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A prisão provisória no direito comparado

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19/10/2007 às 00:00
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Um tema que sempre despertou e sempre despertará profundos debates refere-se à admissibilidade da prisão provisória no processo penal - entendido esse termo, aqui, simplesmente como a prisão antes de condenação definitiva.

Tem sido constante, principalmente nos últimos anos, um intenso embate entre um grupo que defende a limitação ao máximo da admissibilidade da prisão provisória (senão a sua própria extinção), e uma outra corrente que procura manter ou ampliar os seus contornos atuais.

É muito fácil auto-afirmar-se fonte da verdade ou das boas virtudes e, partindo dessa premissa (e só dela), concluir serem infestas as pessoas que defendam ponto de vista diverso. Essa atitude reduz o debate científico a um maniqueísmo infantil, manietando-o como se só duas posições fossem possíveis [01]. Atitudes como essa, cada vez mais freqüentes hoje em dia, não contribuem para o aperfeiçoamento do sistema processual penal. Para esse fim, considero mais prudente seguir os ensinamentos de Aristóteles (sua idéia de "justo meio", em Ética a Nicômaco) ou do próprio budismo (noção tradicional do "Caminho do Meio"), no sentido de que se deve procurar a harmonização dos extremos, encontrando em cada um o que de melhor há. [02]

De qualquer forma não constitui objeto do presente trabalho a análise crítica da prisão provisória. O que motivou esse artigo foi apenas o desejo de situar o tema no direito comparado, até para que não se importem teses alienígenas de forma capenga, como estão fazendo doutrinadores e aplicadores do direito, sem qualquer conhecimento do universo em que inseridos. A propósito da importação de modelos estrangeiros, expôs José Carlos Barbosa Moreira em seu notável artigo O futuro da Justiça: alguns mitos, no tópico que ele denomina Terceiro mito: supervalorização de modelos estrangeiros: "A dois pressupostos, segundo penso, devem subordinar-se as operações de importação. Primeiro, cumpre examinar a fundo o modo como na prática funciona o instituto de que se cogita no país de origem [...] O segundo pressuposto é o convencimento, fruto de reflexão tanto quanto possível objetiva, de que a pretendida inovação é compatível com o tecido do ordenamento no qual se quer enxertá-la." [03]. Uma singela contribuição para que não nos afastemos do primeiro parâmetro indicado é o que se pretende fazer a seguir.


A) Alemanha

Na Alemanha [04], admite-se que qualquer pessoa realize a prisão em flagrante de alguém surpreendido cometendo um delito, se houver risco de fuga ou não for possível identificá-lo imediatamente (§ 127, I, StPO - Strafprozeßordnung). O membro do Ministério Público e as autoridade policias poderão nesses casos determinar a prisão se satisfeitos os pressupostos da prisão provisória (§ 127, II), quando o tempo necessário à obtenção de ordem judicial puder comprometer as investigações.

A prisão provisória (Untersuchungshaft) não será cabível quando desproporcional ao crime ou à pena que provavelmente será imposta (§ 112, I, StPO). Ela pode ser decretada por um juiz em qualquer momento do processo ou da fase investigatória se existir um alto grau de probabilidade de que o suspeito cometeu um crime e se estiverem presentes todos os pressupostos de punibilidade e condições de procedibilidade. É necessária ainda a presença de algum dos seguintes motivos: a) o suspeito fugiu ou se escondeu (§ 112, II, 1, StPO); b) consideradas as circunstâncias do caso, concluir-se que há o risco de o acusado evadir-se - risco de fuga [05] (§ 112, II, 2, StPO); c) a conduta do acusado provoque sérias suspeitas de que ele vá, pessoalmente ou por terceiros: c.1) destruir, remover, suprimir ou falsificar provas (§ 112, II, 3, "a", StPO); c.2) indevidamente influenciar co-acusado [06], testemunhas ou peritos (§ 112, II, 3, "b", StPO); d) se existir perigo de que a descoberta da verdade se torne mais difícil - risco de obstrução do procedimento (§ 112, II, 3, "c", StPO).

Quando se tratar de organizações terroristas (§ 129a, I, StGB - Strafgesetzbuch), homicídio (§ 211, StGB), homicídio culposo (§ 212, StGB), genocídio - extermínio de membros de uma nação ou de um grupo racial ou religioso (§ 220, I, StGB), lesão corporal grave (§ 226, StGB) e incêndio qualificado por graves lesões ou pelo resultado morte (§ 306b e 306c, StGB), a prisão poderá ser decretada ainda que não estiverem presentes as razões anteriormente mencionadas conforme previsto no § 112, III, do StPO. Não obstante, mesmo em tais crimes, vem-se interpretando esse dispositivo no sentido de ser necessária a presença do motivos anteriormente mencionados, mas apenas em grau de intensidade menor [07].

A prisão não poderá durar mais do que seis meses pelo mesmo fato [08] sem que o réu tenha sido julgado e condenado, salvo se existirem dificuldades especiais, se a investigação for complexa ou se estiver presente alguma outra razão importante ("anderer wichtiger Grund") a impedir o julgamento (§ 121, III, StPO). Esse prazo pode ser prorrogado pelo Tribunal Superior do Land, depois de ouvido o acusado e o seu defensor, com reavaliações a cada três meses (§ 122, StPO). Ressalte-se que o prazo de seis meses fica suspenso enquanto não apreciado o pedido de prorrogação pelo Tribunal Superior do Land (§ 121, (3), StPO). Nos crimes mencionados no parágrafo abaixo, a prisão não poderá ultrapassar em nenhuma hipótese o prazo de um ano (§§ 112a e 122a, StPO).

Constitui também fundamento para a decretação da prisão a existência de fortes indícios de que o acusado cometeu determinados delitos contra a liberdade sexual (§§ 174, 174a, 176 a 179, StGB) ou que é reincidente no cometimento dos delitos de grave perturbação da ordem pública (§ 125a, StGB), contra a integridade corporal (§§ 224 a 227, StGB), furto qualificado (§§ 243 e 244, StGB), roubo em suas diversas modalidades (§§ 249 a 255, StGB), receptação (§ 260, StGB), estelionato (§ 263, StGB), incêndio simples (§ 306, StGB) e assalto a motorista de veículo (§ 316a, StGB), ou determinados delitos previstos na lei de drogas (Betäubungsmittelgesetzes), aliados a convergência de fatos que indiquem que ele cometerá novamente infrações dessa espécie (§ 112a, StPO). A prisão para evitar a reiteração, consoante prevista no § 112a, é subsidiária. Se estiverem presentes os pressupostos do § 112 e não se encontrarem atendidas as condições para a suspensão da ordem, é inadmissível a invocação do § 112a.

Em qualquer caso, realizada a prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz até o dia seguinte em que foi detido (§§ 115 e 115a, StPO). O juiz poderá suspender a execução da prisão quando, decretada diante do risco de fuga, outras medidas forem suficientes ao fim visado, como a obrigação de apresentação periódica, a proibição de ausentar-se sem autorização ou de sair de sua residência desacompanhado de uma pessoa designada. Se decretada a prisão pelo risco de influência na colheita de provas, poderá a sua execução ser suspensa se indicarem as circunstâncias que outras medidas eficazes puderem ser adotadas, como a ordem de não manter contato com o co-acusado, com as testemunhas e com o perito. Quanto à prisão decretada com base no § 112a do StPO, deixa-se um cláusula aberta a autorizar a sua suspensão consistente na existência de expectativas de que orientações ao acusado e as circunstâncias indicarem que o fim para o qual a prisão foi decretada será observado (§ 116, StPO). Também se permite a suspensão da prisão mediante fiança (§ 116, StPO).


B) Espanha

Em cumprimento à orientação do Tribunal Constitucional, que desde o ano de 2000 advertira o legislador da necessidade de adequar a Ley de Enjuiciamiento Criminal - LECrim - às exigências constitucionais [09], foi aprovada na Espanha em outubro de 2003 a Lei Orgânica nº 13, modificando a regulamentação da previsão provisória [10]. Com isso, o art. 503 da LECrim passou a exigir a ocorrência de três pressupostos para a decretação da prisão provisória: 1º) pressuposto subjetivo - a existência de motivos suficientes que levem à convicção de que a pessoa contra a qual se decretará a prisão seja a autora do delito (art. 503, 1.2); 2º) pressuposto objetivo - que o fato corresponda a um crime punido com pena máxima igual ou superior a dois anos [11], ressalvadas as seguintes exceções, nas quais a pena máxima pode ser inferior a esse patamar: a) se o acusado tiver antecedentes não cancelados e não suscetíveis de cancelamento, derivados de delitos dolosos (art. 503, 1.1); b) se houver risco de fuga, aferido pela existência de pelo menos dois mandados de chamamento e busca contra o acusado expedidos nos dois últimos anos (art. 503, 1.3, "a", infra); c) quando se busque evitar que o acusado ofenda bens jurídicos da vítima, em especial quando se trate de violência doméstica (art. 503, 1.3, "c"); d) quando se objetive evitar o risco de reiteração de delitos pelo acusado, em especial quando se inferir através dos seus antecedentes, de informações fornecidas pela polícia judiciária ou da própria autuação, que ele venha atuando sistematicamente com outras pessoas de forma organizada ou quando se tratar de reiteração habitual de crimes; 3º) pressuposto teleológico - os fins perseguidos com a medida seja constitucionalmente legítimos, a saber, tenham o fim de impedir a fuga do acusado [12], evitar a ocultação, a alteração ou a destruição de fontes de prova, frustrar a reiteração delitiva ou impedir a ofensa a bens jurídicos da vítima, em especial no caso de violência doméstica.

Segundo o art. 504 da LECrim, a prisão provisória durará o tempo imprescindível a alcançar os objetivos por ela perseguidos e enquanto persistirem as razões que levaram à sua decretação. Estabelece em seguida que se a prisão for decretada: 1) para evitar o risco de fuga ou que o acusado atue contra bens jurídicos da vítima, ou ainda para impedir a reiteração delitiva, terá duração máxima de um ano se ao delito for cominada pena igual ou inferior a três anos ou, no caso de estar prevista pena superior a três anos, poderá durar no máximo dois anos; 2) para impedir a ocultação, a alteração ou a destruição de fontes de prova, terá duração máxima de seis meses (art. 504, 2). As dilações que não forem causadas pela Administração da Justiça não serão computadas para efeito de contagem do prazo máximo da prisão provisória (art. 504, 5). Em audiência específica com a presença das partes, os prazos de duração máxima poderão ser prorrogados, por um única vez, por dois anos, se a pena do delito for superior a três anos, ou por até seis meses, se cominada ao crime pena igual ou inferior a três anos. Quando proferida a sentença condenatória contra o réu, a prisão provisória poderá ser prorrogada até a metade da pena que lhe foi imposta na sentença, se contra ela foi interposto recurso (art. 504, 2, infra). Nesse caso, porém, entende-se que a prorrogação não é automática, devendo ser motivada. A concessão de liberdade por terem sido excedidos os prazos máximos de duração da medida não impedirá que novamente se decrete a prisão do acusado se ele, sem motivo justo, deixar de comparecer a qualquer ato do processo (art. 504, 4).

Hipótese peculiar prevista na Ley de Enjuiciamiento Criminal refere-se à exigência, salvo para ser concedida liberdade provisória sem fiança, de convocação de uma audiência especial no mais tardar setenta e duas horas a partir do momento em que efetuada a detenção [13] do acusado. Também será designada a audiência quando não se verificar a detenção do acusado, com o fim de decretar a sua prisão ou a liberdade provisória com fiança (art. 505, 1). À audiência deverão comparecer o membro do Ministério Público ou as outras partes acusadoras e o acusado, assistido do defensor constituído ou nomeado em seu favor. Se o Ministério Público ou outra parte acusadora pedir a decretação da prisão preventiva ou a concessão de liberdade provisória com fiança, as partes presentes poderão formular alegações ou propor provas que deverão ser colhidas no ato se não o foram nas setenta e duas horas anteriores à audiência (art. 505, 3). Em seguida, decidirá o juiz. Se não solicitadas pela acusação a prisão provisória ou a imposição de fiança, o detido deverá ser posto imediatamente em liberdade (art. 505, 4). Se por qualquer razão a audiência não puder ser celebrada, o juiz poderá determinar a prisão provisória, se presentes os seus pressupostos, ou impor liberdade provisória com fiança, mas deverá em seguida, dentro de setenta e duas horas, convocar nova audiência nos termos mencionados (art. 505, 5).

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Está também prevista uma modalidade de prisão provisória que se assemelha à nossa prisão temporária. Trata-se da prisión incomunicada, que pode ser decretada pelo tribunal ou pelo juiz de instrução e que tem por fim evitar que se subtraiam da ação da justiça pessoas supostamente envolvidas nos fatos investigados, ou que elas atuem contra bens jurídicos da vítima, que ocultem, alterem ou suprimam provas ou que cometam novos delitos (art. 509, 1). A incomunicabilidade durará somente o tempo necessário a evitar esses perigos e não poderá exceder a cinco dias, podendo este prazo ser prorrogado por uma vez se se tratar de terrorismo ou de organizações criminosas (art. 509, 2). Não se admitirá que o preso faça ou receba qualquer comunicação, salvo se não frustrarem os fins da prisão incomunicável (art. 510, 3).

Como medidas alternativas à prisão provisória, é possível a concessão de prisão domiciliar no caso de enfermidade que ponha em grave risco a saúde do acusado, ou o internamento em centro oficial se ele estiver submetido a tratamento de desintoxicação e a sua prisão puder frustrar a sua recuperação, devendo os fatos pelos quais responde serem anteriores ao início do tratamento (arts. 508, 1 e 2).


C) Portugal (* Ver Nota de Atualização - do Editor)

Em Portugal, é previsto inicialmente que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar (art. 191, CPP português), dependendo de prévio indiciamento do indivíduo - "prévia constituição como arguido" (art. 192, 1). Devem ademais as medidas de coação ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente possam ser aplicadas (art. 193).

As medidas de coação são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e, depois do inquérito, oficiosamente, ouvido o Ministério Público (art. 194, 1). São precedidas, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido e podem ter lugar no primeiro interrogatório judicial (art. 194, 2).

São previstas várias espécies de medidas de coação, como: a obrigação de prestar caução (art. 197); nos crimes punidos com pena máxima de prisão superior a seis meses, a obrigação de apresentação periódica a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal (art. 198); nos crimes com pena máxima superior a dois anos, a suspensão do exercício da função pública, de profissão ou atividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública, ou do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da emissão de títulos de crédito, sempre que a interdição do exercício respectivo possa vir a ser decretada como efeito do crime imputado (art. 199); a proibição de permanência em certos lugares, de ausentar-se e de estabelecer contatos com determinadas pessoas, quando se tratar de crimes punidos com pena máxima superior a três anos (art. 200); em tais crimes, é possível também impor ao acusado a obrigação de permanência em seu domicílio, podendo ser utilizado, para fins de fiscalização, meios técnicos de controle à distância (art. 201).

Se inadequadas ou insuficientes as medidas referidas, o juiz pode impor a prisão preventiva quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.

A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: 6 meses sem que tenha sido deduzida acusação; 10 meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; 18 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; 2 anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado (art. 215). Esses prazos são elevados, respectivamente, para 8 meses, 1 ano, 2 anos e 30 meses, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a oito anos, ou crimes de furto ou de veículos, falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem, de burla, insolvência dolosa, administração danosa do setor público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação econômica em negócio, de branqueamento de capitais, bens ou produtos provenientes do crime; de fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima. Podem tais prazos ser elevados, respectivamente, para 12 meses, 16 meses, 3 anos e 4 anos, quando o procedimento for por um dos crimes referidos e se revelar de excepcional complexidade [14], devido, nomeadamente, ao número de acusado ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime (art. 215, 3).

Nenhuma medida de coação pode ser aplicada se em concreto não se verificar: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranqüilidade públicas ou de continuação da atividade criminosa (art. 204).

Quanto à prisão flagrante, qualquer pessoa pode efetuá-la se uma autoridade judiciária ou entidade policial não puderem ser chamadas em tempo útil (art. 255). Entende-se por flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer ou, ainda, o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar (art. 256). O detido deve ser apresentado no prazo máximo de quarenta e oito horas ao juiz que o restituirá à liberdade ou aplicará alguma medida de coação.

As autoridades policiais podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando verificadas as seguintes condições: a) se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva; b) existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e c) não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária (art. 257).


D) França

Na França [15], nos casos de flagrante de um crime ou de delito [16] punido com prisão, qualquer pessoa pode deter o infrator e encaminhá-lo à unidade policial mais próxima (art. 73, Code de Procedure Penale). No caso de flagrante de crime ou de delito punido com pena igual ou superior a três anos, se o juiz de instrução [17] ainda não interveio, poderá o Procurador expedir mandado de busca ("mandat de recherche") contra qualquer pessoa quando existirem razões de que praticou ou tentou praticar a infração penal. Localizada a pessoa conforme determinado no mandado, será ela detida e interrogada pela polícia. (art. 70, CPP, com a redação da Lei 204/2004).

Poderá ainda o agente da polícia nacional determinar a retenção de pessoa que se recuse ou seja incapaz de fornecer provas de sua identidade, para fim de verificar a sua verdadeira identidade. Essa retenção só poderá durar o prazo estritamente necessário para o estabelecimento de sua identidade, não poderá exceder a quatro horas (arts. 78-3 e 78-6).

Prevê-se ainda uma espécie de prisão temporária, denominada "garde à vue". O oficial de polícia poderá determinar, por necessidade de investigação, a prisão de qualquer pessoa suspeita de haver ou cometido ou tentado cometer uma infração penal. Nesse caso, o Ministério Público deverá ser cientificado da prisão, que não poderá durar mais de vinte e quatro horas, com possibilidade de ser prorrogado por igual período mediante autorização escrita do Procurador da República (art. 63)

A prisão provisória só poderá ser decretada se houver previsão de pena criminal ou de pena correcional superior a três anos (art. 143-1, com as alterações da Lei 1138/2002). É admissível se constituir o único meio apto a: 1) conservar as provas e os indícios da materialidade, evitar pressões sobre as testemunhas ou as vítimas, ou impedir conspiração fraudulenta ("concertation frauduleuse") entre pessoas investigadas ("personnes mises en examen" [18]) e cúmplices; 2) proteger a pessoa investigada, assegurar que ela permaneça à disposição da Justiça, pôr fim ao delito ou prevenir a sua reiteração; 3) pôr fim a um distúrbio excepcional e persistente da ordem pública provocado pela gravidade da infração, pelas circunstâncias em que cometida ou pela extensão dos danos que causou (art. 144, com as alterações da Lei 1.549/2005). Poderá ainda ser ordenada se a pessoa acusada tiver voluntariamente descumprido as obrigações estabelecidas no denominada controle judiciaire (art. 141-2), e que podem ser, dentre outras, de não se ausentar do seu domicílio ou sair de um limite territorial indicado, apresentar-se periodicamente, fornecer documentos de identificação e passaporte, abster-se de dirigir veículos, não se encontrar com pessoas indicadas, submeter-se a tratamento médico, pagar uma fiança, não exercer certos cargos profissionais etc. (art. 138). O controle judicial pode ser determinado em qualquer fase como alternativa à prisão provisória (art. 137) ou como medida substitutiva desta (arts. 147 e 148, 4ª parte).

Quanto ao prazo de duração, determina-se que a prisão provisória terá uma duração razoável, consideradas a gravidade dos fatos imputados ao acusado e a complexidade das investigações necessárias para o esclarecimento da verdade (art. 144-1). Quando se tratar de crime, o prazo máximo de duração é de um ano, que poderá ser prorrogado por períodos de seis meses, com prévia oitiva do Ministério Público, do acusado e de seu defensor (art. 145-2, 1ª parte). O acusado não poderá, entretanto, permanecer preso por mais de dois anos quando o máximo da pena cominada seja inferior a vinte anos, e mais de três anos, quando a pena seja superior a esse patamar. Esse limite é elevado, respectivamente, para três e quatro anos se algum dos fatos constitutivos da infração houver sido praticado fora do território francês. O limite será de quatro anos, independentemente da pena, se se tratar dos crimes previstos nos Livros II e IV do Código Penal francês [19], tráfico de drogas, terrorismo, proxenetismo, extorsão de capitais ou cometidos por organizações criminosas (art. 145-2, 2ª parte). Quando se tratar de delito, a duração da prisão não poderá ser superior a quatro meses, salvo quando a pessoa já tenha sido sentenciada por uma pena criminal ou por uma sentença superior a um ano e agora possa ser punida com uma sentença de no mínimo cinco anos. Em caso contrário, a prisão poderá ser prorrogada por períodos não superiores a quatro meses, respeitado o limite de um ano de prisão. Será de dois anos o limite máximo se os fatos tiverem sido praticados fora do território francês ou quando se tratar de tráfico de drogas, terrorismo, quadrilha, proxenetismo, extorsão de capitais ou cometidos por organizações criminosas e sujeitos a uma pena superior a dez anos (art. 145-1).

Pode o juiz da instrução determinar que o preso provisoriamente fique incomunicável por dez dias, prorrogáveis por igual prazo, não se admitindo que a incomunicabilidade seja extensível ao advogado do detido (art. 145-4).

É admissível a qualquer momento a concessão de liberdade de ofício pelo juiz da instrução, com ou sem a imposição do controle judicial, depois de ouvido o Ministério Público. Se concedida, a pessoa investigada deverá comparecer a todos os atos do processo e informar suas atividades (art. 147, 1ª parte). Se o pedido for requerido pelo Ministério Público e o juiz de instrução não conceder a liberdade por ele solicitada, deverá este, no prazo máximo de cinco dias, remeter o expediente ao juiz das liberdades e da detenção, que decidirá em três dias (art. 147, 2ª parte). Pode o acusado ou o seu advogado requerer a concessão de liberdade a qualquer momento, devendo o juiz de instrução remeter imediatamente o expediente ao Ministério Público para se manifestar. Se o Procurador da República discordar do pedido, caberá ao juiz de instrução, nos cinco dias seguintes, remeter o pedido para análise do juiz da liberdade e das detenções, que deverá proferir decisão no prazo de três dias, fundamentando-a de acordo com os motivos que autorizam a decretação da prisão provisória, previstas no art. 144 (art. 148).

Quando concedido o pedido de liberdade em contrariedade ao parecer do Ministério Público, este órgão deverá ser imediatamente comunicado, não se admitindo que nas quatro horas seguintes ao recebimento dessa notificação seja a ordem de livramento executada. Isso porque, nesse prazo, é possível a interposição de apelação junto ao juiz de instrução ou ao juiz das liberdades e da detenção e, simultaneamente, um recurso urgente ("référé-détention") perante o 1º Presidente da Corte de Apelação. A interposição desses recursos tem o efeito de suspender a concessão da liberdade (art. 148-1-1, com as alterações da Lei 204/2004).

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Sobre o autor
Ricardo Ribeiro Campos

Juiz federal Substituto da Seção Judiciária do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Ricardo Ribeiro. A prisão provisória no direito comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1570, 19 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10547. Acesso em: 26 nov. 2024.

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