Problema que merece melhor abordagem concerne ao problema do direito de aposentadoria voluntária do servidor acusado em processo administrativo disciplinar.
A Lei 8.112/90 reza que o servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada (art. 172, caput).
O Estatuto do Funcionalismo Federal ainda capitula que, na hipótese de o servidor ter sido exonerado de ofício, em virtude de reprovação em estágio probatório, a exoneração poderá ser convertida em demissão (art. 34, par. único, I, c.c. art. 172, par. único, L. 8.112/1990).
José Cretella Júnior pontua:
"Se a Administração descobre a falta administrativa e ordena a abertura de sindicância ou de processo administrativo, o funcionário não tem direito líquido e certo de exonerar-se, o que somente ocorrerá se for absolvido no processo administrativo ou se a sindicância for arquivada." [01]
O preceito do art. 172, caput, da L. 8.112/90, colima evitar que o servidor acusado em processo administrativo disciplinar possa manejar um pedido de exoneração como meio de se furtar ao exercício do poder de punir da Administração Pública.
Enquanto pendente o prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar, o servidor acusado não pode, com efeito, requerer sua aposentadoria voluntária.
Tanto assim que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região recusou o direito de aposentadoria voluntária formulado por servidor acusado em processo administrativo disciplinar trinta e três dias após a instauração do feito, portanto ainda na pendência do prazo legal de 140 dias para conclusão do feito: "Se o apelante estava respondendo ao processo disciplinar, instaurado em 05.04.1990, não poderia obter aposentadoria em 07.05.1990." [02]
Não obstante, a exegese do dispostivo em comento não pode implicar que o servidor público permaneça, ad eternum, impedido de requerer o benefício da aposentadoria voluntária, enquanto não for concluído o processo administrativo disciplinar, o qual não se admite se arraste por anos a fio, indefinidamente, submetendo o funcionário a ônus injusto e decorrente da leniência e morosidade atribuídas à própria Administração Pública, que não se esmerou em encerrar o feito no seu devido tempo.
Ora, não é debalde que existe um prazo máximo para conclusão do processo administrativo disciplinar, expressamente fixado em 140 dias (120 dias para a instrução e 20 dias para julgamento: arts. 152, caput, e 167, caput, L. 8.112/90). Não se poderia, portanto, conceber que esse lapso temporal definido pudesse ser ignorado pela Administração Pública e em prejuízo de direitos do acusado.
O efeito reconhecido do decurso do prazo máximo de término do processo administrativo disciplinar, sem conclusão, é de a interrupção da prescrição cessar seus efeitos, permitindo a retomada do fluxo do prazo sem possibilidade de novo efeito interruptivo, ainda que designadas novas comissões processantes ou renomeado o trio originário.
Outra conseqüência derivada da extrapolação do prazo para conclusão do feito disciplinar, sem solução final, é permitir a aposentadoria a pedido do servidor acusado, cessando os efeitos do art. 172, caput, da L. 8.112/90, quanto à vedação que estipula, a qual somente pode ser admitida, ante o princípio da razoabilidade, durante o tempo máximo para encerramento do feito disciplinar.
A possibilidade de aposentadoria voluntária do servidor que ainda responde a processo disciplinar, uma vez ultrapassado o prazo máximo para conclusão do feito sem solução final, não tolhe o exercício do poder punitivo da Administração Pública, na medida em que o funcionário beneficiado com a inatividade remunerada pode ser punido com a cassação de aposentadoria pelo cometimento de falta funcional cometida na atividade. A distinção será apenas pelo fato de que, em vez de demissão direta, primeiramente deverá ser cassado o direito de aposentação para posterior imposição da medida sancionadora demissória.
Tem sido essa a exegese dominante nos Tribunais pátrios. Conquanto o Superior Tribunal de Justiça tenha sublinhado que o acusado em processo administrativo disciplinar não pode, efetivamente, ser exonerado a pedido antes da conclusão do feito, [03] a Corte Superior decidiu que deveria ser deferido o pedido de aposentadoria voluntária de servidor público que respondia a processo administrativo disciplinar que já perdurava por onze anos sem julgamento. [04]
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região assentou que a demora excessiva da Administração Pública para julgar o processo administrativo disciplinar pode implicar o deferimento do direito à aposentadoria voluntária, ainda na vigência do feito punitivo inconcluso, se já expirado o prazo legal de conclusão:
Embora o art. 172 da Lei n. 8.112/90 estabeleça que ‘o servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da pena, acaso aplicada’, os arts. 152, caput, e 167 do mesmo diploma legal determinam prazos para conclusão e julgamento do processo disciplinar. Não é razoável que o agravante espere tanto tempo pela decisão final em processo administrativo disciplinar, se já somou o tempo de serviço necessário para o benefício de aposentadoria. [05]
O TRF 2ª Região ainda firmou:
É certo que o art. 172, da Lei n. 8.112/90, é medida cautelar que visa a proteger os interesses da Administração Pública, impossibilitando que o servidor, mediante a aposentadoria voluntária, venha a evitar as apurações administrativas e furtar-se do resultado do processo disciplinar. Em contrapartida, inolvide-se que não é justo o servidor ficar eternamente aguardando a proferição de uma decisão final para que seu pedido de aposentadoria voluntária possa ser apreciado e deferido, se já implementou o tempo de serviço previsto no art. 40, §1º, III, a, da CF/88, porquanto o legislador estipulou o prazo de 140 (cento e quarenta) dias para conclusão e julgamento do processo disciplinar, garantindo, contudo, à Administração o direito de cassar o benefício em razão do resultado do processo administrativo, a teor do art. 134, da Lei n. 8.112/90. Afigura-se, portanto, ilegal o ato que sobrestou, com base no art. 172, da Lei n. 8.112/90, pedido de aposentadoria voluntária formulado por servidor envolvido em processos administrativos disciplinares pendentes de conclusão há mais de 140 (cento e quarenta) dias, principalmente se o requerente já completou o tempo de serviço necessário à percepção do benefício. Caso venha a ser proferida decisão pela demissão do servidor, poderá a Administração Pública, tendo em vista seu poder de autotutela, cassar a aposentadoria daquele, a teor do art. 134, da Lei n. 8.112/90.
A seu turno, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região asseverou: "A suspensão do pedido de aposentadoria voluntária apenas se faz possível, enquanto não esgotado o prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar. Inteligência dos artigos 152 e 167 do Estatuto do Servidor." [06]
O TRF 4ª Região corroborou:
A aplicação isolada do art. 172 da Lei n. 8.112/90 pode encerrar injustiça, razão pela qual é recomendável uma exegese sistemática que leve em consideração também os artigos 152 e 167 do mesmo diploma legislativo, os quais estipulam, respectivamente, um prazo de 60 (sessenta) dias, prorrogável por igual período, para a conclusão do processo administrativo disciplinar, e um prazo de 20 (vinte) dias para o julgamento, totalizando 140 (cento e quarenta) dias. Extrapolada tal limitação temporal, surge, sem dúvida, uma abusiva restrição ao exercício de um direito já plenamente incorporado ao patrimônio jurídico do seu titular, na medida em que o expõe a uma situação de contingência acerca do prazo em que será possível o gozo do benefício previdenciário. Abstraindo-se a questão da existência do direito adquirido, imunizando todos os aspectos do benefício contra a retroatividade da legislação superveniente, é curial que não seja tolhido o desfrute imediato do benefício previdenciário mercê da evocação de incidência, no caso em tela, do preceito contido no art. 172 da Lei n. 8.112/90, sob pena de a agravante ser compelida a permanecer na ativa sine die, aguardando sem causa justificável o termo do processo administrativo. [07]
Por isso que se conclui que o direito de aposentação voluntária do servidor público acusado somente perdura no prazo legal para conclusão e julgamento do processo administrativo disciplinar, após cujo decurso a Administração deve deferir o pedido do funcionário, reservando-se, todavia, a possibilidade de posterior cassação da inatividade remunerada, na hipótese de julgamento sancionador contra o processado.
Notas
01 JÚNIOR, José Cretella. Direito Administrativo: perguntas e respostas. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 193.
02 AC – Apelação Cível – 199701000242222, Processo: 199701000242222/BA, 2ª Turma, decisão de 18.10.2000, DJ de 29.03.2001, p. 273, relator o Desembargador federal Carlos Fernando Mathias.
03 "Uma vez submetido a inquérito administrativo, o servidor só poderá ser exonerado, a pedido, ou aposentado voluntariamente, depois da conclusão do processo, no qual tenha sido reconhecida sua inocência. (ROMS 11425/RS; DJ de 04.08.2003, p. 423, relator o Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma.
04 "Resulta ilegal o ato que indeferiu pedido de aposentadoria, por aplicação equivocada da disposição contida no art. 172 do estatuto dos servidores civis, na hipótese em que o processo disciplinar perdura por cerca de 11 anos, ainda pendente de conclusão." (RESP 371138/PR; DJ de 1º.07.2002, p. 419, relator o Ministro Vicente Leal, 6ª Turma.
05 AG – Agravo de Instrumento – 117836, Processo: 200302010107961/RJ, 1ª Turma, decisão de 04.11.2003, DJU de 15.07.2004, p. 119, relator o Desembargador federal Abel Gomes.
06 AC – Apelação Cível – 374906, Processo: 200004011258706/RS, Turma Especial, decisão de 07.07.2004, DJU de 12.08.2004, p. 772, relator o Desembargador federal Amaury Chaves de Athayde.
07 AG – Agravo de Instrumento, Processo: 200304010545816/PR, 3ª Turma, decisão de 16.03.2004, DJU de 28.04.2004, p. 691, relator o Desembargador federal Luiz Carlos de Castro Lugon.