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O conceito de segurança pública sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos

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30/05/2023 às 17:37
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O entendimento da segurança pública tradicional dá ênfase à preservação da ordem pública, bem como da garantia do patrimônio, deixando de lado a pessoa humana como destinatária primeira das ações.

Resumo: O presente artigo tem por escopo fazer um breve estudo sobre a perspectiva conceitual da segurança pública no Brasil contemporâneo, buscando uma abordagem sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos, ou seja, visa a uma proposta de análise conceitual da segurança pública no Brasil sob a ótica do direito ambiental como instrumento de tutela dos direitos humano. Isso porque o entendimento da segurança pública tradicionalmente concebida pelas instituições e, por vezes, por parcela da sociedade dá ênfase à preservação da “ordem pública”, bem como da “garantia do patrimônio”, deixando de lado, quase sempre, a pessoa humana como destinatária primeira das ações de segurança pública. Assim, a temática “segurança pública” carece de nova perspectiva, de modo a que se liberte dos matizes tradicionais e amplie seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de garantia das liberdades e de direitos humanos, a fim de se fomentar uma cultura de segurança pública sentida como direito de todos, indistintamente. Neste contexto, toma-se como marco de ponderação o fenômeno da violência, que é demasiadamente prejudicial para sociedade, na medida em que cria reações sociais e diminui a qualidade de vida no espaço social, vez que enfraquece a possibilidade de efetivação das liberdades e tem efeitos negativos nos planos econômicos, social, psicológico e de saúde pública. A violência cada vez presente amedronta, afugenta e diminui o ser humano, fazendo-o padecer diante da mitigação de suas liberdades em um espaço social que tem cada vez menos os atributos de um ambiente saudável, o que compromete genuinamente a sadia qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana. Contudo, falar em espaço social, ambiente saudável, sadia qualidade de vida, dignidade da pessoa humana e direitos humanos não é outra coisa senão dialogar com um campo específico do direito, ou seja, o Direito Ambiental. Daí emergir a proposta do presente opúsculo, através da exposição de argumentos dedutivos, alternando com indutivos, e com auxílio de algumas obras e da legislação brasileira.

Palavras-chave: Segurança Pública. Direito Ambiental. Direitos Humanos. Dignidade da pessoa humana. Sadia qualidade de vida.


1. INTRODUÇÃO

A preocupação em se pretender uma análise teórica sobre o tema “segurança pública” nos remete a um a priori conceitual, sem o qual não será viável a construção de bases para um estudo sistematizado e para a construção de um argumento. Nessa senda, ao se lançar um olhar para a problemática terminológica da segurança pública no Brasil, percebe-se que, até pouco tempo, as discussões eram demasiado restritas, pois não tangenciavam mais do que as instituições policiais ou, quando muito, as áreas jurídicas naquilo que havia de interesse policial. Na linha de outrora, e quiçá com reflexos ainda hoje, as discussões tinham como foco, via de regra, a segurança sob a perspectiva da garantia da ordem pública, da segurança do Estado e da defesa do patrimônio. Dessa maneira, o sujeito de direito da segurança oferecida pelo Poder Público geralmente era um grupo restrito caracterizado pelo poder econômico e/ou político. Mas com a presença e discussão cada vez crescente dos direitos humanos, essa percepção da segurança pública carece de uma revisão sob nova perspectiva, de modo que tal conceito (de segurança pública) se liberte dos matizes tradicionais e amplie seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de direitos humanos, pois só assim será viável uma cultura de segurança pública enquanto direito de todos indistintamente.

Para tanto, visualiza-se uma alternativa ao lançar um olhar para o espaço social, enquanto campo de exercício das liberdades e da interação com o outro, portanto, enquanto campo da construção do “ser”, sob uma ótica existencial. Tal “ser” é a própria essência humana, que se constrói e reconstrói continuamente, por meio da liberdade em exercício, e é o objeto capital de tutela e interesse científico e político dos direitos humanos. Percebe-se, contudo, que a escalada da violência cria reações sociais e diminui a qualidade de vida nesse espaço social, vez que diminui a possibilidade de efetivação das liberdades, porque para o exercício dessas liberdades, o espaço social, que é o ambiente onde se desenvolve a prática de tais direitos, deve guardar um mínimo de segurança; e a violência cada vez presente amedronta, afugenta e diminui o ser humano, fazendo-o padecer diante da mitigação de suas liberdades em um espaço social que tem cada vez menos os atributos de um ambiente saudável, o que compromete genuinamente a sadia qualidade de vida.

Falar em espaço social, em ambiente saudável, sadia qualidade de vida e direitos humanos, é dialogar com um campo específico do direito, a saber: o Direito Ambiental.

Dessa maneira, é viável uma proposta de análise conceitual da segurança pública no Brasil sob a ótica do meio ambiente como instrumento de tutela dos direitos humanos. “O conceito de segurança pública no Brasil” é, então, o tema em torno do qual se desenvolverão discussões conceituais, históricas, doutrinárias e legais. Doravante, far-se-á uma discussão enfatizando “o conceito de segurança pública sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos”, em outras palavras, será uma proposta de análise conceitual da segurança pública no Brasil sob a ótica do direito ambiental, com as devidas observações conceituais que se farão presentes ao longo do trabalho, como aporte dialógico entre a segurança pública e a tutela dos direitos humanos. Isso porque o espaço social é o meio em que o homem exerce suas liberdades, e um ambiente (in)seguro compromete não só a exercício de tais liberdades, mas, sobretudo, a sadia qualidade de vida. Sentir-se seguro é uma necessidade fundamental. Mais que isto, é algo demasiadamente humano.

As implicações do presente estudo residem na ponderação de como, hodiernamente, entendemos ou apreendemos a noção de “segurança pública”, enquanto uma das formas de manifestação do Estado. Pois, com efeito, para que uma ideia, noção ou conceito seja o que é, ou diga o que se propõe a dizer, carece seja dado ao conhecimento ao mesmo tempo em que aquilo a que ele remete, visto ser o “conceito” a representação mental de um objeto abstrato ou concreto que se mostra como um instrumento do pensamento em sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade. Ademais, o “conceito” é fruto da linguagem e da análise, sendo, desse modo, produto cultural, e, como tal, relaciona-se com as práticas humanas e com a conduta social. Portanto, investigar novas perspectivas da análise da “segurança pública” no Brasil poderá ter desdobramentos sociais benéficos, por exemplo, ampliando seu campo conceitual, sinalizando e integrando a noção de direitos humanos com o consequente fomento de uma cultura de segurança pública enquanto direito de todos indistintamente e garantia de exercício das liberdades.

É com esse norte que o opúsculo que se inicia terá natureza dogmática instrumental, por buscar a contribuição teórica para a resolução de problemas práticos, visando à racionalização das técnicas jurídicas e o aperfeiçoamento dos textos normativos, por meio da interpretação sistêmica e teleológica.

Nesta senda, buscar-se-á, no primeiro capítulo, fazer um breve apanhado conceitual da segurança pública no Brasil, contudo sem promover um aprofundamento histórico, mas tão somente evidenciando sob quais perspectivas se apreendem o sentido e o alcance do termo “segurança pública” no Brasil contemporâneo, bem como salientar de que maneira tal noção não dialoga uníssono com a ideia de direitos humanos. No capítulo segundo, tentar-se-á mostrar as razões que fundamentam a premente necessidade de ressignificação, ou abordagem sob novas perspectivas, da temática “segurança pública” no Brasil. Por fim, no terceiro capítulo será lançada, em termos preludiais, uma proposta de abordagem da segurança pública sob as lentes do direito ambiental brasileiro, tendo-se como ponto de partida, e, portanto, como aporte dialógico, o “espaço social”, palco em que o indivíduo não só exerce suas liberdades, mas devendo exercê-la como segurança e garantia de sadia qualidade de vida.


2. UMA BREVE VISÃO CONCEITUAL DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

2.1 A SEGURANÇA PÚBLICA COMO PRODUTO DO CONTRATO SOCIAL

Como prelúdio da discussão de doravante se inicia, convém fazer um resgate histórico e evidenciar alguns conceitos basilares, segundo alguns autores consagrados, a fim de se entender as origens da segurança pública bem como do papel do Estado nessa seara. Neste opúsculo, defende-se que as origens da segurança pública, enquanto manifestação do Estado, explicam-se na teoria do contrato social.

Contratualismo ou contrato social é um conjunto de ideias que mostram os caminhos que levam as pessoas a formar Estados e a manter a ordem social, esta entendida neste momento como uma ordem prática resultante das atividades regulares realizadas pelos membros de um grupo de pessoas.

Sob a ótica da teoria do contrato social, as pessoas abrem mão de certos direitos em prol da coletividade, ou seja, para um governo ou outra autoridade, com vistas a se obter as vantagens da ordem social. Seria uma espécie de acordo entre os membros da sociedade pelo qual se reconhece, sobre todos, um conjunto de regras, de um regime político ou de um governante apto a garantir a convivência protegida por meio de uma ordem estruturada. O ponto inicial da maior parte dessas teorias é o exame da condição humana na ausência de qualquer ordem social, normalmente chamada de "estado de natureza”. Nesse estado, as ações dos indivíduos estariam limitadas apenas por seu poder e sua consciência. Desse ponto em comum, os proponentes das teorias do contrato social tentam explicar, cada um a seu modo, como foi do interesse racional do indivíduo abdicar da liberdade que possuiria no estado de natureza para obter os benefícios da ordem política.

Para Hobbes, os homens, desde suas formas mais primitivas de agrupamento, possuem o instinto pela busca da própria conservação; contudo, no estado de natureza, tal conservação seria inverossímil, vez que nesse contexto prevalecem as paixões naturais que nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e toda sorte de disposição e condutas semelhantes causadoras de desordem e caos na coletividade. A luta de todos contra todos.

[...] a condição do homem é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo, neste caso, cada um governado por sua própria razão, e não havendo nada de que possa lançar mão, que não possa lhe servir de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar esse direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. Consequentemente é um preceito ou regra geral da razão que todo homem deve esforçar-se pela paz...1

Para o autor, a incerteza e ameaça constantes da vida e da liberdade são ontológicas ao estado de natureza, bem como é imperativo da razão que a coletividade se empenhe no estabelecimento de um contrato, um pacto social ao qual todos devam obediência, com o fito de garantia da vida, das liberdades e da segurança coletiva.

[...] Um estado natural em que os homens instituem um direito de autodefesa acreditando que têm direitos a todas as coisas. Isso reforça a idéia de um Estado caótico, sem instituições legais. A igualdade dos homens em um estado de natureza, segundo Hobbes, é a igualdade no medo, pois a vida está, a todo o momento, ameaçada. Nem o mais forte está seguro, pois o mais fraco é livre para usar de todos os artifícios para garantir seus desejos e sua vida. Nesse estado, os homens se encontram em uma total insegurança, pois teriam que estar sempre preparados para a guerra, sob pena de comprometer seu bem mais precioso: a vida. (grifo do autor)2

Com essas premissas, o autor contratualista mostra que é preciso legitimar um poder que promova paz e segurança às pessoas por meio da imposição de regras.

Dessa maneira, segundo Hobbes, por sua própria natureza o homem descobriu a necessidade de constituição de um poder comum a que todos devam submissão e obediência, qual seja: o Estado, ao qual chamou de “Leviatã”, um “monstro poderoso” criado para acabar com a anarquia e o caos generalizado na sociedade primitiva.

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Portanto, foi com Hobbes que se extraiu a primeira concepção do papel do Estado na segurança pública: garantir a paz social, impedindo a guerra de todos contra todos.

Assentando mesma posição que a de Hobbes nesse ponto, Rousseau considerou que os homens em seu estado de natureza não teriam condições de subsistir. De modo que deveria existir um “contrato social”, por meio do qual os homens passariam do estado de natureza para o estado civil. Tal contrato seria um instrumento mediante o qual os indivíduos aceitariam doar parcelas de suas liberdades em prol de uma entidade que proporcionasse segurança e bem-estar social. Assim, “cada um põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo”.3

Locke, embora adotando uma visão contratualista com caracteres distintos, também corrobora com os autores citados em um ponto sensível para o presente trabalho, quando entende que a formação da sociedade política, saindo do estado de natureza, aconteceria no intuito de as pessoas conservarem mutuamente suas vidas, liberdades e bens, pois, segundo o autor, falta ao homem, em estado natural, uma ordem comum a todos como padrão do justo e medida para solução das controvérsias oriundas da vida em coletividade.

Um ponto em comum abordado pelos pensadores referenciados reside na ideia que adotam da origem e fins da sociedade civil, por meio de um contrato ou pacto social. Assim, “para Hobbes, Rousseau e Locke, a noção de sociedade está ligada ao Estado civil (produto do contrato social) que se opõe ao estado de natureza [...]. Dessa forma, a função primeira do Estado civil seria garantir a segurança e a paz em troca da subserviência das leis instituídas.”4

Enfim, na senda dos teóricos do contrato social mencionados, é possível conceber que a segurança pública se origina desse pacto estabelecido para a preservação da vida e da paz em sociedade, evitando-se o caos e a luta de todos contra todos. Ademais, emerge como responsabilidade do Estado, enquanto um dos produtos desse contrato social, sendo que o homem passa a ser regido por normas que visam ao benefício da coletividade, através da possibilidade do exercício das liberdades, do bem-estar e da segurança.

2.2 QUESTÕES TERMINOLÓGICAS DA SEGURANÇA PÚBLICA

Já foi dito alhures que a preocupação em se pretender uma análise teórica sobre o tema “segurança pública” nos remete a um a priori conceitual, sem o qual não será viável a construção de bases para um estudo sistematizado e para a construção de um argumento. Essa inquietação é de considerada relevância, pois os conteúdos são importantes para a definição das políticas adotadas pelo Estado, à medida que tais conteúdos determinam o sujeito de direito da “segurança pública”, enquanto direito constitucional.

Comecemos, pois, com a noção de “segurança”. Para Lúcia Lemos Dias, “essa expressão tem representações diferentes de acordo com as sociedades, contextos históricos, políticos sociais e culturais, bem como sofre alterações a depender da área de conhecimento com que se trabalha.”5

No vocábulo Jurídico de Plácido da Silva, “segurança” guarda a ideia de segurar, literalmente:

[...] a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar e garantir alguma coisa. Assim, segurança tem o sentido equivalente à estabilidade, pois o que estável é seguro: a garantia, a firmeza, a fiança. Garantia, firmeza, fiança, sem dúvida, são sempre ideia do que está no seguro, ou é seguro, para que se evitem prejuízos em caso de danos ou riscos.6

Já para José Afonso da Silva, “segurança” traz em si o sentido de um conjunto de direitos apto a aparelhar situações, proibições, limitações e procedimentos destinados a assegurar o exercício e o gozo de algum direito individual fundamental (intimidade, liberdade pessoal ou a incolumidade física ou moral).7

De igual modo, a noção de “segurança pública” é interpretada sob várias perspectivas, notadamente sob orientação de fatores históricos, políticos, sociais e culturais. Pode ser vista, por exemplo, como a situação de preservação ou restabelecimento da convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, conforme entende José Afonso da Silva8. Mas o professor também alerta que a Constituição Federal brasileira de 1988 estabelece que “a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (art. 144), de tal monta que é preciso que a questão da segurança seja discutida e assumida como tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população.9

Também visando a definir a segurança pública, Mesquita Neto diz ser essa uma condição ou situação de fato, de convivência ordenada, pacífica e tranquila, em determinada comunidade ou sociedade10. Assim, tal autor entende que a segurança pública é a finalidade ou o objetivo de um conjunto de ações realizadas por indivíduos, grupos ou organizações, que podem ser agentes públicos, privados ou comunitários.

A abordagem do tema é assaz diversificada e parece delinear-se sempre perpassada por fatores históricos, sociais, políticos, culturais, filosófico, etc. Por exemplo, para Mesquita Neto, no Brasil e em outros países da América do Sul, o conceito de segurança pública foi interpretado sob uma perspectiva negativa, isso devido a fatores políticos ocasionados pelos regimes autoritários nos idos de 1960 e 1970, o que fez emergir a ideia de segurança pública sob duas vertentes complementares, a saber: segurança interna e segurança nacional. Menciona o autor que, em ambas as vertentes, a segurança pública se relacionava mais com a segurança do Estado, ou do governo, em detrimento da segurança das pessoas e da garantia das liberdades. De fato, sob a égide de tais regimes autoritários, a segurança pública foi com frequência usada com instrumento de repressão dos considerados “inimigos da pátria”.

Por essa razão, durante as fases de transição para a democracia, já na década de 1980, houve uma reformulação conceitual da segurança pública no Brasil, introduzida pela Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã:

A Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã, é um marco importante de transição do regime autoritário para o regime democrático no Brasil. Ao elaborar a Constituição de 1988, a Constituinte introduziu várias mudanças na Constituição de 1967. Uma delas foi a eliminação da seção, na Constituição de 1967, dedicada à “segurança nacional” (artigos 89 a 91) e a introdução, no seu lugar, de uma seção dedicada ao “Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional” (também artigos 89 a 91). Inovou ainda a Constituição de 1988 ao introduzir um título dedicado à “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”, que inclui três capítulos referentes ao “Estado de Defesa e Estado de Sítio” (artigos 136 a 141), ás “Forças Armadas” (artigos 142 a 143) e a “Segurança Pública” (artigo 144).11

As mudanças na materialidade jurídica surgiram como fruto da mudança do regime autoritário para o regime democrático, e, nesse diapasão, o conceito de segurança pública pareceu ganhar novos contornos, delineado pelo espírito libertário e humanístico. O conceito de “segurança pública” substituiu os conceitos de “segurança nacional” e “segurança interna”, deixando o simbolismo de que estes últimos estavam associados ao autoritarismo, e o primeiro, à democracia.

Contudo, as mudanças sociais e culturais não emergem de súbita, acompanhando as mudanças jurídicas e de regime político, de modo que resta a relevante discussão em torno dos reais objetos e fins das políticas de segurança pública no Brasil, a qual vem mesclada pelo avanço vertiginoso da criminalidade e da preocupação em rever práticas e redefinir planos de ação para uma segurança pública sob novas perspectivas, buscando-se criar um diálogo mais aproximado com a noção de direitos humanos e a proteção das liberdades.

2.3 OUTRAS PERSPECTIVAS CONCEITUAIS

Ainda sobre a problemática de se conceituar a segurança pública no Brasil, houve outras tentativas que procuravam trazer novas opções para se fazer uma segurança pública mais liberta dos matizes conceituais de outrora. Esses novos esforços tentaram implementar uma concepção de segurança pública mais focada na filosofia dos direitos humanos, ou nas hodiernas necessidades sociais, sobretudo marcadas pelo avanço vertiginoso da criminalidade no Brasil.

Mesquita Neto, por exemplo, fala do conceito de “segurança cidadã”, originário, na América Latina, de processos de transição de regimes autoritários para democráticos, no final do século passado12. O conceito de segurança cidadã diz respeito à segurança dos cidadãos, e se contrapõe ao conceito de segurança nacional e segurança interna, que se referem, por sua vez, à segurança do Estado. Para o autor, há duas maneiras de se entender tal conceito: em um sentido estrito, a segurança cidadã diz respeito à proteção dos cidadãos contra a ameaça e o uso abusivo da força e contra a violência física ou psicológica; já em um sentido amplo, está relaciona à proteção dos cidadãos contra qualquer tipo de violência: violência econômica, social, cultural, ou qualquer outra que possa causar morte ou danos à integridade física ou psicológica dos cidadãos.13

Tal conceito parecer ter sido bem recebido. O Brasil, por exemplo, ao anunciar o terceiro plano nacional de segurança pública, em 2007, não por acaso decidiu nomeá-lo “Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania” (Pronasci) – notória a alusão ao conceito de segurança cidadã. Mas é inegável que no Brasil ainda prevalece, no cotidiano das instituições policiais, o velho conceito de segurança pública.

O autor aponta ainda as vantagens de se falar em segurança cidadã, pois esse conceito diz que a segurança é direito de todos, indistintamente, rompendo com a ideia de defesa de Estado, governos, grupos políticos ou elite econômica. Contudo, o ensaísta revela alguns problemas de ordem prática de tal conceito, entre os quais o da consideração da própria noção de “cidadão” de que compõe o conceito ora tratado. Assim, segurança cidadã parece limitar-se aos cidadãos, porém a segurança não é um problema só dos cidadãos, mas também dos não cidadãos (imigrantes, refugiados, residentes, visitantes) que convivem na mesma sociedade.14

Na mesma obra, o pesquisador também revela que outros conceitos também foram propostas e bastante discutidos no debate acadêmico, mormente os conceitos de “segurança urbana” e “cidades seguras”, os quais não serão tratados neste momento.

Essas tentativas foram marcadas pelo período de transição, na América Latina, de regimes autoritários para regimes democráticos, o que explica sua carga humanística, notadamente frente ao poder do Estado. Mas, aponta Mesquita Neto, vários outros problemas parecem ganhar força hodiernamente no cenário de discussão da segurança, revelando novas necessidades conceituais para além das já citadas. Hoje, resta a preocupação de uma reforma não só estrutural da segurança pública, mas, sobretudo, ideológica e conceitual. A sociedade contemporânea é marcada pela escalada da violência, e não só violência do Estado contra o cidadão, nem só violência contra grupos minoritários, mas também violência associada ao terrorismo e ao crime organizado e violência de processo de desenvolvimento econômico que deslocam e destroem comunidades indígenas e rurais, bem como o meio ambiente.15 Assim, o autor lança o questionamento: “será que as tentativas conceituais de que se falou já estão perdendo sua força, porque procura resgatar uma realidade do século XX que já foi superada pelo início do século XXI?”16

Ainda na tentativa de redefinir a segurança ou de dar-lhe novos contornos, a Organização das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabeleceu o direito à “segurança da pessoa” ou “segurança pessoal”,17 e mais recentemente passou a adotar o conceito de “segurança humana”.18 Este último conceito faz referência à segurança dos indivíduos e da sociedade, e, portanto, parece ser um pouco mais amplo que o conceito de segurança pessoal. Daí, em um sentido amplo adotado pela ONU, segurança humana significa proteger liberdades fundamentais, isto é, proteger as pessoas de ameaças e situações críticas através de processos apoiados em sistemas políticos, sociais, ambientais, econômicos, militares e culturais que, em conjunto, proporcionem às pessoas as bases para a sobrevivência, meio de subsistência e dignidade.19

Pelo pouco visto até aqui, percebe-se a tentativa paulatina de se construir um conceito de segurança para além dos matizes tradicionais, ou seja, mais voltado para a filosofia dos direitos humanos e da garantia das liberdades; mas até que ponto tais redefinições lograram os resultados almejados? E, em nosso caso, em que medida se mudou a cultura da segurança pública no Brasil? Tais questionamentos são, de fato, necessários, ainda mais no Brasil contemporâneo, marcado por novos desafios que põem em cheque, a cada dia, nossas práticas e nossos conceitos, no que se refere à segurança pública, e reclamam incontinente releitura conceitual e de perspectiva, ladeada, sem dúvida, de práticas políticas efetivas.

2.4 A ÓTICA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: GARANTIA DAS LIBERDADES VERSUS PRESERVAÇÃO DA ORDEM

Já se evidenciou alhures a relevância da reflexão conceitual em torno do tema “segurança pública”, isso por que, estabelecendo o limite e o alcance de tal expressão, através de uma análise no campo científico, contribui-se para a definição das políticas públicas adotadas, bem como para o estabelecimento do sujeito e o alvo dessas ações públicas. Em outras palavras, trazer a problemática conceitual da segurança pública para a esfera acadêmica é democratizar um tema de interesse que vai muito além de limites institucionais.

Nessa senda, já foi visto que a história da segurança pública no Brasil passou _ em um pretérito não tão distante _ por fatores sociais, políticos e ideológicos que marcaram uma óptica difundida pela doutrina da Escola Superior de Guerra, a qual deu base aos governos militares nas décadas de 1960 e 1970, e estampou na segurança pública a noção pujante de “segurança interna”, esta entendida como segurança do Estado contra a subversão, ou quaisquer comportamentos que pudesse pôr em instabilidade a “ordem” interna e a tranquilidade política, como se vê na passagem extraída da obra “Doutrina Básica da Escola Superior de Guerra”:

[...] defesa global das instituições, incorporando, por isso, os aspectos psicossociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade política interna; [...] o conceito de segurança, [...] toma em linha de conta a agressão interna, corporificada na infiltração e subversão ideológica...20

Após a Constituição brasileira de 1988, a segurança pública foi redefinida, marcada, sobretudo, pelo espírito libertário e humanístico do período de redemocratização brasileira, passando a figurar na Constituição cidadã, em seu artigo 144, da seguinte forma:

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – policiais civis; V – policiais militares e corpos de bombeiros militares.21

Mas se nota que, mesmo após a Constituição de 1988 _ dita cidadã _, a noção de segurança pública parece não se desvencilhar da ideia de garantia ou “preservação da ordem pública”, apenas redireciona o sujeito da segurança pública, que outrora era o Estado, e agora passa a ser o indivíduo22, através de sua incolumidade física e patrimonial.

Aqui emerge outro desafio a enfrentar, pois se antes havia a problemática da conceituação da “segurança pública”, agora parece que a Constituição procurou anunciá-la a partir de uma expressão que carrega em si, também, a necessidade de definição, a saber: ordem pública. Tal expressão não foi definida pelo ordenamento jurídico brasileiro, deixando-se a cargo, então, dos doutrinadores e da jurisprudência.

Com esse intento, vários autores já se manifestaram, como José Afonso da Silva, para quem:

A segurança pública consiste na manutenção da ‘ordem pública interna’ [...] Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes23

É de bom alvitre mencionar que o referido autor também alerta a necessidade de definir e estabelecer o sentido da expressão “ordem pública”:

[...] porquanto se trata de algo destinado a limitar situações subjetivas de vantagem, outorgadas pela Constituição. Em nome dela se têm praticado as maiores arbitrariedades. Com a justificativa de garantir a ordem pública, a verdade, muitas vezes o que se faz é desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia.24

De fato, é razoável supor que existe sempre um risco iminente à própria garantia das liberdades e dos direitos fundamentais, devido à larga margem interpretativa que a referida expressão deixa ao arbítrio do Estado.

Maria Helena Diniz também propõe uma conceituação, à luz do direito administrativo. Para ela, ordem pública consiste em um “conjunto de condições essenciais a uma vida social conveniente, fundamentado na segurança das pessoas e bens, na saúde e na tranquilidade pública”.25

Também, na mesma tentativa, já houve indicação jurisprudencial em caso concreto:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA E CLAMOR PÚBLICO. TENTATIVAS CONCRETAS DE INFLUENCIAR NA COLETA DA PROVA TESTEMUNHAL. ORDEM DENEGADA.

O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação ou de insegurança que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito ou, de qualquer forma, representará agravo incomum a uma objetiva noção de segurança pública. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social (grifo nosso).26

Aqui é notória a visão de ordem pública como garantia contra quaisquer fatores que possam pôr em risco a tranquilidade social, sintetizada pela noção de “acautelamento do meio social”.

Não buscando pormenores históricos ou filosóficos, pois os elementos jurídicos até agora trazidos já nos são demasiado suficientes para o fim almejado neste opúsculo, resta notório que a noção que se tem no Brasil sobre “segurança pública”, malgrado anunciada pela Constituição de 1988, que emergiu na efervescência de uma onda democrática e humanística, ainda guarda a velha caracterização e aporte conceitual da segurança pública marcada pela relação com a “ordem pública”, expressão em si carente de significado legal, o que deixa frouxa margem interpretativa ao alvedrio do Estado. Essa larga margem interpretativa, como já mencionada antes, é sempre um risco iminente à garantia de liberdades e de direitos fundamentais do indivíduo, vez que, com expressões ou conceitos indeterminados, podem-se cometer abusos e violações de direitos sempre com algum respaldo interpretativo, mesmo que forjado em ideologias diversas.

2.5 A CULTURA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL FRENTE OS DIREITOS HUMANOS

O entendimento da segurança pública tradicionalmente concebida pelas instituições e, por vezes, pela própria sociedade dá ênfase à preservação da ordem pública, bem como a garantia do patrimônio, deixando de lado, quase sempre, a pessoa humana como destinatário primeiro das ações de segurança pública.

Uma cultura de segurança pública marcada por uma visão inflexível e consubstanciada por conceitos legalmente indefinidos, como a ideia de “ordem pública”, é uma ameaça iminente aos direitos humanos e a garantia das liberdades, pois outorga ao Estado vasta margem interpretativa na promoção da segurança, o que se materializa nos vários casos de abuso do uso da força por parte de agentes da segurança pública cuja formação e cultura profissionais não negam a deficiência e anacronismo de nossas práticas na seara da segurança pública brasileira.

O nosso Estado Democrático de Direito e a sociedade contemporânea reclamam novas perspectivas no campo da segurança, ou seja, o estabelecimento de novos paradigmas ladeados pelo ideal de direitos humanos, garantia das liberdades e defesa da cidadania.

Nesse sentido, nossa Carta Política de 1988, em seu artigo 5.° caput, diz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...] (grifo nosso).

Portanto, é cristalina a anunciação da segurança como direito fundamental, isto é, como positivação de direitos humanos. Mas em que termos e com que alcance as expressões “segurança pública” e “ordem pública” são frequentemente utilizados no Brasil hodierno, caracterizado como Estado democrático de direito, considerando que a segurança é evocada pela Constituição brasileira de 1988 como direito fundamental?

Diante de tal questionamento, é inegável que o ordenamento jurídico e as práticas políticas e institucionais brasileiras, bem como a cultura social, carecem de novos horizontes para a segurança pública, em outras palavras, é um imperativo que se estabeleçam novas perspectivas, através de ressignificação e redefinição da segurança pública brasileira.

Nesse sentido já se manifestaram vários autores consagrados, como Giuseppe Tosi, que sinaliza uma ampliação do conceito de segurança.27 Também Ana Lúcia Sabadell que, ao discutir segurança pública, diz que se faz necessário revolucionar seu conceito, a partir da ampliação de seu objeto e de seus titulares, e acrescenta:

A criminalidade começa a aparecer como produto de um processo específico de seleção e elaboração dos conflitos sociais. Graves problemas sociais, tais como o desemprego, a pobreza, a ausência de infraestruturas, o uso e a ocupação do solo e, em geral, as desigualdades no acesso aos recursos sociais não são considerados problema de ordem pública e não entram na acepção dominante do conceito de segurança pública28.

Assim, sinaliza a autora que segurança pública deve andar pari passu com as questões sociais, é dizer, o Estado não logrará êxito em políticas públicas na área da segurança, caso não consagre a atenção devida aos problemas sociais. Portanto, Sabadell concebe uma segurança pública sob um viés social, na tentativa patente de fugir do velho conceito marcado pela ideia de “ordem pública”.

Desse modo, resta clara a necessidade de se pensar teoricamente a segurança pública, porém com novas perspectivas e tendo como objetivos indubitáveis a defesa dos direitos humanos e a garantia das liberdades.

Nesse mesmo caminho alguns intelectuais brasileiros já dialogaram, defendendo uma ressignificação da segurança pública que priorize não a “ordem pública” _ esse conceito indefinido e temerário _, mas a defesa dos direitos humanos e a garantia das liberdades de todos, indistintamente.

Por conseguinte, deve ser construído um conceito de segurança pública que remeta à segurança dos direitos fundamentais, empenhando-se na construção de caminhos jurídicos e políticos que venham permitir a efetivação dos direitos reconhecidos e garantidos constitucionalmente.29

Dado está o problema a ser analisado; portanto emerge, doravante, a premente necessidade de se identificarem os elementos sociais indispensáveis que devam figurar como marco inicial, a partir do qual seja viável o desenvolvimento de novos conceitos e definições da segurança pública, ou seja, de sua ressignificação com vista a se construir uma cultura de segurança que dialogue uníssono com o ideal dos direitos humanos e da garantia das liberdades.

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Sobre o autor
Tiago da Silva Lima

Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB e pós-graduado "lato sensu" em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, em parceria com a Escola Superior da Magistratura - ESMA da Paraíba. Também possui graduação em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Cabo Branco, em parceria com a Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, e especialização em Segurança Pública pela mesma instituição. Profissional de Segurança Pública no Estado da Paraíba (Oficial da PMPB), com experiência na área ambiental, corregedoria e assessoria jurídica em Direito Militar. Atualmente, Chefe do Cartório da Vara da Justiça Militar (Auditoria Militar) da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Tiago Silva. O conceito de segurança pública sob as lentes da teoria brasileira de direito ambiental e dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7272, 30 mai. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104330. Acesso em: 21 nov. 2024.

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