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É legal a suspensão do gozo de férias do servidor acusado enquanto pendente a instrução do processo administrativo disciplinar?

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Problema recorrente na praxe da Administração Pública repousa na discussão em torno da legalidade da suspensão do gozo de férias do servidor acusado enquanto pendente a instrução do processo administrativo disciplinar.

Em certas condições, não se pode considerar ilegal o ato que posterga o gozo de períodos de férias e de licença-prêmio de noventa dias por servidor que responde a processo administrativo disciplinar ainda inconcluso, visto que os benefícios em apreço têm seu período concessivo vinculado à conveniência administrativa.

É o quanto enuncia a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Os direitos dos servidores, relativamente a períodos de férias, licenças, etc., podem ser determinados, seu gozo e uso, a critério da Administração, conforme sua conveniência e interesse. Dessa forma, o ato atacado, que suspendeu a concessão do gozo de férias-prêmio por necessidade do serviço e racionalização de custeio, não fere direito, muito menos líquido e certo, dos servidores que já possuem o tempo de serviço necessário para usufruir de tal benefício [01].

O STJ reiterou: "A suspensão temporária do gozo das férias-prêmio, por conveniência do Administrador, não configura violação a direito líquido e certo dos beneficiários". [02]

A Procuradoria-Geral do Distrito Federal assentou em parecer de nossa autoria acerca de requerimento de servidor acusado em processo administrativo disciplinar, ainda em fase de instrução, quanto ao gozo de férias e períodos de licença-prêmio:

Doutrina e jurisprudência entendem que o usufruto de férias e de licença-prêmio, conquanto direito reconhecido no estatuto funcional dos servidores públicos, deverá obedecer à conveniência administrativa quanto à data de concessão. No caso dos autos, render-se-á ensejo ao deferimento tão-logo concluídas as atividades processuais, porque o feito será objeto de novos atos instrutórios, que requerem a intervenção do processado como condição de validade, pois que imperativa a observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, com a participação do interessado nos trabalhos do colegiado.

Também o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios julgou: "Não se pode falar em direito líquido e certo dos servidores para o parcelamento das férias, cujo período de fruição depende do juízo de oportunidade e conveniência da Administração". [03]

Diógenes Gasparini, depois de asseverar que as férias são gozadas no ano seguinte (período de gozo) ao da aquisição do direito (período de aquisição), salienta que o desfrute delas se dá "segundo as conveniências e interesses da Administração". [04]

Comentando sobre as licenças e o dever do Estado de concedê-las quando presentes as hipóteses legais, Themístocles Brandão Cavalcanti ensina: "Este dever não lhe tira, porém, a faculdade de prefixar os limites de prazo e negar a concessão da licença, quando assim o exigir a conveniência da Administração". [05]

Edmir Neto de Araújo leciona que as férias podem mesmo ser interrompidas, por força de "superior interesse público". [06]

O art. 6º, XLIV, da Lei Complementar distrital 395/2001 (Lei de Organização da Procuradoria-Geral do DF), confere ao Procurador-Geral do Distrito Federal competência para sustar o gozo de férias de Procurador por caso de excepcional necessidade e interesse do serviço. Se pode legalmente sustar, ato mais grave porque praticado após o início de respectivo desfrute das férias já deferidas, pode temporariamente indeferir o gozo por imperativos de interesse público, consistentes na instrução contraditória do processo disciplinar a que responde o servidor. Quem pode o mais, pode o menos.

Por isso que não se pode inquinar de ilegalidade a recomendação do colegiado processante para que seja suspenso o afastamento do servidor das funções e da sede do órgão, a título de férias ou licença-prêmio, enquanto reclamado pela instrução do processo administrativo disciplinar.

É que, na verdade, a instauração de processo administrativo disciplinar constitui uma relação jurídica que implica a prática de uma série de atos preliminares e a observância de formalidades, que devem preceder a edição do ato administrativo final de julgamento: impõe-se assegurar a participação do acusado, que goza, dentre outras, das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, Carta de 1988; art. 153, L. 8.112/90), em função das quais tem o direito de ser intimado dos atos processuais pelo colegiado, de ser interrogado, de propor provas (arts. 156, caput; 159, caput, L. 8.112/90), sob pena de possível anulação do procedimento, se unilateralmente processado pela Administração Pública, sem a intervenção do processado.

Daí que o afastamento do servidor da sede do órgão, a título de férias ou de licença-prêmio de 90 dias, pode representar a impossibilidade de prosseguimento do processo administrativo disciplinar, porquanto a comissão processante deverá notificar o acusado desde o início dos trabalhos e, desde então, atuar em regime de contraditório, o que seria inviável se o processado não mais estivesse à disposição do órgão (porque em gozo de direitos de férias ou de licença-prêmio) ou viajasse para outros Estados ou mesmo para o exterior, atrasando o desfecho do feito, o que mais ainda se justifica em face da jurisprudência consagrada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça de que, após decorridos 140 dias da sua instauração (que interrompe a contagem do prazo prescricional do direito de punir da Administração Pública), a prescrição torna a correr, sem mais possibilidade de interrupção a qualquer título (nem mesmo com a designação de novos trios disciplinares), ainda mais em caso de sindicância punitiva, cujo prazo de processamento e decisão é, no máximo de oitenta dias, sendo o prazo para punição de cento e oitenta dias no caso da advertência (art. 142, III, L. 8.112/90).

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Por essa razão que o afastamento do servidor pode redundar, amanhã, no impedimento do poder sancionatório do Estado, por causa da superveniência da prescrição da pretensão punitiva da Administração.

Em face, pois, do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, também diante do disposto na Lei Geral de Processo administrativo da União (Lei Federal 9.784/99), em cujos termos prescrito que é dever do administrado prestar as informações que lhe foram solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos (art. 4º, IV), ao mesmo tempo que consagra a obrigação do órgão processante de proceder, de ofício, às atividades de instrução e de comprovar os dados necessários à tomada de decisão (art. 29, caput), no que se inclui a segurança da marcha processual regular e conclusão das diligências e atos outros, pode, temporariamente, não convir ao interesse público, pertinente à solução definitiva e julgamento do processo, ensejar-se a interrupção do feito punitivo, para gozo de afastamentos de trinta a cento e vinte dias, ou mais, do servidor acusado.

Além disso, os direitos a férias e ao gozo de licença-prêmio não são desconstituídos pela Administração Pública, apenas se mantém o entendimento pacificado de que o período concessivo exato deve ter em conta o interesse público e ostenta natureza da alçada discricionária do administrador competente, segundo a conveniência e o interesse da Administração Pública.

Tão logo encerradas as atividades instrutórias e todos mais atos que dependam da intervenção do funcionário processado, poderão ser-lhe deferidos os pleitos, mas não enquanto se impõe a sua participação como requisito de validade processual e de curso regular do processo administrativo disciplinar.

É não somente de conveniência e interesse da Administração Pública, mas ainda seu inafastável dever, proceder à instrução e ao julgamento mais rápido possível do processo administrativo disciplinar, por exigência do princípio da segurança jurídica, motivo por que, apesar de representar um reconhecido transtorno temporário para o servidor acusado, a suspensão de férias e licença-prêmio são providências reclamadas pelo interesse público, tendente a assegurar a marcha regular da instrução, da eventual indiciação e da defesa do funcionário, o qual, após, poderá requerer e ter examinado o seu pleito de gozo dos direitos com previsão no estatuto funcional.


Notas

01 RMS 8613/MG, 5ª Turma, relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 25.02.1998, p. 94, votação unânime)

02 RMS 8659/MG, relator o Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJ de 04.08.2003, p. 422, votação unânime.

03 Apelação Cível 1998.01.1.0011454, relatora a Desembargadora Maria Beatriz Parrilha, DJU de 1º.12.1999, p. 16, votação unânime.

04 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 5ª. ed. rev. atual. e aument., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 197.

05 Curso de Direito Administrativo, p. 407.

06 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 347.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. É legal a suspensão do gozo de férias do servidor acusado enquanto pendente a instrução do processo administrativo disciplinar?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1514, 24 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10315. Acesso em: 18 nov. 2024.

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