Promoção da dignidade para as mulheres vítimas de violência dentro do processo judicial

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4. INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N° 14.321, DE 31 DE MARÇO DE 2022

A lei 14.321/2022 entrou em vigor em 01 de abril de 2022, sendo esta a primeira e única até agora a modificar a Lei de Abuso de Autoridade desde quando entrou em vigência no Brasil, acrescentando-se agora o artigo 15-A, a qual prevê o chamado crime de violência institucional, em que comina pena para este.

Sob esse viés, é válido destacar alguns dos aspectos da Lei nº 12.321/22. Dentre eles, os bens jurídicos que serão tutelados por ela, que são: a incolumidade psíquica, o respeito à honra e à integridade moral das vítimas e das testemunhas de crimes violentos.

Nesse sentido, vale salientar a tamanha importância que essa Lei vem a agregar nesse tipo penal, dado que tem como escopo proteger os direitos característicos à vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos que não serão submetidos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem necessidade a situação de violência ou outras situações de sofrimento ou estigmatização.

É de grande valia analisar que o artigo 15-A da Lei de Abuso de Autoridade não pune particulares que revitimizem vítimas ou testemunhas. Isso pois, em se tratando de um crime de abuso de autoridade, o sujeito ativo, na forma do artigo 2º da LAA, será qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e de território.

Desse modo, o envolvimento de terceiro (não servidor público ou autoridade) no crime do artigo 15-A é admitido pelo seu §1º, mas só em situações nas quais o responsável pelo ato de instrução policial ou judicial se omitir diante da revitimização e deixar de reprimir tal conduta.

Assim sendo, em regra, o crime em questão será praticado por juízes, membros do Ministério Público em geral, policiais civis e militares, peritos e, talvez, por defensores públicos, mas não por advogados. Melhor teria feito o legislador, se a conduta tivesse sido inserida no Código Penal entre os crimes contra a administração da Justiça.

Ademais, vale destacar aqui que a introdução dessa nova lei vem a contribuir de forma mais clara sobre o Direito Penal de 3ª via, aquela tendência moderna que lança um olhar singularizado para as vítimas das infrações penais, quebrando aquele velho olhar protetivo tão somente para os delinquentes da relação processual.

Pereira (2022) afirma que o Direito Penal não é instrumento posto tão somente para atender os interesses e caprichos do criminoso, chamando a atenção para o fato de já existirem vários setores da sociedade defendendo os interesses de delinquentes, lembrando que isso não ocorre com a mesma intensidade quando o interesse for da vítima:

Modernamente, se conhece o Direito Penal de 3ª Via, este fundado num olhar diferenciado para o reconhecimento do direito da vítima na relação processual, em especial, para lhe proporcionar a reparação dos danos causados pelo crime em sede de justiça criminal. É claro que o Direito penal não pode ser um instrumento posto à disposição tão somente para atender os interesses do réu, do criminoso, lembrando que ao criminoso já existem vários seguimentos sociais pleiteando a sua defesa, lamentavelmente, não existente na mesma intensidade quando se fala em proteger os interesses das vítimas, a nosso sentir sempre o mais relevante na relação processual. (Pereira, 2022, p.01)

Em suma, a Lei 14.321/2022 é mais um passo para a consolidação da proteção para a vítima no ordenamento jurídico brasileiro, e, principalmente, para garantir a efetivação da promoção da dignidade para as mulheres vítimas de violência dentro do processo judicial. Em que é elementar destacar a relevância da preservação das vítimas na seara processual, especialmente dentro do processo penal, visto que este possui grande interesse estatal e tutela bens essenciais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conformidade com o que foi explanado na presente pesquisa, ficou clara a grande abrangência que o princípio da dignidade da pessoa humana possui, em que este é considerado como um dos principais avanços que a Constituição Cidadã trouxe. E, é a partir deste que se confere a centralidade da legislação na pessoa humana, fator que confere eficácia e legalidade para esta, em busca de assegurar direitos para todos.

Com isso, passou-se a ser implementada uma visão voltada para a concretização deste princípio no ordenamento jurídico. Em consequência, o referido acabou por influenciar a seara processual, adentrando questões subjetivas e relativas a pessoa no interior das ações desenvolvidas pela área, ao passo que esta deverá estar sempre de acordo com o devido processo legal.

Ademais, o princípio em questão deverá ser considerado como um fator primordial para a resolução das problemáticas que versam sobre a violência contra a mulher, ao considerar esta questão como uma grande problemática que assola a sociedade brasileira, em que a proteção da dignidade e integridade da vítima deverá ocorrer de forma direta.

Tendo em vista os aspectos supracitados, compreende-se o fenômeno da revitimização no interior do processo, em que é visualizado um agravo na situação da mulher no interior do processo. No qual é vislumbrada a grave situação na qual as vítimas são submetidas a situações que ferem gravemente o seu íntimo, com situações de repetição de agressões, inércia dos agentes públicos para a resolução do processo agravo da sua situação psicológica.

É essencial o entendimento do instrumento processual como ferramenta utilizada para garantir de direitos, não de ser um agravante da situação. Entretanto, é evidente uma grande falha no âmbito do judiciário ao controlar as situações que ocorrem no interior da seara processual, em que corriqueiramente são expostas situações de revitimização feminina na luta por seus direitos.

Nesse contexto, constata-se a necessidade de urgente intervenção estatal para evitar a ocorrência de tais acontecimentos, bem como garantir o desenvolvimento do devido processo legal nos termos da legislação nacional. Assim, existem vias de promoção da dignidade no desenvolvimento do processo, em que estas estão previstas na forma da lei.

As formas de promoção da dignidade humana para as mulheres são várias, e se desenvolvem desde o primeiro momento de violência, a exemplo de ambiente especializado nesse tipo de situação para a resolução das questões. Assim, vislumbra-se uma situação de necessidade de estrito cumprimento dos preceitos legislativos, de forma direta.

No contexto em questão, compreende-se a necessidade de maiores estudos no âmbito em questão, bem como o entendimento de que os desvios no cumprimento dos preceitos da lei geram inúmeros danos para a figura feminina no interior do processo, fator que prejudica diretamente a busca pela efetivação da lei.


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Abstract: Violence against woman is a problem in the Brazilian context, in which victims resort to legal means in order to ensure their integrity, but when the situation of the claim in the procedural area is analyzed, an obstacle is found in the judiciary: the revictimization of female figure. To the detriment of this, national legislation seeks to guarantee the dignity of all, as well as fulfilling a commitment to protect women. Thus, based on this issue, this research seeks to understand the issue, in addition to addressing the failure in the legal machinery regarding the realization of dignity for women. Thus, a documental and exploratory analysis of bibliographic methodological nature was used, with analysis of the current legislation, as well as the respective literature. From which it was possible to understand the relevance of dignity in the judicial process and how it should be guaranteed within it.

Keywords: Revictimization. Violence. Woman. Judiciary

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