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O direito fundamental do feto anencefálico.

Uma análise do processo e julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54

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XII. PROGNOSES DO JULGAMENTO DE MÉRITO DA ADPF 54

180. Cuida-se de um terreno pantanoso a tentativa de procurar antecipar o desfecho de qualquer julgamento, sobretudo quando o tema envolvido toca fundo em questões sensíveis de toda a sociedade e dos magistrados em particular.

181. Por óbvio não se tem qualquer elemento racional e confiável acerca de qual será o resultado do referido julgamento de mérito da ADPF 54, nem como votarão os juízes do STF. Nada obstante, a partir do que já foi externado por esses julgadores, podemos, com todos os riscos dessa atividade, procurar sinais que apontam as direções que podem tomar cada um dos Ministros da Corte.

182. A atual composição do STF é formada pelos seguintes Ministros: Ellen Gracie (Presidente), Celso de Mello (Decano), Marco Aurélio, Gilmar Mendes (Vice-Presidente), Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito, sendo que estes três últimos não participaram das primeiras sessões de julgamento desse tema.

183. Pelas manifestações externadas naquelas sessões e/ou manifestadas em outras oportunidades de julgamento, penso que votaram favoráveis à antecipação terapêutica do parto do anencefálico os seguintes Ministros: Marco Aurélio (relator), Celso de Mello, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.

184. Também a partir de manifestações anteriores, votarão contrários ao aborto de feto anencefálico: Eros Grau, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Ellen Gracie.

185. Em aberto os outros três votos. Há sinais de que Menezes Direito possa votar contrário ao aborto do feto anencefálico. Quanto a Ricardo Lewandowski há a possibilidade de ele votar favorável à antecipação terapêutica do parto. Cármen Lúcia, a partir de sua obra doutrinária [38], emite sinais dúbios, com uma leve tendência contrária ao aborto, visto que para ela o embrião já um ser dotado de dignidade humana e merecedor de respeito e proteção.

186. Registro que pode haver uma reviravolta, de sorte que nenhum desses prognósticos se concretize. Cada juiz é senhor absoluto de sua consciência. A conferir.

187. Em minha percepção, penso que aqueles que votarem favoravelmente à antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico o façam por dois argumentos: a) a prevalência do interesse da mulher e de sua saúde em vista de uma gravidez que resultará em morte imediata; ou seja, não vale a pena o sacrifício da gestante; b) dispensar ao feto anencefálico o mesmo tratamento dispensado àquele que tem sua morte cerebral decretada, a despeito do funcionamento de outros órgãos vitais.

188. Quanto aos que votarem contrários ao aborto do feto anencefálico devem se estribar nos subseqüentes argumentos: a) o mal-estar da gestante não autoriza o sacrifício da vida do feto anencefálico, a despeito de sua grave patologia que o matará assim que nascer; e b) não pode o Judiciário inovar o sistema penal brasileiro criando uma nova hipótese de excludente de ilicitude penal, pois isso é tarefa dos Poderes Políticos (Congresso Nacional e Presidência da República) e com ampla participação dos setores interessados na formulação dessas políticas legislativas.


XIII. CONCLUSÃO

189. O julgamento da ADPF 54 será – e já tem sido – um dos mais emblemáticos julgamentos da história do STF como tribunal de direitos fundamentais e como Corte Constitucional, tanto pelo aspecto delicado e problemático da questão de mérito, quanto pela aceitação do instituto da ADPF como instrumento processual viabilizador dessa manifestação do STF.

190. O resultado acerca do julgamento dependerá das premissas que os Ministros do STF utilizarão para justificar suas convicções jurídicas, em respeito às suas próprias consciências morais e éticas.

191. Quem entender que o feto anencefálico é ser natimorto ou que o sofrimento da gestante é superior ao dever de manter a gravidez, deve votar favoravelmente à antecipação do parto.

192. Quem entender que a despeito do sofrimento da mãe o feto anencefálico é portador de dignidade humana e merecedor de proteção, ainda que seja apenas para garantir o nascimento e conseqüente morte natural ou que compete ao Legislativo inovar o ordenamento jurídico positivamente, deve votar contrariamente ao aborto.

193. Seja qual for o resultado, ninguém sairá ganhando, pois só há angústia e sofrimento nesses casos. É um vale de lágrimas, um calvário para todos os envolvidos.

194. Por fim, recordo as sempre úteis palavras contidas na Boa Nova anunciada a toda a humanidade e para a qual todos somos convidados a participar, crentes ou não crentes: "Eu quero a misericórdia e não sacrifícios".


Notas

01 Em sentido contrário: DAWKINS, Richard. Deus, um delírio (The God desilusion). Tradução de Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; DENNETT, Daniel. Quebrando o encanto – a religião como fenômeno natural (Breaking the spell). Tradução de Helena Londres. São Paulo: Globo, 2006.

02 Uma perspectiva tolerante: KAMEL, Ali. Sobre o Islã – a afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

03 Uma perspectiva histórica: BROWKER, John. Deus – uma breve história (God – A brief history). Tradução de Kanji Editoração. São Paulo: Globo, 2002.

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04 Uma perspectiva catequética: RATZINGER, Joseph – Papa Bento XVI. Jesus de Nazaré (Jesus von Nazareth). Tradução de José Jacinto Ferreira de Farias. São Paulo: Planeta, 2007.

05 O inteiro teor da referida petição inicial pode ser encontrado na página virtual do STF (www.stf.gov.br/peticaoinicial). Indique ADPF 54.

06 A decisão do Relator está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

07 O inteiro teor do acórdão do HC 84.025 está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

08 O inteiro teor do acórdão do STJ está disponível em sua página virtual (www.stj.gov.br).

09 O inteiro teor do acórdão do TJERJ está disponível em sua página virtual (www.tj.rj.gov.br).

10 O brevíssimo Memorial da CNBB está disponível na página virtual do Jus Navigandi (www.jus.com.br)

11 Código de Direito Canônico (1983). Santa Sé. Cidade do Vaticano. (www.vatican.va)

12 WOJTYLA, Karol – Papa João Paulo II. Encíclica Evangelium Vitae (Evangelho da Vida): www.vatican.va

13 Para uma compreensão da visão e atuação da Igreja: Compêndio da doutrina social da Igreja. Pontifício Conselho Justiça e Paz. CNBB. São Paulo: Paulinas, 2005; Catecismo da Igreja Católica. Santa Sé. Cidade do Vaticano (www.vatican.va).

14 O Parecer do PGR está disponível no Jus Navigandi (www.jus.com.br).

15 O Parecer de José Néri da Silveira está disponível no Jus Navigandi (www.jus.com.br).

16 O inteiro teor do acórdão está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

17 Sugere-se a leitura da monografia "O regime jurídico-constitucional da ADPF", da lavra da juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, disponível no Jus Navigandi (www.jus.com.br).

18 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: SAFE, 1999.

19 CAPPELLETTI, Mauro, obra citada.

20 BERNARDES, Juliano Taveira. Controle abstrato de constitucionalidade – elementos materiais e princípios processuais. São Paulo: Saraiva, 2004.

21 MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – Comentários à Lei n. 9.882, de 03.12.1999. São Paulo: Saraiva, 2007.

22 Obra citada.

23 Monografia citada.

24 Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1997.

25 OMMATI, José Emílio Medauar. Paradigmas constitucionais e a inconstitucionalidade das leis. Porto Alegre: SAFE, 2003; GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O pós-modernismo jurídico. Porto Alegre: SAFE, 2005.

26 A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Viana Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1997.

27 Direito e Democracia – entre a faticidade e a validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

28 ALVES JR., Luís Carlos Martins. O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

29 A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. In: Jurisdição e Hermenêutica Constitucional. Coordenação Marcelo Cattoni. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

30 Obra citada.

31 Além dos Títulos I e II (arts. 1º a 17, CF), tem-se o Título VIII (arts. 193 a 232, CF) e vários outros dispositivos constitucionais que versam sobre direitos fundamentais.

32 Obra citada.

33 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2006.

34 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais – uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006.

35 O inteiro teor dessa decisão está disponível na página virtual do STF (www.stf.gov.br).

36 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de José Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: RT, 1999. Beccaria, por óbvio, não tratou do feto anencefálico, mas suas clássicas lições permanecem válidas em relação a uma adequada política penal.

37 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

38 Direito à Vida Digna. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O direito fundamental do feto anencefálico.: Uma análise do processo e julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1555, 4 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10488. Acesso em: 24 dez. 2024.

Mais informações

Palestra proferida no evento "Sexta Jurídica", organizado pela Seção Judiciária da Justiça Federal no Estado do Piauí, em Teresina, 27/09/2007.

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