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Direito, literatura e história. Ernesto Gattai, anarquistas, comunistas e o Supremo Tribunal Federal.

O Habeas Corpus nº 26.643/1937: um estudo de caso

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3) Informações e investigações

Enquanto todos esses dramas familiares e pessoais se desenvolviam, juntava-se nos autos de habeas corpus ofício de Francisco Campos, então Ministro da Justiça, dirigido a Bento de Faria, Presidente da Suprema Corte, que o jurista mineiro (autor da Constituição de 1937) nominou de Supremo Tribunal Federal. Antônio Bento de Faria nasceu em 1876 no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito. Atingiu o Supremo Tribunal Federal por nomeação do Presidente Artur Bernardes, em 1925. Bento de Faria foi Presidente do Supremo Tribunal Federal de 1937 a 1940. Aposentou-se em 1945. Faleceu em 1959. (cf. VIOTTI DA COSTA, 2001, p. 199). Segue o conteúdo do expediente:

"Em resposta ao oficio nº 685, de 27 do corrente, tenho a honra de passar as mãos de Vossa Excelência a inclusa cópia do relatório policial constante do processo de expulsão organizado pela Policia do Estado de São Paulo contra o estrangeiro Ernesto Gattai, bem como de descrição das atividades extremistas e das declarações do citado individuo, expulso do território nacional por decreto de 21 do corrente. Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência os protestos da minha alta estima e mais distinta consideração".

O relatório que segue dá pormenorizada notícia das atividades políticas atribuídas ao paciente, a quem se imputava vínculo com o partido comunista, o que justificaria, nos termos da legislação de exceção vigente, a expulsão do interessado, isto é, se demonstrada nacionalidade estrangeira. Segue o conteúdo do relatório:

"O Partido Comunista Brasileiro, com o fim de despistar a ação das Autoridades encarregadas de prevenir a reprimir a propaganda subversiva exercida por essa organização, constantemente traça planos para a execução de tácticas novas, ilegais, para a obtenção de seu desiderato. Com a revolução comunista de novembro de 1935, muitos métodos ilegais foram descobertos pelas várias policias estatuais; diversas táticas postas em prática pelo Partido Comunista foram conhecidas, e isso acarretou um grande prejuízo á organização, tendo a direção organizado novas planos para pôr em pratica novos sistemas de conspiração. Apesar de ainda se encontrar o Pais sob o "Estado de Guerra", em Janeiro do corrente ano, não titubearam os comunistas em continuar a exercer suas perniciosas atividades, ora lançado mão de antigos elementos, e ora recrutando novos adeptos. Uma das formas que o P.C.B. vinha usando ultimamente para conseguir seus elementos, era a de senhas por meio de telefones. Ligados a antigos comunistas, surgiram novos adeptos os quais, após as convenientes instruções, vinham prestando seus serviços á organização.O relatório que foi anexado a estes autos, a fls. 44, e que se compõe de 57 folhas datilografadas, é o mesmo que foi juntado aos autos de inquérito policial instaurado por esta Delegacia em 13 de janeiro do corrente ano contra José Cintra Freire e mais dez indiciados, entre os quais os estrangeiros Ernesto Gattai, de nacionalidade italiana e Laurentino Alves, de nacionalidade portuguesa, ambos objeto do presente inquérito. Procedendo-se á leitura do referido relatório, ter-se-á uma idéia exata do que foi a atividade desses dois estrangeiros, de parceria com os demais indiciados, todos de nacionalidade brasileira. Laurentino Alves era o encarregado de aproximar um dos elementos de maior destaque do Partido Comunista, o indicado José Cintra Freire, aos novos adeptos da organização. José Cintra Freire, assim, conseguiu ser aproximado ao italiano Ernesto Gattai, incumbido este de receber e transmitir determinado recado telefônico a uma agente de ligação comunista, para a aproximação dos companheiros de luta. "

A acusação centrava-se no recado telefônico que fora transmitido por Gattai, de modo que todo o conjunto probatório fazia-se em torno do telefonema. Era o que bastava. E assim:

"Eunice Catunda, também conhecida nos meios comunistas pelo vulgo de "Jacy", era a encarregada de receber o telefonema de Ernesto Gattai, e aproximar os comunistas uns dos outros. Confirmou-o ela em suas declarações de 11 de maio do corrente cuja certidão vemo-la neste auto a fls. 38, e nas mesma expôs minuciosamente, toda a atividade que por ela era exercida nesta capital e, bem assim, as de outros companheiros, inclusive a de Ernesto Gattai. No auto de acareação de fls. 41 destes autos, extraído por certidão, a indicada Eunice Catunda reconhece em Ernesto Gattai o mesmo que lhe havia sido apresentado por José Cintra Freire para os fins de receber e transmitir o telefonema cifrado."

No mérito, toda a defesa fez-se em torno da negativa da autoria; Gattai insistia que desconhecia os telefonemas de que tanto se referia:

"Mas Ernesto Gattai, julgando que lhe serviria de ótima defesa, achou de bom alvitre negar os fatos que lhe eram imputados pelos próprios seus companheiros de idéias. De fato, em suas declarações o único objetivo seu é negar. Nada mais faz que negar. Para mais provar a sua atividade de comunista, basta folhear as folhas 18 a 31 destes autos, onde constatamos a espécie de material subversivo encontrado em sua residência e em sua garagem, sitos, respectivamente, à rua Borba Gato 105, vila, Casa nº 7 e rua Theodoro Sampaio 189. E, note-se esse material apenas representa uma parte foi encontrado nos locais acima citados, porquanto a outra parte foi juntada ao inquérito policial remetido ao Tribunal de Segurança Nacional. Mas, procedendo-se a leitura do auto de exibição e apreensão que se vê a fls. 13 e 14 destes autos, obteremos a informação exata da quantidade e qualidade de material de propaganda subversiva encontrado em sua garagem e residência. Ainda com referência a esse material, Ernesto Gattai, em suas declarações de fls. 14, 15 e 16, embora reconhecendo que foi encontrado em local por ele habitado , afirma não saber como o mesmo ali se encontrava. Evidentemente, trata-se de um comunista perigoso e que, para esquivar-se á responsabilidade, recorre a uma única arma: a mentira. Constata-se, entretanto, que seus próprios correligionários políticos encarregaram-se de o desmentir, porquanto as provas de sua atividade foram reveladas a esta Delegacia por aqueles que com ele militavam. Laurentino Alves, como dissemos, era o encarregado de aproximar o dirigente comunista José Cintra Freire aos adeptos do comunismo. A ele, pois, deve-se a aproximação de Freire aos elementos em atividade. Mas este também, obediente ás determinações de seu partido, o Partido Comunista, tudo negou. Para rebater suas negativas, entretanto, ai estão as provas, cloras e indestrutíveis. Primeiro, as suas declarações, cheias de contradições (fls. 33 destes autos); segundo, as declarações da testemunha Rodrigo Salcedo (fls. 6 verso, e 7 e sete verso) e, terceiro, o auto de acareação de fls. 35 e 36 destes autos. Em todos esses documentos é ele reconhecido como sendo o elemento que guiou o comunista José Cintra Freire para a aproximação deste aos demais agitadores. Neste breve relatório foram expostas, em síntese, as atividades subversivas que aqui eram exercidas pelos estrangeiros Ernesto Gattai e Laurentino Alves. As provas colhidas em torno dos mesmos são suficientes para proclamá-los indesejáveis, motivo porque esta Delegacia deve opinar pela expulsão dos mesmos do Território Nacional. R.R. ao snr. Dr. Delegado de Ordem Social. São Paulo, 15 de outubro de 1937. (a) Arnaldo de Camargo Pires."

Especificamente, os autos do processo também encartam pormenorizada resenha referente à atuação de Gattai, que são indicadas como prova da periculosidade do paciente. A linguagem é policialesca, remete-nos ao ideário do Estado Novo, e ilustra adequadamente o estilo de perseguição que vicejava na época. Segue o relatório, no qual emerge mais algumas vezes o problema do telefonema, a supostamente evidenciar a ligação de Gattai com os comunistas:

"4º ) – ERNESTO GATTAI, branco, com 51 anos de idade, de nacionalidade italiana, natural de Spezia, filho de Francisco Gattai e Argia Gattai, de profissão mecânico, de estado civil casado, residente nesta Capital, á rua Borba Gatto nº 106, vila, Casa nº 7. Trata-se de um indiciado importante e que merecem especial estudo os documentos constantes nestes autos; referentes a sua atividade, porquanto o mesmo, em suas declarações nega terminantemente a sua co-participação nas ligações comunistas das quais é acusado. Estabelecido com garagem á rua Theodoro Sampaio nº 189-A é o indiciado, nesse endereço, assinante de telefoto nº 8-1017 conforme constou-se pelas declarações de Rodrigo Salcedo, a fls. 32, o telefonema cifrado constante do documento de fls. 36 , era transmitido para o telefonema 8-1017 de propriedade de Ernesto Gattai, para os fins de ligação comunista, conforme verificamos. Recebido o telefonema, a pessoa que o recebia que se chamava Ernesto, o transmitia a "Jacy" para os devidos fins. Quando a Delegacia de Ordem Social, a 13 de Janeiro do corrente ano, estava de posse dos dizeres desse telefonema para o qual era transmitido o recado, levou a efeito uma diligência que consistiu em destacar dois inspetores nas proximidades da garagem de Ernesto Gattai, conservando-se ás 14,30 horas em ponto do dia 15 de janeiro esses inspetores, conservando a cerca de dois metros de distância do telefone aguardaram que a Secção de Investigações desta Delegacia telefonasse para o referido aparelho. De fato, á hora supra-citada, da Secção de Investigações foi efetuada a ligação para o número do telefone já conhecido, e o encarregado da mesma falou com Ernesto, a ele, Ernesto, iria providenciar, pronunciado estas textuais palavras "Vou providenciar", digo, "Está certo. Vou providenciar". (Vide relatório de fls. 136). Os inspetores destacados para a garagem de Ernesto Gattai, viram e ouviram quando este, á hora aprazada, atendeu ao telefonema. (Vide relatório de fls. 137). Aguardou-se, apenas, que a providência solicitada por este telefonema surgisse, mas esta não se verificou, após uma hora de recebido o telefonema. Diremos, adiante, o porque de não ter sido atendido, como devia, esse telefonema. Diante da prova de que era Ernesto Gattai quem recebia o telefonema cifrado, esta Delegacia ordenou o comparecimento de Gattai á presença da autoridade. Os inspetores, entretanto, encontraram na garagem do mesmos diversos documentos comunistas e outros tantos em sua residência, á Rua Borba Gatton nº 106. Aqueles funcionários acompanhando Gattai á Delegacia, exibiram, os referidos documentos á autoridade, constando os mesmos dos respectivos auto a fls. 141, tendo sido os mesmos juntados de fls. 143 a fls. 164. Alem de jornais velhos, de caráter anarquistas e anticlericais, como "A Plebe", "A Lanterna", "Lo Spaghetto", "L’Adunatadei Refrattari", etc. que bem demonstram, pelo menos, o ideal do indiciado Ernesto Gattai, também foram encontrados documentos de caráter comunista, e alguns dos mesmos guardados com especial cuidado, pois foram eles encontrados entre a fronha de um travesseiro da cama do indiciado. (Vide auto de fls., 140 verso, e os documentos respectivos a fls. 145 e 148). Os documentos encontrados na garage são de caráter comunista, pois são eles jornais "A Classe Operaria"; 36 pequenos boletins impressos, de agitação em torno do Tribunal de Segurança Nacional; um boletim impresso, editado pela A. N. I. , com o título "Ao Povo brasileiro"; um circular datilografada, sob o título "Crônica política sobre o Tribunal de Segurança Nacional". Presente na Delegacia, Ernesto Gattai, prestando declarações a fls. 186 destes autos, nega terminantemente qualquer co-participação sua em telefonemas cifrados, assim como diz porque ignorar a existência de documentos comunistas encontrados em sua residência e em sua garage, não sabendo como os mesmo foram parar naqueles locais. E de se notar que esses documentos foram encontrados, na garage, em sua mesa de trabalho. Em suas próprias declarações ficou provado que na garage não existia outro Ernesto, a não ser ele , indicado, Ernesto Gattai. Provado também o foi, pois declarações de parentes do Indicado, que na garage não existia outro Ernesto. (Vide declarações de fls. 221, 222 e 223). Provado, também ficou que, quando alguém ligava o telefone para a garage e dizia querer falar com Ernesto, era ele chamado incontinenti, mesmo si se encontrasse nos fundos da garagem. E natural que Ernesto Gattai recebesse muitos telefonem comerciais durante o dia; mas é inegável que também atendia ao telefonema cifrado, porquanto, como acima dissemos, era o único Ernesto que atendia ao telefone quando chamada por esse nome. E visível o interesse oculto em negar, o indiciado Ernesto Gattai, que atendia ao telefone para receber um recado cifrado, como aquele que lhe foi exposto. Para cumulo da negativa, basta dizer que o indiciado negou ter recebido um telefonema no dia 15 de janeiro, ás 14:30 horas, telefonema esse que foi transmitido da Secção de Investigações desta Delegacia, com o testemunho dos inspetores escalados especialmente para esse fim. A delegacia de Ordem Social julga uma prova irrefutável esta, porquanto somente poderia transmitir esse telefonema depois de esta de posse de todos os dados necessários, conforme verificamos pelo exposto. E inegável, portanto, que Ernesto Gattai, recebeu o recado cifrado, ignorando naturalmente, que ora a própria Delegacia de Ordem Social quem estava telefonando. As declarações de Ernesto Gattai são de molde a merecer uma especial atenção, como dissemos, porquanto, nelas se verifica o cuidado com que o indiciado procura fugir á verdade, observando, ele também, as instruções contidas no documento de fls 88, que certamente, deve ser lido. Nessas declarações, Ernesto Gattai procura, para inocentar-se fazer crer que o seu telefone, estando instalado a dois metros mais ou menos longe da principal porta de entrada, poderia ser ocupado por qualquer pessoa estranha, precedente na rua. Entretanto, reconhece que, mesmo si um estranho á garagem ocupasse o telefone, somente o poderia fazer para outro aparelho, e não para atender a um chamado para seu próprio telefone quando este tocasse. Mesmo assim, o indiciado admite, entretanto, que ainda que alguém estranho á sua garage, atendendo ao telefone quando esse chamasse, e sendo procurado Ernesto chamaria a ele, Gattai, para atender. Vê-se claramente, o cuidado da defesa, mas as hipóteses formuladas pelo indiciado são absurdas, o telefone está instalado em seu escritórios, que está dividido por uma rede, isolado, portanto, da porta principal da entrada. E não é admissível que pessoa alguma, estranha, ou mesmo conhecida, penetre em seu escritório para, abusivamente, usar o telefone, quer para transmitir recados, quer para recebê-los. Esta exposição foi necessária para provar a negativa do indiciado. E desnecessária se tornaria ante a prova colhida na ocasião da descoberta de "Jacy". Esta, em suas declarações de fls. 372, pormenoriza o fato do telefonema. Falou sobre o conhecimento que tratava com "Carlos", ou seja José Cintra Freire. Disse que, com este, estivera na fabrica de Rodrigo Salcedo, onde ficou combinado o modo de ser transmitido o recado para "Carlos", foi á garage de Ernesto á rua Theodoro Sampaio nº 189 – Ali foi apresentada a este: Ficou combinado também, o modo como devia receber telefonema e transmiti-lo á declarante; que a declarante lembra-se que o recado consistia nas seguintes palavras: "D. Olga mandou pedir o carro para tal hora", devendo ser substituída a palavra tal pela hora exata em que era marcada por aquele que ia á fabrica de Rodrigo para falar com Rodrigo; que assim, a declarante telefonava constantemente para Ernesto, para o seu telefone e perguntava a este si havia recado, repetindo as palavras já conhecidas, e quando havia recado de fato Ernesto apenas dizia "Sim; D. Olga mandou pedir o carro para tal hora e marcava a hora" Tópico das declarações de Eunice Catunda a fls. 372 verso 7.Continua "Jacy", ou seja Eunice Catunda, a esclarecer como foi recebido o recado do dia 13 de janeiro, quando foi ao "ponto de encontro" do cemitério de Araçá, dizendo que telefonaria para Ernesto e este lhe transmitira o recado recebido de Rodrigo Salcedo. E este tópico, nas mesmas folhas 372 verso, está perfeitamente de acordo com as declarações de Rodrigo Salcedo a fls. 32, que disse ter telefonado para Ernesto naquele dia, transmitindo-lhe o recado cifrado, pois que um "companheiro" havia chegado naquele dia. Esse companheiro, que era o inspetor conforme já foi exposto, graças ás providencias tomadas por Rodrigo e Ernesto, encontrou-se com "Jacy", que levou ao encontro sendo que "Jacy" fora avisada por Ernesto.Por que Ernesto Gattai, no dia em que recebeu o telefonema da Delegacia do Ordem Social não providenciou com "Jacy" a ida desta para a fabrica de Rodrigo? – Esse telefonema foi transmitido pela Delegacia no dia 15 de Janeiro. Nesse dia, já José Manoel Navarro e José Cintra Freire haviam sido detidos e Rodrigo Salcedo já havia prestado declarações na polícia. "Jacy" falhou no dia 14 ao encontro marcado no dia anterior. Como é natural, percebeu ela algo de suspeito, ou, até, soube dessas detenções e, logicamente, procurou evitar as ligações, quer pessoais, quer telefônicas, motivo porque, no dia 15 de janeiro, a mesma não telefonou para Ernesto, pois receava a ação policial. Visto como Ernesto somente poderia transmitir o recado a "Jacy" quando esta telefonava, e não tendo ela telefonado naquele dia, o recado não pode ser transmitido. Para completar a prova de atividade de Ernesti Gattai, foi feito o reconhecimento de todos os indiciados. Assim, Eunice Catunda, a pseudo "Jacy", reconheceu todos os indiciados e, entre eles, também Ernesto Gattai. Confirmou, na presença de todos as suas atividades, de parceria com os demais, e reconheceu em Ernesto Gattai o mesmo Ernesto que lhe fora apresentado por "Carlos", na garagem de sua propriedade, á rua Theodoro Sampaio nº 189-A (Vide auto de reconhecimento de fls. 376) mas, ainda desta vez, Ernesto Gattai, como até aí, negou tudo, declarando não conhecer Eunice Catunda, a pseudo "Jacy".Julgamos suficientes as provas colhidas em torno da atividade do indiciado Ernesto Gattai, e como nos demais indiciados enumeramos os documentos a seu respeito, e existentes nestes autos."

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Ouviu-se o paciente. No mérito, a defesa, insiste-se, optou pela negativa da autoria, dado que Gattai objetava que não era, e que nunca fora comunista. O paciente dizia-se dedicado a trabalho honesto, comprovava que jamais estivera antes em qualquer delegacia. Do ponto de vista retórico, afirmava que era contra qualquer ditadura, e que por isso não poderia ser comunista. Consta da documentação:

"ERNESTO GATTAI: "que o declarante confirma suas declarações prestadas nesta Delegacia em quinze de janeiro do corrente ano, a qual se acha, por certidão, a fls. quatorze destes autos e que lhe foi lida neste momento; que confirma, também o que disse anteriormente em termo de acareação também lavrado nesta Delegacia, nada tendo a acrescentar; que o declarante é anti-fascista, porém não é nem nunca foi comunista; que veio para o Brasil com a idade de cinco anos mais ou menos, tendo residido nesta Capital durante todo tempo; que o declarante contesta as acusações que lhe foram feitas no inquérito instaurado contra Laurentino Alves, o declarante e outros, pois, sempre viveu do seu trabalho e alheio a qualquer atividade de caráter comunista; que, com referência ao citado recado cifrado, o declarante tem a dizer é casado com mulher italiana, porém, tem filhos e netos brasileiros, todos nascidos nesta Capital; que o declarante, que veio para o Brasil com apenas cinco anos de idade, viveu sempre nesta Capital, ocupando-se de trabalho honesto, tanto assim que não registra antecedentes policiais, sendo este caso o primeiro que o fez tornar-se conhecido da policia; que não deseja sair do Brasil, pois, considera-se brasileiro e nem conhece a sua pátria; que o declarante não sabe como foi envolvido no referido inquérito, pois, não combinou a transmissão de recado algum e nem conhece a moça com a qual foi acareado nesta Delegacia, cujo moça, segundo diziam, atendia pelo nome de "JACY"; que igualmente não conhece um outro moço, com o qual também foi acareado, cujo moço atendia por vários nomes, sendo que um dos nomes usados pelos mesmos era "Carlos"; que, finalmente, o declarante á anti-fascista porque é contrário a qualquer forma de ditadura e, nessas condições não poderia ser comunista, como de fato não foi e não é; que todas as pessoas envolvidas no inquérito em questão o declarante só as veio conhecer nesta Delegacia, durante as varias diligencias sobre o caso realizadas; que o declarante contesta todas as acusações que lhe foram feitas e afirma que não se prestou ao serviço de ligação entre os comunistas aludidos. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, Joaquim Marcondes de Campos, escrevente, o datilografei e assino. (a.a.) Arnaldo de Oliveira Camargo Pires. Ernesto Gattai. J. N. Campos."

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Sobre o autor
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Professor universitário em Brasília (DF). Pós-doutor pela Universidade de Boston. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. Direito, literatura e história. Ernesto Gattai, anarquistas, comunistas e o Supremo Tribunal Federal.: O Habeas Corpus nº 26.643/1937: um estudo de caso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1550, 29 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10473. Acesso em: 27 dez. 2024.

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