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O julgamento da inconstitucionalidade do Sistema de Proteção Social dos Militares.

Lei Federal 13.954/2019 – ADIN 7.092

03/07/2023 às 08:39

Resumo:


  • A ADIN 7.092 questiona a constitucionalidade da Lei 13.954/2019, que altera o Estatuto dos Militares e restringe as condições de reforma para militares temporários.

  • O principal argumento é que a nova lei fere o princípio da isonomia ao diferenciar o tratamento de militares temporários e de carreira em casos de incapacidade definitiva.

  • As manifestações da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República oferecem perspectivas opostas, com a AGU defendendo a lei e a PGR apontando para a inconstitucionalidade dos artigos que diferenciam o tratamento entre militares temporários e efetivos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O PDT ajuizou ADIN alegando que o contingente de temporários ficou em situação de menor proteção em relação aos demais militares.

Resumo: Na ADIN 7.092 é solicitada a Inconstitucionalidade total da Lei 13.954/2019, sem, contudo, atacar todos os aspectos de ilegalidade. No tocante aos militares temporários, a robusta fundamentação tende a suscitar uma acalorada e minuciosa análise do Judiciário. Com o advento da Lei 13.954/2019, foram alterados os arts. 106, II-A, “b” e § 1º, e 109, §§ 1º, 2º e 3º e 111 § 1º, da Lei 6.880/1980, com o objetivo de restringir as hipóteses em que o militar temporário terá direito à reforma militar. A grande discussão a ser tratada na ADIN 7.092 será se o art. 109, §§ 2º e 3º e 111 § 1º, da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019, ofende ou não o princípio constitucional da isonomia em relação aos militares temporários, nas hipóteses elencadas nos inciso III, IV, V e VI do art. 108 e do Estatuto dos Militares. Sem fazer projeções sobre o resultado, mostraremos os principais argumentos apresentados pelos envolvidos.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Reforma. Incapacidade. Temporário. Isonomia.

Sumário: Introdução. 1. A petição inicial do Partido Democrático Trabalhista – PDT. 2. A primeira decisão do relator no Supremo Tribunal Federal. 3. A manifestação da Advocacia-Geral da União. 4. A manifestação da Procuradoria-Geral da República. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

O Partido Democrático Trabalhista propôs ação direta postulando que o Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade do inteiro teor da Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019, ou, alternativamente, da alínea “b” do inciso II-A do art. 106 e dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 109 da Lei 6.880/80, na redação dada pela Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019.

A Lei 13.954 de 16/12/2019 altera a Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares), a Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, a Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972, a Lei nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, e o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, para reestruturar a carreira militar e dispor sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares; revoga dispositivos e anexos da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, e da Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008; e dá outras providências.

O Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas foi criado pela Lei 13.954/2019, a qual inseriu o Art. 50-A na Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares) e definiu o referido Sistema como o conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência, nos termos do Estatuto dos Militares e das regulamentações específicas.

O processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal têm suas regras definidas na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 9.868 de 10/11/1999.

Conforme estabelecido na referida norma, as seguintes regras precisam ser cumpridas:

A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros.

Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade.

Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido.

Na Petição Inicial da ADIN 7.092 o autor solicita a Inconstitucionalidade total da Lei 13.954/2019, sem, contudo, atacar todos os aspectos de ilegalidade.

Vários argumentos serão levantados com a finalidade de que seja decretada a inconstitucionalidade total da Lei 13.954/2019.

No tocante aos militares temporários, a robusta fundamentação tende a suscitar uma acalorada e minuciosa análise do Judiciário.

Com o advento da Lei 13.954/2019, foram alterados os arts. 106, II-A, “b” e § 1º, e 109, §§ 1º, 2º e 3º e 111 § 1º, da Lei 6.880/1980, com o objetivo de restringir as hipóteses em que o militar temporário terá direito à reforma militar.

A grande discussão a ser tratada na ADIN 7.092 será se o art. 109, §§ 2º e 3º e 111 § 1º, da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019, ofende ou não o princípio constitucional da isonomia em relação aos militares temporários, nas hipóteses elencadas nos inciso III, IV, V e VI do art. 108 e do Estatuto dos Militares.


1 – A PETIÇÃO INICIAL DO PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT

O Partido Democrático Trabalhista – PDT move ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida liminar de urgência em face do inteiro teor da Lei Federal nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019 e dos arts. 106, II-A, “b” e § 1º e art. 109, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei nº 6.880/1980 alterados pelo art. 2º da Lei Federal nº 13.954/2019, dada a iniludível ofensa aos arts. 6º, caput, 37, § 6º, 69 e 142, § 1º, da Constituição Federal de 1988.

Alega que possui legitimidade nos termos do artigo 103, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

Informa que os acintes à Carta Magna são perpetrados pela Lei Federal nº 13.954/2019, que reforma diversas disposições legais relativas ao sistema de previdência social dos militares, razão pela qual deve se sujeitar ao controle concentrado de constitucionalidade exercido por este Egrégio Supremo Tribunal Federal.

No item sobre o “Ato normativo impugnado” cita a prestação do serviço militar temporário, a Lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375/1964) e o Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), mas se dirige claramente ao “militar temporário”:

Com efeito, o “militar temporário”, que pode ser oficial ou sargento, é definido como aquele que ingressa no Exército por meio de uma seleção conduzida pelas Regiões Militares, que estabelece o período e as vagas para cada área de interesse necessária.

.... Os militares temporários representam cerca de 55% do efetivo total das Forças Armadas (cerca de 150 mil oficiais e praças)....

A principal controvérsia descrita na Petição Inicial se refere à questão da INCAPACIDADE do Militar Temporário:

“...Após o ingresso em plenas condições nas Forças Armadas, caso o servidor sofra algum acidente ou seja acometido por alguma doença que limite o exercício pleno das atividades, será classificado como apto com restrição (se militar efetivo) ou incapaz temporariamente (se militar temporário), existindo ainda, para ambos, a classificação de “incapaz definitivamente”, quando, para os dois casos, não houver a possibilidade de recuperação das condições mínimas exigidas para o exercício pleno da atividade militar. As hipóteses de incapacidade definitiva, que levam à reforma do militar, estão enumeradas no art. 108 do Estatuto dos Militares: Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de: I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III - acidente em serviço; IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e (Redação dada pela Lei nº 12.670, de 2012) VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.

Ocorre que a Lei nº 13.954/2019 incluiu um parágrafo primeiro no art. 109 do Estatuto dos Militares, dispondo que a reforma por incapacidade permanente só se aplica ao militar temporário nas hipóteses dos incisos I e II do art. 108 da Lei nº 6.880/1980. Previsão de igual teor foi encampada no art. 102, II-A, “b”, do Estatuto, também inserido pela Lei nº 13.954/2019.

Nas demais hipóteses dos incisos do art. 108, conforme o art. 109, § 2º, a reforma com qualquer tempo de serviço só se aplica ao militar temporário se, concomitantemente, for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada.

Outrossim, o militar temporário que estiver enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 da Lei nº 6.880/1980 mas não for considerado inválido por não estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada, será licenciado ou desincorporado na forma prevista na legislação do serviço militar (art. 109, § 3º, do Estatuto dos Militares, também incluído pela Lei nº 13.954/2019)...1

O Autor da Ação conclui que a Lei nº 13.954/2019 descortinou os militares temporários (que representam 55% do efetivo total das forças armadas) de um regime isonômico e suficiente de proteção diante de contingências sociais e que houve iniludível lesão aos postulados da igualdade, em virtude da criação de injustificável situação discriminatória no âmbito das Forças Armadas.

Nos itens que buscam fundamentar o argumento para declarar inconstitucional a totalidade da Lei nº 13.954/2019, os principais pontos são:

...In casu, tem-se que, nos termos do art. 142, § 1º, da Constituição Federal, “lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”. Tais normas gerais foram delineadas, justamente, pela Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), recepcionada na atual ordem jurídico-constitucional com status de Lei Complementar.

Iniludível, outrossim, que a Carta Magna conferiu à União a prerrogativa de editar normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares (art. 22, XXI). Contudo, especificamente quanto aos militares das Forças Armadas (União), o Constituinte reservou a edição das referidas normas gerais à lei complementar, sendo essa a conclusão mais adequada advinda do cotejo entre o art. 22, XXI, o art. 142, § 1º e o art. 142, § 3º, inciso “X”, todos da CF/88.

Ao dispor sobre a reforma dos militares temporários por meio de lei ordinária, a norma ora inquinada afrontou, a um só tempo, o disposto nos artigos 69 e 142, § 1º, da Lei Fundamental. Imperiosa, portanto, a declaração de inconstitucionalidade, in totum, da Lei Federal nº 13.954/2019, visto que apresenta, conforme demonstrado, vício forma insanável.

.....A Lei nº 13.954/2019, de modo inconstitucional, mantém o amparo em relação aos militares temporários apenas quando classificados em incapazes temporariamente ou definitivamente para o serviço militar nas hipóteses dos incisos I e II do art. 108 da Lei nº 6.880/1980. Isto é, somente quando a lesão, doença ou enfermidade tiver relação direta com situações de guerra (campanha) ou operações de garantia da lei e da ordem (GLO) estará amparada a sua proteção assistencial, excluindo-se, por decorrência, todas as demais hipóteses (incisos III, VI e V do art. 108), que representam a grande incidência das hipóteses de incapacidade – mormente o inciso III, que trata do acidente em serviço...

...Tem-se, portanto, que o militar temporário que sofreu acidente em serviço terá sua subsistência indubitavelmente prejudicada, visto que, ainda que possa, em tese, exercer algum outro labor civil, terá que arcar solenemente com os custos de seu tratamento, num processo de readaptação que o submeterá, invariavelmente, ao desemprego e à perda temporária de renda.

Deve-se recordar que, embora se assemelhe, o ato de reforma do militar não se equipara a uma aposentadoria de servidor civil. Veja-se: no caso do militar temporário, se este ingressar, prestar sua atividade durante um período de 08 (oito) anos e não sofrer nenhuma das situações previstas no art. 108 da Lei nº 6.880/1980, será simplesmente licenciado, saudável, para retomar a vida civil. A reforma não se confunde, pois, com a aposentadoria, pois é um ato que promove a efetiva reparação de danos causados ao indivíduo (militar concursado, voluntário ou em serviço obrigatório) decorrente da proteção objetiva da União.

O que a Lei nº 13.954/2019 acaba por encampar é uma derrogação parcial do art. 37, § 6º, da CF/88 (cláusula de responsabilidade objetiva do Estado). Isso porque o princípio informador de tal sistemática de responsabilização é pautado pela reparação integral do dano, independentemente da pessoa lesada. O que importa é o nexo causal entre o eventum damni e alguma atividade precípua da pessoa jurídica de direito público, o que é o caso inequívoco do serviço militar, seja ele temporário, obrigatório ou em carreira (efetivo).

Contudo, o ato normativo ora inquinado trata desigualmente agentes que prestaram serviço ao Estado em iguais condições fáticas, adotando para uma categoria uma ficção legal que a beneficia (a reforma por incapacidade permanente, ainda que, em tese, possa o militar de carreira injuriado exercer alguma atividade civil), enquanto ao temporário é previsto, apenas, o licenciamento da vida militar, sem qualquer amparo assistencial por parte das Forças Armadas...

.... Tem-se, portanto, que o ato normativo ora inquinado legalizou situações como a hipotética a seguir: imagine-se que, durante um acidente de trânsito com uma viatura militar em serviço, dois militares, um efetivo e o outro temporário, ambos percam um membro (perna, braço). No caso do militar efetivo, ainda que este possa, em tese, exercer alguma atividade civil, ele será julgado incapaz definitivamente e reformado com remuneração integral, ao passo que o militar temporário será licenciado, sem remuneração, sem indenização, sem assistência plena do Fundo de Saúde do Exercito, Marinha ou Aeronáutica.

A concreção de hipóteses como a acima exemplificada expõe, de maneira verossímil, a miríade de situações inconstitucionais que podem emergir da aplicação prática da desigualdade inaugurada pela Lei nº 13.954/2019, razão que, sob o ponto de vista material, mais uma vez apela para a sua inconstitucionalidade....2

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Na justificativa para solicitar a Medida Liminar de Urgência, o requerente alega que:

.....a extrema urgência emerge do vácuo protetivo originado das disposições da Lei nº 13.954/2019, que deixam os militares temporários (repita-se, 55% do efetivo das forças armadas), em situação de inferioridade protetiva diante de contingências ínsitas aos serviços prestados ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica.

Ademais, a probabilidade do direito emana de todo o acima exposto, e, especialmente, da flagrante e injustificada lesão ao princípio da isonomia, à cláusula de responsabilidade objetiva do Estado, à vedação ao retrocesso social, e, ainda, à reserva do tratamento da matéria por lei complementar (art. 142, § 1º, da CF/88)3.

Em seus pedidos, o Partido Democrático Trabalhista requer:

  1. A concessão de medida cautelar ad referendum do Plenário, nos termos do artigo 10, §3º, da Lei nº 9.868/99, a fim de que se suspenda, in totum, a eficácia dos arts. 106, II-A, “b” e § 1º e art. 109, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei nº 6.880/1980 alterados pelo art. 2º da Lei Federal nº 13.954/2019;

  2. Em não sendo o caso deste Egrégio Supremo Tribunal Federal entender pela excepcional urgência a que alude o artigo 10, §3º, da Lei nº 9.868/99, pugna ao (à) Excelentíssimo (a) Ministro (a) Relator (a) pela aplicação do rito descrito no artigo 12 da Lei nº 9.868/99;

  3. Seja oficiado, no prazo de 30 (trinta) dias, o Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional, nos termos do artigo 6º, da Lei nº 9.868/99;

  4. Seja citado o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, nos termos do artigo 103, §1º, da Constituição Federal, para atuar como custos legis, bem como o Advogado-Geral da União, para defender o ato impugnado, a teor da determinação vertida do artigo 103, §3º, da Constituição Federal de 1988, ambos no prazo de 15 (quinze) dias (artigo 8º, da Lei nº 9.868/99);

  5. Seja a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade total da Lei Federal nº 13.954/2019, por violação aos dispositivos da Constituição Federal apontados no decorrer desta exordial;

  6. Se não acolhido o pleito de declaração de inconstitucionalidade total da Lei Federal nº 13.954/2019, que sejam declarados inconstitucionais os arts. 106, II-A, “b” e § 1º e art. 109, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei nº 6.880/1980 alterados pelo art. 2º da Lei Federal nº 13.954/20194.


2 – A PRIMEIRA DECISÃO DO RELATOR NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A ADIN 7092 foi distribuída ao Ministro Edson Fachin em 09/03/2022. Em 14/03/20225 foi proferido a seguinte Decisão Monocrática:

DECISÃO:

O Partido Democrático Trabalhista propõe ação direta com o objetivo de que este Supremo Tribunal Federal declare a inconstitucionalidade do inteiro teor da Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019, ou, alternativamente, da alínea “b” do inciso II-A do art. 106 e dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 109 da Lei 6.880/80, na redação dada pela Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019.

A norma impugnada, em síntese, atribui tratamento diferenciado aos militares temporários, relativamente à previdência e à assistência social.

O requerente alega que a alteração legislativa tem vícios formais e materiais. O vício formal estaria no descumprimento da reserva de lei complementar para dispor sobre o estatuto dos militares, conforme disposto no art. 142, § 1º, da Constituição Federal. Já a ofensa ao direito à previdência, à isonomia e à assistência social, além da ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso seriam vícios materiais.

Alegando extrema urgência ante a um vácuo protetivo, o Partido requerente pede, liminarmente, a suspensão integral dos dispositivos. No mérito, requer a procedência da ação, para declarar a inconstitucionalidade total da Lei 13.954, de 2019.

É, em síntese, o relatório. Decido.

A Lei 13.954, de 16 de dezembro de 2019, altera não apenas o Estatuto dos Militares, como também a própria Lei do Serviço Militar, o Sistema de Proteção Social dos Militares, além de diversas outras providências.

A Lei, como prevê o seu artigo 29, vige há mais de dois anos, razão pela qual, considerando a relevância da matéria e o seu especial significado para ordem jurídica, prudente que o pedido veiculado pelo Partido seja diretamente submetido Plenário do Supremo Tribunal Federal. Aplico, portanto, o rito do art. 12 da Lei 9.868, de 1999.

Solicitem-se as informações da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e da Presidência da República, no prazo de dez dias.

Em seguida, ouça-se o Advogado-Geral da União e o Procurador Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias6.

O Art. 29 da Lei 13.954/2019 prevê que a referida Lei entrará em vigor na data de sua publicação, e foi publicada no Diário Oficial da União de 17/12/2019.

A Lei 9.868/1999 dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. No seu Art. 12 estabelece que:

“Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação”.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

A Lei 13.954/2019 interfere diretamente em várias normas e uma Decisão Liminar somente com os argumentos do Autor poderia causar muitos prejuízos, motivo pelo qual, acertada foi a decisão do Ministro Relator de submeter a Ação ao Plenário do Supremo Tribunal Federal.

3 – A MANIFESTAÇÃO DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

O Exmo. Sr. Advogado-Geral da União juntou aos autos sua manifestação, por meio da Petição 24058 de 05/04/2022, com os seguintes pontos:

...Em atendimento à solicitação, a Câmara dos Deputados afirmou que a norma editada para regulamentar o § 1° do artigo 142 da Constituição Federal corresponde à Lei Complementar nº 97/1999, a qual disporia sobre a destinação, as atribuições e o assessoramento ao Comandante Supremo, a organização, direção superior, o orçamento, preparo e o emprego das Forças Armadas. Ainda conforme seu entendimento, o Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), regularia a situação, as obrigações, os deveres, direitos e as prerrogativas dos membros das Forças Armadas, matérias que não se enquadram nas normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego dessa carreira. Por fim, destacou que Estatuto dos Militares foi recepcionado pelo ordenamento jurídico inaugurado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei ordinária, conforme expressamente determinado pelo artigo 142, § 3º, inciso X da Carta Constitucional, tendo sido alterado por diplomas supervenientes de mesma hierarquia.

De seu turno, o Presidente da República apontou a inocorrência de vício de iniciativa e de ofensa à matéria reservada à lei complementar, eis que se trata, a seu ver, de norma de iniciativa presidencial e cujo conteúdo altera lei de natureza ordinária (Lei nº 6.880/80) e não lei complementar, tendo ainda esclarecido que o preceito constante do §1º do artigo 142 da Constituição Federal encontra-se devidamente regulado pela Lei Complementar nº 97/1999. Na esfera material, demonstrou que houve respeito ao princípio da isonomia (igualdade material), bem como aos primados do concurso público, impessoalidade e eficiência pela legislação impugnada. Isso porque os militares temporários possuem vínculo precário com a Administração Pública, enquanto os efetivos gozam de estabilidade, razão pela qual não poderia a legislação de regência dispensar tratamento idêntico a situações jurídicas distintas. Em outra vertente, ressaltou que a conduta administrativa determinada pela legislação é plenamente justificável pelo fato de o militar temporário, em razão do vínculo provisório que mantém com as Forças Armadas, ter como parâmetro a capacidade laborativa civil. Nessa linha, se o temporário apresentar incapacidade apenas para o serviço militar, não há como lhe assegurar o instituto da reforma. De outro modo, ele goza de proteção garantida pela adição, com direito à remuneração e ao tratamento de saúde enquanto estiver na condição de incapaz para as atividades laborais públicas e privadas, até que sobrevenha invalidez, quando então será reformado; ou obtenha a aptidão para laborar no meio civil, hipótese em que será licenciado e colocado na condição de encostado com direito ao tratamento de saúde. Apontou, ainda, a observância aos direitos à assistência social e previdência pela Lei nº 13.954/2019, na medida em que o militar temporário, quando cessar a vinculação ao serviço ativo, terá transferido para o Regime Geral de Previdência Social o tempo de atividade e as contribuições recolhidas para a pensão militar para fins de contagem de tempo de contribuição. O Senado Federal discorreu sobre o amplo debate travado sobre a matéria em ambas as Casas do Congresso Nacional e ratificou o argumento de que a norma questionada foi editada no exercício da competência legislativa constante do artigo 142, § 3º, inciso X, da Constituição Federal, que determina que lei ordinária disporá sobre o regime jurídico dos militares.7

No Mérito, o Exmo. Sr. Advogado-Geral da União manifesta que:

...Inicialmente, cumpre registrar que a Lei nº 13.954/2019 é oriunda da iniciativa do Chefe do Poder Executivo, nos estritos moldes determinados pelo artigo 61, § 1º, inciso II, alínea “f”, da Constituição Federal, por tratar de temática relacionada à reforma e transferência para a reserva de militares.

Ressalte-se também que as normas gerais para a “organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas” constam da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, com fundamento na exigência prevista no artigo 142, §1º da Lei Maior.

Ocorre que a Lei nº 13.954/2019, que conferiu nova redação à Lei nº 6.880/1980, não versa sobre a organização, preparo e emprego das Forças Armadas, mas promove reestruturação à carreira militar, dispondo sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares, com amparo no artigo 142, § 3º, inciso X da Carta Republicana...

... Com efeito, o Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), nos termos do seu artigo 1º4 , regula temática referente a “situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas”, matérias que não se enquadram nas normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego dessa carreira. Note-se, ainda, que a Lei nº 6.880/1980 foi recepcionada pelo ordenamento jurídico inaugurado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei ordinária, tendo sido alterado por diplomas supervenientes de mesma hierarquia. É o caso das Leis nº 7.698/1988, nº 8.237/1991, nº 9.297/1996, nº 11.447/2007 e nº 12.670/2012, bem como da Medida Provisória nº 2.215- 10/2001. Nesse passo, vale destacar que, por reconhecer as peculiaridades inerentes às atividades dos militares, a Lei Maior atribuiu-lhes tratamento jurídico distinto do conferido aos servidores civis, especialmente após as alterações efetuadas pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998. A esse respeito, Maria Sylvia Zanella di Pietro5 assevera o seguinte: Os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres públicos. Até a Emenda Constitucional nº 18/98, eram considerados servidores públicos, conforme artigo 42 da Constituição, inserido em seção denominada “servidores públicos militares”. A partir dessa Emenda, ficaram excluídos da categoria, só lhes sendo aplicáveis as normas referentes aos servidores públicos quando houver previsão expressa nesse sentido, como é o caso do artigo 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, e do artigo 40, §§ 1º e 2º, e 142, § 3º, VIII e IX da Constituição. A eles aplicam-se também, conforme artigo 42, § 1º, e 142, § 3º, algumas normas próprias dos trabalhadores privados, previstas no artigo 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV. Seu regime é estatutário, porque estabelecido em lei a que se submetem independentemente de contrato. Esse regime jurídico é definido por legislação própria dos militares, que estabelece normas sobre ingresso, limites de idade, estabilidade, transferência para a inatividade, direitos, deveres, remuneração, prerrogativas (art. 42, § 1º, e 142, § 3º, X, da Constituição)....

Nesse contexto, o diploma normativo impugnado dispõe sobre as condições de transferência do militar para a inatividade, de acordo com as peculiaridades dos temporários e efetivos. De fato, o militar temporário é aquele que possui vínculo precário com a Força Armada à qual pertence, que perdura durante a prestação do serviço militar, cuja duração não poderá ultrapassar 96 (noventa e seis) meses, contínuos ou não6 . Diversamente do militar de carreira, os temporários ingressam na Força por meio de processo seletivo simplificado e não possuem nenhuma expectativa à estabilidade...

.... De outro modo, depreende-se do referido dispositivo c/c os artigos 108 e 111 Lei nº 6.880/1980, com a redação conferida pela Lei nº 13.954/2019, que os militares efetivos são aqueles que: “tenham vitaliciedade, assegurada ou presumida, ou estabilidade adquirida nos termos da alínea “a” inciso IV do caput do artigo 50 desta Lei”. O argumento central da postulação autoral é o de que não existiria justificativa para diferenciar-se as hipóteses de reforma dos militares temporários e daqueles efetivos, uma vez que os primeiros representariam 55% (cinquenta e cinco por cento) do quadro de pessoal das Forças Armadas e prestariam serviço de caráter relevante para o país, assim como os militares efetivos. Entretanto, a distinção operada pela lei questionada fundamenta-se no fato de que o militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado, com vínculo precário, enquanto for da conveniência da administração, destinando-se a complementar os quadros de oficiais e de praças, conforme previsto pela Lei nº 6.391/1976. De fato, tratando-se de militar temporário, o término do tempo de serviço implica, em regra, o licenciamento quando não houver conveniência na permanência do servidor nos quadros das Forças Armadas. Em outras palavras, o militar temporário, ao ingressar nas fileiras da Força Armada, de forma totalmente distinta do militar de carreira, tem ciência de que sua função será exercida por tempo limitado e não terá direito a proventos na inatividade. Sobre o tema, ao submeter ao Poder Executivo o Projeto de Lei (que posteriormente passou a ser a PL 1645/2019), que ensejou a Lei 13.954/2019, os Ministros de Estado da Defesa e da Economia, conjuntamente, consignaram a respeito da necessidade de distinção entre militares de carreira e temporários:

7. Os estudos desenvolvidos nas Forças Armadas demonstraram a relevância de se prever a distinção entre militares de carreira e temporários, quanto às diversas situações, direitos e deveres a eles relacionados na Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Em 1980, ano de promulgação da aludida norma, o efetivo de oficiais e praças temporários nas Forças Armadas era muito reduzido e, proporcionalmente, os impactos para a Administração Militar, dessa conjuntura, não eram relevantes. Atualmente, as Forças Armadas promovem a redução do efetivo de militares de carreira e a sua substituição por militares temporários, o que torna imperioso caracterizar e disciplinar a situação desses militares (Parecer nº 00591/2021/COJAER/CGU/AGU. (documento eletrônico nº 20).

Não há, portanto, qualquer violação ao princípio da isonomia, devidamente compreendido em sua perspectiva substancial. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, “o ponto nodular para o exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele”. A legislação sob análise faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo (conceito que não abrange a incapacidade para as demais atividades laborais) e invalidez (engloba a incapacidade para o serviço e para as demais atividades laborais). De fato, há previsão de reforma do militar temporário em caso de invalidez e incapacidade adquirida em função das situações previstas em rol mais restritivo do que o dos efetivos, justamente em razão da precariedade do vínculo estabelecido entre aquele e a Administração Pública.

Verifica-se, portanto, a razoabilidade do discrímen trazido pela norma questionada, razão pela qual não há que se falar em ofensa ao postulado da isonomia. De outro lado, vários são os dispositivos que garantem assistência aos militares temporários, o que demonstra a preocupação do legislador em garantir dignidade a tais militares. Nesse sentido, os militares temporários, quando inválidos ou acometidos de incapacidade militar definitiva em razão de ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública ou em razão de enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública; ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações, poderão ser reformados....

.... De seu turno, a Lei nº 4.375/1964 garante ao militar temporário que esteja temporariamente impossibilitado de exercer qualquer atividade laboral (pública ou privada) o direito de permanecer na força com o recebimento da devida remuneração, nas hipóteses em que for admitida a reforma militar; e aos que estejam temporariamente incapazes somente para o serviço militar o direito ao encostamento...

... Em breve síntese, o militar que venha se tornar inválido (incapacitado para o labor civil e militar) será amparado pelo instituto da reforma militar, enquanto se ficar apenas incapacitado para o exercício de atividades militares, apesar de não ter remuneração, terá direito a tratamento de saúde na qualidade de encostado, circunstancias condizentes com o princípio da dignidade da pessoa humana. Soma-se a isso o fato de que a Lei nº 13.954/2019, ao encontro da Emenda Constitucional nº 103/20199 , acrescentou à Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964, o artigo 27-A10, prescrevendo que, por ocasião do licenciamento do militar temporário das Forças Armadas, o tempo de atividade e as contribuições recolhidas para a pensão militar serão transferidos ao Regime Geral de Previdência Social, para fins de contagem de tempo de contribuição.

Destarte, findo o serviço temporário, é possível que o tempo como militar seja computado como tempo de contribuição nas aposentadorias civis, especificamente as do Regime Geral de Previdência Social, inclusive, com a transferência das contribuições recolhidas pelo militar licenciado. Portanto, o militar temporário, quando licenciado, não fica ao desabrigo da proteção estatal, podendo se socorrer do Regime Geral de Previdência Social.

Com efeito, o intuito da norma questionada é que o militar temporário diagnosticado com alguma enfermidade incapacitante seja reinserido no mercado de trabalho e siga as regras para a aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social (desde que não julgado inválido, quando será reformado). Isso porque a doença ou moléstia não o incapacita para o exercício de atividades no meio civil. Em outra vertente, o postulado de vedação ao retrocesso social não possui o alcance pretendido pelo partido autor, de engessar e perenizar as hipóteses de concessão de um benefício previdenciário...

... Todavia, não há nenhum impedimento constitucional à racionalização de políticas sociais preexistentes. Com efeito, o Poder Público goza de certa discricionariedade e autonomia para alterar aspectos específicos da prestação de determinado direito social, sem que isso implique modificação do seu núcleo fundamental...

... A proibição de retrocesso social não obsta, dessa forma, que o legislador e o Poder Constituinte reformador adotem decisões políticas diversas das tomadas por seus antecessores. Como ressaltado também por Ingo Sarlet, da mesma forma que parece haver um consenso sobre a existência do princípio da vedação do retrocesso social, há concordância quanto à impossibilidade de tal postulado assumir uma feição absoluta, de verdadeira imutabilidade dos direitos...

... De fato, a relatividade do princípio da proibição do retrocesso social decorre igualmente do Texto Constitucional, na medida em que a imposição de restrição excessiva à atividade legislativa seria incompatível com o princípio democrático, pois afetaria a própria necessidade de evolução e desenvolvimento da ordem jurídica15 . Desse modo, resta claro que a teoria da vedação do retrocesso social não é capaz de imobilizar todo o sistema de proteção dos direitos, sendo destinada a assegurar, notadamente, o núcleo essencial de garantias constitucionais de ordem social. Isso não significa, contudo, que o legislador e o Poder Constituinte derivado não possam calibrar os parâmetros que conferem acesso a esses direitos, sobretudo quando as mudanças têm por escopo a própria sustentabilidade do regime de proteção social no âmbito previdenciário. As disposições normativas questionadas na presente ação direta não revogam nenhum dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, nem representam modificação tendente a aboli-los. Trata, simplesmente, de estabelecer as hipóteses que justificam a reforma dos militares temporários. O fato de essas hipóteses contarem de um rol mais restrito do que aquele dos militares efetivos não representa retrocesso social. Cumpre destacar, por fim, que essa Suprema Corte tem reconhecido a necessidade de, no exercício da jurisdição constitucional, manter postura de deferência em relação à legitimidade político-democrática dos agentes públicos eleitos, de modo a resguardar a integridade do seu espaço de deliberação...

... O esforço hermenêutico demonstrado na inicial resultaria em uma ampliação indevida de princípios contidos na Lei Maior, de modo a lhes conferir alcance não previsto no texto constitucional e a reduzir, desproporcionalmente, o âmbito de autonomia do Poder Legislativo. Nessa linha, as hipóteses de transferência para a inatividade do militar temporário previstas na lei ora atacada se inserem na esfera de competência do Poder Legislativo, não sendo possível ao Poder Judiciário interferir no âmbito discricionário dos demais Poderes. Em tais hipóteses, o Judiciário deve se pautar pela autocontenção (judicial self-restraint), a qual pode ser entendida como a prática decisória consistente na “retração do poder judicial em favor dos outros poderes políticos, seja por motivos de deferência políticodemocrática, seja por prudência político-institucional” . Diante dessas considerações, constata-se a compatibilidade entre os artigos impugnados e o Texto Constitucional, especialmente no que diz respeito aos dispositivos constitucionais suscitados pelo requerente como parâmetros de controle...

... Por todo o exposto, o Advogado-Geral da União manifesta-se pela improcedência do pedido veiculado pelo requerente.8

O ponto que chama atenção nessa manifestação do Exmo. Sr. Advogado-Geral da União é a possibilidade do militar Temporário, Incapaz para Atividade Militar, ser colocado na condição de ENCOSTADO. Com efeito, essa condição garante um tipo de tratamento médico, mas “SEM REMUNERAÇÃO”:

Lei 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar)

Art. 31. O serviço ativo das Forças Armadas será interrompido: (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 6º Os militares temporários licenciados por término de tempo de serviço ou desincorporados que estejam na condição de incapazes temporariamente para o serviço militar em decorrência de moléstia ou acidente deverão ser postos na situação de encostamento, nos termos da legislação aplicável e dos seus regulamentos. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 8º O encostamento a que se refere o § 6º deste artigo é o ato de manutenção do convocado, voluntário, reservista, desincorporado, insubmisso ou desertor na organização militar, para fins específicos declarados no ato e sem percepção de remuneração. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

4 – A MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

O Exmo. Sr. Procurador-Geral da República se manifestou nos autos nos seguintes termos:

...De início, há de ser afastada a tese de inconstitucionalidade formal da Lei 13.954/2019, por ofensa aos arts. 69 e 142, § 1º, da Constituição Federal, pois o diploma questionado, ao conferir nova redação aos arts. 106 e 109 do Estatuto dos Militares, não disciplinou tema atinente à organização, ao preparo e ao emprego das Forças Armadas, matérias constitucionalmente reservada à lei complementar (CF, art. 142, § 1º). Ressalte-se, inclusive, que a exigência constitucional de lei complementar para regulamentação de normas gerais, com vistas à organização, ao preparo e ao emprego das Forças Armadas, foi atendida pelo legislador ordinário por meio da promulgação da Lei Complementar 97/1999. O Estatuto dos Militares versa sobre a situação, as obrigações, os deveres, os direitos e as prerrogativas das Forças Armadas, sendo assertivo concluir que o referido ato normativo foi recepcionado pela Constituição Federal com status de lei ordinária, e não de lei complementar. Ademais, nos termos do art. 142, § 3º, X, do Diploma Maior, a lei disporá sobre “o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra” - grifo nosso.

Segundo Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes, nas hipóteses em que “o constituinte não cobrou a regulação de matéria por meio de lei complementar, há assunto para lei ordinária”3 . Tendo em vista que a reforma militar é situação em que o castrense é transferido, definitivamente, à inatividade, mostram-se formalmente legítimas as alterações promovidas pela Lei 13.954/2019 aos arts. 106, II-A, “b” e § 1º, e 109, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei 6.880/1980. Ademais, conforme destacado pela Câmara dos Deputados (peça 18), o Estatuto dos Militares já foi modificado por diversas leis ordinárias. É o caso das Leis 7.698/1988, 8.237/1991, 9.297/1996, 11.447/2007 e 12.670/2012.

Portanto, não há de ser acolhido o pleito do requerente, para que seja declarada a inconstitucionalidade formal de toda a Lei 13.954/2019.

De outro lado, sustenta o requerente que os arts. 106, II-A, “b” e § 1º, e 109, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019, conferem, em situações fáticas idênticas, tratamento desigual entre os militares temporários e efetivos para a obtenção da reforma militar.

As Forças Armadas são instituições nacionais permanentes e regulares do Estado Brasileiro, constituídas pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica e organizadas pelos princípios basilares da hierarquia e disciplina militar. Estão, ainda, nos termos do art. 142, caput, da Constituição Federal, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem. Os membros integrantes das Forças Armadas, em virtude de sua destinação constitucional, integram categoria especial de servidores, denominados de militares, os quais subdividem-se, nos termos da legislação castrense, em efetivos e temporários. O militar efetivo (de carreira) é aquele que ingressa no âmbito das Forças Armadas, por meio de concurso público, para desempenhar, permanentemente, o serviço militar. É assegurado a tais militares, situados na ativa, vitaliciedade e estabilidade no desempenho do serviço militar, a exemplo dos Oficiais e dos Praças que contem com mais de 10 (dez) anos de efetivo serviço. O militar temporário é aquele que detém vínculo precário com a Administração, não se submetendo à realização e à aprovação em certame público, mas a processo seletivo simplificado. Situado na ativa, o temporário é incorporado às Forças Armadas para a prestação de serviço militar obrigatório ou voluntário, observados os prazos definidos pela Lei 4.375/19644 . De acordo com a Lei 4.375/1964, o “serviço militar temporário terá o prazo determinado de 12 (doze) meses, prorrogável a critério da Administração Militar, e não poderá ultrapassar 96 (noventa e seis) meses, contínuos ou não, como militar, em qualquer Força Armada” (art. 27, § 3º). Aos militares temporários não é assegurada estabilidade no desempenho do serviço militar, razão pela qual passam a integrar a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem desligados do serviço ativo (art. 3º, § 3º, do Estatuto dos Militares). Nesse contexto, em que há evidente distinção na forma de ingresso dos militares nas Forças Armadas, é preciso ponderar se a precariedade do vínculo do castrense temporário justifica, por si, o tratamento diferenciado conferido aos referidos militares para fins de reforma. Não se pode ignorar, na análise da questão constitucional, que os militares, sejam eles efetivos ou temporários, estão submetidos aos mesmos deveres, obrigações e responsabilidades no exercício do serviço militar.

O exame da matéria extrapola, assim, as garantias legais da vitaliciedade e da estabilidade militar, voltando-se o olhar para os direitos e deveres assegurados e impostos, respectivamente, aos militares efetivos e temporários no desempenho do serviço. Portanto, havendo isonomia entre militares em relação aos deveres, obrigações e responsabilidades é preciso responder se a precariedade do vínculo do militar temporário com a Administração admite, em relação aos direitos, tratamento diverso. A toda evidência, a resposta parece ser negativa. O Estatuto dos Militares regula a “situação, obrigações, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas” (art. 1º da Lei 6.880/1980). A Lei 6.880/1980, em seu Título II, define como obrigações o valor e a ética militares (arts. 27 a 30). Por outro lado, estabelece como deveres o compromisso, o comando e a subordinação militares (arts. 31 a 41). Verifica-se das obrigações e dos deveres que não há, no Estatuto dos Militares, qualquer diferença entre o militar temporário e o efetivo. Tanto é que os dispositivos legais fazem referência aos militares da ativa, ou seja, ao efetivo e ao temporário, sem distinção.

A precariedade do vínculo do militar temporário não implica diminuição de obrigações e deveres, pelo contrário, encontra-se o castrense em igual situação fática à do militar efetivo. Não obstante, a responsabilização do militar temporário, por violação das obrigações e dos deveres militares, é, também, idêntica à do militar efetivo, conforme se observa da leitura dos arts. 42 a 49 do Estatuto dos Militares. Denota-se que a precariedade da relação jurídica estabelecida entre o castrense temporário e a Administração Militar não dispensa daquele conduta diversa da esperada pelo militar efetivo. Há, portanto, em relação aos deveres, obrigações e responsabilidades, paridade entre militares temporários e efetivos, embora, atualmente, isso não ocorra em relação aos direitos dos militares, como a reforma por incapacidade definitiva, regulada nos arts. 106, 108 e 109 do Estatuto dos Militares. Antes do advento da Lei 13.954/2019, a reforma era aplicada, a qualquer tempo, ao militar da ativa (efetivo e temporário) que fosse julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas por um dos motivos constantes dos incisos I, II, III, IV e V do art. 108 da Lei 6.880/1980.

.... É dizer que, na hipótese: (i) de ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; (ii) de enfermidade contraída em tais situações; (iii) de enfermidade cuja causa eficiente decorra de campanha ou da garantia da ordem pública; (iv) de acidente de trabalho; (v) de doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes do serviço; e (vi) de doenças específicas elencadas pelo Estatuto dos Militares e por outras leis, os militares efetivos e temporários (ativa) faziam jus à reforma. Com o advento da Lei 13.954/2019, foram alterados os arts. 106, II-A, “b” e § 1º, e 109, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei 6.880/1980, com o objetivo de restringir as hipóteses em que o castrense temporário terá direito à reforma militar.

Atualmente, o militar temporário só terá direito à reforma, a qualquer tempo, nas hipóteses de campanha e manutenção da ordem pública e de enfermidade contraída em tais casos, salvo se, nas demais situações (art. 108, III, IV e V, do Estatuto dos Militares), for considerado, concomitantemente, inválido para o desempenho de qualquer atividade laboral...

No caso de incapacidade definitiva, e não de invalidez, o militar temporário será licenciado ou desincorporado na forma da legislação do serviço militar, sendo posto em situação de encostamento. Entende-se por encostamento o “ato de manutenção do convocado, voluntário, reservista, desincorporado, insubmisso ou desertor na organização militar, para fins específicos declarados no ato e sem percepção de remuneração” (§ 8º do art. 31 da Lei 4.375/1964, na redação conferida pela Lei 13.954/2019) - grifo nosso. Registre-se que, em tal situação, sem nenhuma remuneração, o militar temporário licenciado ou desincorporado (agora civil) terá de comparecer, por diversas vezes na semana, à unidade militar para tratamento e acompanhamento de seu quadro clínico. Nesse cenário, o indivíduo terá de arcar com todos os custos de locomoção, além de outros existentes. Correrá o risco, ainda, de ter sua subsistência prejudicada, uma vez que, já enfermo/acidentado, dificilmente conseguirá emprego, bem como precisará ausentar-se de eventual trabalho para se apresentar à unidade militar.

A não aplicação da reforma aos castrenses temporários, classificados definitivamente como incapazes, em virtude de acidentes de serviço, moléstias e doenças, com relação de causa e efeito com a atividade militar, afronta o princípio da isonomia, pois inviabiliza, em relação aos direitos, o efetivo tratamento igualitário entre militares da ativa, submetidos a idênticas condições fáticas. Aproveite-se, por oportuno, o seguinte exemplo dado pelo requerente em sua petição inicial (peça 1, p. 18): (…) imagine-se que, durante um acidente de trânsito com uma viatura militar em serviço, dois militares, um efetivo e o outro temporário, ambos percam um membro (perna, braço). No caso do militar efetivo, ainda que este possa, em tese, exercer alguma atividade civil, ele será julgado incapaz definitivamente e reformado com remuneração integral, ao passo que o militar temporário será licenciado, sem remuneração, sem indenização, sem assistência plena do Fundo de Saúde do Exército, Marinha ou Aeronáutica. (Grifo nosso) O injustificado tratamento desigual entre os militares efetivos e temporários, no desempenho do serviço militar, é acentuado ao vislumbrarmos as seguintes situações hipotéticas: (i) Durante campanha, militar efetivo e temporário precisam amputar um de seus membros (braço ou perna). Ao militar efetivo e ao militar temporário, independentemente de estarem impossibilitados – ou não – para o exercício de qualquer atividade laboral, pública ou privada, será assegurado, a qualquer tempo, o direito à reforma. Terão direito, ainda, a percepção de remuneração, tratamento e acompanhamento do quadro clínico (art. 106, II e II-A, “b”, c/c o art. 109, caput e § 1º, ambos da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019); (ii) Em vez da hipótese de campanha, mas submetidos a treinamento militar com explosivos (de elevado risco), tanto o militar efetivo quanto o militar temporário se acidentam em serviço, sendo necessário, assim como na campanha, a amputação de um de seus membros (braço ou perna). Ao militar efetivo, ainda que não esteja impossibilitado para o desempenho de outra atividade laboral, pública ou privada, será assegurado o direito à reforma, com percepção de remuneração, além do respectivo tratamento e acompanhamento de seu quadro clínico. Ao militar temporário, contudo, não será assegurado o direito de reforma a qualquer tempo, salvo se, concomitantemente, for declarado inválido para o exercício de outra atividade laboral. Não o sendo, o militar temporário será licenciado ou desincorporado do serviço militar, enquadrando-se na situação de encostado, o qual não percebe remuneração, mas, apenas, tratamento e acompanhamento de seu quadro clínico (art. 106, II-A, “a” c/c o art. 109, §§ 2º e 3º, ambos da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019). A distinção entre os militares temporários e efetivos, para fins de obtenção da reforma por incapacidade definitiva, não encontra guarida no princípio da isonomia em seu aspecto material, haja vista que, de maneira seletiva e pontual, os dispositivos impugnados ignoram a existência de situação fática idêntica na prestação do serviço militar.

Não se mostra isonômico, razoável, tampouco proporcional que militares da ativa, submetidos às mesmas condições no desempenho de suas funções e serviços militares, tenham tratamento diverso, para fins de reforma, quando a incapacidade sobrevenha em consequência de acidente de trabalho; de doença e moléstia adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; e de doenças graves, elencadas pelo Estatuto dos Militares (incisos III, IV e V do art. 108 da Lei 6.880/1980). Como alegado pelo requerente, acabam por ficar excluídas de proteção assistencial todas as demais atividades do cotidiano da caserna, tais como: “treinamentos físicos, [treinamentos] com explosivos, saltos de paraquedas, corridas, natação, lutas, funções administrativas, deslocamento de veículos, etc” (peça 1, p. 14). É preciso reforçar que, apesar do vínculo jurídico do castrense temporário com a Administração Militar ser precário, tal circunstância não tem o condão de autorizar tratamento distinto entre os militares da ativa durante o desempenho do serviço militar, já que estão submetidos ao mesmo tratamento e às mesmas condições de exercício das atividades castrenses. No caso sob análise, o direito fundamental à igualdade há de ser examinado em dois momentos: (i) durante a incorporação dos militares nas Forças Armadas para a prestação do serviço militar; e (ii) durante o lapso de tempo em que o castrense temporário desempenha o serviço militar. Na primeira situação, a precariedade da relação jurídica entre o militar temporário e a Administração castremse justifica o tratamento desigual nas garantias asseguradas aos militares. Assim, mostra-se em consonância com o texto constitucional às garantias da vitaliciedade e da estabilidade atribuídas ao militar efetivo e não ao temporário. Todavia, o mesmo raciocínio não há de ser estendido aos direitos e deveres militares. Em uma situação fática idêntica, não encontra resguardo no princípio da isonomia a atribuição de idênticos deveres, obrigações e responsabilidades, mas tratamento diverso em relação aos direitos. Durante o desempenho do serviço, os militares efetivos e temporários estão submetidos aos mesmos riscos e encargos, razão pela qual, em observância ao postulado da igualdade, é preciso que seja conferido a ambos o idêntico tratamento jurídico-legal, mas não apenas em deveres e obrigações, como também em direitos, a exemplo das hipóteses de reforma militar por incapacidade definitiva.

... Por fim, o art. 109, §§ 2º e 3º, da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019, além de ofender o princípio constitucional da isonomia, confere proteção deficiente aos militares temporários nas hipóteses elencadas nos inciso III, IV e V do art. 108 do Estatuto dos Militares.

... Desse modo, sendo injustificado o tratamento desigual conferido aos militares da ativa, para fins de reforma em decorrência de incapacidade definitiva advinda do efetivo exercício do serviço militar, forçoso concluir que os arts. 106, II-A, “b” e § 1º, e 109, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019, afrontam os princípios constitucionais da isonomia e da proibição de proteção deficiente9.

O Exmo. Sr. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA opinou pela procedência parcial do pedido, para que sejam declarados inconstitucionais os arts. 106, II-A, “b” e § 1º, e 109, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei 6.880/1980, na redação dada pela Lei 13.954/2019, de modo que as hipóteses de reforma por incapacidade definitiva sejam aplicadas igualmente aos militares efetivos e temporários.

CONCLUSÃO

Não se trata de um esforço de “futurologia” escrever sobre um processo ainda em andamento, mas é importante explicar o que está em jogo e os argumentos das principais partes envolvidas.

Não obstante os argumentos dos “amicus curiae” apresentados em Petições intercorrentes, limitamos nossa apresentação às manifestações dos representantes oficiais da União.

Embora não tenha sido citado na Inicial, o Art. 111, § 1º também possui uma inovação que prejudica diretamente o militar temporário e tende a ser discutida na ADIN 7.092:

Art. 111. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes do item VI do artigo 108 será reformado:

I - com remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com estabilidade assegurada; e

II - com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, desde que, com qualquer tempo de serviço, seja considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.

§ 1º O militar temporário, na hipótese prevista neste artigo, só fará jus à reforma se for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 2º Será licenciado ou desincorporado, na forma prevista na legislação pertinente, o militar temporário que não for considerado inválido. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

Na referida situação, o item VI do Art. 108 do Estatuto dos Militares se refere aos casos de acidentes sem causa e efeito com o serviço.

Um exemplo claro ocorreria se um militar sofrer um acidente de moto durante suas férias e perder um braço ou perna, ficando Incapacitado para Atividade Militar. Se for de carreira será Reformado. Se for Temporário, será licenciado, caso não seja Inválido.

No tocante a questão da Lei Ordinária e Lei Complementar, a Câmara dos Deputados informou que o Estatuto dos Militares já foi modificado por diversas leis ordinárias. É o caso das Leis 7.698/1988, 8.237/1991, 9.297/1996, 11.447/2007 e 12.670/2012. Portanto, dificilmente será acolhido o pleito do requerente, para que seja declarada a inconstitucionalidade formal de toda a Lei 13.954/2019.

Caso seja declarada a inconstitucionalidade, deverão ser adotados os procedimentos abaixo:

Proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória. Julgada a ação, far-se-á a comunicação à autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do ato.

A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Por fim, acreditamos que a questão discutida na ADIN 7.092 criará uma importante jurisprudência, pois trata do alcance do princípio da isonomia entre militares da Ativa e seus direitos em situações de incapacidade, considerando que a Lei 13.954/2019 tratou de forma diferente os militares de Carreira e os Temporários.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 27/06/2023.

BRASIL. Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13954.htm. Acesso em 27/06/2023.

BRASIL. Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm. Acesso em 27/06/2023.

BRASIL. Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980. Estatuto dos Militares. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 dez. 1980. Seção I, p. 24777.


  1. Supremo Tribunal Federal. ADI 7092.NÚMERO ÚNICO: 0115649-55.2022.1.00.0000. Petição Inicial (nº 15183) recebida em 09/03/2022, às 17:10:47. Págs. 5-8.

  2. Idem, 2022, pág. 18.

  3. Idem, 2022, pág. 22.

  4. Idem, 2022, pág. 23.

  5. DJE nº 48, divulgado em 11/03/2022.

  6. Supremo Tribunal Federal. ADI 7092.NÚMERO ÚNICO: 0115649-55.2022.1.00.0000. Decisão Monocrática de 11/03/2022.

  7. Supremo Tribunal Federal. ADI 7092.NÚMERO ÚNICO: 0115649-55.2022.1.00.0000. Manifestação da AGU, Págs. 5-7.

  8. Idem, Págs. 8-22.

  9. Supremo Tribunal Federal. ADI 7092.NÚMERO ÚNICO: 0115649-55.2022.1.00.0000. Manifestação da PGR nº 41062 de 31/05/2022.


Abstract: In ADIN 7092, the total unconstitutionality of Law 13954/2019 is requested, without, however, attacking all aspects of illegality. With regard to the temporary military, the robust reasoning tends to provoke a heated and detailed analysis by the Judiciary. With the enactment of Law 13.954/2019, arts. 106, II-A, “b” and § 1, and 109, §§ 1, 2 and 3 and 111 § 1, of Law 6.880/1980, with the aim of restricting the cases in which the temporary military will be entitled to retirement military. The major discussion to be dealt with in ADIN 7092 will be whether art. 109, §§ 2 and 3 and 111 § 1, of Law 6.880/1980, in the wording given by Law 13.954/2019, offends or not the constitutional principle of isonomy in relation to temporary military personnel, in the hypotheses listed in items III, IV, V and VI of art. 108 and the Military Statute. Without making projections about the result, we will show the main arguments presented by those involved.

Keywords: Unconstitutionality. Remodeling. Inability. Temporary. Isonomy.

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Sobre o autor
João Carlos da Silva Almeida

Advogado – OAB/SP – 487.078. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo (Turma 177), Graduou-se em Filosofia na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Pós-graduado em Direito da Seguridade Social pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Militar. Atuou como Conciliador da Vara do Juizado Especial Cível do Foro Regional I em São Paulo. Atualmente é pesquisador de temas relacionados à Seguridade social e História da Filosofia. Autor do livro Direito Previdenciário Militar, publicado pela Editora ALL PRINT. Tem experiência na área de Direito da Seguridade Social, com ênfase em Direito Previdenciário Militar e História da Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, João Carlos Silva. O julgamento da inconstitucionalidade do Sistema de Proteção Social dos Militares.: Lei Federal 13.954/2019 – ADIN 7.092. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7306, 3 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104842. Acesso em: 21 dez. 2024.

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