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Apontamentos sobre a prova emprestada no processo civil

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15/09/2007 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Espécies de prova. 3. Prova emprestada. 4. Conclusão.


1. Considerações iniciais.

A palavra prova possui diversas acepções no processo civil. Dessa forma, a prova pode significar os instrumentos que servem ao juiz para conhecimento dos fatos postos em juízo (prova documental, pericial, etc.), como também o procedimento por meio do qual os instrumentos de cognição se formam e são admitidos em juízo (produção da prova). Ainda, pode dar a idéia de atividade lógica para conhecimentos dos fatos apresentados em juízo ou mesmo o resultado dessa atividade [01].

O objeto da prova são as afirmações de fato das partes, ou seja, são as alegações e não os fatos, pois estes existem ou não, não podendo, assim, ser considerados verdadeiros ou falsos. É a alegação do fato que pode assumir, ao fim da instrução processual, importância jurídico-processual para fim de demonstrar a sua veracidade [02]. Afirma Dinamarco que "provar é demonstrar que uma alegação é boa, correta e portanto condizente com a verdade. O fato existe ou inexiste, aconteceu ou não aconteceu, sendo portanto insuscetível dessas adjetivações ou qualificações. As alegações, sim, é que podem ser verazes ou mentirosas – e daí a pertinência de prová-las, ou seja, demonstrar que são boas e verazes" [03].


2. Espécies de prova.

As provas dividem-se em duas espécies distintas: provas típicas e atípicas. Provas típicas ou nominadas são aquelas elencadas e reguladas pelo direito positivo, ao passo que as provas atípicas são aquelas úteis ao conhecimento dos fatos da causa posta em juízo, sem estar reguladas em lei [04].

As provas atípicas são admitidas constitucionalmente no nosso ordenamento pátrio por meio da exegese dos incisos LV e LVI do art. 5º da Constituição Federal de 1988, que garante o direito à prova como mecanismo para assegurar a ampla defesa e o contraditório, somente vedando as provas obtidas por meio ilícito, bem como do art. 332 do CPC, o qual dispõe que "Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa" (grifo nosso).


3. Prova emprestada.

Dentre as provas atípicas, ou seja, não prevista no rol do Código de Processo Civil, temos a prova emprestada, que "consiste no transporte de produção probatória de um processo para outro. É o aproveitamento de atividade probatória anteriormente desenvolvida, mediante traslado dos elementos que a documentaram" [05], excepcionando-se, assim, a regra geral de que a prova é criada para formar convencimento dentro de determinado processo [06].

A admissão da prova emprestada decorre da aplicação dos princípios da economia processual e da unidade da jurisdição, almejando máxima efetividade do direito material com mínimo emprego de atividades processuais, aproveitando-se as provas colhidas perante outro juízo [07]. Pode-se dizer, ainda, que a admissibilidade da prova emprestada hodiernamente também encontra amparo na garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), inserida como direito fundamental pela emenda constitucional n.º 45 (Reforma do Judiciário), porquanto se trata de medida que visa, como veremos, entre outros fins, dar maior celeridade à prestação jurisdicional.

Todos os meios legais de prova, bem como os moralmente legítimos (art. 332 do CPC) produzidos em um processo podem ser trasladados para outro, porém, a prova emprestada tomará sempre a forma documental, não importando qual tenha sido sua natureza no processo de origem. Isso porque as provas são trazidas documentalmente de outro processo, mediante certidão ou cópias autenticadas das folhas em que foram produzidas na demanda original [08].

Devem ser trasladadas todas as peças referentes à prova que se pretende emprestar, na medida em que necessárias à completa cognição do julgador sobre a sua legitimidade [09], configurando-se tal um dever de probidade processual da parte que pretende sua admissão no processo, calcado na boa-fé objetiva, podendo se constituir sua violação, caso contenha finalidade escusa, como ato atentatório à dignidade da justiça (art. 14 do CPC).

De ressaltar, entretanto, que a prova emprestada, conquanto assuma forma documental [10], não terá necessariamente a força probante desse meio de prova, mas, sim, em regra, o mesmo valor que teria se produzido no processo que a tomou por empréstimo [11]. Eduardo Talamini, com precisão, ensina que a prova emprestada:

Terá a potencialidade de assumir exatamente a eficácia probatória que obteria no processo em que foi originariamente produzida. Ficou superada a concepção de que a prova emprestada receberia, quando muito, valor de documento, "prova inferior" ou "ato extrajudicial". O juiz, ao apreciar as provas, poderá conferir à emprestada precisamente o mesmo peso que esta teria se houvesse sido originariamente produzida no segundo processo. Eis o aspecto essencial da prova trasladada: apresentar-se sob a forma documental, mas poder manter seu valor originário. É tal diversidade que confere à prova emprestada regime jurídico específico – o qual não se identifica com o da prova documental nem com o da prova que se emprestou, em sua essência de origem [12].

Correta, outrossim, a observação de Ovídio A. Baptista da Silva, citando Bentham, no sentido de que a prova emprestada pode ter seu valor diminuído "se menores tenham sido as garantias existentes no processo primitivo, tomadas para assegurar a fidelidade da prova à verdade dos fatos a provar" [13], ou seja, o grau de contraditório e de cognição no processo anterior deve ser tão ou mais intenso do que o do processo que receberá a prova emprestada [14], a fim de não subtrair o exame mais profundo das questões fáticas na busca da verdade mais próxima possível da real, própria da condição humana [15].

Por outro lado, somente se pode falar em empréstimo da prova casual, considerada como aquela produzida no curso do processo, pois as provas pré-constituídas já existiam no mundo jurídico mesmo antes da sua apresentação em juízo. Neste propósito, não é necessário se pretender introduzir no processo, mediante empréstimo, documento existente em outro processo, visto que este possui a mesma força probatória seja qual for processo em que seja apresentado.

Assim, tendo-se por base que somente as provas casuais ou simples podem ser objeto de empréstimo, necessário se saber quais os requisitos para sua admissão em outro processo, notadamente frente aos princípios informadores do sistema probatório existente no ordenamento jurídico pátrio.

A resistência principiológica que se apresenta à admissão da prova emprestada reside na afirmação de que haveria desatendimento aos princípios da identidade física do juiz e da imediatidade, uma vez que ocorreria ausência de contato direto do juiz do processo que recebe a prova emprestada na sua formação e produção.

Entretanto, o argumento de per si é fraco, mormente porque não se pode olvidar que inexistem princípios absolutos, cuja aplicabilidade não possa ser "temperada" de acordo com o caso concreto, a fim de garantir efetividade aos demais valores jurídicos existentes.

Aliás, a própria legislação processual tratou de apresentar exemplos que excepcionam os citados princípios, tais como a oitiva de testemunha e realização de perícia mediante carta precatória ou, ainda, a própria possibilidade de reforma da sentença em grau recursal, no qual o Órgão Colegiado não terá contato direto com as provas colhidas na instrução processual.

Por essa razão, Eduardo Cambi assinala que "exigir que o contraditório, no processo originário, tenha sido instruído perante o mesmo juiz da segunda causa significaria tornar vazia a fórmula da prova emprestada que é utilizada, com freqüência, para trasladar provas produzidas no juízo criminal para o cível, e vice-versa" [16]. E prossegue, "desde que a garantia do contraditório tenha sido respeitada no processo anterior, a prova deve ser considerada válida" [17].

A doutrina majoritária opõe certas restrições à admissibilidade da prova emprestada, devendo ser observados alguns requisitos para sua eficácia em outro processo, a saber: a) a parte contra quem a prova é produzida deverá ter participado do contraditório na construção da prova; b) existência de identidade entre os fatos do processo anterior com os fatos a serem provados; e c) que seja impossível ou difícil a reprodução da prova emprestada no processo em que se pretenda demonstrar a veracidade de certa alegação [18].

Relativamente ao contraditório, entende-se necessário que, em regra, as partes do segundo processo "têm de haver participado em contraditório do processo em que se produziu a prova que se visa a aproveitar. Mais precisamente, é imprescindível que a parte contra a qual vai ser usada essa prova tenha sido parte no primeiro processo" [19].

Quando ambas as partes participaram do primeiro processo, é tranqüilo que a prova emprestada possua a mesma eficácia do processo original. A divergência ocorre quando no processo original não teve o contraditório entre os litigantes do processo que tomou a prova emprestada.

Evidente que se impõe a observância do contraditório em face daquele contra quem a prova emprestada será utilizada no primeiro processo, a fim de lhe assegurar a participação efetiva em toda a atividade judicial destinada à formação do convencimento do julgador, ou seja, existe direito de "fiscalizar" e "influenciar" a produção da prova [20]- [21]. Neste aspecto, Eduardo Cambi anota que o contraditório não necessita ser efetivo, salvante as hipóteses de direitos indisponíveis, sendo plenamente possível emprestar a prova de processo em que a parte contra quem ela será utilizada, conquanto tenha sido regularmente citada ou intimado, não exercitou seu direito à prova (v.g., quando é revel) [22].

Por outro lado, quando a prova é emprestada de processo entre terceiros, a doutrina majoritária segue o entendimento de que essa prova não possuiria nenhum valor fora dos autos em que foi produzida, tratando-se de res inter alios acta [23]. Moacyr Amaral Santos diz que essa posição deve ser acolhida com certa reserva, pois as provas, uma vez produzidas, são do juízo, presumindo-se, portanto, que tenha sido formada com as necessárias garantias à descoberta da verdade [24].

Fredie Didier Junior, Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga, por seu turno, defendem que não haveria nenhum problema na importação da prova de processo envolvendo terceiros, porque ambas as partes do segundo processo estariam na mesma situação e o contraditório seria implementado no processo em que a prova emprestada fosse utilizada [25]. Essa posição, entretanto, não encontra eco na jurisprudência majoritária, que reiteradamente tem entendido pela inadmissibilidade da utilização da prova emprestada de processo entre terceiros. A propósito, vejam-se os seguintes julgados:

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"AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPERGS. LAUDO PERICIAL. PROVA EMPRESTADA. IMPOSSIBILIDADE. Não se pode utilizar prova emprestada produzida entre terceiros, mesmo que em processo similar, diante da necessidade de ser oportunizado o contraditório e a ampla defesa. AGRAVO PROVIDO DE PLANO". (Agravo de Instrumento Nº 70018868083, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 15/03/2007).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. APURAÇÃO DO VALOR DO IMÓVEL. PERÍCIA. PROVA EMPRESTADA. Impossibilidade de se utilizar prova emprestada produzida entre terceiros, mesmo que em processo similar. Imprestabilidade. Necessidade de oportunizar o contraditório e a ampla defesa. Deram provimento". (Agravo de Instrumento Nº 70007213739, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 16/12/2003).

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES URBANAS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. PROVA EMPRESTADA ATIVIDADE ESPECIAL. ÔNUS DA PROVA. NÃO-COMPROVAÇÃO DA ESPECIALIDADE. 1. O tempo de serviço pode ser comprovado pela apresentação de início de prova material, complementado por prova testemunha idônea (art. 55, § 3º, da LBPS). 2. Na espécie, as testemunhas ao invés de confirmarem o labor no período o infirmam. 3. Nos casos de aposentadoria especial, o enquadramento das atividades por agentes nocivos deve ser feito conforme a legislação vigente à época da prestação laboral, e sua prova depende da regra incidente em cada período. 4. Inaceitáveis sentença e laudo pericial do Juízo do Trabalho como único fundamento da atividade especial, pois não obrigam terceiros (o INSS e a autora não foram partes), e refletem insalubridade por caracteres distintos e não vinculantes à lide previdenciária. 5. Não se desincumbindo a autora do ônus de comprovar o exercício de atividade em condição insalubre (fato constitutivo do seu direito), correta a sentença que julga improcedente o referido pedido, já que em consonância com o disposto no art. 333, I, do CPC". (TRF4, AC 2001.71.00.000154-2, Quinta Turma, Relator Néfi Cordeiro, DJ 24/08/2005). (grifo nosso).

No tocante à identidade ou semelhança entre o fato probando dos dois processos, entende-se que se trata de um pressuposto lógico para validade e eficácia da prova emprestada, uma vez que não se mostra cabível trasladar prova que nenhuma pertinência tenha com os fatos relevantes ao deslinde do segundo processo [26].

Em relação à impossibilidade de empréstimo da prova quando esta puder ser objeto de renovação, não se pode concordar com a doutrina tradicional, pois essa exigência se configura contrária à própria finalidade da prova emprestada, que é a economia e a celeridade processual [27]. Aliás, neste sentido, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça Gaúcho vem decidindo pela dispensabilidade da renovação da prova nas ações repetitivas, admitindo-se a utilização da prova emprestada, em homenagem aos supracitados princípios processuais. Senão vejamos os seguintes precedentes daquela Corte:

"AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO DE COBRANÇA. DIFERENÇAS RELATIVAS À CONVERSÃO DE VENCIMENTOS EM URV. PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. -Tratando-se de questão que tem sido objeto de milhares de processos com pedidos e causa de pedir idênticos, viável a utilização, como prova emprestada, de perícia realizada em outro processo, cujo servidor seja da mesma categoria funcional da parte agravante. -Caso em que foi oportunizada à autora a apresentação da prova pericial que entender pertinente. -Recurso não provido". (Agravo Nº 70020573622, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leila Vani Pandolfo Machado, Julgado em 14/08/2007).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. IPERGS. LAUDO PERICIAL. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. É possível a utilização de prova pericial emprestada de um feito para outro nas hipóteses de ações repetitivas, envolvendo servidores da mesma categoria funcional, por se tratar de matéria eminentemente técnica. Precedentes desta Corte. AGRAVO DESPROVIDO". (Agravo de Instrumento Nº 70020294229, Terceira Câmara Especial Civel, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 28/06/2007).

Observe-se que o juiz pode determinar o empréstimo da prova ex officio, consoante dispõe o art. 130 do CPC, sem que com isso quebre o dever de imparcialidade ou afronte o princípio do dispositivo. Note-se que a imparcialidade se concretiza pelo oferecimento de iguais oportunidades às partes, bem como um juízo o mais isento possível. Entretanto, inadmissível que o magistrado se limite ao juízo de admissão e valoração das provas colacionadas pelas partes, na medida em que "o processo civil moderno repudia a idéia do juiz Pilatos, que, em face de uma instrução mal feita, resigna-se a fazer injustiça atribuindo a falha aos litigantes" [28]. Aliás, como bem ressalva Eduardo Talamini, "se a reconstituição dos fatos determinada de ofício vem a beneficiar quem tem razão, não há nisso infração ao dever de imparcialidade, mas o adequado cumprimento da função jurisdicional" [29].

Pertinente, neste aspecto, reproduzir a crítica de Pedro Luiz Pozza, quando afirma que:

"(...) merece críticas severas a postura do magistrado que, ante os limites da lide, sabe da necessidade de instrução do feito, mas, a despeito disso, limita-se a determinar que as partes declinem se ainda têm outras provas a produzir e, em vista de seu silêncio, profere julgamento antecipado e de improcedência ante a ausência de prova das alegações do autor. Cômoda posição que não pode ser debitada à incapacidade dos advogados das partes, especialmente em se tratando de parte que litigue com assistência judiciária gratuidade ou gratuidade judiciária.

Portanto, se o juiz verifica que há necessidade de dilação probatória, mesmo ante a omissão das partes, cumpre-lhe designar a audiência de que trata o art. 331 do CPC para, ouvidos os litigantes, apurar se há ou não possibilidade de que comprovem em juízo suas alegações. Somente assim, ou seja, dialogando com as partes, é que o juiz estará cumprindo realmente sua missão constitucional de solucionar conflitos, e não sendo apenas um burocrata do processo" [30].

Questão que apresenta forte controvérsia reside na possibilidade ou não de utilização como prova emprestada de interceptação telefônica obtida em processo penal. A interpretação prima facie do inciso XII do art. 5º da Constituição Federal leva conclusão de que não seria possível essa importação, na medida em que dispõe expressamente que essa prova somente pode ser utilizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Tratando-se, pois, de exceção à garantia fundamental (privacidade), deveria a citada regra constitucional ser interpretada restritivamente [31].

Contudo, Barbosa Moreira admite a utilização da interceptação telefônica como prova emprestada no processo cível, sustentando que "sacrificado o direito da parte à preservação da intimidade, não faria sentido que continuássemos a preocupar-nos com o risco de arrombar um cofre já aberto". E prossegue dizendo, "a sentença penal é título executivo judicial no âmbito cível e o devedor-executado não poderá formular qualquer objeção no sentido de que a sentença se fundara em interceptação telefônica, que não pode ter eficácia no juízo cível (a eficácia preclusiva da coisa julgada impediria essa conduta)" [32]. Essa, ao que parece, a orientação prevalente na jurisprudência, inclusive tendo o STF já admitido a utilização de interceptação telefônica obtida mediante autorização judicial para fins não penais:

"INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - OBJETO - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - NOTÍCIA DE DESVIO ADMINISTRATIVO DE CONDUTA DE SERVIDOR. A cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - "... na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal" - não é óbice à consideração de fato surgido mediante a escuta telefônica para efeito diverso, como é exemplo o processo administrativo-disciplinar. (...)" (STF, RMS 24956/DF, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJ 18-11-2005).

Tocante à eficácia da prova emprestada que foi produzida perante juízo incompetente, a doutrina não apresenta maiores divergências, entendendo, corretamente, que o art. 113, par. 2º, do CPC dispõe que somente os atos decisórios realizados pelo juízo incompetente serão reputados nulos, dentre os quais não se enquadram os demais atos judiciais, como a colheita de prova [33].

De outra parte, tem-se como inviável, em regra, a admissão da prova produzida no exterior, pois realizadas por Órgãos que não possuem jurisdição brasileira (tanto que suas sentenças devem ser objeto de homologação pelo STJ). Todavia, anota Eduardo Talamini que, quando a prova não tiver como ser produzida no Brasil (impossibilidade absoluta), possível seu traslado de processo desenvolvido em outro Estado, "sob pena de haver desarrazoada restrição ao direito de provar" [34].

E quando o processo em que a prova foi colhida é anulado? Seria possível sua importação para outro processo? Como se sabe, em regra, os efeitos da nulidade não ultrapassam o próprio ato nulo, bem como aqueles subseqüentes ou dependentes dele (art. 248 do CPC). Logo, o processo pode ser anulado por vícios anteriores à prova, por vício da própria prova ou por vício posterior a sua produção. Somente nesta última hipótese que a prova não será afetada pela nulidade, permanecendo sua eficácia inicial e, por conseqüência, podendo ser emprestada [35]. O que importa, em verdade, para que seja admitida a prova emprestada colhida em processo nulo é que a prova em si não tenha sido afetada, direta ou indiretamente [36], pela nulidade declarada. Será necessário saber qual o grau de dependência que essa prova tem com o ato maculado pelo vício [37].

Por fim, em relação à prova colhida em processo que corre em segredo de justiça, somente se admite sua importação para outro processo que tramita entre as mesmas partes, a fim manter a salvaguarda do interesse protegido na demanda original. Aliás, alguém que seja terceiro ao processo que corre em segredo de justiça sequer poderia saber quais foram os atos processuais que ocorreram em seu bojo, podendo haver, nesse caso, a incidência do tipo penal de quebra do sigilo da justiça (art. 10 da Lei nº 9.296/96) [38].

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Sobre o autor
Max Akira Senda de Brito

Juiz de Direito no Estado do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Max Akira Senda. Apontamentos sobre a prova emprestada no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1536, 15 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10412. Acesso em: 28 mar. 2024.

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