A Lei Federal nº 14.628 , de 20 de julho de 2023, é a conversão da Medida Provisória nº 1.166, de 22 de março de 2023, e institui dois programas, além de promover alterações em outras legislações, com o objetivo de promover acesso à alimentação, à segurança alimentar e à inclusão econômica e social [art. 1º da citada Lei].
Foram instituídos: o Programa de Aquisição de Alimentos [PAA] e o Programa Cozinha Solidária [PCS], e dentre as alterações, destacam-se as ratificações dos incisos XVI e XVII, e a inserção do inciso XVIII, todos no art. 75, da Lei Federal nº 14.133/2023, que trata sobre as hipóteses de dispensas de licitação. Os programas ainda serão regulamentados, mas já é possível compreender, antecipadamente, alguns de seus objetivos.
PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS - PAA
Trata-se de programa voltado à segurança alimentar, incentivando a agricultura familiar, a pesca artesanal, a aquicultura, a carcinicultura e a piscicultura.
Em seu art. 8º, a Lei prevê que órgãos e entidades da administração federal deverão destinar o mínimo de 30% do total de recursos utilizados em exercício financeiro anterior com gêneros alimentícios, às aquisições de produtos de agricultores familiares e suas organizações, através de modalidade específica, a ser regulamentada pela União. O §1º, do art. 8º, prevê que essa modalidade específica, a ser regulamentada, poderá ser utilizada pelos municípios para aquisição de gêneros alimentícios e de materiais propagativos da agricultura familiar. É possível adesão dos municípios ao programa [art. 10, I].
O foco do PAA é incentivar a produção e o consumo de produtos da agricultura familiar. O art. 2º, da Lei Federal, prevê:
Art. 2º Fica instituído o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com as seguintes finalidades:
I - incentivar a agricultura familiar, a pesca artesanal, a aquicultura, a carcinicultura e a piscicultura, com prioridade para seus segmentos em situação de pobreza e de pobreza extrema, e promover a inclusão econômica e social, com fomento à produção sustentável, ao processamento de alimentos em geral, à industrialização e à geração de renda;
II - contribuir para o acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade necessárias, pelas pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, sob a perspectiva do direito humano à alimentação adequada e saudável, em cumprimento ao disposto no art. 6º da Constituição Federal;
III - incentivar o consumo e a valorização dos alimentos produzidos pela agricultura familiar, pela pesca artesanal, pela aquicultura, pela carcinicultura e pela piscicultura nacionais;
IV - promover o abastecimento alimentar, que compreende as compras governamentais de alimentos, incluída a alimentação do Programa Cozinha Solidária;
V - apoiar a formação de estoque pelas cooperativas e demais organizações da agricultura familiar, da pesca artesanal, da aquicultura, da carcinicultura e da piscicultura nacionais;
VI - fortalecer circuitos locais e regionais e redes de comercialização da produção da agricultura familiar, da pesca artesanal, da aquicultura, da carcinicultura e da piscicultura;
VII - promover e valorizar a biodiversidade e a produção orgânica e agroecológica de alimentos;
VIII - incentivar hábitos alimentares saudáveis em âmbitos local e regional;
IX - incentivar o cooperativismo e o associativismo;
X - incentivar a produção por povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais, assentados da reforma agrária, pescadores artesanais, negros, mulheres, juventude rural e agricultores familiares urbanos e periurbanos nos termos do regulamento;
XI - incentivar a produção agroecológica e orgânica, bem como a adoção de quaisquer práticas associadas à conservação da água, do solo e da biodiversidade nos imóveis da agricultura familiar;
XII - reduzir as desigualdades sociais e regionais brasileiras; e
XIII - fomentar a produção familiar de agricultores que possuam pessoas com deficiência entre seus dependentes.
PROGRAMA COZINHA SOLIDÁRIA - PCS
Já o Programa Cozinha Solidária, tem foco no fornecimento de alimentação gratuita e de qualidade à população, especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social [art. 14].
É o que o art. 14, prevê:
Art. 14. Fica instituído o Programa Cozinha Solidária, com o objetivo de fornecer alimentação gratuita e de qualidade à população, preferencialmente às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, incluída a população em situação de rua, e de insegurança alimentar e nutricional, conforme regulamento.
§ 1º São finalidades do Programa Cozinha Solidária:
I - combater a fome e a insegurança alimentar e nutricional, em cumprimento ao art. 6º da Constituição Federal;
II - garantir espaços sanitariamente adequados para a alimentação;
III - oferecer regularidade no acesso à alimentação de qualidade, em quantidade suficiente;
IV - promover a educação alimentar e nutricional;
V - incentivar práticas alimentares saudáveis, com sustentabilidade social, econômica, cultural e ambiental;
VI - disseminar conceitos de aproveitamento integral e de boas práticas de preparo e de manipulação de alimentos;
VII - adquirir alimentos produzidos preferencialmente pela agricultura familiar e pela agricultura urbana e periurbana; e
VIII - articular com outros equipamentos públicos e programas de segurança alimentar e nutricional e de assistência social a organização e a estruturação de sistemas locais de abastecimento, de forma a compreender desde a produção até o consumo dos alimentos.
§ 2º As cozinhas solidárias são tecnologia social de combate à insegurança alimentar e nutricional.
Ainda, a Lei autoriza a execução do programa [PCS] por entidades do terceiro setor, através de parcerias, e, também, o firmamento de parcerias entre entes públicos:
Art. 17. Poderão ser estabelecidas parcerias entre instituições públicas e entidades da sociedade civil para a execução do Programa Cozinha Solidária.
§ 1º O Programa Cozinha Solidária poderá apoiar cozinhas comunitárias e coletivas já existentes em comunidades, conforme regulamento.
§ 2º O poder público poderá disponibilizar equipamentos para processamento, beneficiamento, armazenamento e transporte de alimentos para as cozinhas solidárias.
Art. 18. No âmbito do Programa Cozinha Solidária, a União poderá firmar contratos de parceria com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e consórcios públicos constituídos como associação pública, bem como com organizações da sociedade civil, observado o disposto na Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014.
§ 1º Os parceiros de que trata o caput deste artigo poderão contratar entidades privadas sem fins lucrativos para a execução do Programa Cozinha Solidária, conforme regulamento específico.
§ 2º Os recursos financeiros para custeio do Programa Cozinha Solidária repassados às entidades privadas sem fins lucrativos serão destinados, conforme regulamento e observada a disponibilidade orçamentária e financeira, para:
I - ofertar refeições; e
II - cobrir despesas de custeio, pessoal, manutenção e pequenos investimentos, que concorram para a garantia do funcionamento e melhoria da infraestrutura física dos estabelecimentos.
§ 3º Com o objetivo de uniformizar a execução do Programa Cozinha Solidária, ato do Poder Executivo disporá acerca de modelos de atendimento, de valores de referência, de prestação de contas e de instrumentos jurídicos a ser utilizados pelos parceiros de que trata o caput deste artigo.
LEI DE LICITAÇÕES - 14.133/21
Como já adiantado, a MP 1.166 já havia modificado os incisos XVI e XVII do art. 75, da Lei Federal nº 14.133/2021, sendo, especificamente, as hipóteses de dispensa de licitação: para aquisição de insumos estratégicos para a saúde [XVI]; e para contratação de entidades privadas sem fins lucrativos para implementação de cisternas ou tecnologias de acesso à água [XVII].
A Lei Federal nº 14.628/23, promoveu pequenas alterações gramaticais nas redações anteriores dos incisos XVI e XVII, já inseridos pela MP 1.166 e agora ratificados. A grande inovação fica por conta do inciso XVIII, que prevê a contratação de entidades privadas sem fins lucrativos para implementação do PCS. Veja a redação atual do art. 75, em seus incisos XVI, XVII e XVIII:
Art. 75. É dispensável a licitação:
[...]
XVI - para aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de insumos estratégicos para a saúde produzidos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da Administração Pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS, nos termos do inciso XII deste caput, e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior à entrada em vigor desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; (Redação dada pela Lei nº 14.628, de 2023)
XVII - para contratação de entidades privadas sem fins lucrativos para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, a fim de beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou pela falta regular de água; e (Incluído pela Lei nº 14.628, de 2023)
XVIII - para contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação do Programa Cozinha Solidária, que tem como finalidade fornecer alimentação gratuita preferencialmente à população em situação de vulnerabilidade e risco social, incluída a população em situação de rua, com vistas à promoção de políticas de segurança alimentar e nutricional e de assistência social e à efetivação de direitos sociais, dignidade humana, resgate social e melhoria da qualidade de vida. (Incluído pela Lei nº 14.628, de 2023)
A exemplo da MP 1.166, a Lei 14.628/23, ajustou as hipóteses de dispensas de licitação para que os programas criados sejam executáveis. Especial atenção deve ser dada a nova hipótese, ou mais recente, já que não estava presente na MP 1.166, envolvendo a contratação de entidades para execução do Programa Cozinha Solidária, do inciso XVIII, art. 75, da Lei 14.133/21.
Ponto confuso, é que a Lei previu essa nova hipótese de dispensa e também citou a Lei Federal nº 13.019/14, deixando em aberto duas hipóteses para consecução do programa PCS junto às entidades do terceiro setor: 1- dispensa de licitação, sendo firmado contrato administrativo pela Nova Lei; ou 2- termos de parcerias [fomento, colaboração ou cooperação], regidos pela Lei 13.019/14, que não se misturam com o regime licitatório, sendo regimes distintos, as parcerias, inclusive, são resultado de chamamento ou de cabimento das hipóteses de inexigibilidade ou dispensa específicas da Lei 13.019.
A Lei parece misturar os regimes, o contratual e o de parcerias, em alguns momentos, mas de maneira resumida, com a previsão específica de uso da Lei 13.019 [que poderia ser utilizada ainda que não prevista], e com a nova hipótese de dispensa, na verdade, pode-se interpretar que ambas são hipóteses válidas para a concretização do PCS [execução por contrato administrativo, via dispensa; ou firmamento de termo de parceria da Lei 13.019]. E no caso das parcerias, hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de chamamento público, devem ser verificadas junto aos artigos 30 e 31, da Lei 13.019/14, não havendo conexões com as dispensas licitatórias.