Sumário:1. Introdução. 2. Conceito de Responsabilidade Civil. 3. Modelos de responsabilidade civil. 3.1. Modelo subjetivo. 3.3.1. Da culpa e do ato ilícito. 3.2. Modelo objetivo. 3.2.1. Teoria geral do risco e seus desdobramentos. 3.2.1.1. Teoria do risco-proveito. 3.2.1.2. Teoria do risco-criado. 3.2.1.3. Teorias do risco relativas ao Estado. 3.2.1.3.1. Teoria da culpa administrativa. 3.2.1.3.2. Teoria do risco administrativo. 3.2.1.3.3. Teoria do risco integral. 3.2.1.3.4. Teoria do risco nuclear. 3.2.1.4. Teoria da garantia. 3.3. Modelo misto. 3.4. Modelo socializado. 4. Funções da responsabilidade civil. 5. Responsabilidade civil do Estado. 5.1. Responsabilidade civil por danos decorrentes do planejamento. 5.2. Planos indicativos, incitativos e imperativos. 6. Notas sobre a discricionariedade nos atos de planejamento. 7. Jurisprudência. 8. Conclusão.
1.Introdução
No amplíssimo tema de responsabilidade civil do direito brasileiro, percebe-se a existência de verdadeira lacuna doutrinária e jurisprudencial sobre as questões envolvendo a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de planejamento.
Trata-se de aspecto jurídico cujo âmago traz a invulgar propriedade de conseguir mesclar na sua hipótese fática conceitos do direito privado e do direito público, evidenciando a tendência de indiscutível aproximação desses dois direitos, como já ventilado em outro estudo [01].
Conquanto seja possível afirmar que a doutrina desenvolvida em solo pátrio sobre a responsabilidade civil de dano causado por particular já está em adiantado estado evolutivo, acompanhando de perto as tendências do direito comparado, percebe-se que o mesmo não se pode concluir acerca do exame da responsabilidade civil do Estado, onde doutrina e jurisprudência ainda titubeiam frente a dúvidas fundamentais como, por exemplo, sobre qual modelo, se objetivo ou subjetivo, deverá ser adotado na responsabilização de atos omissivos praticados pelo Estado.
Portanto, diante dessa insuficiência conceitual em termos de responsabilidade civil no campo do direito público, exsurge a constatação de que analisar a possibilidade de responsabilização do Estado por danos decorrentes de planejamento apresenta-se como verdadeiro desafio de construção doutrinária, tendo em conta que o reduzidíssimo acervo doutrinário acerca do tema indica a quem dele for tratar o elevado grau de complexidade que envolve o assunto.
Assim, visando a colaborar no debate desse importante ponto, porque indiscutivelmente ligado ao conceito de Estado Democrático de Direito, como já lecionou Lúcia Valle Figueiredo [02], este trabalho tem por objetivo realizar algumas considerações sobre o tema, apontando algumas linhas de raciocínio que poderão ser úteis às discussões que certamente ainda irão se suceder na linha do tempo até que esta espécie de responsabilidade civil do Estado esteja perfeitamente conceituada, delimitada no seu alcance e, sobretudo, aplicada no caso concreto, pois o direito é ciência eminentemente funcional, devendo ter efetiva utilidade prática na solução dos conflitos sociais, seara na qual também se inserem os conflitos decorrentes da relação Administração-particular.
2.CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
A título propedêutico, importa revisitar alguns conceitos importantes sobre responsabilidade civil objetiva. O primeiro deles diz com a significação da expressão responsabilidade civil.
No entender de Sílvio de Salvo Venosa, o termo responsabilidade traduz, em sentido amplo, "a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação" [03]. Transpondo este conceito lato para seara indenizatória, ele significará a responsabilidade que impõe o dever de indenizar.
Segundo Eugênio Facchini Neto,
Responsabilidade civil é a obrigação que incumbe a uma pessoa de reparar o dano causado a outrem por ato seu (responsabilidade direta), ou pelo ato de pessoas..., fato das coisas..., ou fato dos animais a ela ligados. [04]
Na acepção de Fernando Noronha,
A responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos ou coletivos stricto sensu... [05]
Se a responsabilidade atinge o causador do dano, ela será dita direta; ao revés, se alcançar terceiro, denominar-se-á indireta.
Mais, ela poderá ser classificada por diversas outras formas, importando destacar neste ensaio, ainda, a que retrata a sua fonte. Se ela decorrer de vulneração de obrigação contratual, será chamada de responsabilidade contratual; se nascida na ausência ou fora dos limites contratuais, ou seja, se for decorrente de preceito geral de Direito ou da própria lei [06], levará a denominação de responsabilidade extracontratual, disciplinada em nosso Código Civil nos artigos186 [07] e 927 [08].
Assim, diante desses conceitos introdutórios que refletem com perfeição o consenso doutrinário existente sobre o assunto, pode-se facilmente depreender que a responsabilidade civil está intrinsecamente ligada ao dever, que é imputado a alguém, de reparação de danos causados a outrem. Atualmente, esta idéia de necessidade de reparação de dano é pacífica na doutrina; contudo, nem sempre foi assim, como mostra o histórico evolutivo desse instituto.
Para perfeita compreensão da teoria da responsabilidade civil, para futura aplicação no objeto desse ensaio, também é conveniente realizar breve explanação sobre seus modelos e funções.
3.Modelos de responsabilidade civil
Expressivo número de doutrinadores pátrios e estrangeiros já escreveram sobre o assunto. Eugênio Facchini Neto [09] relata a existência de quatro modelos de responsabilidade civil, a saber: subjetivo, objetivo, misto e socializado.
3.1.Modelo subjetivo
O modelo subjetivo remonta ao Código Napoleônico de 1804, que estabelecia, em seu artigo 1.382, a regra de que "todo e qualquer fato do homem, que causa um dano a outrem, obriga o culpado a repará-lo". Em outras palavras, o direito napoleônico elencava o exame da culpa do agente como aspecto imprescindível na apuração da responsabilidade civil. Sem culpa, não haveria falar em responsabilidade.
Nessa espécie de responsabilidade, configura-se o dever de indenizar diante da presença concomitante dos seguintes elementos: ação ou omissão voluntária, nexo causal, dano e culpa [10].
A doutrina relata que o modelo subjetivo atendeu satisfatoriamente às demandas de responsabilidade civil até a metade do século XIX, quando o advento da Revolução Industrial trouxe significativas mudanças nas relações de trabalho. É que a introdução das máquinas no ambiente de trabalho veio acompanhada de um crescente aumento de acidentes que vitimavam os empregados que tinham que operá-las em virtude dos misteres que desempenhavam.
3.1.1.Da culpa e do ato ilícito
Tomando por conceito de culpa em sentido estrito o desenvolvido por Arnaldo Rizzardo, que a considera "como aquela que marca a conduta imprudente ou negligente" [11] e ato ilícito como "aquele praticado com infração de um dever legal ou contratual" [12], importa destacar a existência de doutrina [13] estabelecendo estreita vinculação do elemento culpa na configuração do ato ilícito.
Segundo esta parte da doutrina, não haveria falar em ato ilícito se não houvesse culpa [14], conduzindo à conclusão lógica de que o modelo subjetivo de responsabilidade civil se aplicaria apenas na ocorrência de um ilícito e que o modelo objetivo, que será estudado a seguir, estaria atrelado a um comportamento lícito. Contudo, diverge desse entendimento Sergio Cavalieri Filho, sustentando, in verbis, que:
Não há que se falar em ato lícito se em todos os casos de responsabilidade objetiva – do transportador, do Estado, do fornecedor etc – há sempre a violação de um dever jurídico preexistente, o que configura a ilicitude. Ora será dever de incolumidade, ora dever de segurança – mas, como veremos, haverá sempre o descumprimento de uma obrigação originária. Ademais, os casos de indenização por ato lícito são excepcionalíssimos, só tendo lugar nas hipóteses expressamente previstas em lei, como no caso de dano causado em estado de necessidade e outras situações específicas (Código Civil, arts. 188, II, c/c, arts. 929 e 930, 1.285, 1,289, 1.293, 1.385, § 3º, etc). Nesses e outros casos não há responsabilidade em sentido técnico, por inexistir violação de dever jurídico, mas mera obrigação legal de indenizar por ato lícito. [15]
Dessa forma, no entender de Cavalieri Filho, não se deve falar em responsabilidade civil por ato lícito, mas em obrigação legal de indenizar por ato lícito.
3.2.Modelo objetivo
Diante da nova realidade, marcada pela situação em que a máquina, e não o patrão, passou a ser o direto causador do dano ao empregado, surgiu a necessidade de se desenvolver um novo modelo teórico de responsabilidade civil que pudesse resolver adequadamente as demandas de empregados lesados pelas máquinas industriais e comerciais, pois observava-se "um divórcio entre o legal e o justo" [16].
Esta teoria desenvolveu-se, sobretudo, na segunda metade do século XIX, na França, através da doutrina elaborada por Saleilles, Josserand, Ripert, Demongue, Savatier, Mazeaud e Mazeaud [17].
A pergunta que inquietava os juristas daquela época era:
Se não houve culpa por parte do empregador, como imputar-lhe a responsabilidade por danos decorrentes da utilização pelo empregado do maquinário de sua estrutura negocial?
Assim, dentro dessa perspectiva prática, foi desenvolvido o modelo objetivo de responsabilidade civil, no qual, a teoria da culpa foi substituída pela teoria do risco, evidenciando-se, nesse singular momento da história evolutiva da responsabilidade civil, uma importante mudança de paradigma em sua abordagem teórica, pois o ponto de convergência da atenção jurídica deixou de ser o exame da culpa do agente para migrar para a necessidade de reparação do dano.
Ainda que esta constatação, sob o ponto de vista pragmático, possa ser considerada absolutamente irrelevante, ela ganha contornos de importância quando analisada sob a ótica dogmática, pois propicia ao operador do direito conhecer a história evolutiva do instituto, compreendendo-o melhor teleologicamente para, via de conseqüência, utilizar o instituto com maior acerto na solução dos casos concretos.
3.2.1.Teoria geral do risco e seus desdobramentos
De início, cabe referir que inexiste na doutrina a denominação de teoria geral do risco. Todas as obras consultadas referem-se ao assunto denominando-o simplesmente de teoria do risco. Contudo, considerando que, em verdade, existem diversas variações da aludida teoria, como demonstrar-se-á nas linhas seguintes, optou-se, nesse trabalho, para facilitar o desenvolvimento e a compreensão do assunto, referir-se à idéia inicial do risco como teoria geral do risco.
A teoria geral do risco "sustenta que o sujeito é responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano" [18]. No dizer de Arnaldo Rizzardo, "todo aquele que dispõe de um bem deve suportar o risco decorrente, a que se expõem os estranhos" [19].
Como já referido, percebe-se, na doutrina, nítido esforço de classificação da teoria geral do risco em função do tipo de problema concreto de responsabilidade objetiva a ser resolvido. Assim, com o intuito de apresentar breve panorama da teoria geral do risco e suas variantes, analisar-se-ão as teorias do risco-proveito, risco-criado, garantia e risco relativo ao Estado.
3.2.1.1.Teoria do risco-proveito
Assim, por exemplo, surgiu a teoria do risco-proveito, desenvolvida para fazer frente a uma situação pontual, qual seja, resolver as questões de responsabilidade do patrão nos acidentes de trabalho envolvendo seus empregados. Como leciona Eugênio Facchini Neto:
Assinalou-se então, que quem recolhesse as vantagens de uma atividade alheia deveria indenizar aqueles que tivessem sido vítimas de acidentes: ubi emolumentum ibi onus; cuius commoda, eius et incommoda. [20]
3.2.1.2Teoria do risco-criado
Mais adiante na linha do tempo, a teoria do risco-proveito seria ampliada [21] para absorver não apenas o dever de indenizar danos decorrentes de acidentes de trabalho, mas também para albergar todo e qualquer risco potencial de dano para os outros. Era a vez da teoria do risco-criado.
De acordo com esta teoria, o componente lucro ou proveito não é mais elemento essencial na responsabilização pelo dano, como o fora na teoria do risco-proveito. Agora bastaria que a atividade humana desenvolvida fosse potencialmente danosa a terceiros. Na eventual concretização do dano potencial, surgiria para o agente responsável a obrigação de indenizá-lo. É o caso, por exemplo, do risco existente na condução de um veículo [22].
3.2.1.3.Teorias do risco relativas ao Estado
Relativamente aos danos causados pelo Estado, a doutrina administrativista aponta a existência de diversas variantes da teoria do risco, valendo destacar a da culpa administrativa, a do risco integral, a do risco administrativo e a do risco nuclear.
3.2.1.4.Teoria da culpa administrativa
Segundo Hely Lopes Meirelles, esta teoria representa o primeiro estágio de transição da doutrina subjetiva da culpa civil para a teoria objetiva do risco administrativo que a sucedeu [23]. Apesar de já não indagar da culpa estrito senso do agente administrativo, ela exige a presença do binômio falta do serviço/culpa da administração para obrigar o Estado a indenizar.
Paul Duez classificou a falta de serviço em três modalidades: inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço [24]. Verifica-se que essa teoria ainda onerava sobremaneira o particular em sua tarefa de provar seu direito indenizatório frente ao Estado.
3.2.1.5.Teoria do risco administrativo
Nesta teoria, a obrigação de indenizar decorre apenas do ato lesivo e injusto causado pelo Estado, não se perquirindo acerca da falta do serviço tampouco da culpa administrativa. Agora, o foco da atenção reside apenas no fato do serviço.
Segundo Hely Lopes Meirelles, esta teoria
baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes desta doutrina, que, por sua objetividade e partilha de encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primeira vez no art. 194 da CF de 1946.
Fundamental destacar que, nesta teoria, o lesado não precisará provar a culpa da Administração, bastando indicar o dano e o nexo de causalidade entre ele e o agir comissivo ou omissivo [25] do Estado.
Ademais, pela teoria do risco administrativo, o Poder Público pode mover-se no sentido de provar a culpa da vítima a fim de excluir ou atenuar sua responsabilidade.
Esta teoria foi recepcionada pelo nosso ordenamento jurídico tanto em nível constitucional (Art. 37, § 6º, CF [26]) como em sede infraconstitucional (Art. 43, CC [27]).
3.2.1.6.Teoria do risco integral
Nesta teoria, que encontra em Pedro Lessa, Amaro Cavalcanti e Orozimbo Nonato seus maiores defensores [28], considera-se que o Estado tem a obrigação de indenizar todo e qualquer dano em que estiver envolvido [29], desprezando-se a idéia da falta de serviço existente na culpa administrativa. O fundamento dessa teoria situa-se no princípio da igualdade de ônus e encargos, tanto sociais como públicos, que considera o Estado como uma empresa em funcionamento, correndo certos riscos que devem ser por ele suportados [30]. Portanto, não seriam oponíveis pelo Estado, de acordo com tal teoria, as excludentes e atenuantes da responsabilidade civil [31]. Em outras palavras, o Estado é entendido como segurador universal.
No dizer de Marcia Andrea Bühring:
O nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano daí resultante não exclui sequer a força maior, o caso fortuito, a culpa exclusiva da vítima, ou ofendido, abarcando qualquer situação, por isso, diz-se, integral-total. [32]
Trata-se da mais extremada teoria na doutrina relativa ao risco, considerada extremamente radical, e por essa razão não é utilizada na prática por conduzir ao abuso e a iniqüidade social.
A principal crítica que se faz a esta teoria reside no fato de que ela obriga injustamente o Estado a arcar integralmente com a indenização nos casos em que presentes excludentes ou atenuantes de responsabilidade que, caso pudessem ser invocadas, certamente elidiriam ou diminuiriam o dever de indenizar.
3.2.1.7.Teoria do risco nuclear
Ainda, relativamente a danos causados pelo Estado, poder-se-ia mencionar a teoria do risco nuclear, em razão de o art. 21, inciso XXIII, alínea c, da Constituição Federal, ter estabelecido expressamente que "a responsabilidade civil por danos nucleares independe de culpa". Na visão de Sílvio de Salvo Venosa, a aplicação deste tipo de teoria fundamenta-se na "idéia de socialização dos riscos, com decisiva participação do Estado" [33].
Todavia, diferentemente das outras teorias de risco, há nesta espécie uma limitação da responsabilidade, eis que o art. 9º da Lei 6.453/77, que trata da responsabilidade civil e criminal decorrente de atividades nucleares, fixa limite quantitativo para as indenizações [34], dada a incidência à hipótese do princípio da limitação. No entender de Sílvio de Salvo Venosa, esta limitação do quantum indenizatório funcionaria como fator de equilíbrio ao fato de nem sempre ser possível configurar com absoluta precisão o nexo causal nos danos nucleares [35].
3.2.1.8.Teoria da garantia
Também teve lugar entre as teorias de responsabilidade civil objetiva, a da garantia, defendida por Starck em sua tese intitulada Essai d’une théorie de la responsabilité Civile considérée em sa fonction de Garantie et de Peine Privée (Paris, L. Rodstein, 1947) [36].
Esta teoria aduz que a responsabilidade civil não deveria se fundar nem na culpa nem no risco, mas na necessidade de garantia dos direitos. Se o ordenamento jurídico garante direitos às pessoas, então a violação deles, que resulte em prejuízos ao seu titular, deverá receber a devida reparação como forma de garantia da ordem e da paz social independentemente de culpa do agente danoso ou da espécie da atividade danosa causadora do prejuízo.
Esta é a teoria que sustenta o direito à indenização na hipótese de insolvibilidade do agente danoso como no caso em que o filho menor causa dano a outrem e o pai é chamado a responder civilmente pelos prejuízos que seu filho causou [37], dispensando, de uma vez por todas, em nosso ordenamento, a necessidade da vítima argüir, com fundamentamento na teoria da responsabilidade subjetiva, a culpa in vigilando [38] do pai em relação aos atos danosos praticados pelo filho. Quer-se com isso afirmar que buscar a responsabilização civil pela modelo objetivo sempre será menos oneroso à vítima, em termos probatórios, do que pela via do modelo subjetivo. Daí a importância pragmática dessas considerações.
Observe-se que tal teoria serve bem para demonstrar que o instituto da responsabilidade civil definitivamente albergou a idéia de que o dano injusto deve ser reparado a fim de se garantir o retorno das relações jurídicas vulneradas à posição de equilíbrio, dado que o principal objetivo da ordem jurídica, segundo San Tiago Dantas, é proteger o lícito e reprimir o ilícito (Programa de Direito Civil, v. I/341, ed. Rio) [39]. Por isso, o direito passaria a garantir o ressarcimento ou compensação do dano causado, viabilizando, dessa forma, a vida em sociedade.
3.3.Modelo misto
Examinadas as principais teorias que ensejaram o desenvolvimento e consagração do modelo objetivo de responsabilidade nos diversos ordenamentos jurídicos existentes no mundo ocidental, passa-se agora ao exame do modelo misto.
A prática jurídica verificou que a eleição de apenas um dos modelos (subjetivo ou objetivo) não seria suficiente para resolver a problemática da responsabilidade. Ora a solução encontraria "amparo numa das teorias, ora na outra" [40].
Assim, a doutrina e a legislação pátria houveram por bem acatar hipótese teórica na qual se verifica a combinação dos modelos subjetivo e objetivo.
É o que a doutrina brasileira assevera quando examina os artigos 186 [41] e 927 [42], caput e parágrafo único [43], da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). De fato, interpretação sistemática dos dois artigos permite concluir que a regra da responsabilidade civil no ordenamento pátrio é o modelo subjetivista. Contudo, do exame do parágrafo único do segundo, exsurge cristalina a eleição da responsabilidade objetiva "nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" [44]. Seria o caso, exemplificativamente, dos danos decorrentes das atividades de uma fábrica de explosivos, mina de minérios ou de uma plataforma de extração de petróleo ou, ainda, de um acidente de trânsito envolvendo automóveis de passeio.
3.4.Modelo socializado
Por fim, cabe referir o modelo socializado de responsabilidade. Segundo, Eugênio Facchini Neto [45], esta espécie de responsabilidade funda-se na idéia de solidariedade, uma vez que pretende socializar os riscos individuais e conseqüentes responsabilidades com intuito de assegurar assistência econômica a qualquer vítima de dano.
Neste modelo de responsabilidade, o Estado assumiria todos os riscos e os resdistribuiria pela sociedade ou determinado grupo social, através de um tributo. É o que Themistocles Brandão Cavalcanti denominou de seguro coletivo, no qual a distribuição dos encargos por toda a coletividade garantiria a cada um contra os danos que venha a sofrer, e obriga a todos a contribuir, "na medida de sua participação fiscal, para a indenização dos prejuízos" [46].
É o que ocorre, por exemplo, no caso do seguro obrigatório de responsabilidade civil de acidentes envolvendo veículos automotores e, numa certa medida, quer parecer que as hipóteses de responsabilidade objetiva do Estado, fundadas em quaisquer das teorias do risco relativas ao Poder Público já ventiladas, também poderiam ser agrupadas sob este modelo de responsabilidade, haja vista que o ressarcimento do dano causado pela Administração Pública é invariavelmente custeado pelos impostos pagos pelo contribuinte, socializando-se, dessa forma, o ônus indenizatório.