De uma interpretação conjunta dos artigos 102, III e 105, III, da Constituição, foi instaurado, em nosso sistema recursal, o regime do duplo cabimento dos recursos ditos "excepcionais".
Assim, de um mesmo acórdão, proferido por um Tribunal de Justiça ou por um Tribunal Regional Federal, que contenha fundamentos tanto de ordem constitucional quanto de ordem federal (ou infraconstitucional), devem ser interpostos, sob pena de preclusão, tanto o Recurso Extraordinário, dirigido ao Supremo Tribunal Federal, quanto o Recurso Especial, por sua vez dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.
Assim, em regra seria incabível levar-se uma decisão do STJ à apreciação do pretório excelso. Ou seja: decidida a causa pelos Tribunais de Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais, e não interposto o Recurso Extraordinária, fechado estará o acesso ao Supremo posteriormente, já que operada a preclusão da questão constitucional.
EMENTA: Agravo regimental. Recurso extraordinário contra acórdão que julgou recurso especial. Questão constitucional suscitada, perante o Superior Tribunal de Justiça, em embargos de declaração. - Esta preclusa a questão constitucional que poderia ter sido suscitada perante o Tribunal local, e não o foi, para dar margem a interposição do recurso extraordinário concomitantemente com a do recurso especial. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, AI AgR 139013, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 19/10/1993)
Todavia, existem casos em que, do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, poderá a parte interpor Recurso Extraordinário. Mas isso desde que, originariamente, no julgamento daquela corte superior, apareça a questão constitucional, que permitirá a parte fazer uso do extraordinário.
Essa é a única forma em que fica aberta exceção ao regime do duplo cabimento, acima referido. E tudo porque a hipótese constitucional de cabimento do Recurso Extraordinário é ampla, já que esse recurso é cabível de qualquer causa, desde que decidida em única ou última instância. É a última via, o último meio recursal posto à disposição da parte para rever decisão anterior.
Em resumo: se a questão constitucional surgir no acórdão do Tribunal local (TJ ou TRF), deve a parte desde já – pena de preclusão, repita-se - interpor o recurso extraordinário. Agora, se a questão constitucional surgir, originariamente, durante o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (nas ocasiões que exporemos abaixo), cabível, sim, o extraordinário em face deste acórdão.
É esse o entendimento do Ministro Celso de Mello, conforme o trecho abaixo, em voto relativo à questão:
É incabível recurso extraordinário de decisão do Superior Tribunal de Justiça que não tenha apreciado, originariamente, a questão constitucional. (AI-Agr 145.589)
E em quais hipóteses poderá surgir a questão constitucional no Superior Tribunal de Justiça? A princípio, três seriam os casos:
durante o julgamento do Recurso Especial, o STJ levanta questão constitucional, declarando, por exemplo, a inconstitucionalidade/constitucionalidade da lei na qual o recorrente ampara seu pedido. Desta forma, surge a oportunidade para o sucumbente levar a questão ao Supremo. Esse é o caso mais controvertido, tendo-se em vista que a questão constitucional, se surgida anteriormente, deveria já ter sido recorrida, via extraordinário. Não caberia o RE do julgamento do STJ, salvo em hipótese restrita.
E M E N T A - Recurso extraordinário: interposição de decisão do STJ em recurso especial: inadmissibilidade, se a questão constitucional de que se ocupou o acórdão recorrido ja fora suscitada e resolvida na decisão de segundo grau e, ademais, constitui fundamento suficiente da decisão da causa. 1. Do sistema constitucional vigente, que prevê o cabimento simultâneo de recurso extraordinário e de recurso especial contra o mesmo acórdão dos tribunais de segundo grau, decorre que da decisão do STJ, no recurso especial, só se admitirá recurso extraordinário se a questão constitucional objeto do último for diversa da que já tiver sido resolvida pela instância ordinária.
(STF - AI-AgR 145589/RJ, Plenário, Rel. Min, SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 02/09/1993)
no julgamento do Recurso Ordinário Constitucional, nas hipóteses elencadas pelo artigo 105, II, da CF/88. Isso porque, nestas causas, o julgamento em segunda instância se dá originariamente pelo Superior Tribunal de Justiça (por isso fala-se que tais recursos fazem "às vezes" da apelação);
quando o Superior Tribunal de Justiça atua em causas de sua competência originária (art. 105, I). Nesse caso, o único recurso cabível para impugnar o acórdão do STJ seria o extraordinário, desde que levantada questão constitucional.
Deve, porém, ser lembrado que, em todas essas hipóteses, exige-se, com base na expressão constitucional "causas decididas", o prequestionamento. E, em casos tais, há um tratamento específico dado a mencionado requisito: surgida a questão constitucional, que abrirá para o interessado a via do extraordinário, devem ser opostos embargos de declaração, com intuito unicamente prequestionatório. Esse entendimento surge da jurisprudência do próprio Supremo:
PREQUESTIONAMENTO. ALEGADA OFENSA À CONSTITUIÇÃO SURGIDA NO PRÓPRIO ARESTO RECORRIDO. IMPRESCINDIBILIDADE DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. Se a alegada ofensa à Constituição surge com a prolação do próprio acórdão, ainda que do Superior Tribunal de Justiça, que só examina questão infraconstitucional, impõe-se a oposição de embargos declaratórios, a fim de que seja suprido o requisito do prequestionamento, restando prejudicada a análise das demais questões suscitados no extraordinário. Precedentes.
(STF, AI-AgR 376041/ES, Primeira Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, julgado em 03/09/2002)
No voto da relatora, Min. Ellen Gracie, há passagem importante, para elucidação do tema:
Esta Corte já firmou o entendimento de que, se a questão constitucional surge originária e implicitamente num acórdão, ainda que prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, com relação a recurso especial, é indispensável para o seu prequestionamento que seja ela levantada em embargos de declaração para propiciar ao Tribunal que a prolatou a possibilidade de examiná-la, sendo certo, também, que se ele se recusar a fazê-lo, ainda assim a questão constitucional está prequestionada para a interposição do recurso extraordinário. No caso, isso não ocorreu, estando correto o despacho agravado que deu pela falta de prequestionamento das questões constitucionais que só foram invocadas no recurso extraordinário.
Desta forma, entende-se perfeitamente cabível Recurso Extraordinário em face de decisões do Superior Tribunal de Justiça, como nas hipóteses acima. Mas, sempre condicionado a que o surgimento da questão constitucional (e seu debate) tenham ocorrido durante o julgamento do Superior Tribunal de Justiça.
Isso porque, do sistema constitucional inaugurado com a Carta de 1988, o regime do duplo cabimento do Recurso Especial e do Extraordinário, em face das decisões em última instância dos Tribunais locais (TJs e TRFs) é a regra, pena de preclusão.
Desta forma, apenas questões constitucionais originariamente surgidas no Superior Tribunal de Justiça é que podem ser levadas, via Recurso Extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal.