II - SOBRE A MATRÍCULA – OUTROS TEMAS
Preceitua a Lei de Registros Públicos os casos em que a matrícula deve ser cancelada.
Art. 233 - A MATRICULA será cancelada:
I - por decisão judicial;
II - quando em virtude de alienação parciais, o imóvel for inteiramente transferido a outros proprietários;
III - pela fusão, nos termos do artigo seguinte.
Um quarto caso de cancelamento de matrícula é a decisão administrativa proferida pelo juízo competente, nos termos da Lei 6739-1979, que trata da matrícula e registro de imóveis rurais:
Art. 8ºB Verificado que terras públicas foram objeto de apropriação indevida por quaisquer meios, inclusive decisões judiciais, a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município prejudicado, bem como seus respectivos órgãos ou entidades competentes, poderão, à vista de prova da nulidade identificada, requerer o cancelamento da matrícula e do registro na forma prevista nesta Lei, caso não aplicável o procedimento estabelecido no art. 8ºA. (Artigo incluído pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
§ 1º Nos casos de interesse da União e de suas autarquias e fundações, o requerimento será dirigido ao Juiz Federal da Seção Judiciária competente, ao qual incumbirão os atos e procedimentos cometidos ao Corregedor Geral de Justiça. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
§ 2º Caso o Corregedor Geral de Justiça ou o Juiz Federal não considere suficientes os elementos apresentados com o requerimento, poderá, antes de exarar a decisão, promover as notificações previstas nos parágrafos do art. 1º desta Lei, observados os procedimentos neles estabelecidos, dos quais dará ciência ao requerente e ao Ministério Público competente. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
§ 3º Caberá apelação da decisão proferida: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
I – pelo Corregedor Geral, ao Tribunal de Justiça; (Inciso incluído pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
II – pelo Juiz Federal, ao respectivo Tribunal Regional Federal. (Inciso incluído pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
§ 4º Não se aplica o disposto no art. 254 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a títulos que tiverem matrícula ou registro cancelados na forma deste artigo. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
LRP Art. 254 - Se, cancelado o registro, subsistirem o título e os direitos dele decorrentes, poderá o credor promover novo registro, o qual só produzirá efeitos a partir da nova data.
Ceneviva, p. 469, ao contrário de nossa opinião, informa que essa decisão administrativa proferida pelo juízo é decisão judicial. Sob o aspecto subjetivo, formal, concordamos com o ilustre mestre. Mas, sob o aspecto de seu conteúdo, natureza e matéria, essa decisão é administrativa, sem dúvida.
Ceneviva, p. 469 – "Casos de exigência de decisão judicial para o cancelamento ... entretanto, pode ocorrer por decreto do juiz corregedor, ao qual se subordine o cartório, na via administrativa, sem feição contenciosa desde que não atingidos direitos de terceiros".
Bom lembrar que não é causa de encerramento da matrícula o fato de o imóvel passar a pertencer a outra circunscrição. Há razão lógica para isso. Como os registros não precisam ser repetidos no novo cartório (art. 170), e como vigora o princípio da continuidade (195 e 237 LRP), a antiga matrícula tem de ser mantida para que o histórico do imóvel seja preservado.
No Paraná, conforme o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, há a seguinte previsão para cancelamento de matrícula, um quinto caso:
16.2.13 – Quando forem apresentados mandados ou certidões, para registro de penhora, arresto, seqüestro, citação de ação real ou pessoal reipersecutória relativa a imóvel, ou qualquer outra medida de exceção, inclusive servidões administrativas declarados por lei e não houver possibilidade de se abrir matrícula com todos os requisitos exigidos pela Lei dos Registros Públicos, no que tange à completa e perfeita caracterização do imóvel, o registrador fará, somente nesses casos e exclusivamente para esses fins, uma matrícula provisória, com os elementos existentes, para se efetuar o registro pretendido, a qual será devidamente cancelada por ocasião da matrícula definitiva.
Um exemplo ainda do Paraná, vemos um sexto fato que provoca o encerramento da matrícula. O Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, ao tratar do georreferenciamento, preceituou que o memorial descritivo que possa alterar de qualquer forma o registro provocará o cancelamento da matrícula anterior e a abertura de uma nova:
SEÇÃO 21 GEORREFERENCIAMENTO
16.21.4.1 – O memorial descritivo que, de qualquer modo possa alterar o registro, resultará numa nova matrícula com encerramento da anterior no serviço de registro de imóveis competente, nos termos do art. 9º, § 5º, do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002.
16.21.4.2 – A abertura de nova matrícula, nos termos do subitem anterior, implicará no transporte de todas as anotações, registros e averbações eventualmente existentes na matrícula anterior que foi encerrada;
5 – Matrícula observando o princípio da continuidade
Na abertura da matrícula, devem ser observados os elementos constantes no título apresentado e o que consta no registro anterior, ainda que da antiga circunscrição, através de certidão. Essa exigência está relacionada ao princípio da continuidade do registro.
A LRP chegou a ser repetitiva quanto a essa exigência, conforme vemos:
Art. 228 - A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência desta Lei, mediante os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele mencionado.
Art. 196 - A matrícula será feita à vista dos elementos constantes do título apresentado e do registro anterior que constar do próprio cartório.
Art. 229 - Se o registro anterior foi efetuado em outra circunscrição, a matrícula será aberta com os elementos constantes do título apresentado e da certidão atualizada daquele registro, a qual ficará arquivada em cartório.
Art. 197 - Quando o título anterior estiver registrado em outro cartório, o novo título será apresentado juntamente com certidão atualizada, comprobatória do registro anterior, e da existência ou inexistência de ônus.
Art. 237 - Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.
Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 230 - Se na certidão constar ônus, o oficial fará a matrícula, e, logo em seguida ao registro, averbará a existência do ônus, sua natureza e valor, certificando o fato no título que devolver à parte, o que o correrá, também, quando o ônus estiver lançado no próprio cartório.
Para que o princípio da continuidade seja respeitado, Ceneviva, p. 331, diz que "quatro artigos insistem, com reprovável atecnia, em que nenhum registro ou averbação será feito sem que o preceda a matrícula do imóvel; para ela, o oficial pode servir-se de dados alheios ao título, buscando-os em registro anterior mesmo que em outro serviço".
6 - Exigência da referência à matrícula nas escrituras pode ser excepcionada
Como nem todos os imóveis estão matriculados e como nem todos os registros provocam a abertura da matrícula (registros do Livro 03, por exemplo), a exigência dos artigos 222 e 223 podem ser mitigadas, caso a caso.
Assim, a emissão de debêntures por escritura pública, v.g., poderá ser registrada ainda que não faça referência à matrícula, no caso de a emissão não ser garantida por algum imóvel, o que contraria o artigo 236.
Art. 222 - Em todas as escrituras e em todos os atos relativos a imóveis, bem como nas cartas de sentença e formais de partilha, o tabelião ou escrivão deve fazer referência à matricula ou ao registro anterior, seu número e cartório.
Art. 223 - Ficam sujeitas à obrigação, a que alude o artigo anterior, as partes que, por instrumento particular, celebrarem atos relativos a imóveis.
Art. 236 - Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado. (Incluído pela Lei nº 6.216, de 1975).
7 - Abertura de matrícula sem todos os rigores exigidos pela Lei 6015/1973
O art. 176, § 1º, I preceitua que "cada imóvel terá matricula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei" . Mas, o art. 176, § 2º preceitua uma exeção, qual seja: "Para a matricula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior . (Incluído pela Lei nº 6.688, de 1979)"
Orientado pelo princípio tempus regit actum, para aquelas escrituras ou partilhas que foram lavradas ou homologadas antes de 01/01/1976 (data em que entrou em vigor a Lei 6015/1973 , art. 298 da mesma), ainda sob a égide do Decreto 4857/1939, não serão observadas as exigências do artigo 176, ou seja, a descrição não será tão detalhada (Ceneviva, p. 365).
Art. 176 - O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
§ 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas: (Renumerado do parágrafo único, pela Lei nº 6.688, de 1979)
I - cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei;
(...)
§ 2º Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior . (Incluído pela Lei nº 6.688, de 1979)
Art. 236 - Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado.
III – CONCLUSÃO
Como vimos, há pelo menos quatro casos que provocam a abertura da matrícula, sendo que nem sempre é necessário um registro para provocar a abertura da matrícula.
Em outros sete casos, pelo menos, a matrícula não precisa ou até não deve ser aberta. Nesses sete casos tratados, o registro/ato não provoca a abertura matrícula.
Fomos além, tratamos de seis casos de cancelamento da matrícula, demonstrando que o artigo 233 da LRP, que prevê apenas três casos, não é taxativo.
Tratamos de um dos papéis mais importantes da matrícula, a continuidade.
Não obstante o princípio da continuidade, demonstramos que há a possibilidade de que uma escritura seja registrada no RGI sem que contenha referência à matrícula, excepcionando o artigo 222 da LRP.
Ainda, contrariando a segurança que os requisitos da matrícula provocam, vimos que os títulos celebrados anteriormente a 01/01/1976 (data da entrada em vigor da Lei 6015/1973) não precisam conter os rigores exigidos pela 6015/1973, pois tempus regit actum.
Por fim, mais uma vez está comprovado que a leitura da lei tem de ser feita, sempre, de forma sistêmica, sob pena de a interpretação "sob tiras" incorrer em erro.
BIBLIOGRAFIA
CENEVIVA, Walter, "Lei dos Registro Públicos Comentada", 15ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002.
DINIZ, Maria Helena, "Sistemas de Registros de Imóveis", 4ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto, "Sinopses Jurídicas – Direito das Coisas 3", 6ª edição, São Paulo, Saraiva, 2003.
ROSENVALD, Nelson, "Direitos Reais", 2ª edição, Rio de Janeiro, Impetus, 2003.
RODRIGUES, Sílvio, "Direito Civil", Direito das Coisas, volume 5, 26ª edição, São Paulo, Saraiva, 2001.
Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Espírito Santo
Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Paraná
Prova do CESPE-UNB, para ingresso na titularidade de cartórios no Distrito Federal, em 2001, www.cespe.unb.br/Concursos/_antigos/anteriores_2002/2001/tjdftpr/Arquivos/prova.pdf