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Lei dos crimes hediondos e suas recentes alterações.

Aspectos polêmicos

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03/11/2007 às 00:00
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6.LEI 11.464, DE 28 DE MARÇO DE 2007 – A MAIS RECENTE ALTERAÇÃO DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Após STJ e Tribunais Estaduais começarem a conceder progressão de regime ao condenado pela prática de crime hediondo, tráfico ilícito de entorpecente e terrorismo – haja vista que a progressão pela prática da tortura já era possível –, cumprido um sexto da pena, com fulcro apenas no precedente jurisprudencial do STF, foi necessária a edição da Lei 11.464/07, que entrou em vigência em 29 de março de 2007, para restabelecer o tratamento penal mais severo determinado pelo constituinte no que tange ao cumprimento da pena pela prática dos crimes epigrafados.

Entretanto, a novel legislação não significou mudanças somente pertinentes à progressão de regime. Suprimiu a vedação inócua e também inconstitucional da concessão de liberdade provisória aos acusados pela prática de crimes hediondos ou a eles equiparados. Doravante, caso não estejam presentes nenhum dos elementos que autorizem a prisão preventiva, poderá e deverá o acusado por esses crimes responder o processo em liberdade.

A melhor doutrina e os constitucionalistas (intérpretes e juízes adeptos do Estado constitucional e humanitário de Direito) já não viam nenhum sentido na proibição retrocitada. Os legalistas (corrente que adota a interpretação seca da lei) já não podem sustentar a impossibilidade de liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados. Na prática, isso significa o seguinte: quando o sujeito é preso em flagrante por um desses delitos, antes, não podia ser posto em liberdade durante o andamento do processo; agora, pode (quando o juiz entender que for o caso) [24].

No entanto, o novo diploma legal gera dúvidas e discussões no que concerne à supressão dos parágrafos do art. 2º da Lei 8.072/90, ao extinguir a expressão de que "a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado" e estabelecer um novo quantum de cumprimento de pena para se obter a progressão de regime [25]. Assim, o condenado por crime hediondo ou a ele equiparado, cumpridos dois quintos da respectiva pena (em caso de ser primário) ou três quintos (caso reincidente), terá o direito de progredir de regime. Vale lembrar, porém, que o réu iniciará o cumprimento da pena sempre em regime fechado.

Com tais mudanças, mister a análise da seguinte questão: SE O INDIVÍDUO PRATICOU CRIME HEDIONDO OU A ELE EQUIPARADO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 11.464/07, QUAL SERÁ O QUANTUM DE PENA QUE DEVERÁ CUMPRIR PARA TER DIREITO À PROGRESSÃO DE REGIME?

A resposta a esta questão exige primeiramente o estabelecimento da natureza da norma em comento, ou seja, se de caráter penal, processual penal ou misto, com vistas a delimitar os princípios norteadores de sua aplicação e eficácia.

A regra geral em direito é a aplicação da lei vigente à época dos fatos, caracterizada pelo princípio do tempus regit actum. Desde que a lei, submetida ao processo legislativo que finda com sua publicação, entra em vigor, até a cessação de sua vigência, dispõe validamente sobre todas as hipóteses previstas em seu bojo. Entre estes dois limites, entrada em vigor e cessação de sua vigência, pela revogação, com a publicação de nova lei, opera efeito o fenômeno da eficácia legislativa.

Todavia, exceções ao princípio do tempus regit actum existem para possibilitar acertada aplicação da lei, como é o caso do princípio da irretroatividade da lei penal.

Por lei penal entende-se toda aquela que criar, ampliar, reduzir ou extinguir a pretensão punitiva estatal, tornando mais intensa ou branda seu cumprimento. Assim, por exemplo, estaremos diante de norma de caráter penal aquela responsável por alterar o quantum de pena fixado a determinado delito.

Sem a observância do princípio da irretroatividade da lei penal não haveria segurança jurídica nem exercício do direito de liberdade em sociedade, uma vez que se poderia punir fatos ilícitos após a sua realização. Conforme estatuído pelo art. 1º do CPB, se não há crime sem lei anterior que o defina, a lei penal não pode retroagir para punir a prática de fatos antes considerados lícitos. Pensemos no seguinte exemplo: se em 01 de janeiro de 2008 é publicada lei que define como crime desperdiçar água potável, não se poderá punir determinada pessoa que, em razão das festividades do réveillon, lavasse o passeio de sua residência na data de 31 de dezembro de 2007. Nesta data, o fato praticado pelo indivíduo ainda era considerado lícito.

Todavia, o princípio da irretroatividade da lei penal vige somente em relação à lei mais severa. Admite-se, à luz dos preceitos constitucionais, a retroatividade da lei penal mais branda para favorecer o réu.

Conforme leciona Damásio E. de Jesus, os princípios da irretroatividade da lei mais gravosa e o da retroatividade da lei mais benéfica ao réu constituem direitos subjetivos de liberdade, com fundamento no art. 5º, incisos XXXVI e XL da CR/88 [26]. O direito adquirido do acusado consiste em fazer tudo aquilo que não é proibido pela norma penal e, assim, não sofrer pena além das cominadas para os casos previstos. Por consectário, a lei nova, quando mais benigna, exterioriza a consciência jurídica geral sobre aquele fato, entendendo que a sua punição deve ser mais branda. Se o próprio Estado reconhece que a pena antiga era muito severa, havendo necessidade de atenuá-la, demonstra renúncia ao direito de aplicá-la, não podendo alegar a teoria do direito adquirido em favor da continuação da punição com o plus do qual abriu mão [27].

Em síntese, extraem-se dos princípios concernentes à aplicação da lei penal no tempo as seguintes previsões: 1ª) a irretroatividade aplica-se tão-somente à lei penal mais severa; 2ª) tratando-se de lei penal mais branda, o parâmetro a ser seguido é o da retroatividade da lei mais favorável. Isso pode ocorrer de duas formas: o fato não é mais considerado crime pela nova lei (abolitio criminis) e a lei nova, de algum modo, beneficia o agente (Lex mitior). Logo, em caso de lei mais benéfica, existe retroatividade, quando ela for posterior ao fato, ou ocorre ultra-atividade, se for anterior ao fato [28].

Por norma processual entende-se ser aquela cujos efeitos repercutem diretamente sobre o Processo, regras de conteúdo instrumental que não guardam relação com o ius puniendi do Estado. Não se submete ao princípio da retroatividade em benefício do agente. Nos termos do art. 2º do Código de Processo Penal, a norma de caráter processual terá incidência imediata a todos os processos em andamento, pouco importando se o crime foi cometido antes ou após sua entrada em vigor ou se a inovação é ou não mais benéfica. Importa apenas que o processo esteja em andamento, caso em que a regra terá aplicação, ainda que o crime lhe seja anterior e a situação do acusado agravada [29]. Impera aqui o princípio da imediatidade.

Por fim, deve ser considerada híbrida ou mista toda regra processual restritiva do direito de liberdade do réu, como a que proíbe liberdade provisória ou torna a infração inafiançável. Tratando-se de normas de conteúdo misto, contendo disposições de direito penal e de direito processual penal, deve-se seguir o conteúdo normativo das primeiras, de direito penal. É que a regra da irretroatividade da norma penal desfavorável ao acusado deve prevalecer sobre os comandos de natureza processual. Se, porém, mais favorável, pode-se aplica a lei desde logo [30].

Diante de uma análise superficial e desatenta, podemos concluir que a Lei 11.464/07 trata-se de norma eminentemente processual penal porque diz respeito somente à progressão de regime, instituto instrumental que aparentemente nada tem haver com o ius puniendi do Estado, vez que não diminuiu nem aumentou esse poder. Entretanto, o legislador, ao estabelecer novos parâmetros objetivos para se concretizar o direito subjetivo à progressão de regime do condenado, modificou de forma substancial o seu tempo de prisão, ou seja, o tempo de cumprimento de pena. Desta feita, por via reflexa, a Lei 11.464/07 ao permitir a progressão de regime após o cumprimento de dois quintos ou três quintos da pena alterou o direito punitivo do Estado. Destarte, por essas razões, a novel legislação é norma híbrida, de caráter misto, com dispositivos de natureza penal e processual penal.

Estabelecida a natureza da norma em voga, é necessário compreender se considerada mais benéfica ou prejudicial ao réu.

Há tímida corrente doutrinária e minoritária que considera a Lei 11.464/2007 mais benéfica ao réu. Isso porque se calca no parâmetro de que a Lei 8.072/90 vedava a progressão de regime e o novo diploma legal prevê tal benefício. Assim, tem-se a Lei 8.072/90, anterior e prejudicial ao réu e, noutro lado, observa-se a Lei 11.464/07 posterior àquela e mais benéfica no que tange à permissibilidade da progressão de regime cumpridos requisitos objetivos, ou seja, após o cumprimento de dois quintos (se primário) ou três quintos (se reincidente). Portanto, por tratar-se de lei híbrida, como vimos, a Lei 11.464/07 retroage para beneficiar o sentenciado por crime hediondo ou a ele equiparado para possibilitar-lhe a progressão de regime, se cumpridos os requisitos de ordem objetiva por ela estabelecidos.

Ainda que de forma isolada, o Egrégio Tribunal de Minas Gerais nesse sentido já decidiu [31].

Entretanto, data maxima venia, tal entendimento não merece prosperar e consolidar-se na doutrina e jurisprudência pátria porque é de simplicidade tamanha que consegue atropelar alguns princípios constitucionais.

É verdade que o STF, ao reconhecer a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, o fez pela via difusa e, portanto, em tese, tal decisão geraria efeito somente naquele caso concreto. Entretanto, a partir de tal precedente e com fundamento nele, o STJ, seguido pelos tribunais estaduais, passou a conceder a progressão de regime aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados. Dessa forma, como se estabeleceu na jurisprudência brasileira, o entendimento do STF foi estendido a outras situações jurídicas idênticas, e não poderia ser diferente.

Seria uma aberração jurídica, sob a ótica dos princípios constitucionais da igualdade e da segurança jurídica, conceder progressão de regime a um condenado pela prática de crime hediondo e a outros não. Qual o fundamento para vedar a progressão se a concessão do benefício foi pautada em parâmetros também constitucionais?

Com vistas a corroborar o entendimento aqui desenvolvido, segue trecho do julgamento do HC nº 73.899/SP impetrado no STJ, cujo relator, Ministro Arnaldo Esteves Lima, enfrenta a questão de forma brilhante:

Sabe-se que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que envolvem controle incidental de constitucionalidade de ato normativo têm seus efeitos limitados às partes que figuram na relação processual em exame, não alcançando terceiros.

Entretanto, essas decisões, quando, necessariamente, implicam juízo sobre a validade da norma legal aplicada ao caso concreto, acabam por alcançar outras situações jurídicas semelhantes, por força dos princípios da igualdade e da segurança jurídica, com inevitável extensão dos seus efeitos, uma vez que, declarada a inconstitucionalidade de determinado ato normativo, indiscutível é o reconhecimento de sua inaptidão para incidência em qualquer situação, inclusive passada.

Assim, não obstante ter sido a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 incidental e com efeito ex nunc, incompreensível seria a aplicação do aludido ato normativo em outras causas envolvendo crimes hediondos, após ter sido considerado pelo Supremo Tribunal Federal como violador de princípios inscritos na Constituição Federal [32].

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Portanto, reconhecida a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 pelo pleno do STF, ratificado esse entendimento pelo STJ e demais tribunais estaduais, a validade de tal norma foi afastada e passou então a regular a progressão de regime pela prática de crime hediondo ou a ele equiparado a norma geral insculpida no art. 112 da LEP.

Desta feita, o argumento de que a Lei 11.464/07 é mais benéfica do que a 8.072/90, tendo em vista que aquela prevê a progressão de regime ao passo que esta a proíbe, é inválido porque não se pode ter como parâmetro uma legislação que foi julgada inconstitucional. Portanto, não se pode ignorar que, mesmo válida a vedação à progressão de regime, o benefício foi concedido a diversos sentenciados. Assim, o que regulava essa progressão não era a Lei 8.072/90 (julgada inconstitucional) e sim o art. 112 da LEP, cujo requisito objetivo era pautado em um sexto de cumprimento de pena.

Por fim, se a Lei 11.464/07 prevê um quantum de dois quintos ou três quintos para concessão à progressão de regime e após o julgamento do HC 82.959 em 23 de fevereiro de 2006 pelo STF o requisito objetivo era de um sexto, não se pode falar que a novel legislação é mais benéfica do que a aplicada antes de sua publicação.

Nesse diapasão, o STJ e STF também posicionaram-se ao conceder liminar no julgamento de Habeas Corpus.

Antes do advento da nova lei, esta Corte já havia se posicionado no sentido da inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime prisional em casos de condenação pela prática de crimes hediondos, seguindo o entendimento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal que, por ocasião do julgamento do HC n.º 82.959/SP, declarou a inconstitucionalidade do artigo da Lei dos Crimes Hediondos que trazia o referido óbice. Por esta razão, inúmeras ordens foram concedidas para afastar tal ilegalidade, determinando-se aos juízos das execuções criminais que analisassem a presença dos requisitos objetivos e subjetivos necessários para a concessão da progressão de regime, nos moldes da legislação aplicável, ou seja, o artigo 112 da Lei de Execuções Penais.

Todavia, a novel legislação (Lei 11.464/07) estabeleceu um sistema diferenciado para a progressão de regime, em caso de condenação por crime hediondo, impondo um lapso temporal maior para a verificação do requisito objetivo necessário ao alcance de um regime menos rigoroso, o qual, entendo, deve ser aplicado somente aos casos supervenientes à vigência da referida lei, por se tratar de norma penal, nesse ponto, mais gravosa, sobre a qual incide o princípio da irretroatividade in pejus, previsto no art. 5º, XL da Constituição Federal (STJ – HC nº 83.799/MS – Min. Rel. Maria Thereza de Assis Moura – 24/05/2007).

No caso relatado na inicial, a pena imposta não é grande (1 ano e 8 meses de reclusão) e o paciente está preso há seis meses. Pela nova lei de entorpecentes, o livramento condicional deve ocorrer após cumpridos dois terços da pena (art.44, parágrafo único da Lei 11.343/2006) e a progressão de regime, conforme art. 2º, §2º da Lei 8.072, com a redação dada pela Lei 11.464 de 2007, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 da pena se primário o réu. Esta última alteração legislativa não pode retroagir para alcançar o delito, em tese, cometido pelo paciente, pois o fato, segundo a sentença teria ocorrido em 26.10.2006, antes, portanto, de estar em vigor legislação mais gravosa.

Assim, aplicando-se a legislação anterior, o paciente poderia progredir de regime ao cumprir 1/6 da pena imposta (art. 112 da Lei de Execução Penal), ou seja, no caso em exame, já faria jus à progressão (STF – HC nº 91.360 – Min. Joaquim Barbosa – 28/05/2007).

Em vias conclusivas, consoante se manifesta a jurisprudência nacional [33], se o indivíduo praticou crime hediondo ou a ele equiparado antes da entrada em vigor da Lei 11.464/07, terá direito à progressão de regime após cumprir um sexto da pena. Destarte, a novel legislação só se aplicará aos crimes praticados depois de sua efetiva vigência. Não pode ela retroagir para alcançar os feitos pretéritos sob pena de caracterizar a reformatio in pejus, afastada por preceito constitucional.

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Sobre o autor
Paulo Junio Pereira Vaz

Bacharel em Direito pela FADOM. Pós-graduado pela Universidade Gama Filho/RJ em Direito Público Material. Professor dos cursos de Direito e Sistemas de Informação da Faculdade Pitágoras Unidade Divinópolis/MG. Advogado Criminalista inscrito na OAB/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VAZ, Paulo Junio Pereira. Lei dos crimes hediondos e suas recentes alterações.: Aspectos polêmicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1585, 3 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10574. Acesso em: 16 nov. 2024.

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