5. Principais modificações do art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990.
Importante modificação ocorre na estrutura na lei dos Crimes Hediondos, especificamente, no parágrafo 1º, do artigo 1º da citada norma. Doravante, a LCH passa a ter a seguinte redação:
Art.1º...........................................................................................
Parágrafo único:
VI – os crimes previstos no Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro (Código Penal Militar), que apresentem identidade com os crimes previstos no art. 1º desta Lei.”
Com as mudanças processadas, a partir de agora passa a figurar no rol da Lei dos Crimes Hediondos, os crimes militares que apresentem identidade com os crimes previstos na citada LCH, a exemplo do crime homicídio qualificado, estupro, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro, epidemia com resultado morte, além e outros, todos previstos no Código Penal Militar.
6. Dos crimes revogados pela Novíssima Lei nº 14.688, de 20 de setembro de 2023 e sua cláusula de vigência
A novíssima Lei nº 14.688, de 20 de setembro de 2023 revogou expressamente, como se deve ser, em obediência às normas previstas no artigo 9º da Lei Complementar nº 95, de 1998 alguns dispositivos do Código Penal Militar.
Destarte, foram revogados os artigos 21; 51; 55, caput, alíneas “f” e “g”; 60; 64; 65; 78; 82: 86, caput, inciso III: 123, caput, inciso V e 127 da Parte geral do Código Penal Militar.
Na parte especial, foi revogado o artigo 233 do Código Penal Militar. Conforme explicações anteriores, o legislador unificou as condutas dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, todas agora definidas no artigo de estupro do artigo 232, revogando apenas o nome do crime de atentando violento ao pudor.
Devido repercussão em matéria penal, a nova lei entrará em vigor 60 dias após a sua publicação, prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento. Assim, considerando que a novíssima lei foi publicada em 21 de setembro de 2023, deve-se obedecer às diretrizes do artigo 8º, § 1º da Lei Complementar 95, de 1998. Assim, a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.
Assim, seguindo os parâmetros para contagem do prazo de vigência, tem-se que a novíssima Lei nº 14.688, de 20 de setembro de 2023, entrará em vigor no dia 20 de novembro de 2023, numa segunda-feira.
REFLEXÕES FINAIS
A Carta Magna de 1988 define que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina. O artigo 124 da mesma Carta Magna prescreve que a Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. A lei penal militar que define os crimes militares é justamente o Decreto-lei nº 1001, de 1969, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1970. Portanto, são mais de 53 anos de vigência do Código Penal Militar e durante todo esse tempo foram sensíveis as mudanças processadas, com relevo para as mudanças no artigo 9º do CPM, a exemplo da Lei 13.491, de 2017, não obstante a dinamicidade social.
NAPOLEÃO BONAPARTE já dizia que “a Lei militar é a lei comum com gorro de quartel”. Talvez hoje afirmar que a lei penal militar é uma espécie de lei penal comum com jorro de quartel, sinceramente, é muito pouco. Além do gorro podem muito bem acrescentar, os pilares da disciplina e hierarquia, a farda, os apetrechos de proteção, armas e munições, sacrifício da própria vida na grande maioria para defender bens e direitos de desconhecidos, além de outros ingredientes que tornam a vida na caserna bem diferente.
Assim, num simples fato pode-se resumir a grandeza da função militar. Enquanto se assistem Tribunais Superiores decidindo pela descriminalização de drogas, no caso a posse para uso pessoal, a novíssima Lei nº 14.688, de 20 de setembro de 2023, continua a tipificar a conduta da posse de drogas para uso próprio no artigo 290 do Código Penal Militar, e na mesma pena incorre o militar que se apresentar para o serviço sob o efeito de substância entorpecente, e provoca o aumento de pena da metade se o crime é cometido em serviço.
Para o tráfico ilícito de drogas, o artigo 290, § 5º do Código Penal Militar igualou a mesma pena prevista no artigo 33 da Lei nº 11.343, de 2006, ou seja, de 05 a 15 de reclusão, aliás conduta altamente censurável seja qual for o colorido de quem pratica.
Vale a pena frisar a importante mudança levada a efeito no Capítulo VII, dos Crimes Sexuais, com a junção dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, antes definidos respectivamente, nos artigos 232 e 233 do Código Penal Militar. Essa junção já havia sido realizada nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, artigos 213 e 214 do CP, mudanças levadas a afeito na época pela Lei 12.015, de 2009, com mudança do rótulo dos crimes contra os costumes para crimes contra a dignidade sexual. Sobre esse tema de unificação dos tipos penais, BIANCHINI ensina com maestria acerca das mudanças:
Com o advento da Lei 12.015/09 as condutas passaram a integrar um único tipo penal (estupro), mantendo-se a sanção penal. Tal alteração legislativa, embora tenha causado estranhamento em alguns setores, encontra-se em consonância com os modernos estatutos penais de países europeus. Foi o que aconteceu na Espanha em 1989, na França em 1994, na Itália em 1996, na Alemanha em 1997 e em Portugal no ano de 1998.2
Agora a novíssima Lei traz as mudanças para dentro do Código Penal Militar, fazendo a junção das condutas dos artigos 232 e 233. Doravante o artigo 233 do CPM desaparece da Justiça Castrense, ficando toda a conduta no artigo 232, que comtempla também o crime de estupro de vulnerável, § 3º, do citado dispositivo legal.
A novíssima Lei aboliu a vetusta figura do assemelhado, considerando que a realidade constitucional vigente não contempla o conceito de civil “assemelhado” a militar. As obrigações inerentes aos civis, com algumas nuances em relação aos servidores públicos em função de seu vínculo diferenciado com a Administração Pública, são distintas das voltadas para os militares, alvos principais, mas não exclusivos, da legislação penal castrense.
Sobre a imputabilidade penal, a redação do artigo 50 do Código Penal Militar agora ficou compatível com as normas da Carta Magna, ao prescrever que o menor de dezoito anos é penalmente inimputável, ficando sujeito às normas estabelecidas na legislação especial, agora totalmente compatível com o artigo 228 da Constituição da República, e perfeita harmonia com os artigos 27 do Código Penal c/c artigo 104 da Lei 8.069, de 1990.
Sepultando quaisquer tipos de dúvidas, agora a lei penal militar considera hediondo os crimes de homicídio qualificado, estupro, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro, além de outros com a mesma identidade, agora com enquadramento nas consequências processuais da Lei nº 8.072, de 1990.
De todo o exposto, vale frisar que as mudanças foram úteis e necessárias para compatibilizar a vida militar com os novos tempos. É certo que atualmente a categoria militar tem sofrido com injustos ataques às Instituições em função do momento de ampla polarização em todos os setores da sociedade, não sendo diferente com a vida da caserna.
Diante de todo o processo de mutação social, era mesmo necessário todo esse processo de adaptações à nova realidade brasileira. Expressões antiquadas foram substituídas do Código Penal Militar, a exemplo do inadmissível termo “assemelhado” presente depois de mais de 50 anos em certas construções típicas.
O legislador bem que tentou introduzir a figura do arrependimento posterior na legislação castrense, nos moldes do artigo 16 do Código Penal comum.
Assim, o Projeto de Lei previu a introdução do arrependimento posterior com o acréscimo do art.31-A, segundo o qual, “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”
Este instituto do arrependimento posterior foi vetado. Eis as razões do veto:
“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, pois o texto proposto, ao admitir a figura do arrependimento posterior nos crimes militares de modo indiscriminado, resultaria em estímulo negativo à manutenção da ordem e da dignidade das instituições militares, revelando-se incompatível com os princípios da hierarquia e da disciplina.”
Ouvidos, o Ministério da Defesa, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Advocacia Geral da União manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo do Projeto de Lei:
O rol de mudanças e avanços poderia ter sido mais robusto. Bem que poderia ter previsto expressamente a qualificadora do feminicídio no artigo 205 do Código Penal Militar como fez com a qualificadora funcional das autoridades, art. 205, § 2º, VII, do CPM. Talvez fosse bem melhor mudar também os crimes sexuais para crimes contra a dignidade sexual.
Noutro ponto, permanecer com a expressão “inferior hierárquico” é no mínimo um contrassenso gigantesco num momento tão avançado da história da humanidade. A expressão fere frontalmente a dignidade humana, os valores e sentimentos da humanidade, justamente num período de mudanças de paradigmas.
Ninguém é inferior a ninguém, ninguém é melhor ou pior que o outro, seja em qualquer circunstância, na vida pública ou nas relações privadas. Ao final do percurso, todos deitarão em decúbito dorsal, num ataúde hermeticamente, fechado, com os dedos entrelaçados, e um monte de rosas do lado. E assim, a caminhada teria chegado ao fim.
O que existir numa relação intersubjetiva é tão somente e mais nada, uma mera relação de subordinação ou subalternidade, nada mais que isso; a expressão inferioridade hierárquica é o fim do humanismo, denota arrogância e prepotência.
Não existe estrela superior a outra, o que existe é um jogo de insígnias; talvez um simbolismo de ostentação; mas todas espalhando luzes na medida de sua grandeza de expansão; o que os homens ostentam em relação uns aos outros é o tamanho de sua arrogância ou a extensão de narcisismo institucional. Inferioridade no militarismo é sinônimo de hipocrisia e falta de humanismo entre os homens. Crime aviltante é permanecer com uma expressão em plena mudança de séculos, de costumes e de cultura. No mais, pode-se dizer que a novíssima lei necessariamente corrigiu muitas inconsistências superadas pelo tempo; mas talvez fosse mais útil ter feito as correções legais nas grafias das expressões que perderam vigência ao longo das reformas ortográficas da língua portuguesa, certamente seria mais produtivo que permanecer com expressões cuja semântica axiológica denotam desprezo para com os valores do humanismo.
Noutra toada é assaz grandioso reconhecer o veto ao parágrafo único do artigo 42 que trata das excludente de ilicitude, ao afirmar que a ampliação do instituto da excludente de ilicitude para uso da violência contra subalternos na iminência de perigo ou grave calamidade o tornaria aplicável potencialmente a todo militar em função de comando, o que causaria insegurança jurídica em razão da diversidade de interpretações possíveis em relação às hipóteses fáticas para as quais seria autorizado o uso da violência.
Por fim, é louvável a modificação processada no Código Penal Militar depois de meio século de vigência. Afinal de contas, a sociedade evoluiu numa velocidade incrível; o militarismo ganhou novos contornos; as normas jurídicas apresentam cada vez mais proteção hiperbólica monocular, um garantismo sem precedentes, mas lembrando que a proteção da dignidade da pessoa humana é universal; proteger pessoas tem a cor do amor e da solidariedade; é bem certo que o militar jurou fidelidade na defesa da sociedade, e na proteção da Pátria, mesmo com o sacrífico da própria vida; mas não se pode esquecer, que antes mesmo de ser militar, quem veste a farda, carrega este símbolo de nobreza no corpo é antes de tudo um ser humano, de alma tenra, de coração que palpita, gente que sente amor, tem filhos, tem família, possui sentimentos, sente dor, e acima de tudo é pessoa humana e merece respeito.
REFERÊNCIAS
BARRETO. Moniz. Carta do Rei de Portugal. 1893. Disponível em https://www.defesaaereanaval.com.br/videos/carta-ao-rei-de-portugal-moniz-barreto-1893. Acesso em 09 de setembro de 2023, às 00h43min.
BIANCHINI. Alice. Unificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor: benesses legais aos criminosos sexuais ou avanço em prol de direitos femininos? Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/unificacao-dos-crimes-de-estupro-e-atentado-violento-ao-pudor-benesses-legais-aos-criminosos-sexuais-ou-avanco-em-prol-de-direitos-femininos/121813978. Acesso em 15 de setembro de 2023.
BRASIL. Código Penal Militar. Decreto-Lei nº 1001, de 1969. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm. Acesso em 09 de setembro de 2023.
BRASIL. Código Processo Penal Militar. Decreto-Lei nº 1002, de 1969. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso em 09 de setembro de 2023.
BRASIL. Lei sobre Drogas. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm. Acesso em 13 de setembro de 2023, às 11h37min.
BRASIL. Lei dos Crimes Hediondos. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm. Acesso em 13 de setembro de 2023, às 11h39min.
BRASIL. Lei da Minirreforma do Código Penal Militar. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14688.htm. Acesso em 22 de setembro de 2023.
Notas
-
Carta do Rei de Portugal. Moniz Barreto. 1893. Disponível em https://www.defesaaereanaval.com.br/videos/carta-ao-rei-de-portugal-moniz-barreto-1893. Acesso em 09 de setembro de 2023, às 00h43min.
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