Capa da publicação Lula é "ex-presidiário"? Danos à imagem e à sociedade
Capa: Marcos Bizzotto / Raw Image / Agência O Globo
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O uso impróprio e reiterado do termo “ex-presidiário” atribuído ao atual governante da República

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24/09/2023 às 09:00
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A prisão de um ex-presidente na Operação Lava Jato resultou em instabilidade política e prejudicou sua imagem e as eleições de 2022 no Brasil.

Resumo: Em 2017 as forças políticas e autoridades que atuavam na Operação Lava Jato condenaram, pela primeira vez, um ex-governante da República a pena de reclusão, em virtude de suposta participação nos desvios de grande fortuna pertencente à Petrobras. Tal prisão acarretou o uso do termo “ex-presidiário”, vocábulo este que prejudicou, consideravelmente, a imagem de uma pessoa, um processo eleitoral (eleições de 2022) e ocasionou dificuldades e instabilidade para as instituições e sociedade brasileiras, por construir dúvidas, insatisfação e desorientações político-partidárias para os nacionais - ainda que a Suprema Corte do País (STF) tenha declarado as nulidades dos feitos processuais do juízo de origem.

Palavras-chave: Forças Políticas. Operação Lava Jato. Prisão. Nulidades. Eleições. Ex-presidiário. Instabilidade.


1. Introdução

Nos idos anos de 2014, se deflagrou uma das maiores operações policiais já ocorrida neste País (a Lava Jato), com o proposito inicial de se combater esquemas de corrupção sombrios ou nebulosos, que causaram desfalques – talvez irreparáveis – aos cofres públicos brasileiros, com desvios ilegais de bilhões de reais por parte dos acusados de diversos crimes em desfavor das riquezas públicas e de bens públicos (no caso da Petrobras). Empresários, empreiteiros, parlamentares, membros o poder executivo e seus assessores, entre outros, foram alvos das investigações promovidas pela Polícia Federal, o Ministério Público Federal e outros órgãos, como a Receita Federal.

Os federais, através das instituições acima referidas – e outros órgãos também, verbi gratia, as policiais judiciárias de dados Estados juntamente com o Ministério Público – identificaram variados tipos penais e seus criminosos, alguns condenados com penas integrais, outros com penalidades reduzidas (em virtude de suas delações premiadas) e um ou outro inocentado. Mas, de qualquer forma, um grande escândalo de política, econômica e social, com muitos denunciados, pelo MP e pronunciados pelo Poder Judiciário, onde todos tinham uma vítima em comum: a fazenda pública ou as riquezas nacionais, dos cofres públicos da União e/ou dos Estados, auferidas por meio de tantos tribunos pagos ao Estado brasileiros. Riquezas estas desviadas aos bilhões, incessantemente.

E, dentre os crimes praticados por dezenas, ou centenas, de acusados, na Lava Jato estão: pagamento de propinas (corrupção ativa e passiva, artigos 333 e 317, do Código Penal, respectivamente), evasão de divisas (esse crime está tipificado no art. 22 da Lei 7.492/86), caixa 2 (sonegação fiscal, estando esse tipo penal na Lei 8.137/90), lavagem de dinheiro (previsto como conduta criminosa no art. 1º da lei nº 9.613) e organização criminosa (com sua tipificação legal fixada através do art. 2º da lei 12.850/13). Mesmo que, quiçá, ainda existam outras atividades criminosas no rol dos delitos da refira operação conforme a evolução dos inquéritos, as denúncias ministeriais e os processos judiciais.

A questão é que de acusação em acusação, de delação em delação, a supracitada operação chegou à persona do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o qual, foi condenado a alguns anos de reclusão, inclusive chegando a ter sua condução coercitiva determinada pela justiça federal de Curitiba, mesmo que aquele não fosse o juízo competente para a determinação da referida prisão, bem como pela pronúncia do suposto acusado. Daí uma condenação que já nasceu viciada ou em desacordo com alguns princípios jurídicos e/ou normas legais, como é o caso do princípio da competência; princípio do juiz natural, o princípio do promotor natural (por analogia), o princípio da verdade real e princípio do favor rei.


2. A corrupção política e econômica e os danos causados à Petrobras como objeto de investigação da Polícia Federal

É sabido, nacional e internacionalmente, quiçá, que a Operação Lava Jato, iniciada há 8 anos, dividida em fases sucessivas, foi a maior da história brasileira, com o propósito de se apurar os desvios escandalosos e ilícitos de valores estimados Tribunal de Contas da União (TCU), aproximadamente, em 18 bilhões de reais, entre os anos de 2004 a 2012. Prejuízos patrimoniais que, certamente, nunca mais sejam restituídos aos cofres públicos em sua totalidade, pois valores estes que são fatiados por muitos e cada integrante da “sociedade criminosa” dá rumo incerto ao seu montante. Além proteger os valores de uma notável empresa brasileira, a referida operação, também visou “combater” ou enfraquecer a corrupção política do País e seus respectivos agentes, adeptos ou afetos.

O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, sob a relatoria do ministro Benjamin Zymler, estudo econométrico no qual foram apurados os prejuízos causados por cartel que teria atuado em contratações da Petrobras entre 2004 e 2012. De acordo com o estudo, que excluiu os aditivos contratuais, o valor a mais em cada contratação, em virtude do conluio, era de 14,53%.

Ao todo, as 24 empresas que comprovadamente fizeram parte desse cartel causaram prejuízo à Petrobras de R$ 12,3 bilhões. Esse valor atualizado e com juros é hoje superior a R$ 18 bilhões.1

Fato de grande repercussão para a sociedade brasileira, o TCU, após suas análises ou estudos, enviou seus documentos para as autoridades competentes, órgãos, como, v.g., Ministério Público da União, Controladoria- Geral da União, Advocacia-Geral da União, dentre outros, até chegar, ao Departamento da Polícia Federal, por uma via ou outra. Então, homens, que não vale a pena citar seus nomes, foram sendo inquiridos, processados e presos por algum tipo penal inscrito no Código Penal Brasileiro ou alguma legislação especial, como é o caso da lei de lavagem de dinheiro ou da lei de organização criminosa, verbi gratia.


3. Da competência para julgar as supostas ações ilícitas do ex-presidente Lula (à época das investigações)

Hoje, é sabido, que o foro ou a 13ª vara federal de Curitiba não tinha competência de direito e de fato para apreciar e julgar os supostos crimes atribuídos a Luiz Inácio Lula da Silva, cabendo tal competência legal à Justiça Federal do Distrito Federal, como foi afirmado pela Suprema Corte deste País (STF), isto porquê no entendimento daquela insigne Corte não se vislumbrava nenhum liame entre as investigações dos crimes contra a Petrobrás e as ações praticadas pelo indiciado à época (Lula, um dos líderes e destaques do PT) – entendimento este não só do relator do processo no STF (Exmº Sr. Edson Fachin). Logo, os autos do inquérito assim como os da denúncia, após terem se formado e concluídos, deveriam ter sido remetidos para a Justiça Federal da capital do País, tribunal com legitimidade para processar e julgar, na forma da lei, o suposto acusado de corrupção passiva e recebimento de vantagens indevidas, segundo seus acusadores (MPF e Justiça Federal de Curitiba).

De acordo com o relator, nas quatro ações penais, o Ministério Público estruturou as acusações da mesma forma, atribuindo a Lula o papel de figura central no suposto grupo criminoso, sendo a Petrobras apenas um deles. Em seu entendimento, a acusação não conseguiu demonstrar relação de causa e efeito entre a atuação de Lula como presidente da República e alguma contratação determinada realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras que resultasse no pagamento da vantagem indevida.

Fachin observou que, após o julgamento de questão de ordem no Inquérito (INQ) 4130, a jurisprudência do STF restringiu o alcance da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, inicialmente retirando daquele juízo os casos que não se relacionavam com os desvios na Petrobras. Em razão dessa decisão, as investigações iniciadas com as delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F, que antes estavam no âmbito da Lava Jato passaram a ser distribuídas para varas federais em todo o país, segundo o local onde teriam ocorrido os delitos.2

Desta forma o magistrado que presidiu os processos envolvendo os escândalos econômicos de desvio de dinheiro público deveria enviar os autos – por não ser o juízo competente – para a capital do Brasil, sob pena de impedimento, suspeição, ilegitimidade ou ilegalidade. Entendimento ou tese esta levada aos julgadores pela defesa do ex-presidente Lula, à época, com o condão de demonstrar que os atos processuais contra seu cliente já nasceram viciados ou inválidos desde as origens.

Ora, se a decisão proferida pelo juízo de origem era nula de pleno direito ou ilegal e injusta, por não ser da competência jurisdicional do julgador que atuava no processo, então a condenação e a prisão foram improcedentes desde o nascedouro, ainda que tenha sido confirma pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pelo insigne Superior Tribunal de Justiça; ambos possivelmente, ou certamente, induzidos ao engano ou equívoco. Isto porque não existia qualquer liame entre os bilhões “surrupiados” da estatal brasileira e as ações de Luiz Inácio Lula da Silva (antiga liderança do Partido dos Trabalhadores - PT).

Portanto, hoje, Lula é adjetivado de ex-presidiário, mas sem muitos cidadãos saberem que sua prisão se deu de forma ilegítima e/ou ilegal, seja por falta de competência da jurisdição, seja por vício na aplicação da legalidade, ou, ainda, outra situação jurídico-legal, como, v. g., parcialidade do juiz. Os atos da Administração Pública, na persona do juiz que processou a lide, logo Poder Judiciário, não possuía validade jurídica inequívoca nos ditames das leis, no sentido lato sensu.

Em termos práticos, é como se a denúncia e a pronúncia contra Lula, bem como o processo nunca tivessem existido no mundo dos fatos jurídicos, padecendo de legalidade e/ou legitimidade, requisitos jurídicos de um Estado de Democrático de Direito, requisitos estes norteadores de toda Administração Pública, nas esferas dos três poderes pátrios. Condição esta que levou a maioria dos ministros do egrégio STF (oito votos) a declarar a nulidade dos atos processuais e a aplicação da pena imposta ao suposto réu.

O eminente professor do Direito processual Penal, Nestor Távora, preleciona, sobre a questão das nulidades processuais penais, os seguintes ensinamentos, ao dispor acerca do artigo 564, do CPP:

O rol é meramente exemplificativo, podendo-se reconhecer outras nulidades advindas de violação a princípios constitucionais e regras processuais. A grande questão do rol previsto no CPP reside na necessidade de se identificar as nulidades absolutas e a relativas. Para longe de um interesse meramente teórico, a distinção possui repercussões práticas cruciais, sobretudo quando se leva em conta que o vício que inquina a nulidade relativa é passível de convalescimento se não arguido no momento oportuno, ao passo que a nulidade absoluta resulta de vício insanável.3

Outra questão jurídica ou legal que recai sobre a situação processual de Luiz Inácio Lula da Silva é o fato dele ter seu cárcere decretado pelo juízo original em virtude de o mesmo haver adquirido um tríplex, localizado no Guarujá, por favorecer empresas do ramo da construção civil. Como prova da acusação, se fundou, sobremaneira, quiçá, em delações realizadas por outros acusados, ou acusados e condenados, na supra operação, em razão da Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, ao dispor sobre a “Colaboração Premiada”. Ainda que os direitos sobre o referido tríplex sejam da Caixa Econômica Federal, empresa pública, conforme apresentou a defesa de Lula no “caminhar” do processo da Op. Lava Jato.

Sem desejar pôr em dúvida a inteligibilidade do magistrado que decretou a prisão de Lula, será que apenas provas testemunhais, com pessoas sequiosas e temerosas de suas liberdades, seriam suficientes para se afirmar que o supracitado tríplex pertenceria ao ex-presidente Lula e seria fruto de riquezas ou valores adquiridos de forma ilícita, desta forma o condenando-o à prisão?

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Condenado em julho de 2017, inicialmente a 9 (nove) anos de reclusão pela aquisição ilegal do presumido tríplex acima referido, em face da redação da lei vigente naquele momento, talvez no presente aquele réu não tivesse passado 580 dias de prisão injusta, nos termos expressos pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU para observação da violação de direitos políticos e civis dos cidadãos em geral em todo mundo. (Grifo meu). Isto porque a literalidade da Lei 12.580/2013 teve sua redação alterada por lei posterior e mais recente, com o fito de melhorar sua aplicação e finalidade pública e estatal, assim evitando-se danos ou prejuízos às pessoas dos denunciados e pronunciados pelos juízes togados, desta feita tornando-se réus, que muitas vezes podem sofrer estragos irreversíveis em sua imagem, seu nome, sua dignidade etc.

Na ordem jurídica hodierna a aludida lei no parágrafo anterior, já reformulada ou aditada pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, traz no seu texto nova ordenação legislativa que, doravante impedirá que alguém seja condenado apenas, ou sobremaneira, com base em delações:

Art. 3º-C. A proposta de colaboração premiada deve estar instruída com procuração do interessado com poderes específicos para iniciar o procedimento de colaboração e suas tratativas, ou firmada pessoalmente pela parte que pretende a colaboração e seu advogado ou defensor público.

[...]

§ 16. Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador:

I - medidas cautelares reais ou pessoais;

II - recebimento de denúncia ou queixa-crime;

III - sentença condenatória.4 (Grifo meu).

Ao avocar para si a competência para processar e julgar a lide em desfavor do ex-presidente Lula (ao tempo que foi denunciado), o foro do Paraná, da seção judiciária supramencionada, violou também do Princípio do “Juiz Natural”, um dos pilares principiológicos do Direito Processual Penal. E, por analogia, quem sabe, o Princípio do “Promotor Natural”.

Diz a literalidade da Lex Mater, no seu artigo 5º, inciso LIII que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.5

O princípio da naturalidade do Juízo – que traduz significativa conquista do processo penal liberal, essencialmente fundado em bases democráticas – atua como fator de limitação dos poderes persecutórios do Estado e representa importante garantia de imparcialidade dos juízes e tribunais. Nesse contexto, o mecanismo das substituições dos juízes traduz aspectos dos mais delicados nas relações entre o Estado, no exercício de sua atividade persecutória, e o indivíduo, na sua condição de imputado nos processos penais condenatórios [...]. (HC 69.601, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 24-11-1992, Primeira Turma, DJ de 18-12-1992).6

Outro grande mestre no Direito Processual, Nestor Távora, em coautoria com Fábio Roque Araújo, nos ensina, em sua famigerada obra, no que aduz ao Princípio do Juiz Natural, o seguinte:

O princípio do juiz natural possui dois desdobramentos: em primeiro lugar, consagra a ideia de que o cidadão tem o direito de ser processado perante a autoridade competente (art. 5º, LIII, CF), isto é, magistrado devidamente investido na jurisdição. Em segundo lugar, referido princípio obsta a criação de juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, CF).7


4. O passar do tempo e as revelações dos novos fatos processuais e legais descobertos na Operação Lava Jato

É do conhecimento da sociedade nacional e, possivelmente, internacional, que Lula ficou 580 dias na condução de recluso, ou presidiário, impropriamente e em desacordo com alguns ditames legais, exempli gratia, da Carta Suprema e leis infraconstitucionais, como a Lei que dispõe sobre as organizações criminosas (L. 12.850/2013), uma vez que a todo momento, diuturnamente, o ex-presidente ela declarado ou adjetivado de “o líder de uma organização criminosa” que supostamente havia atentado contra a Petrobras. Isto por meio dos veículos de comunicação de maior alcance ou uso social (a televisão) ou outros meios, como, verbi gratia, as redes sociais.

Ainda que sua defesa tentasse, a todo tempo – com os recursos processuais penais cabíveis (apelação, embargos de declaração, agravos etc.) – juntos aos juízos ad quem – demonstrar que o réu estava processado, inicialmente, e a posteriori, processado e preso, mesmo com numa condição processual com vício ou ilegitimidade, ou, ainda, ilegalidade desde a “gênesis” da lide, na 13ª vara da Justiça Federal de Curitiba, na pessoa da autoridade que presidia a demanda judicial.

O fato é que em um determinado tempo um fato insólito ocorreu a contragosto da vontade de muitos e do desconhecimento de todos os nacionais.

Indesejável e verídico, mas veiculado ou divulgado amplamente pela mídia nacional, e quem sabe alienígena, a autoridade judiciária da Justiça Federal já descrita atuava no desenlace do processo criminal em comunhão com a(s) autoridade(s) do Ministério Público Federal, com o espoco principal de, quiçá, apenar o réu, de uma forma ou de outra, mesmo que não houvesse condições jurídico-processuais sólidas ou materializadas para a condenação decretada.

As mensagens divulgadas pelo The Intercept foram divididas em três matérias. Na primeira delas, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato discutiam como seria possível impedir uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para Mônica Bergamo, colunista da Folha, porque isso “pode eleger o Haddad”. A entrevista, autorizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em setembro de 2018, só foi ocorrer em abril deste ano.

Na segunda matéria, mensagens de Dallagnol mostram como a operação em Curitiba conseguiu tirar o caso Bancoop — que envolve Lula e um tesoureiro do PT — das mãos do MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo). Os procuradores não tinham certeza, mas alegaram que o tríplex do Guarujá tinha relação com a Petrobras. O caso acabou indo para Moro.

A terceira matéria mostra a proximidade entre Moro e Dallagnol. O então juiz deu conselhos para o procurador sobre as investigações na Lava Jato, sugerindo inverter a ordem de duas fases da operação e dar treinamento para uma procuradora. Ele também questionou o ritmo das prisões e apreensões, e repassou pista sobre o caso Lula.8

Desta forma, como foi apresentado pelo The Intercept, é como se acusador (MPF, através do promotor de justiça do caso Lula) e julgador (Poder Judiciário, na pessoa do juiz que processou a lida) se unissem com o objetivo máximo de tornar o réu em recluso, independentemente de provas que robustecessem as alegações ministeriais e judiciais contra o acusado, sem observar a importância de uma denúncia e um julgamento abalizados por verdades objetivas ou reais. Deste modo, outro princípio orientador ou mestre do Direito Processual Penal á o Princípio da Verdade Real, que no caso também foi deixado à parte, juntamente com outros fundamentos principiológicos do Direito Penal Brasileiro.

O professor Nestor Távora, já mencionado supra, em coautoria com Fábio Roque Araújo, assim leciona em sua obra valorosa para as ciências jurídicas e os profissionais do Direito pátrio em geral:

A busca da verdade real (ou material) constitui um dos princípios mais controversos do processo penal na atualidade. Por força deste princípio, caberia ao magistrado buscar a verdade, reconstruindo o que de fato ocorreu, ainda que além dos autos (superando o dogma do processo civil de que “o que não está nos autos não está no mundo”).9

Procedendo como desvendado ou “denunciado” pela The Intercept (e revelado por toda a mídia) é como se acusação e jurisdição possuíssem o desejo prévio de condenação do réu, Lula, independentemente de se provar, de fato, materialmente, que as imputações feitas ao processado eram realidades materiais praticadas por ele. Como se a coisa mais aspirada da lide processual naquele caso fosse a prisão de um imputado, sem levar-se em conta a promoção da justiça – no mais amplo ou melhor acepção da palavra – e a obediência às regras de competência jurisdicional dispostas na ordem jurídico-processual brasileira; e outras regras legais impostas aos agentes políticos e públicos desta República, sem exceção, no exercício de suas funções, conforme a matéria tratada pela legislação.

De toda situação apurada em relação às práticas do então ex-presidente referido nas linhas precedentes, chegou-se à conclusão que sua prisão era improcedente por incompetência do juízo, ou parcialidade do juiz, ou quiçá, até mesmo por suspeição do magistrado, conforme a leitura dos doutos julgadores do STF, logo a reclusão aplicada ao apenado era viciada e ilegal. Ainda que ele tenha cumprido tal condenação, mesmo sem fundamentação jurídica plausível.

E, deste modo, recaindo sobre o ex-chefe de Estado e ex-chefe de Governo da nação, à época do processo, a mácula de ex-presidiário, impropriamente, adjetivo este que, certamente, foi o maior adversário ou empecilho já enfrentado por aquele líder político brasileiro, em todas as eleições que concorreu ao cargo de chefe do Poder Executivo federal; todavia vencendo o labéu imposto a ele bem como seu opositor político e eleitoral. Isto tudo numa disputa eleitoral e “política” das mais conturbadas – se não for a mais conturbadas de todos os tempos – da história da Democracia e da República pátrias.

A Democracia brasileira, as instituições nacionais e o povo enfrentaram, certamente, depois da redemocratização e da Constituinte dos anos 88, a mais incerta, conturbada, ameaçada e desorientada das eleições populares; talvez sem precedentes em toda a história do Brasil. E o vocábulo “ex-presidiário” ou “presidiário” foi um dos maiores pesos e contribuinte para as dificuldades no fenômeno eleitoral do ano de 2022, servindo tal termo linguístico para dividir, confundir, revoltar, desestimular, desnortear...eleitores brasileiros por todo território nacional e até mesmo no exterior. Daí uma escolha política e governamental marcada por discursos impróprios, discórdias pessoais e falácias sem concatenação ou de boa razoabilidade política, jurídica ou até mesmo filosófica.

Talvez o Estado Democrático de Direito nunca tenha sido tão ameaçado e posto em dúvida como no pleito político do referido ano, pois a crença nas instituições, nas autoridades, na legalidade, na ordem jurídica e na legitimidade destas certamente, ou possivelmente, jamais havia sido colocada em situação de descrédito por alguns, por incontáveis; ainda que apenas uma parte da sociedade.

[...] Estado de Direito. É a organização de poder que se submete à regra genérica e abstrata das normas jurídicas e aos comandos decorrentes das funções estatais separadas embora harmônicas. A expressão “Estado Democrático de Direito” significa não só a prevalência do regime democrático como também a destinação do Poder à garantia dos direitos; já na expressão “Estado Social de Direito”, além de se assegurar o caráter democrático, introduz-se o Poder como agente transformador da sociedade; [...].10

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Sobre o autor
José M. Nascimento

Bacharel em em Comunicação social e Direito, com pós-graduação em Direito Civil (família e sucessões), além de alguns minicursos nas áreas de Direito, Filosofia, Política e História. Atuação também como professor (particular) para preparatórios para concursos públicos e prestação de consultoria jurídica, conforme a matéria do litígio ou instituto jurídico. Autor de vários artigos eletrônicos, publicados no site da Editora JC, Rio de Janeiro, além de 3 (três) livros publicados pela Editora Nossa Livraria, tratando de temas como Estatuto da Criança e do Adolescente, habeas corpus em face de prisão administrativa militar e as dificuldades da promoção da Justiça e do Direito na ordem jurídica atual, no modo de produção predominante, obras estas editadas entre os anos de 2010 a 2015.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, José M.. O uso impróprio e reiterado do termo “ex-presidiário” atribuído ao atual governante da República. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7389, 24 set. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106384. Acesso em: 21 nov. 2024.

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