eleitorais.

No entanto, existe certo entendimento na doutrina de que houve revogação total do dispositivo. Desta opinião, partilha Guilherme de Souza Nucci:

Isto significa que o pedido não estaria prejudicado quanto aos mencionados sigilos bancário e financeiro. Em conclusão, no entanto, com equívoco ou sem ele, pode-se deduzir não mais estar em vigor o art. 3° da lei 9.034/95. [06]

A divergência no julgamento da ação pertenceu, em parte, ao Ministro Nelson Jobim, que se manifestou da seguinte forma:

Todavia, não encaro de forma ortodoxa essa posição. Nesta Casa, recentemente, citei exemplo, formulado comumente pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence: se amanhã o Ministério Público receber uma carta com documentos, contendo uma acusação que possibilite a instauração de ação penal, ele o faz, dispensando o inquérito. Mais: se é procurado em seu gabinete por um cidadão com uma denúncia, ele não pode tomar o seu depoimento? É claro que pode. Seria desarrazoado o entendimento sustentando o contrário. O que o Ministério Público não pode fazer é baixar portaria e instaurar inquérito policial, que isto é da competência da polícia, está na Constituição. Quero dizer mais: o fato de ser da polícia a atividade principal da investigação não significa que não poderia o juiz, em caráter excepcional, realizar uma diligência. Como juiz de primeiro grau, fiz muitas inspeções, que foram relevantes na busca da verdade material.

Com todas as vênias e respeito ao entendimento do Insigne Ministro, a atuação investigatória do Ministério Público é carregada de matizes totalmente diferentes quando se atribui o mesmo poder ao magistrado. A colisão de funções é muito mais perniciosa e grave nesta hipótese do que naquela.

Quer-se dizer: as funções de investigar e acusar podem coexistir, dado que, em certo casos, existe, entre ambas, certa complementaridade. O mesmo não se pode dizer da função de julgar, que é ofício naturalmente solitário.

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Sobre o autor
Danilo Von Beckerath Modesto

advogado em Salvador (BA), pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal, professor do curso IBES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MODESTO, Danilo Von Beckerath. O art. 3º da Lei do Crime Organizado e a imparcialidade do juiz criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1513, 23 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10307. Acesso em: 28 mar. 2024.

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