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A boa-fé: conceito, evolução e caracterização como princípio constitucional

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14/10/2007 às 00:00
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Definição de princípio jurídico

A idéia de princípio, ainda que fora do âmbito do saber jurídico, sempre se relaciona a verdades fundamentais, alicerces, origens, causas, máximas, orientações de caráter geral, guia.

Preceitua Espíndola (1999; p. 45) que "para se analisar, com satisfatoriedade, o conceito de princípio no Direito, cumpre sejam levantadas, inicialmente as significações de princípio fora do âmbito do saber jurídico".

Seguindo esta lógica, concluiríamos que a expressão "princípio" é utilizada nas ciências em geral, como, por exemplo, na política, física, filosofia, entre outros, mas, sempre designando a estruturação de um sistema de idéias ou pensamentos por idéia mestra, tida como um verdadeiro alicerce.

Assim define Reale (1986; p. 60):

"Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a da porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários".

E completa Rothenburg (1999; p. 51):

"Os princípios são compreendidos de acordo com uma concepção sistêmica do ordenamento jurídico. Por sua própria definição, eles reportar-se-iam a um conjunto concatenado, enquanto "mandamentos nucleares", base ou fundamento, "traves mestras jurídico-constitucionais"".

Negreiros (1998), ressalta a noção de que os princípios seriam guias, formas de orientação, normas providas de alto grau de generalidade e indeterminação, numa posição elevada de hierarquia, atuando como vetor para todo o sistema jurídico e dispõe que o próprio Superior Tribunal de Justiça já os considerou como "valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito".

Por derradeiro, não pode subsistir a idéia o de que, em razão de sua suposta natureza transcendente, os princípios sejam considerados como mera exortações ou simples preceitos de cunho moral. Mas, pelo contrário, são portadores dos mais altos valores de uma sociedade, os quais são transformados em preceitos jurídicos e revelam as decisões políticas fundamentais.

Todavia, na ciência do direito, o termo não possui um sentido unívoco. Neste sentido, Espíndola (obra cit.; p. 49), o qual opina não ser nada benéfica tal polissemia:

"(...) Na Ciência Jurídica, tem-se usado o termo princípio ora para designar a formulação dogmática de conceitos estruturados por sobre o direito positivo, ora para designar determinado tipo de normas jurídicas e ora para estabelecer postulados teóricos, as proposições jurídicas construídas independentemente de uma ordem jurídica concreta ou de institutos de direito ou normas legais vigentes. Essa polissemia não é benéfica neste campo do saber, em que a confusão de conceitos e idéias pode levar à frustração da práxis jurídica ou à sonegação, por uma prática equívoca, de direitos ou de situações protegíveis pelo sistema jurídico posto".

Embora tais disposições não sejam deveras elucidativas, servem para concluirmos que os princípios tanto podem ser postulados éticos inspiradores da ordem jurídica, constantes nas normas (essência a que se mete a ordem jurídica como fonte do direito) ou próprios à interpretação das normas.

Conforme disciplina Martins-Costa (2000), os princípios em nosso ordenamento jurídico, hoje, podem se encontrar expressos por dicção legislativa ou inexpressos (implícitos), sendo formulados por dicção judicial (à vista da racionalidade do sistema ou do conjunto normativo aplicável a certo tempo), sempre com caráter fundante.


Princípios constitucionais. Princípios positivos do direito e princípios gerais do direito (ou princípios implícitos)

Existem doutrinadores que procedem a uma distinção entre os princípios positivos do direito e princípios gerais do direito. Os primeiros seriam aqueles que já pertencem à linguagem do direito, enquanto estes, os que seriam valorados segundo as análises descritivas da ciência jurídica, descobertos no ordenamento positivo (existem independentemente de expressão nas normas legais, porque nelas não se esgotam).

Neste contexto, é pertinente a posição de Gordilho Canãs (Gordilho apud Negreiros, 1998; p. 115) de que "o princípio ainda quando legalmente formulado, continua sendo princípio, necessitando por isso de desenvolvimento legal e de determinação casuística em sua aplicação judicial".

Para o presente estudo, interessa-nos saber que a Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que expressamente dispôs alguns princípios, também atua como fonte de inspiração de diversos outros princípios, ditos implícitos, em nosso ordenamento jurídico. Em outras palavras, a concepção de princípios, enquanto normas constitucionais, considera tantos os princípios assentados no texto da própria Magna Carta, quanto os princípios constitucionais implícitos ou deduzidos.

A maioria dos doutrinadores é unânime em reconhecer a existência dos princípios constitucionais implícitos, atribuindo-lhe caráter e força normativa.

Todavia, Espíndola (obra cit.), seguindo a linha de raciocínio de Canotilho, admite esta existência, mas questionando-a. Entende que sempre se deve partir de um ponto de vista positivo-nomativo, do texto da Constituição, para serem concluídos os princípios constitucionais expressos e implicitamente considerados, isto é, devem sempre ser consideradas possíveis extrações dos enunciados do texto. Os princípios constitucionais implícitos seriam somente aqueles reconduzíveis a uma densificação específica de princípios constitucionais positivamente plasmados (1999; p. 197):

"(...) Os princípios constitucionais devem ter uma referência positiva, reconduzindo-se ao bojo do sistema de normas postas. (...) Deve-se partir de um ponto de vista positivo-normativo, do texto da Constituição, para chegar aos princípios constitucionais, tanto os expressos quanto os implicitamente considerados. E a atitude metódica a ser levada em conta, deve ter como limite as disposições do texto constitucional; deve se levar em conta possíveis extrações dos enunciados do texto. E para isso, é claro, deve servir-se o intérprete de uma metódica constitucionalmente adequada. (...) A ressalva para esse ponto deve-se ao fato de que mesmo adotando a procura de princípio no sistema constitucional positivo, se não houver postura metódica adequada, o intérprete pode iludir-se ou iludir, no seguinte sentido: o princípio que encontrar pode não ser descoberto no texto constitucional, mas em instância valorativa fundada em subjetivismos, em posturas axiológicas, ideológicas, ou outras formas de subjetividade interpretativa, que frustrem a tendencial objetividade exigível na atividade de extração dos princípios da ordem constitucional positiva. Em outras palavras: não bastará, para o intérprete da Constituição, uma alusão de que sua postura é corolária de um ponto de vista normativo. É preciso que a metódica que a fundamente também o seja, e que os resultados alcançados a corroborem: princípios expressos ou implícitos, somente os consignados na Constituição".


Os princípios constitucionais como valores supremos e vértices norteadores de todo o ordenamento jurídico

Os princípios constitucionais são as normas a que o legislador constituinte concebeu como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui, decorrentes de verdadeiras opções políticas. São os valores mais relevantes de determinada ordem jurídica. Nas palavras de Barroso (1999; p. 147 a 149):

"O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie (...) A Constituição, como já vimos, é um sistema de normas jurídicas. Ela não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que "costuram" suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos".

E pondera Zimmermann (2006):

"Podemos analogamente avaliar que os princípios fundamentais são como luzes irradiantes para a interpretação constitucional. Afinal, eles provêm o interprete com elementos axiológicos para uma razoável interpretação e, assim sendo, desenvolvem uma lógica sistêmica ao ordenamento constitucional. Indiferentemente ao grau de abstração revelada pelo ordenamento constitucional, cada princípio oferece uma capacidade de enquadramento valorativo de normas jurídicas do ordenamento constitucional, servindo a adequação de regras (ou normas jurídicas) aos casos concretos. Deste modo, a interpretação constitucional encontra-se operacionalizada por princípios que então procedem à justificação valorativa das regras do direito positivo. Por isso, os princípios constitucionais agiriam como ‘agentes catalisadores’ do ordenamento constitucional, definindo estratégias razoáveis de interpretação. Pois que cada princípio emanaria uma dose de legitimação à constituição, fazendo-se desta última muito mais do que um simples aglomerado de regras jurídicas desconexas umas com as outras. Antes de tudo, a desconsideração dos princípios constitucionais destruiria à própria integridade do corpo constitucional, em função da imperativa necessidade de reconhecimento de uma certa conexão elementar entre princípios e a própria normatividade do texto constitucional.(...) Estes princípios não se identificam apenas com um único caso concreto, mas com uma percepção mais genérica do ordenamento jurídico".

Considerando-se que toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade hierárquica da Constituição sobre os demais atos normativos, podemos concluir que são os valores supremos que garantem a validade de toda a legislação do Estado.


A Constituição como vértice axiológico do sistema jurídico aberto

Já fora afirmado em outras ocasiões, que o sistema jurídico brasileiro é aberto. Em outras palavras, isto significa dizer que é um sistema flexível, em que a lei não busca o status de completude. O ordenamento jurídico não é considerado completo, mas, como ensina Bobbio (1909), é completável. Não há a prevalência de uma determinada fonte do direito (lei) sobre todas as demais fontes, sendo admitidos os princípios, os costumes, as decisões do juiz, a eqüidade, entre outros.

Na modernidade, não pode ser admitida, de modo algum, a atuação arbitrária do Estado. Neste sentido, ainda que sejam admitidas outras fontes de direito que não somente a lei, a atuação sempre está limitada a um diploma maior. Este diploma, por óbvio, é a Constituição, tida como fundamental e que possui parâmetros e princípios que devem ser acatados por todas as demais fontes do direito. Ora, por conseguinte, tem-se que a Magna Carta se configura como verdadeiro vértice axiológico do sistema jurídico aberto.

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Os princípios constitucionais seriam verdadeiros alicerces de todo o ordenamento jurídico e permitiriam uma constante evolução interpretativa. Poder-se-ia afirmar, que os princípios desempenham a função de dar fundamento material e formal aos subprincípios e às demais regras integrantes da sistemática normativa.

Segundo preceitua Sávio (2004), cabe ressaltar que nossa Carta Magna recebeu com grande iluminação a sistematização democrática, baseada em princípios que permitem uma constante evolução interpretativa, ligados pelos princípios universais de direitos humanos, processos e procedimentos democráticos constitucionalmente previstos, e pela livre expressão da vontade consciente dos cidadãos.

E assim completa Espíndola (obra cit, p. 74):

"(...) No Direito Constitucional é que a concepção de fundamento da ordem jurídica como ordem global se otimiza diante da teoria principialista do Direito. Assim, os princípios estatuídos nas Constituições – agora princípios constitucionais -, "postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento".

A Lei Maior, compreendendo a importância dos princípios em nosso ordenamento e também a sua função de vértice axiológico do sistema jurídico, ao mesmo tempo em que expressamente dispôs alguns princípios, admitiu ser fonte de inspiração de diversos outros princípios, expressamente dispondo em seu artigo 5º, § 2º, que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

Por esta razão, que se considera serem admitidos tanto os princípios positivos do direito quanto os princípios gerais do direito pela nossa Constituição. A conclusão não poderia ser diversa, sob pena de ser desconsiderada toda a explanação acerca da adoção de um sistema aberto (se fossem considerados apenas os princípios positivados, estaria se "engessando" o ordenamento jurídico, considerando-o como completo).

É pertinente a observação de Ruy Samuel Espíndola (obra cit, p. 71) que "sem dúvida, a teoria dos princípios é, antes de tudo, um capítulo deveras rico e inovador na teoria jurídica contemporânea, na era do pós-positivismo".


A aplicabilidade dos princípios constitucionais

Os princípios jurídicos são os fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica. Na verdade, não se configuram apenas como lei, mas como o próprio direito em toda a sua extensão e abrangência.

As regras jurídicas são criadas para ter vigência em situações fáticas concretas, para uma específica hipótese, com a superação das demais regras que disponham de maneira diversa, posto que o ordenamento não admite normas incompatíveis. Conseqüentemente, foram desenvolvidos critérios de resolução das possíveis antinomias do sistema (conflitos aparentes de normas), quais sejam, os métodos da especialidade, hierarquia e cronologia. Na imensa maioria das vezes, haverá a invalidade de uma das regras (excepcionalmente, tem-se como possível uma ponderação no plano da aplicação, conferindo-se valor maior a uma delas).

Todavia, tal sistemática não é, de modo algum, aplicável aos princípios.

É grande o número de princípios existentes em nosso ordenamento jurídico (sendo que, por óbvio, todos devem possuir fundamento na Lei Fundamental, sejam expressos ou implícitos, como já fora afirmado) e tais necessitam de convivência e conciliação, uma vez que são igualmente vigentes e operantes. Eventualmente, podem os princípios se encontrarem em uma situação colidente. Neste caso, não haverá a revogação ou invalidação de um deles, mas, pelo contrário, uma ponderação de valores, atribuindo-se um determinado peso a cada um deles diante do caso concreto.

Assim leciona Rosenvald (obra cit., p. 48):

"Os princípios colocam-se em estado de tensão, passível de superação no curso da aplicação do direito. O sentido dos princípios só será alcançado na ponderação com outros de igual relevância axiológica, pois operam em par, em complementariedade. Eles são prima facie, pois enquanto nas regras o comportamento já é objeto de previsão textual – elas pretendem gerar uma solução específica para o conflito – os princípios não portam consigo juízos definitivos do dever-ser, eles não determinam diretamente a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretização demandará intensa atividade do aplicador do direito. O princípio não aspira a obtenção de uma solução específica, mas soma-se a outras razoes para a tomada de decisões. Assim, será na dimensão do peso que se realizará uma harmonização entre os princípios e suas diretrizes valorativas, a ponto de afastar um deles no caso concreto, solucionando-se o campo de tensão. Não se cogitará de invalidação, apenas de preponderância de determinada hipótese, visto que nada impedirá que, em outras circunstâncias, o princípio deslocado prevaleça em face da predominância de sua capacidade argumentativa".

Ora, de acordo com o método de harmonização, cada princípio específico poderá prevalecer numa dada circunstância. Na fase pós-positivista, a eficácia normativa conferida aos princípios não se assenta sobre imperativos lógicos ou critérios de validade das leis, mas de ordem valorativa.

Coloca-se à jurisprudência a tarefa de promover a real concretização dos princípios.

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Sobre a autora
Mariana Pretel e Pretel

advogada, pós-graduada "lato sensu" em Direito Civil e Processual Civil pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, de Presidente Prudente (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRETEL, Mariana. A boa-fé: conceito, evolução e caracterização como princípio constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1565, 14 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10519. Acesso em: 21 nov. 2024.

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