O Código de Defesa do Consumidor – CDC –, que veio à luz com o advento da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 e estabelece a Política Nacional das Relações de Consumo, assegura aos consumidores, em seu art. 6º, diversos direitos, dentre os quais:
“I- a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
[...]
VI- a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”
Dito isso examinemos a hipótese de roubos ocorridos durante o ingresso nos shoppings center, mas antes da ultrapassagem das cancelas normalmente existentes.
E é bom que se esclareça, desde logo, que essas cancelas não são postadas rente à via pública, mas, quase sempre, dentro da área abrangida pela propriedade dos shoppings center.
Alguns shoppings colocam apenas antes do local de estacionamento no interior do prédio, como é o caso dos Shopping Morumbi, Ibirapuera, Paulista, JK etc.
Se o motorista sofrer um assalto na cancela que dá acesso ao shopping, porém, instalada antes da área de sua propriedade e enquanto aguarda a abertura de passagem, pergunta-se, incidem os incisos I e VI, do art. 6º do Código de Consumidor para responsabilizar aquele estabelecimento comercial?
Posto que toda lei deve ser interpretada de cima para baixo convém descrever os dispositivos da Constituição acerca do direito do consumidor.
O art. 5º da Constituição, que cuida dos direitos e garantias individuais e coletivos, prescreve em seu inciso XXXII:
“o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consmidor”
Por sua vez, o art. 170, que cuida dos princípios gerais da atividade econômica, prescreve em seu inciso V a “defesa do consumidor”.
Portanto, a Magna Carta elege a defesa do consumidor como uma garantia fundamental e, ao mesmo tempo, inscreve a defesa do consumidor como princípio informador da ordem econômica.
Dúvida não resta de que os incisos I e VI, do art. 6º do CDC retrotranscritos derivam diretamente dos textos constitucionais citados, pelo que se impõe a interpretação dos preceitos legais em harmonia com as normas constitucionais.
Outrossim, no caso sob exame parece até intuitivo concluir que não fora a parada obrigatória para superar a cancela, o assalto não teria acontecido. É a teoria da equivalência das condições, ou da condicio sine qua non.
Analisando uma situação semelhante, a 3ª Turma do STJ, em Recurso Especial relatado pela insigne ministra Nancy Andrighi, ficou estabelecido que a “proteção do Código de Defesa do Consumidor incide não somente durante a prestação do serviço em si, mas também nos momentos que antecedem e o sucedem, desde que esteja vinculada à sua execução.” E acrescentou: “quando o consumidor, com a finalidade de ingressar no estabelecimento de shopping center, tem de reduzir a velocidade ou até mesmo parar seu veículo e se submeter à cancela-barreira física imposta pelo fornecedor e em seu benefício, incide a proteção consumista, ainda que o consumidor não tenha ultrapassado referido obstáculo e mesmo que esteja localizado na via pública.” (Resp nº 2031816).
Com esses argumentos a 3ª Turma do STJ afastou as alegações da recorrente no sentido de que o shopping center não tinha o dever de indenizar o consumidor, porque no momento do roubo, o veículo ainda se encontrava em via pública, sendo a responsabilidade do Estado.