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Insatisfações, lides, pretensões e resistências

28/09/2007 às 00:00

Resumo:


  • A manutenção da vida em sociedade exige a imposição e a prática de restrições devido às imperfeições humanas e desvios de caráter.

  • Os conflitos de interesses evoluem conforme o desenvolvimento da sociedade, podendo ser de natureza transindividual.

  • As insatisfações podem gerar conflitos de interesses, mas nem sempre são responsáveis por isso, sendo a pretensão e resistência elementos essenciais para a caracterização da lide.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. A manutenção da vida em sociedade exige a imposição e a prática de restrições. E isso porque mesmo sendo o homem um ser racional, cujo inconsciente impõe-lhe a necessidade de agregar-se aos seus semelhantes, sua natureza, não raramente, prega-lhe peças, inserindo-o num contexto caracterizado pela conflituosidade. As imperfeições humanas e os desvios de caráter, frequentemente impulsionam as pessoas a agirem de modo contrário à ordem jurídica, intentadas a fazer imperar seus interesses em prejuízo de outros, incitando o surgimento de conflitos altamente prejudiciais à própria fisiologia do organismo social. [01]

E os conflitos de interesses possuem forma variável, apresentando novéis contornos em conformidade com o desenvolvimento (social, econômico, cultural, político e tecnológico) da sociedade. Se outrora, por exemplo, prevaleciam os choques de interesses envolvendo indivíduos (ou grupos deles) perfeitamente identificáveis, na atualidade despontam-se aqueles de natureza transindividual (ou supraindividual), em que os titulares, muitas vezes, são pessoas indetermináveis, ligadas por circunstâncias de fato, ou vinculadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. [02]


2. Constantemente a doutrina faz referência às imperfeições e conflitos de interesses. Mas é escorreito tomar essas expressões como se sinônimas fossem, dois modos diversos de se referir a um mesmo fenômeno?

Por igual, é comum menções acerca das pretensões e resistências. E qual é o real significado desses termos segundo a corrente doutrinária majoritária?

Sem maiores pretensões, este sucinto ensaio tem o objetivo, único e despretensioso, de solver essas questões, cujo interesse é imediato àqueles que pretendam enveredar-se no estudo da teoria geral do processo.


3. As insatisfações denotam um estado de espírito, caracterizado pelo descontentamento causado por situações fáticas contrárias aos interesses daquele(s) que os alimentam em seu ânimo. Elas efetivamente podem produzir conflitos de interesses. Podem produzi-los, mas nem sempre são responsáveis por tal resultado. Afinal, estar-se-á tratando de um conceito carregado de elevado subjetivismo, que ao Direito apenas irá representar algo de importância depois que ceder lugar a uma pretensão, ao desejo já materializado de agir em prol de interesses próprios. [03]

Adiante-se já aqui: não se perca de vista que a idéia de intersubjetividade também integra a essência do conceito de lide (conflito intersubjetivo de interesses), pois o conflito apenas possui valia ao Direito quando envolve interesses de dois ou mais sujeitos. Assim, se alguém se encontra inserido num enfrentamento interno de idéias, portando dúvidas de como proceder, já que seu âmago impõe-lhe várias resistências às possíveis ações a serem realizadas para a satisfação de um determinado ideal, não há, aí, sequer um conflito potencial de interesses. [04]

A insatisfação, então, não é o próprio conflito de interesses, especialmente quando esse último conceito está vinculado à idéia carneluttiana de lide. Surge antes dele; não raras vezes representa o seu germe. Ocorre que esse germe apenas se desenvolve na medida em que uma pretensão surja, atuando de maneira a atingir o objetivo pretendido, como uma locomotiva buscando cumprir pontualmente o trajeto a ela estabelecido. [05]


4. Para Carnelutti, pretensão significa um ato e não um poder; é algo que alguém faz, não que alguém tem; trata-se de uma manifestação, não uma superioridade de vontade. É uma exigência de submissão do interesse alheio ao interesse próprio. Seria o direito subjetivo no seu módulo dinâmico; ou o direito subjetivo em exercício. [06]

De nada adianta José perder sua casa de moradia, por um desmoronamento que a tornou inabitável, tudo por negligência da construtora responsável pela obra, se ele, mesmo aborrecido, permanece apático, prostrado e alimentando esperanças de que tudo será resolvido, por vindoura ajuda divina. Apenas se José tomar iniciativa, diligenciando para socorrer seus interesses, seja apresentando uma reclamação formal ao PROCON (ou a outro órgão competente qualquer), seja informando a construtora de suas intenções, seja, ainda, ajuizando a competente ação de reparação de danos, é que o conflito de interesses poderá surgir. [07]


5. Porém, sob a ótica jurídica, não basta a pretensão para o nascimento de um conflito de interesses (litígio ou lide). Os contornos do conflito de interesses apenas estarão completos com o surgimento da resistência.

Etimologicamente, resistir exprime a idéia de teimar, opor-se; é a qualidade de um corpo que reage contra a ação de outro corpo. [08] Tome-se o exemplo anteriormente utilizado: a insatisfação de José, e a caracterização de sua pretensão destinada a tutelar seus interesses, ainda não são suficientes para deflagrar um conflito de interesses. Esse apenas surgirá em havendo resistência por parte da construtora àquela pretensão suscitada por José. Em tal caso, o desenho do conflito de interesses se mostra completo, colorido com cores contrastantes, mas absolutamente necessárias à sua caracterização. [09]


6. De todo esse raciocínio, surge a noção de lide, caracterizada por um conflito (intersubjetivo) de interesses qualificado por uma pretensão resistida. [10] É a resistência oposta à pretensão que torna a situação litigiosa; enquanto houver só pretensão, não pode haver lide. [11]

E a lide não é um fenômeno exclusivamente endoprocessual. Muitas vezes, ela surge antes de se acionar a jurisdição, desembocando, apenas numa segunda etapa, no Judiciário, quando, então, sua pacificação, com critérios de justiça, será perseguida pelo Estado-juiz.

Daí já se percebe o equívoco de se tomar a lide como sinônimo de processo. A lide não é o processo; este apenas traduz a lide perante o Judiciário, e nem sempre inequivocamente – sem querer isso significar que o processo somente existe na presença de lides, o que certamente confere ainda mais vigor à idéia de que lide realmente não é processo.

Por competir ao autor acionar a jurisdição, a ele também caberá a responsabilidade de delinear sua pretensão ao órgão jurisdicional, e isso por meio da petição inicial, [12] momento em que deverá apontar os fatos e fundamentos que a justifiquem. Não raramente, porém, os contornos indicados pelo demandante não refletem a lide por inteiro, mas somente parte dela. Também, às vezes, esses contornos deixam de revelar exatamente o conflito de interesses, exteriorizando traços fictícios, existentes apenas na imaginação do autor. [13]

Mas, no âmbito processual-jurisdicional, a lide tão-só restará corporificada depois de apresentada a contra-pretensão do demandado. Até então, e ao menos nessa esfera processual-jurisdicional, haverá apenas uma pretensão. Ao surgir da resistência, devidamente materializada em sua defesa, estará a lide processual finalmente formada. Pretensão e resistência conferem os contornos da lide, e ao Estado-juiz caberá decidir o caso concreto nos limites em que essa mesma lide se encontrar proposta no processo, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, e a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte (CPC, art. 128). [14]


7. Conforme já afirmado alhures, atualmente grande parte das lides assume caráter supraindividual. Isso significa que as pretensões, e/ou as resistências, se referem a uma série indeterminada de conflitos similares de interesses. [15]

É de se notar, mesmo nesse estudo preliminar, que esses conflitos similares ou conflitos de categoria (Carnelutti), podem ser sanados por meio de uma única atividade jurisdicional, a ser realizada num único processo. Assim, o Ministério Público e determinados entes (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, associações, sindicatos, etc.), detêm legitimidade extraordinária para tutelarem interesses transindividuais, e isso por intermédio de ações unas, rotuladas de ações coletivas ou ações civis públicas. [16]


8. Por fim, esclareça-se que não apenas os conflitos de interesses – aqueles qualificados por pretensões resistidas – apresentam importância ao Direito. As pretensões nuas e cruas, em que a resistência não se configura, também fazem parte do rol de preocupações do legislador processual, a ponto de se permitir a utilização de procedimentos adequadamente elaborados para tutelá-las.

É que situações existem em que a pretensão realmente não encontra resistência, e o ordenamento jurídico, apesar disso, aponta meios de garantir a sua satisfação. Há também casos em que a lei veda a satisfação de algumas pretensões por ato isolado dos indivíduos, sendo indispensável a atuação jurisdicional (jurisdição graciosa). [17]

Mas esses assuntos, pela sua importância e peculiaridades próprias, merecem abordagem em outro ensaio!


Bibliografia

BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. 4ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006.

CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Vol. I. Tradução de Adrián Sotero De Witt Batista. Campinas : Servanda, 1999.

DALL’AGNOL, Antônio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000.

GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e; FINK, Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. São Paulo e Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. Rio de Janeiro : Forense, 2005.

LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004.

SILVA, Edward Carlyle. A "pretensão" no novo código civil e sua repercussão processual. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, 12. Rio de Janeiro : Gráfica da Justiça Federal da 2ª. Região, 2004.

SILVA, Edward Carlyle. A "pretensão" no novo código civil e sua repercussão processual. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, 12. Rio de Janeiro : Gráfica da Justiça Federal da 2ª. Região, 2004.

VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses individuais homogêneos e seus aspectos polêmicos. São Paulo : Saraiva, 2003.


Notas

  1. Sérgio Bermudes, ao apontar a natural incapacidade humana para o desprendimento e a renúncia, leciona que o próprio Jesus Cristo não encontrou melhor padrão de amor do que o auto-amor: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo." (BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. 4ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006. p. 1).

  2. Os exemplos de situações que podem originar conflitos de interesses são vários: (a) publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através de imprensa, e que afeta uma multidão incalculável de pessoas, sem que entre elas exista qualquer relação-base (interesse difuso); (b) lançamento no mercado de produtos com alto grau de periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores, situação vedada pelo art. 10 do CDC (interesse difuso) (GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e; FINK, Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. São Paulo e Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 719.); (c) o dano decorrente da contaminação de um curso de água; (d) o dano causado pela rotulagem irregular de alimentos ou medicamentos (interesse difuso); (e) a construção de um shopping center em determinado bairro residencial, trazendo dificuldades para o trânsito local (interesse difuso); (f) a queima de cana de açúcar, produzindo não só o impacto ambiental, como a perturbação à saúde das pessoas, ocasionando problemas respiratórios e sujeira em cidades (interesse difuso); (LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003. p. 94-95); (g) o aumento ilegal das prestações de um consórcio (interesse coletivo em sentido estrito); (h) o direito dos alunos de certa escola de terem a mesma qualidade de ensino em determinado curso (interesse coletivo em sentido estrito); (i) o aumento abusivo das mensalidades de planos de saúde, relativamente aos contratantes que já assinaram contratos (interesse coletivo em sentido estrito); (j) o dano causado a acionistas de uma mesma sociedade ou a membros de uma mesma associação de classe (interesse coletivo em sentido estrito) (LENZA, Op. cit., p. 100).

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  3. Mesmo nos casos em que o remédio jurídico cabível é a ação inibitória, não se estará trabalhando no mundo das insatisfações, mas, sim, no mundo das pretensões. E insuficiente crer que o réu, por estar insatisfeito, agirá de maneira irregular. Para se inibir judicialmente uma conduta, ou provável conduta do réu, uma pretensão anterior necessariamente há de ter sido por ele praticada. Ensina Luiz Guilherme Marinoni existirem três espécies da ação inibitória: (a) aquela objetivada a inibir a prática do ilícito, considerando que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu; (b) aquela outra destinada a impedir a continuação do ilícito, englobando ações com eficácia ilícita continuada e ações continuadas ilícitas; e (c) aquela destinada a evitar a ocorrência de ato ilícito idêntico a outro já praticado. (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004. p. 257). Em ações inibitórias o que se postula é uma tutela jurisdicional de resistência, pois se pretende oferecer resistência a um ilícito praticado ou a ser praticado extrajudicialmente. Estimula-se o Estado-juiz com a pretensão de evitar a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Para obter êxito em seu intento, não basta ao autor o argumento de que acredita que o réu agirá de determinada maneira. Haverá, por óbvio, de provar a probabilidade do ilícito a ser praticado pelo réu. E mesmo naquelas situações em que o ilícito ainda não foi praticado (ação inibitória pura), uma pretensão há de ter sido exercida pelo réu, dando pistas de que o ilícito será praticado (aqui se adota o sentido de pretensão idealizado por Carnelutti – ver adiante). A prova da probabilidade do ilícito alicerça-se em uma pretensão anteriormente exercitada pelo réu, normalmente caracterizada por uma ameaça. Essa ameaça nada mais é do que uma pretensão, a materialização de um desejo, a manifestação concreta do agir (exemplos: uma notificação informando que se adotará a postura ‘x’; uma publicidade televisiva anunciando que uma notícia jornalística qualquer será veiculada; uma nota publicitária esclarecendo que um produto perigoso será lançado no mercado, sem maiores cuidados voltados a garantia da saúde e segurança do consumidor). Com efeito, sem a exteriorização da intenção de agir ilegitimamente, sem uma pretensão voltada a evidenciar a possibilidade da prática do ilícito por parte do réu, o autor certamente não obterá êxito na ação inibitória. Repita-se: as insatisfações não têm valia no mundo jurídico, mormente por se situarem no âmbito do pensamento, internalizadas no âmago das idéias humanas, sem qualquer manifestação de exterioridade.

  4. Adiante uma narrativa, de ordem pessoal, apta a diferenciar insatisfações de conflitos de interesses: Todo final de semana vivencio a mesmíssima situação. Tento dormir e o bar da esquina insiste em ganhar dinheiro com a exploração de uma máquina de karaokê. Consumidores se divertem ao longo da madrugada, cantando melodias diversas, sem o menor talento para isso... De olhos arregalados, sou obrigado a ouvir o espetáculo! De um lado, meu interesse em dormir e a minha insatisfação por não conseguir resultado nisso. De outro, o interesse do proprietário da ‘casa de diversões’ em auferir lucros com a exploração da tal máquina, pouco importando se afeta o sossego alheio. Enquanto permaneço na cama, resmungando e praguejando contra o empresário, situo-me no mundo das insatisfações. Se, ao revés, reajo, seja agredindo fisicamente o transgressor – e assim tornando-me também um transgressor (CP, art. 375) –, ou notificando-o a cessar a baderna após um determinado horário, ou promovendo a ação judicial competente para obrigá-lo a agir em conformidade com a lei, estarei exercendo minha pretensão. Quanto ao empresário, poderá simplesmente curvar-se diante da minha pretensão, adequando sua conduta às normas jurídicas; poderá, também, oferecer resistência, dando ensejo a um conflito de interesses (lide), cuja solução certamente competirá ao Judiciário.

  5. O mais inocente poderia crer que os conflitos sempre germinam de insatisfações. Tal idéia é equivocada! A imperfeita natureza humana frequentemente conduz os indivíduos a instaurarem conflitos sem a adequada ponderação, movidos pela exacerbada emoção, que confunde e, nessas situações específicas, estraga a conduta. Também os desvios de caráter fazem com que o homem, mesmo sabedor de que o Direito não lhe ampara, instigue crises de interesses, simplesmente porque vislumbra vitória no fim do túnel, ou apenas para contrariar a paz alheia. Daí as razões pelas quais a insatisfação nem sempre se encontra inserida nos delineamentos de um conflito de interesses.

  6. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Vol. I. Tradução de Adrián Sotero De Witt Batista. Campinas : Servanda, 1999. p. 80.

  7. Esclareça-se que o ordenamento jurídico processual nacional possui como alicerce as teorias de Carnelutti e Liebman. Basta saber que Alfredo Buzaid, principal idealizador do CPC em vigência, foi aluno de Liebman, na Escola Processual de São Paulo, tendo sido fortemente influenciado pelos ensinamentos de Carnelutti. Contudo, é curioso perceber, consoante anota Edward Carlyle Silva, que o atual CC adotou o conceito de pretensão defendido por Pontes de Miranda, jurista cujas bases teóricas possuem origem germânica. Para o legislador do CC/2002, pretensão não é "a exigência de submissão do interesse alheio ao interesse próprio" (Carnelutti); ela apenas surge para o titular de determinado direito quando esse é violado (CC/2002, art. 189) – a pretensão, nesse caso, não é vista como a exigência de submissão, mas como o direito de agir surgido depois de violado um direito. SILVA, Edward Carlyle. A "pretensão" no novo código civil e sua repercussão processual. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, 12. Rio de Janeiro : Gráfica da Justiça Federal da 2ª. Região, 2004. p. 73).

  8. Dicionário eletrônico Houaiss. Versão 1.0.7. Setembro de 2004.

  9. Em resumo: a insatisfação é um estado de espírito; caracteriza-se pelo descontentamento interiorizado surgido de situações contrárias aos interesses, sejam eles quais forem. Não há, aqui, materialização em ações. Já a pretensão é a própria materialização ou exteriorização de um desejo destinado a satisfação de interesses – nas palavras de Carnelutti, "a pretensão é um ato não um poder; é algo que alguém faz, não que alguém tem; uma manifestação, não uma superioridade de tal vontade." (CARNELUTTI, Op.cit., p. 80). A resistência, por sua vez, é a materialização de pretensão alheia, destinada a excluir ou limitar a satisfação do interesse do outro.

  10. Ibid., p. 78.

  11. BERMUDES, Op.cit., p. 12.

  12. Os conflitos de interesses não são um fenômeno restrito ao processo de conhecimento. Também na execução civil, seja ela tradicional ou imediata, esses conflitos são perceptíveis. Isto é, há conflitos de interesses seja no processo de execução, seja na fase de cumprimento de sentença. É que no processo de conhecimento os conflitos são de incerteza; o que se busca é a certeza, a verdade, a razão. Na execução, por sua vez, o conflito é de insatisfação – a certeza da obrigação já existe e se encontra registrada no título executivo. Porém, apesar da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação, uma crise se forma, não pela incerteza, senão em razão da própria insatisfação ou inadimplemento da obrigação. Enfim, no processo de conhecimento há um conflito caracterizado pela incerteza; na execução civil, seja ela realizada através de um processo autônomo ou mediante um módulo a surgir dentro do próprio processo de conhecimento que a precedeu, a crise que poderá surgir retrata um conflito de insatisfação. Esclareça-se que nesse último caso – cumprimento de sentença – não há propriamente uma petição inicial responsável pelo delineamento dos contornos da pretensão executiva, e isso porque não se instaura um novo processo. Tudo ocorre no mesmo processo que deu origem ao título executivo judicial, cabendo ao exeqüente apenas impulsionar o exercício da jurisdição executiva mediante mera petição intermediária.

  13. Lide não é o processo propriamente dito. Também não significa mérito da causa, muito embora se perceba, na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, que a palavra tenha sido utilizada com tal significado. Essa concepção, vinculando lide ao mérito (ou objeto do processo), e considerando-a como elemento essencial ao processo, está ultrapassada, simplesmente por ser possível a existência de um processo sem lide (o réu pode aquiescer ou concordar com o pedido do autor, por exemplo). (SILVA, Op.cit., p. 71).

  14. Nessa linha, a lição de ANTÔNIO DALL’AGNOL: "O conflito, dito também lide social, pode ser mais amplo do que o que vem a ser expresso pelas partes no processo. Pouco importa. Adstringir-se-á o Estado, através do Poder Judiciário, a resolvê-lo nos estritos limites em que é ele oferecido a seu exame. Por isso, na letra da lei, o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta." E continua: "O subprincípio é tão caro ao sistema que o Código vem a repeti-lo, explicitando, no art. 460, caput: "É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedido, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado." (DALL’AGNOL, Antônio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo : Revista dos Tribunais, 200. p. 122).

  15. CARNELUTTI, Op.cit., p. 91.

  16. Para alguns inexistem diferenças entra a ação civil pública e a denominada ação coletiva, a exemplo do que leciona Marcelo Menezes Vigliar (VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Interesses individuais homogêneos e seus aspectos polêmicos. São Paulo : Saraiva, 2003). Outros, adotando uma postura metodológica diversa, advogam que a ação civil pública é aquela prevista na Lei n.º 7.347/85 e a ação coletiva surge quando veiculada com alicerce no Código de Defesa do Consumidor (GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. Rio de Janeiro : Forense, 2005).

  17. Alguns exemplos fortalecem a conclusão de que as pretensões não resistidas também possuem relevância no Direito: a) notificada pelo Ministério Público, uma empresa fabricante de xampus aceita o ilícito do qual é acusada (poluição ambiental), obrigando-se, mediante um acordo (termo de ajustamento de conduta), a instalar determinado equipamento antipoluente em todas as suas unidades de produção, acordo esse que é homologado judicialmente; b) determinada ação é ajuizada portando pretensão indenizatória de seu autor; citado o réu para se defender, permanece inerte; sob o réu incidirão os efeitos da revelia, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor; c) não mais suportando a vida a dois, os cônjuges decidem, de mútuo acordo, romper com o vínculo conjugal, dirigindo a sua pretensão ao Judiciário, e postulando a homologação da competente separação consensual; d) falecendo determinado indivíduo, o inventariante ajuíza o competente inventário, apresenta as primeiras declarações, aprovadas unanimemente por todos os demais herdeiros, atingindo o procedimento o seu objetivo rapidamente, por ausência de resistência por parte dos interessados.

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Sobre o autor
Lúcio Delfino

advogado e consultor jurídico em Uberaba (MG), doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, professor dos cursos de graduação e pós-graduação da UNIUBE/MG, membro do Conselho Fiscal (suplente) do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, diretor da Revista Brasileira de Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Lúcio. Insatisfações, lides, pretensões e resistências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1549, 28 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10460. Acesso em: 29 dez. 2024.

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