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Tropas, elites e o imaginário

27/10/2007 às 00:00
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Inicialmente, conceituemos superficialmente "tropa" como sendo um conjunto de pessoas sob um regime diferenciado. Já "Elite" traz na sua essência características como distinção, poder e liderança, porém sem ser limitada a uma classe específica, uma vez que podemos encontrá-la em qualquer grupo.

O imaginário é definido por Duran (1997) como um conjunto de imagens e interações de imagens que formam o ser humano. No momento em que passa a fazer parte do homem esta aura interfere nas suas ações. Então, o imaginário é real, ele age sobre as pessoas. O imaginário é encontrado, por exemplo, na reprodução das preocupações de um momento histórico em uma produção cinematográfica. Diante da tela de projeção a imagem exige um mergulho a sua plenitude e mergulhando experimenta-se sua profundidade. Na medida em que experimentamos acionamos nossos sentidos, assim, incorporamos a imagem a nosso imaginário, a qual repercute em nossas atitudes. É uma roda viva de produto e produtor.

Um filme que tenta espelhar uma cultura organizacional torna-se produto e produtor do imaginário social. Sobre ele é possível jogar memórias pessoais, interpretá-lo como uma realidade distante ou próxima. Dele jorram conceitos oriundos de mitos, estereótipos e fantasias, os quais geram outros mitos, estereótipos e fantasias, porém imersos em uma consistente realidade.

Não se tem, aqui, a pretensão de subestimar a capacidade cognitiva do espectador diante da obra, não, chama-se a atenção, isto sim, para a redução analítica a que ele possa se sujeitar, invariavelmente em um código binário: o bom e o mau, o certo e o errado, encantador ou asqueroso, a virtude e o vício ou a truculência e a corrupção. Como se não houvesse entremeios e perpasses. Em uma ingênua generalização.

O entrelaçamento entre platéia e obra, portanto, é um fato. Morin (1997) já afastava a idéia de passividade do espectador, reforçando o entendimento de que entre a imagem e a assistência há uma relação, uma interação. Assim, é interessante supor os efeitos difusos de uma obra como "Tropa de Elite", alvo deste exercício, no imaginário de profissionais de polícia, enfim, no conjunto social. .

Voltando ao trato dos efeitos desta obra, em relação aos profissionais de segurança, aventa-se a possibilidade dela vir a se firmar como plena verdade, uma heróica verdade e, conseqüentemente, reforçar atitudes que ali encontram guarida para se reproduzirem. É uma questão de visibilidade. Sabe-se mais, temos essa pulsão de vermos e sermos vistos – Quinet (2004) a identifica como pulsão escópica – então, através do filme se e se é visto. Arendt (2004, p. 199) diz: "Só podemos saber quem um homem foi se conhecermos a história da qual ele é o herói". Não se pode tirar do homem a possibilidade de ele ser o ator de sua existência, muito menos é possível isentá-lo das conseqüências de suas escolhas. Ao "ver", identifica-se com o mito, ao "ser visto" satisfaz-se pela razão de ser notado e identificado. Em outro momento, quem sabe já como Corporação, percutir estratégias educacionais e comunicacionais para uma recomposição da identidade e da imagem institucional. Ainda, diante da materialização dos padrões do comportamento profissional, chegar à transformação de processos ou mantê-los, "por falta de opção"? Exultando-se, portanto, a capacidade das lideranças -elites- a sentirem o gosto, o cheiro e a textura do sistema onde estão imersos. Afinal, expressa Karl Popper citado por Morin (1997, p. 14 ): "Pessoalmente julgo que existe pelo menos um problema... que interessa a todos os homens que pensam: o problema de compreender o mundo, nós mesmos e o nosso conhecimento enquanto parte do mundo". Em uma última reflexão, ao ver o cotidiano da polícia subindo o morro, nos ocorre uma comparação com o mito grego de Sísifo que rola uma grande pedra colina acima, ao chegar ao cume a pedra rola para o outro lado abaixo, é um eterno trabalho.

Por sua vez, supomos em outro grupo social, que haja tolerância com os métodos - de força - apresentados (enquanto forem aplicados a uma distância segura ), já que diante da urgência justifica-se a simplificação do enfrentamento: a violência resolvida pela violência.

Em um terceiro conjunto, quiçá, grassa que o inimigo foi desmascarado e que as incivilidades, por ele praticadas, não se justificam, mesmo diante das suas próprias. O filme, desta maneira, transforma-se em um Panóptico em que o alvo passa a ser o observador. Foucault (1999) propõe, em seu projeto, que o supervisor oculto manteria o poder sobre os internos a quem vigiava. Aqui a vigilância passa a ser da platéia sobre a imagem que materializa o Estado, no seu imaginário.

A obra, em sua superfície e em sua profundidade, mostra não uma instituição, ela capta uma sociedade. Não se pode negar a noção de unidade global. Para Maffesoli (2001):

" [...] o criador, mesmo na publicidade, só é criador na medida em que consegue captar o que circula na sociedade. Ele precisa corresponder a uma atmosfera [...]estar em sintonia com o vivido [...] A genialidade implica a capacidade de estar em sintonia com o espírito coletivo. Portanto, as tecnologias do imaginário bebem em fontes imaginárias para alimentar imaginários."

Estamos diante da exposição de um sistema e de suas interações, porém alguns da platéia ainda podem não ter descoberto que polícia é parte da sua sociedade. É por ela formada e reproduz os seus matizes.

Acresça-se, neste tecido social em todas as suas instâncias, também são identificadas lideranças e jogos de poder a influenciar, não raras vezes de forma velada, a conduta e a forma de percepção de um ente social. Deste sistema é que emerge a obra a demonstrar uma equação interessante, o todo e muito mais do que a soma das partes na medida em que as criações e os arbítrios exercidos transformam-se em produtos que superam os limites deste todo (que pode ser um grupo, uma instituição ou uma sociedade).

Nesse passeio pela tela, cenários, roteiro, atores e platéia, aguça-se a pretensão de solucionarmos infinitas questões: É assim? Age-se assim? Continuará assim? Qual o motivo de ser assim? Porém, enquanto perdurar a possibilidade de diálogo entre os fatos da ficção e da realidade, todos estarão imersos na constância da incerteza e da reflexão. Contudo, o imaginário já será produto das imagens a que foi exposto, a platéia não mais será a mesma de antes da viagem pela obra.


BIBLIOGRAFIA

DURANT, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Martins Fontes. São Paulo. 1997.

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MAFFESOLI. Michel. Imaginário e uma realidade – entrevista concedida a Juremir Machado da Silva. Revista FAMECOS. Nº 15..Porto Alegre, Agosto 2001.

MORIN. Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Editora Relógio d’Água Lisboa.1997.

A natureza da natureza. Publicações Europa-América. 3ª Edição.Portugal.1997.

ARENDT. Hannah. A condição humana. 10.ed. Forense Universitária. Rio de Janeiro. 2004.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 19. ed. Editora Vozes. Petrópolis. 1999

QUINET, Antonio. Um Olhar a mais : ver e ser visto na psicanálise. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 2002

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Sobre o autor
Sergio Flores de Campos

policial militar do Rio Grande do Sul, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Sergio Flores. Tropas, elites e o imaginário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1578, 27 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10590. Acesso em: 4 nov. 2024.

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