RESUMO
O ordenamento jurídico pátrio prevê, em dispositivo que data de 1941, a contravenção de mendicância. É justamente com base em tal dispositivo jurídico que a Promotoria de Justiça do Estado de Minas Gerais desencadeou uma "campanha de lei e ordem" que resultou na prisão de vários mendigos e recolhimento institucional de outros tantos. Tal "campanha" viola os postulados do Estado Democrático de Direito? Que realidades meta jurídicas escondem-se por trás do discurso jurídico-penal oficial legitimador da "campanha"? É o que se pretende discutir.
1 INTRODUÇÃO
A Lei das Contravenções Penais, entre seus vários dispositivos, prevê a contravenção de mendicância, para a qual estabelece pena de prisão simples de quinze dias a três meses, ampliando a reprimenda de um sexto a um terço quando a conduta: a) é realizada de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento; b) mediante simulação de moléstia ou deformidade; c) em companhia de alienado ou de menor de dezoito anos.
É justamente esta a base jurídico-penal da "guerra" desenvolvida atualmente pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra os mendigos de Uberlândia [01]. A referida "campanha de lei e ordem" (ZAFFARONI, BATISTA, 2006, p. 43. ss.) conta com o apoio de sofisticados mecanismos de comunicação social, e, segundo vazado por jornais, foi desenvolvida a partir de uma pesquisa local feita pelo próprio Ministério Público que acabou concluindo que 94% dos mendigos de Uberlândia são profissionais do crime.
Este artigo, por entender que "o preço do silêncio é pago na dura moeda corrente do sofrimento humano" (BAUMAN, 1999, p. 11), a partir de uma análise crítica de alguns aspectos da referida campanha, pretende, antes de oferecer respostas, levantar alguns questionamentos. Primeiro, o fundamento jurídico da "campanha" contra os mendigos de Uberlândia é constitucional? Segundo, o que, ao revelar, o discurso jurídico-penal oficial, legitimador da "guerra" contra os mendigos, oculta? Terceiro, a "guerra" contra os mendigos pode ser explicada apenas racionalmente, ou, do contrário, pode-se ver na atuação do Ministério Público singularidades históricas imperceptíveis no plano da racionalidade individual?
Questionar o supostamente inquestionável ao nosso redor, na insuperável lição de Zygmunt Bauman, é "provavelmente o serviço mais urgente que devemos prestar aos nossos companheiros humanos e a nós mesmos" (BAUMAN, 1999, p. 11).
2 INCONSTITUCIONALIDADE
A primeira questão crucial que se coloca diz respeito ao próprio fundamento legal sobre o qual repousa a campanha. O fundamento jurídico da campanha é constitucional? Uma das marcas das sociedades atuais é justamente o delineamento jurídico-político do Estado em Textos Constitucionais. A Constituição retrata não só as instituições que corporificam o Estado, como também estabelece os seus limites e suas finalidades. O Direito – ordenamento jurídico – não se constitui num fim em si mesmo, mas num instrumento para a realização das finalidades do Estado. Em uma palavra, o Direito Penal e suas finalidades devem ser buscadas na própria identidade jurídico-política do Estado. Para um Estado autoritário um Direito Penal autoritário, para um Estado democrático um Direito Penal democrático (QUEIROZ, 2005, p. 114).
A Lei das Contravenções Penais, na verdade, Decreto-lei n.3.688, data de 3 de outubro de 1941 e foi editada sobre a égide da Constituição de 1937, sendo esta, por sua vez, o sustentáculo jurídico de uma ditadura truculenta de índole fascista, auto-proclamada Estado Novo. Aliás, dando continuidade a uma tradição de "insinceridade normativa" (AMARAL, 2001, p. 9) que irá se estender até 1988 (BARROSO, 1999, p.47), a Carta de 1937 terá uma aplicação bastante irregular, prevalecendo pura e simplesmente a ditadura, "com o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-leis que ele próprio depois aplicava, como órgão do Executivo" (SILVA, 2000, p. 82). São bastante conhecidas dos historiadores, sociólogos e demais cientistas sociais pátrios, o caráter extremamente violento da ditadura de Getúlio Vargas: as torturas de "inimigos políticos", a impossibilidade da existência de partidos políticos e censuras de toda ordem.
Mas a sintonia do Decreto-lei 3.688/41 com a ditadura do Estado Novo não é apenas histórica. Com efeito, a ideologia fascista que inspirou o legislador constitucional de 1937, se faz notar em vários de seus dispositivos. É o que se pode concluir, por exemplo, da leitura do artigo 40: "Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembléia ou espetáculo público [...]". Ora, o teor de imprecisão contido na expressão "provocar tumulto" pode colocar sob "suspeita contravencional", dependendo das conjunturas políticas, da índole do intérprete e do "tipo de pessoas" envolvidas, qualquer manifestação popular mais crítica, como, mesmo simples vaias (JESUS, 1998, p. 134.).
Outro exemplo, no mínimo curioso, pode ser colhido no artigo 59 do mesmo Decreto-lei, a contravenção de vadiagem, descrita nos seguintes termos: "Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria existência mediante ocupação lícita". Já que entre seus diversos elementos figura a inexistência de renda, a "vadiagem" se consubstancia num modelo de conduta que só pode ser realizada pelos substratos sociais mais humildes, os pobres e miseráveis. Não se pune a conduta em si, mas sim, uma expectativa, ou sua periculosidade de uma dada situação. Em uma palavra, pobre que não faz nada, provavelmente acabará cometendo algum delito contra o patrimônio, e isto, por si só, já o suficiente para puni-lo.
Os questionamentos em torno da índole filosófica que inspira dispositivos jurídico-penais como os das contravenções de "provocação de tumulto" e "vadiagem," bem como suas impropriedade técnica e imprecisão terminológica, têm, desde longa data, sido motivo de ácidas e fundamentadas críticas "pelos juristas do continente. Sua constitucionalidade, na maioria dos casos, é mais que duvidosa" (FRAGOSO, 1977, p. 7). Entre nós, já se fez ouvir o lapidar ensinamento de Heleno Fragoso:
A incriminação de vadiagem tem conduzido por toda a parte a graves abusos, não só porque se pretende resolver com a justiça punitiva um problema social, mas também porque a polícia não hesita em classificar como vadios os pobres ou indesejáveis sem documentos ou situação considerada suspeita. No Brasil, por exemplo, constitui a vadiagem contravenção penal inafiançável, definida como ‘entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho. Só pode essa contravenção ser praticada por pobres. (FRAGOSO, 1977, p. 6)
A mesma lógica que alimenta a punição da "provocação de tumulto" e da "vadiagem", qual seja, a de punir a periculosidade, punir o autor e não a conduta, faz-se presente também na contravenção de "mendicância". Trata-se de modelo jurídico-penal próprio das primeiras décadas do século passado, tão ao sabor das ideologias totalitárias que marcaram a Europa do pós Primeira Guerra Mundial e cujo espectro punitivo, amplamente cultivado na América Latina, alcançava "essa espécie de marginais na perspectiva da definição de um estado perigoso pré-delinquencial" (FRAGOSO, 1977, p. 6). Todavia, ainda nas pegadas de Heleno Fragoso, convém lembrar que "cumpriu-se o ciclo e encerrou-se, a nosso ver, a experiência de leis supostamente preventivas, fundadas numa periculosidade ante delictum ou no caráter anti-social, independentemente da prática de delitos" (FRAGOSO, 1977, p. 6).
Destarte, se é certo que o Decreto-lei 3.688/41, pelas afinidades históricas e ideológicas com a ditadura do Estado Novo pode ser considerado um documento jurídico-penal autoritário e marcadamente classista, também é certo que a Constituição da República de 1988 inaugura um novo marco jurídico-político na história do país. Vive-se hoje, como resultado de vários fatores, entre eles, o processo de abertura democrática, tanto do ponto de vista da produção científica como da prática jurisprudencial, um momento de virtuosismo constitucional (BARROSO, 2003, p. 339).
Tem-se, portanto, a partir daí, uma situação profundamente contraditória. De um lado, uma "campanha de lei e ordem" contra mendigos, conscientemente ou não, inspirada num modelo jurídico-penal totalitário. De outro lado, a vigência de uma nova ordem jurídica expressamente democrática instituída pela Constituição da República de 1988. Sendo que modelo de Estado que daí emerge é o de Estado Democrático de Direito, ou, numa expressão mais clara, Estado de proteção de Direitos Humanos. Ora, conforme já assinalado acima, as funções do Estado determinam também as funções do Direito Penal, tem-se, por óbvio, que este, para ganhar a legitimidade exigida num Estado Democrático, não pode fazer da pena um fim em si, mas, sim, um instrumento para "assegurar a vigência dos valores constitucionais fundamentais: a inviolabilidade da vida, da integridade física, da honra, da liberdade, da propriedade" (QUEIROZ, 2005, p. 116). É pela força dos mesmos princípios que o Direito Penal democrático não pode tratar de condições existenciais (BATISTA, 2007, p. 93). Daí, ser inconstitucionais condutas de "vadiagem" e "mendicância" previstas no Decreto-lei 3.688/1941 (QUEIROZ, 2006, p. 61).
Por fim, embora o legislador pátrio, de forma geral, tenha demonstrado pouco interesse pelo tema, já são quase vinte anos de vigência da Constituição de 1988, merece registro parte dos argumentos declinados no texto do projeto de lei que pretende a retirada dos artigos 59 e 60 [02], do Decreto-lei 3.688 de 3 de outubro de 1941, veja-se:
Os artigos 59 e 60 DA Lei de Contravenções Penais expressam, com uma eloqüência incomum, a insensibilidade social das elites dominantes. [...]
Parece evidente que a simples pretensão de punir aqueles que a sociedade já condenou à exclusão social, à fome e ao desespero revela uma crueldade talvez insuperável em nosso ordenamento jurídico. Quando se percebe, ainda, que essa pretensão punitiva encontra na prisão sua concretude, tem-se a noção exata de um deboche às mais elementares pretensões de justiça.
Ora, nosso país possui milhões de seres humanos vivendo à margem da sociedade, à margem da própria idéia de direito. Segundo os critérios mais conservadores, são, pelo menos, 32 milhões de brasileiros que habitam esse mundo de esquecimento, violência e desespero. Cada um deles, a rigor, pode ser enquadrado nas condutas que a maldade legislativa do século passado tipificou nesses dois artigos que pretendemos suprimir. (Disponível em: www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=358101)
3 DIREITO PENAL DO MEDO
Porque "o conhecimento científico só o é na medida em que for ataque e confrontação" (SANTOS, 1989, p. 48), uma outra indagação fundamental impõe-se. O que, ao revelar, o discurso jurídico-penal oficial, oculta? Primeiro o discurso revela, e isto pode ser facilmente percebido pelas informações veiculadas pela mídia, uma fé inquebrantável no Direito Penal enquanto instrumento hábil e legítimo para fazer o enfrentamento dos conflitos sociais. Segundo, parece demonstrar também certa determinação e certa crença na capacidade de atuação institucional positiva face a "ameaça" representada pela violação da ordem jurídico-política. Todavia, conforme já salientado, se é isso que ele revela, o que será que encobre?
Raúl Eugênio Zaffaroni, ao referir-se ao discurso jurídico-penal oficial latino-americano, adverte que "achamo-nos, em verdade, frente a um discurso que se desarma ao mais leve toque com a realidade" (ZAFFARONI, 2001, p. 12). Ainda conforme o magistério do mestre argentino:
Na criminologia de nossos dias, tornou-se comum a descrição da operacionalidade real dos sistemas penais em termos que nada têm a ver com a forma pela qual os discursos jurídico-penais supõe que eles atuem. Em outros termos, a programação normativa baseia-se em uma ‘realidade’ que não existe e o conjunto de órgãos que deveria levar a termo essa programação atua de forma completamente diferente. (ZAFFARONI, 2001, p. 12)
Assim, muito embora a "campanha de lei e ordem" mostre acreditar no Direito Penal enquanto instrumento de resolução de problemas sociais, a operacionalidade real dos sistemas penais, de forma mais clara na América Latina, tem demonstrado que eles "operam com um nível tão alto de violência que causam mais mortes do que a totalidade dos homicídios dolosos entre desconhecidos praticados por particulares" (ZAFFARONI, 2001, p. 13). Soma-se à reprodução da violência, entre outros vários aspectos negativos [03], a seletividade, a incapacidade preventiva, o estímulo ao crime.
De fato, nada obstante defraude um discurso igualitário, a operacionalidade real do sistema penal é flagrantemente seletiva [04] "atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas" (BATISTA, 2007, p. 26). Assim, embora haja exceções, "na grande maioria dos casos os que são chamados de ‘delinquentes’ pertencem aos setores sociais de menores recursos" (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2007. p. 56). Inquestionavelmente "é bastante óbvio que quase todas as prisões do mundo estão povoadas por pobres. Isto indica que há um processo de seleção de pessoas às quais se qualifica como ‘delinquentes’ e não, como se pretende, um mero processo de seleção das condutas [...]" (ZAFFARONI, PIERRANGELI, 2007, p. 56). Processo este que, embora sem querer, a "guerra" contra os mendigos apenas confirma.
Justamente porque opera de maneira seletiva, cancelando toda a pretensa legalidade e legitimidade do discurso jurídico-penal oficial, as prisões brasileiras mais se "parecem com campos de concentração para pobres" (WACQUANT, 2001, p. 11). Na verdade, segundo o tom denunciador da fala de Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo:
[...] o sistema prisional é um espetáculo de horrores, que não choca a opinião pública e não comove os governantes, porque exatamente isso o que se espera dele: a expiação da culpa, o sofrimento, a punição do corpo e da alma dos depositários das nossas mazelas sociais. (AZEVEDO, 2006. p. 12)
Além de seletivo, o Direito Penal, pelos mais variados fatores, é também incapaz de prevenir (QUEIROZ, 2005, p. 89). Com efeito, a primeira condenação tem, na prática, colaborado para a "criação de uma carreira marginal" (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2007, p. ).
A persistente e injustificada crença na prevenção, mesmo diante de intensa e numerosa produção científica denunciando sua impossibilidade, está intimamente relacionada a um modelo de ciência jurídica, lamentavelmente ainda predominante tanto no âmbito acadêmico (MACHADO, 2005, p. 20) como no Foro (CARVALHO, 1998, p. 62). Segundo este modelo, a ciência jurídica, para fazer-se pura, deve recusar, e de fato tem recusado, o diálogo com qualquer dado empiricamente colhido pelas pesquisas das demais ciências sociais [05]. Defendido e lapidarmente expresso na lição de Magalhães Noronha, como ciência normativa "tem o direito penal caráter dogmático, não se compadecendo com tendências causais-explicativas. Não tem por escopo considerações biológicas e sociológicas acerca do delito e do delinqüente (NORONHA, 1991, p. 7). Diante de tal orientação epistemológica, tem-se "uma espécie de ‘estranhamento’ do jurista em relação à realidade, visto que aprende apenas uma análise das regras que comandam a coerência interna do sistema normativo [...]" (MACHADO, 2005, p. 20).
De outro lado, embora o discurso dos organizadores da "campanha contra os mendigos" pareça explicar as coisas em termos de uma corajosa e nobre tomada de atitude contra o crime, ou, ainda, em termos de uma demonstração de força, de controle, de gestão institucional de pessoas que não se deixam domar pela ordem. Na verdade, existem sérios motivos para se acreditar, que, antes de uma corajosa tomada de ação, a "campanha contra os mendigos" traduz-se numa resposta irracional e medrosa diante das crescentes e incapacitantes imprevisibilidades sociais e econômicas que caracterizam os tempos atuais. Antes de força e de controle, uma demonstração de falta de saídas, de perda de esperança no futuro (SANTOS, 2005, p. 322), de "preocupações intratáveis" (BAUMAN, 1999, p. 126), diante das quais os "governos não podem seriamente prometer nada exceto ‘flexibilidade de mão-de-obra’ – isto é, em última análise, mais insegurança e cada vez mais penosa e incapacitante" (BAUMAN, 1999, p. 126).
No novo "palco da história" (IANNI, 2004, p. 23), palco "fluido, imprevisível de desregulamentação, flexibilidade, competitividade e incerteza" (BAUMAN, 2003, p. 129), de perda de fé no futuro, vicejam, intoxicantes, o medo e a insegurança, cujas fontes "estão ocultas e não aparecem nos mapas, de modo que não podemos situá-las com precisão" (BAUMAN, 2003, p. 130). Justamente, por isso, viceja a também intoxicante e frenética busca de proteção. Cercas elétricas, cães, guardas, câmeras externas e internas, alarmes eletrônicos, muros, blindagens, escoltas, recolhimento doméstico.
Entretanto, segundo Bauman, à medida que se inicia a busca por mais proteção:
[...] começamos a suspeitar dos outros a nossa volta, e em especial dos estranhos entre eles, portadores de corporificações do não-previsto e do imprevisível. Os estranhos são a falta de proteção encarnada e por extensão, da insegurança que assombra nossas vidas. De uma maneira bizarra e ao mesmo tempo perversa sua presença é um conforto: os temores difusos e esparsos, difíceis de apontar e nomear, ganham um alvo visível, sabemos onde estão os perigos e não precisamos mais aceitar os golpes do destino placidamente. No fim, há algo que podemos fazer. (BAUMAN, 2003, p. 130)
De outro lado, a busca intoxicante por proteção individual tem se traduzido numa enorme demanda por segurança sobre o Estado (SILVA SÁNCHEZ, 2002, p. 40). De seu lado, os Estados, "gentilmente", parecem estar, e de fato estão, dispostos a atendê-la. Diante da "insegurança gerada pelo processo de globalização, nota-se um aumento da utilização do sistema punitivo, tanto no plano simbólico (novas leis, penas mais severas) quanto instrumental (aumento das taxas de encarceramento)" (AZEVEDO, 2006, p. 50). Não se trata, portanto, de uma coincidência, estando o fortalecimento das "forças de lei e ordem" ligadas ao mesmo processo que culminou com o recuo do Estado nos campos social e econômico.
De acordo com Wacquant o Estado neoliberal "pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos países [...]" (WACQUANT, 2001, p. 7). Para Bauman, os "cuidados com o ‘Estado cordeiro’, outrora uma tarefa complexa e intricada que refletia as variadas ambições e a ampla e multifacetada soberania do Estado, tende a reduzir-se consequentemente à tarefa de combate ao crime" (BAUMAN, 1999, p. 129).
Por fim, uma última indagação. A "guerra" contra os mendigos pode ser explicada apenas racionalmente? Ou, pode-se ver na atuação do Ministério Público singularidades históricas imperceptíveis no plano da racionalidade individual? É com esta pergunta que se passa ao próximo tópico.