2. Conteúdo jurídico do direito à saúde
Ao passo do que contorna o conteúdo jurídico do direito à saúde, como parte dos direitos fundamentais do ser humano, possui um sólido conteúdo jurídico que se baseia não apenas em preceitos constitucionais, mas também em tratados internacionais e leis infraconstitucionais. No contexto brasileiro, o direito à saúde é reconhecido como um dos pilares do sistema de proteção social, sendo garantido principalmente pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990).
A lei 8.080 regula, em todo o território do país, as atividades e cuidados relacionados à saúde, realizados de forma individual ou colaborativa, de maneira contínua ou ocasional, por indivíduos ou organizações com personalidade jurídica, sejam elas de natureza pública ou privada. In verbis traz o artigo 2°, § 1º e 2º desse diploma legal, as considerações e fundamentos do direito à saúde:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Esses dispositivos estabelecem a obrigação do Estado de promover políticas públicas que visem à prevenção, promoção, recuperação e reabilitação da saúde, assegurando o acesso integral e gratuito a serviços de saúde, atrelado, ainda, ao que é posto no diploma legal de 1988. Nesse sentido, foi essencial a formação do Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Carta Mãe e regulamentada pela Lei nº 8.080/1990, é o principal instrumento jurídico que concretiza o direito à saúde no Brasil.
O SUS é um sistema público de saúde que visa garantir o acesso universal e igualitário a ações e serviços de saúde, financiado com recursos públicos e gerido de forma descentralizada, em parceria com os estados e municípios.
Além das normas constitucionais e da legislação específica, o direito à saúde no Brasil também é fortalecido pela adesão a tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. Esses tratados estabelecem que o direito à saúde é parte integrante dos direitos humanos e que os Estados têm a responsabilidade de garantir sua efetivação.
Desse modo, deve ser apreciado, também, conforme salientado por Ingo Wolfgang Sarlet e Mariana Filchtiner Figueiredo, valendo-se das contribuições de João Loureiro, a saúde é reconhecida como um interesse tutelado pelo ordenamento jurídico, revelando-se por meio dos atributos a seguir delineados:
[...] uma forte interdependência, que aponta tanto para a existência de zonas de convergência e superposição com outros bens (direitos e deveres) que constituem também objeto de tutela autônoma (privacidade, moradia, trabalho, alimentação, entre outras), mas que também reclama seja considerada tanto a existência de uma fronteira (seguramente não estanque) entre os diversos males que afetam a saúde (ações da própria pessoa e de terceiros, riscos coletivos provocados pelo Homem e catástrofes naturais) e as medidas para conservação e proteção (poderíamos acrescentar aqui a promoção) da saúde
(SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner, 2007, p. 198).
Já para o doutrinador Schulze, é dever do Estado o cumprimento de determinados mandamentos referentes ao direito à saúde, bem como:
i) o princípio da dignidade humana; ii) o direito ao mínimo existencial em saúde, que se refere a “um conjunto de bens indispensáveis para satisfação dos seus direitos fundamentais primários”; iii) a vedação do retrocesso social, que impede que haja redução da atuação estatal que já tenha sido consolidada socialmente; e iv) o dever de progresso, que diz respeito à melhoria qualitativa e quantitativa das prestações de saúde
(SCHULZE, 2019, p. 29).
O conteúdo jurídico do direito à saúde, portanto, abrange, não apenas, o acesso a serviços médicos, mas também engloba ações de prevenção, promoção e proteção da saúde, a garantia de medicamentos e tratamentos necessários, o respeito à dignidade humana no atendimento à saúde, a universalidade e a equidade no acesso aos serviços de saúde, entre outros aspectos.
Em resumo, o conteúdo jurídico do direito à saúde no Brasil é robusto e abrangente, refletindo o compromisso do Estado com o bem-estar e a qualidade de vida de seus cidadãos. No entanto, a efetivação desse direito requer não apenas uma base legal sólida, mas também a implementação de políticas públicas eficazes e o monitoramento constante para garantir que todas as pessoas tenham acesso adequado aos serviços de saúde, independentemente de sua condição social, econômica ou geográfica.
3. DA JUDICIALIZAÇÃO DA SÁUDE
O procedimento da judicialização da saúde no Brasil obteve maior destaque e funcionalidade, com a Constituição de 1988 que marcou um aumento notável da intervenção do Poder Judiciário em relação ao acesso à saúde no país. Isso se traduziu em uma crescente utilização de mandados judiciais para garantir a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos, consultas médicas, internações hospitalares e o fornecimento de insumos médicos e cirúrgicos. Portanto, a judicialização da saúde busca pelo reconhecimento da saúde como um direito fundamental, recorrendo ao Poder Judiciário para garantir a efetivação desse direito por meio de decisões judiciais.
3.1. Do conceito e precedentes históricos
A judicialização da saúde é um fenômeno complexo e multifacetado que tem ganhado destaque nas discussões jurídicas e de políticas públicas nas últimas décadas. Ela se refere ao uso frequente do sistema judicial por indivíduos e grupos que buscam garantir o acesso a tratamentos médicos, medicamentos, procedimentos cirúrgicos e outros serviços de saúde que, por diversos motivos, não foram disponibilizados de forma adequada pelo sistema público ou privado de saúde.
Porém, a complexidade e extensão do procedimento de judicialização da saúde, traz a necessidade de uma ferramenta legítima para garantir o acesso à saúde, especialmente em casos de extrema necessidade, em que a vida e a dignidade dos pacientes estão em jogo. Assim, nas palavras do doutrinador Luís Roberto Barroso evidencia-se que:
A judicialização é um fato, uma circunstância do desenho institucional brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil– em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. (...) o ativismo judicial legitimamente exercido procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, inclusive e especialmente construindo regras específicas de conduta a partir de enunciados vagos (princípios, conceitos jurídicos indeterminados)
(BARROSO, 2018, p. 235)
Nesse sentido, esse fenômeno reflete uma série de desafios enfrentados pelo sistema de saúde, seja ele público ou privado, em diferentes países, incluindo o Brasil. Entre os principais fatores que contribuem para a judicialização da saúde estão a escassez de recursos, a falta de acesso a tratamentos de alto custo, a demora no atendimento, a má gestão de recursos públicos e a necessidade urgente de tratamento de determinadas doenças.
Explorando a evolução histórica da judicialização da saúde, é importante observar que não existe um consenso sobre o momento exato em que esse fenômeno teve origem. No entanto, é evidente que sua trajetória está intrinsecamente ligada ao surgimento do Estado de Bem-Estar Social. Nota-se que até a Primeira Guerra Mundial, o Estado mantinha uma postura de intervenção mínima nas relações privadas, mas foi com a chegada do Estado de Bem-Estar Social que os direitos sociais passaram a ser implementados de forma mais expressiva.
Por outro lado, foi possível acompanhar que a largada dada para um futuro conhecimento sobre a procedimentalização da judicialização da saúde só foi provável na década de 1970, quando emergiu o movimento da reforma sanitária. Este movimento ganhou força no contexto da luta contra a ditadura no início da década de 1970 e foi rotulado como o conjunto de ideias voltadas para as mudanças e transformações necessárias no campo da saúde. É importante ressaltar que essas mudanças não visavam apenas a reforma em todo o setor de saúde, mas concentravam-se principalmente na melhoria das condições de vida da população brasileira.
Em suma, as ações resultantes dessas ideias tiveram um impacto significativo, culminando na inserção do direito à saúde como um dos pilares da Constituição de 1988. Dessa maneira, entende-se que a judicialização da saúde é um fenômeno complexo que reflete as lacunas e desafios do sistema de saúde. Portanto, encontrar um equilíbrio entre o direito à saúde e a sustentabilidade dos sistemas de saúde é fundamental para garantir que todos os cidadãos tenham acesso a tratamentos médicos necessários e para promover a justiça social no âmbito da saúde.
3.1.1. Da evolução histórica da saúde pública no Brasil
É de compreensão geral que assuntos como saúde e bem-estar social nunca foram pautas tão relevantes em determinados governos brasileiros. São 518 anos de história brasileira, contada a partir da chegada dos grandes navios portugueses no território nacional. Antes da chegada dos europeus ao território brasileiro, há centenas de anos, os povos indígenas já o habitavam. Embora já enfrentassem enfermidades, a situação se agravou, consideravelmente, com a colonização portuguesa, especialmente devido ao fenômeno amplamente estudado conhecido como “doença de branco”.
Grande era o medo e o pensamento de não conseguir explorar e colonizar essa terra, que tentaram utilizar de diversas práticas e ideias que pudessem auxiliar na cura dessas mazelas. Veja o que diz Bertolli Filho:
A guerra, o isolamento e a doença colocavam em perigo o projeto de colonização e exploração econômica das terras brasileiras. Diante do dilema sanitário, o Conselho Ultramarino português – órgão responsável pela administração das colônias – criou ainda no século XVI os cargos de físico- mor e cirurgião-mor. Seus titulares foram incumbidos de zelar pela saúde da população sob domínio lusitano. Essas funções, no entanto, permaneceram por longos períodos sem ocupantes no Brasil. Eram raros os médicos que aceitavam transferir-se para cá. Desestimulados pelos baixos salários com os perigos que enfrentariam
(BERTOLI FILHO, 2008, p. 5)
Ao longo dos 389 anos que compreenderam o período colonial e imperial, observa-se uma negligência significativa no que diz respeito à saúde pública. Não existiam estratégias de políticas de saúde bem definidas, nem sequer a construção de instalações médicas voltadas para a população. Além disso, o acesso a tratamentos e cuidados médicos estava estritamente relacionado à estratificação social: aqueles em situação de pobreza e escravizados enfrentavam condições de vida extremamente precárias e tinham poucas chances de sobreviver às doenças que assolavam a época. Em contraste, as pessoas abastadas e colonizadores brancos que possuíam terras e propriedades desfrutavam de acesso mais amplo a médicos e medicamentos da época, o que aumentava suas perspectivas de sobrevivência.
Seguindo nesse sentido, a evolução histórica da saúde pública no Brasil é uma narrativa marcada por desafios e avanços significativos ao longo dos séculos. Destaca-se os principais marcos dessa trajetória:
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Império (1822-1889): Iniciou-se a construção da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1808, onde marcou o início da formação de profissionais de saúde no Brasil. No entanto, a atenção à saúde pública permaneceu precária e voltada principalmente para a elite.
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República Velha (1889-1930): Durante esse período, surgiram as primeiras iniciativas de saúde pública, incluindo campanhas de vacinação e medidas de saneamento. No entanto, o sistema de saúde continuava desigual e subfinanciado.
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Era Vargas (1930-1945): Estabeleceu o Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1930, consolidando a preocupação com a saúde pública. Foram implementadas políticas de saúde mais abrangentes e a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) em 1940.
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Pós Segunda Guerra Mundial (1945-1964): Houve um aumento significativo nos investimentos em saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS, estabelecido em 1988, é um marco importante, garantindo o acesso universal e gratuito aos serviços de saúde.
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Reforma Sanitária (1970): Foi um marco na evolução da saúde pública no Brasil. Representou um movimento que buscou a reestruturação do sistema de saúde, com ênfase na universalidade, integralidade e equidade no acesso aos serviços de saúde. Surgiu durante a luta contra a ditadura no início da década de 70, e foi o movimento essencial para a criação do Sistema Único de Saúde. A expressão foi utilizada para descrever um conjunto de ideias voltadas para reformas essenciais na área da saúde, principalmente na melhoria das condições de vida da população brasileira.
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Décadas mais recentes: O país enfrentou desafios significativos, incluindo epidemias como o HIV/AIDS e a dengue, além de questões de infraestrutura e financiamento insuficiente. No entanto, houve avanços notáveis, como a expansão da atenção básica e a implementação de políticas de combate à desnutrição e ao tabagismo.
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Desafios atuais: O SUS continua a enfrentar desafios relacionados à infraestrutura, financiamento e desigualdades regionais no acesso aos serviços de saúde. Além disso, a pandemia de COVID-19 revelou lacunas na preparação do sistema de saúde.
Em resumo, a evolução da saúde pública no Brasil é uma jornada complexa, marcada por desafios persistentes e avanços significativos. A criação do SUS em 1988 foi um passo crucial para garantir o acesso à saúde para todos os cidadãos, embora desafios atuais e futuros exijam contínuos esforços de aprimoramento do sistema de saúde do país.
3.1.2. Da prestação de saúde ao brasileiro condicionada ao surgimento do Sistema único de Saúde (SUS)
No que concerne à prestação de cuidados de saúde à população brasileira, é evidente que um marco fundamental ocorreu na época da promulgação da Constituição de 1988. Nesse momento, foi estabelecido o modelo básico de organização para os serviços de saúde pública no Brasil. Esse modelo adotou um sistema único, caracterizado pela descentralização, com a responsabilidade de garantir de forma abrangente o acesso à saúde, conforme estabelecido nos incisos I a III do artigo 198 da Constituição do Brasil:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Parágrafo único – o sistema único de saúde será financiado, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (PLANALTO, 2023).
Frente a essa necessidade, foi imperativo estabelecer regulamentações que delineassem as responsabilidades previstas na Constituição Federal, detalhando o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Em consonância com as disposições do Artigo 200 da CF, em 1990, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990) foi promulgada, fornecendo um arcabouço específico para a proteção, promoção, recuperação, organização e operação das atividades relacionadas à saúde.
Esclarece a funcionalidade do Sistema único de Saúde no art. 200. da CF, explicando que:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
A criação do Sistema Único de Saúde, teve seu surgimento graças a diversos processos e lutas históricas, mas, principalmente, pelo movimento de reforma sanitária que ocorreu no ano de 1970. O marco desse movimento foi gigante, e permitiu que estudos e procedimentos posteriores pudessem constitucionalizar esse sistema, e em seguida promulgar uma lei própria de definição a ele – Lei Orgânica de Saúde (LOS) 8.080/90. Aprecie o que diz Maria Valéria Costa Correia:
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi resultado de lutas sociais engendradas, na época, pelo Movimento da Reforma Sanitária, que trazia bandeiras contrárias ao “modelo médico assistencial privatista da previdência social que beneficiava o setor privado e só garantia o direito à saúde a quem trabalhava com carteira assinada”. (CORREIA, 2015).
Enfim, a saúde pública no Brasil se constitui em um complexo sistema de ações e serviços prestados por entidades de esfera federal, estadual e municipal, todas sob a responsabilidade do Estado. No entanto, é inegável que a saúde pública brasileira enfrenta desafios significativos, incluindo a escassez de recursos financeiros, a falta de leitos, a limitação na quantidade de médicos e profissionais de saúde em relação à demanda, entre outros problemas. Porém, tem se buscado, incessantemente, cumprir os princípios fundamentais de promoção, proteção e recuperação da saúde, visando garantir o acesso equitativo e igualitário a todos os cidadãos brasileiros, através do desenvolvimento de ações voltadas para esse fim. Em virtude disso, qualquer indivíduo possui o direito de buscar atendimento no sistema público de saúde do Brasil.
3.2. Das perspectivas sócio-histórica do processo de judicialização da saúde
É notável que o processo de judicialização da saúde no país se tornou mais proeminente nas últimas décadas, desencadeando uma série de desdobramentos que abrangem diversos aspectos do sistema de saúde e do sistema jurídico do país.
Abordar o fenômeno da judicialização da saúde requer, invariavelmente, uma análise aprofundada da interação entre o Estado e a sociedade civil, com ênfase na salvaguarda dos direitos humanos, englobando direitos civis, políticos e sociais. No contexto específico deste estudo, é necessário explorar como tem se desenrolado o acesso aos serviços de saúde, em especial a disponibilidade de medicamentos e tratamentos médicos.
Conforme mencionado anteriormente, nas décadas mais recentes, certas doenças tomaram proporções grandiosas, as quais fizeram com que o país e seu governo se voltassem para uma análise sobre a funcionalidade da prestação de saúde no Brasil. Evidencia-se a relevância dessa questão durante a década de 1990, quando pessoas afetadas pelo vírus do HIV iniciaram demandas judiciais em busca de acesso a medicamentos e procedimentos médicos, confrontando as instituições públicas.
Tal acontecimento merece ser abordado, visto que este movimento, impulsionado por pacientes com HIV/Aids, foi respaldado pela Constituição, que estabelece o direito fundamental à saúde e atribui ao Estado a responsabilidade de fornecer assistência médica gratuita, seguindo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), que incluem igualdade, universalidade e integralidade. Além disso, essa circunstância permitiu a divisão de responsabilidades entre as três esferas governamentais: União Federal, Estados e municípios, conforme contido no diploma legal de 1988. Assim, justificou-se o entendimento e a necessidade dessa repartição nos seguintes termos:
Nos primeiros anos da década de 1990, para assegurar o direito à saúde, a grande procura do Judiciário se dava em função do acesso aos medicamentos como os antirretrovirais. Essa busca provocou no poder público a criação da política pública de distribuição gratuita de medicamentos. Com o surgimento da Lei nº 9.313/96, criada para garantir a distribuição gratuita e universal de antirretrovirais, esperava-se a diminuição da discricionariedade dos juízes e, consequentemente, a diminuição da interferência do Poder Judiciário no campo da saúde. No entanto, o que se observou foi justamente o oposto. Se, antes, o artigo 196 era considerado uma norma programática, a partir do ano de 1997, o mesmo texto passou a ser reconhecidamente uma norma constitucional de plena eficácia. Isso, no entanto, não é um consenso no meio jurídico
(OLIVEIRA, et.al, 2015, p. 526).
Nesse sentido, é crucial examinar como as decisões judiciais afetam o sistema de saúde, incluindo seus recursos financeiros e sua capacidade de atender às necessidades da população. Além disso, é importante refletir sobre as possíveis consequências de longo prazo da crescente judicialização da saúde, tanto em termos de custos quanto de acesso equitativo aos serviços médicos.
Tal preocupação deve ser levada a sério, uma vez que a concretização de um aspecto específico do direito à saúde através de ações judiciais de pessoas com HIV/Aids, e o sucesso dessas ações, incluindo avanços nas políticas públicas de assistência a esse grupo, tornou-se um modelo para a sociedade civil. Isso resultou em um notável aumento no número de processos judiciais relacionados à saúde, abrangendo tanto questões individuais quanto coletivas. Dessa maneira, é evidente que, após a promulgação da Constituição de 1988, o poder judiciário desempenhou um papel mais proeminente na afirmação de direitos sociais. Neste sentido, Anota Vânia Morales Sierra destaca que:
A Constituição de 1988 atendeu a esta demanda ao incorporar recursos, como a ação civil pública, o mandado de segurança, o mandado injunção, que podem ser utilizados para pressionar o governo e executar medidas em favor do cumprimento da lei
(SIERRA, 2011, p.258).
A análise do fenômeno da judicialização da saúde vai além das questões legais. Avaliar essa dinâmica implica considerar não apenas as demandas legais que surgem, mas também as implicações mais amplas para a sociedade e o Estado.
Portanto, a análise do processo de judicialização da saúde não se limita à esfera legal, mas abrange uma avaliação completa das dinâmicas sociais, políticas e de saúde que moldam essa questão complexa e em constante evolução.
3.3. Dos desdobramentos da judicialização da saúde
Ao se questionar sobre os desdobramentos do processo de judicialização da saúde, são vários os questionamentos que são tragos à tona. O principal deles que merece ser elucidado, diz respeito as diferentes visões e entendimentos que os doutrinadores e historiadores possuem sobre o assunto.
Por se tratar de um tema discutível, alguns literatos como Sônia Fleury (2012), enfatiza que até o momento, a judicialização da saúde no Brasil foi percebida como uma intervenção inadequada na capacidade de planejamento e execução do Poder Executivo, bem como uma potencial ameaça às ações dos administradores locais. A autora argumenta que essa perspectiva está ficando obsoleta e sustenta que, na atualidade, a judicialização se apresenta como uma importante aliada do Sistema Único de Saúde (SUS).
Por outro lado, há doutrinadores que acreditam que o processo da judicialização dificulta e gera uma luta desleal, se vista pela ótica daqueles que não usufruem da procedimentalização legal, e que aguardam, muitas vezes, pelo atendimento inicial para tratar o seu problema. No posicionamento de Miriam Ventura (2010), esse procedimento questiona a validade dos princípios de universalidade e equidade. Isso acontece porque a ferramenta em questão não garante um acesso verdadeiramente universal, pois tende a priorizar as necessidades de alguns em detrimento das de outros, sem levar em devida consideração as diferentes circunstâncias individuais. Dessa forma, o princípio da equidade, responsável por orientar as ações e serviços do SUS, tende a ser questionado e desafiado, já que não cumpre com seu papel fundamental.
Miriam Ventura, levanta uma questão de grande valia, posto que tenta buscar uma tática a fim de conciliar os direitos fundamentais constitucionalizados, com o acesso coletivo a prestação de saúde, para que assim não apresente uma discrepância evidente entre o aumento contínuo das demandas na área de saúde e a escassez de recursos disponíveis a nível estadual para atender às necessidades dos cidadãos. Apresenta a autora que:
O grande desafio é pensar na judicialização da saúde como estratégia legítima, porém a ser orquestrada com outros mecanismos de garantia constitucional de saúde para todos. As demandas judiciais não podem ser consideradas como principal instrumento deliberativo, pois, de fato, para o alcance da justiça, deve ser adotado um conjunto de ações por meio das quais se busque implementar as diretrizes constitucionais
(VENTURA et al, 2010, p.96).
De modo geral, os autores acreditam, em consenso, que a ideia da judicialização da saúde reserva alguns problemas, já que não atende às demandas e aos indivíduos de maneira igualitária. Nesse sentido, acreditam que:
De maneira geral, os estudos sobre a judicialização da saúde enfatizam mais fortemente os efeitos negativos deste tipo de demanda na governabilidade e gestão das políticas e ações de saúde. Uma das principais justificativas é que este tipo de intervenção no SUS aprofundaria as iniquidades no acesso à saúde, privilegiando determinado segmento e indivíduos, com maior poder de reivindicação, em detrimento de outros, na medida em que necessidades individuais ou de grupos determinados seriam atendidas em prejuízo a necessidades de outros grupos e indivíduos
(BARATA; CHIEFFI, 2009; MARQUES; DALLARI, 2007; VIEIRA; ZUCCHI, 2007 apud VENTURA et al, 2010).
É de conhecimento de muitos, principalmente pela exposição midiática, que no Brasil a preponderância de ações judiciais na esfera da saúde está vinculada, sobretudo, à assistência farmacêutica e aos procedimentos médicos. Tais litígios surgem principalmente por dois motivos distintos: o primeiro deles consiste na busca pela inclusão de um medicamento específico na lista do SUS, enquanto o segundo está relacionado à situação em que um medicamento já faz parte dessa lista, mas, devido a falhas na gestão, não é disponibilizado à população.
Nesse sentido, no intuito de diminuir os problemas enfrentados com a judicialização em razão da deficiência e defasagem encontrada no campo da saúde, foram empreendidas iniciativas visando apoiar a reestruturação e reorganização do SUS, como a realização da Audiência Pública da Saúde nº 04 em 2009, convocada pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Essa audiência permitiu a participação de diversos segmentos, incluindo a sociedade civil organizada -representantes de usuários e profissionais de saúde, bem como instituições de ensino e pesquisa, gestores da saúde, operadores de direito e outros interessados, com o propósito de apresentar diversas perspectivas sobre o fenômeno da judicialização da saúde.
Como resultado dessa audiência, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma recomendação no ano seguinte, fornecendo orientações aos tribunais brasileiros sobre como o sistema judiciário deve abordar os casos relacionados à saúde. Por fim, é notória a necessidade de tais recomendações, posto que há uma árdua sobrecarga no sistema judiciário, já que necessitam de soluções eficazes que requerem políticas transparentes, eficiência na gestão de recursos, e diálogo entre todas as partes envolvidas, a fim de equilibrar direitos individuais e a sustentabilidade do sistema de saúde.
3.3.1. Poder Judiciário e o seu desempenho no cumprimento do direito fundamental à saúde
O Poder Judiciário brasileiro desempenha um papel crucial na garantia do direito fundamental à saúde, assegurado pela Constituição Federal de 1988. Esta importante atribuição inclui a resolução de conflitos relacionados ao acesso a tratamentos médicos, medicamentos e serviços de saúde. O desempenho do Poder Judiciário nesse contexto é multifacetado e apresenta desafios e benefícios.
Um dos principais méritos do Judiciário na proteção do direito à saúde é a sua capacidade de oferecer uma via de recurso para indivíduos que se sentem prejudicados pela falta de acesso aos cuidados médicos. Isso possibilita que cidadãos recorram aos tribunais quando confrontados com negativas de planos de saúde, atrasos no fornecimento de medicamentos ou a falta de acesso a procedimentos médicos essenciais. Essa atuação contribui para corrigir desigualdades e pressionar os órgãos públicos e privados a cumprir suas obrigações na área da saúde.
Em contrapartida, o uso excessivo de ações judiciais para obter tratamentos médicos e medicamentos pode sobrecarregar o sistema de saúde e gerar desigualdades na alocação de recursos. Isso ocorre porque nem todos os cidadãos têm recursos para ingressar com ações judiciais, criando uma disparidade no acesso à justiça e aos cuidados médicos.
O desempenho do Poder Judiciário na área da saúde também pode ser influenciado por questões políticas e orçamentárias. Os tribunais dependem de recursos públicos para operar eficazmente, e a falta de financiamento pode prejudicar a capacidade do Judiciário em lidar com questões de saúde de forma eficiente. Assim, para otimizar o desempenho do Poder Judiciário no cumprimento do direito fundamental à saúde, é essencial uma abordagem equilibrada. Isso inclui medidas como a promoção da conciliação e da mediação para resolver conflitos antes que cheguem aos tribunais, a garantia de financiamento adequado para o sistema judiciário e a revisão constante das políticas de saúde para evitar a judicialização excessiva.
Em resumo, o Poder Judiciário desempenha um papel fundamental na proteção do direito à saúde, oferecendo um recurso para indivíduos que enfrentam obstáculos no acesso aos cuidados médicos. No entanto, é necessário equilibrar essa atuação para evitar o excesso de judicialização e garantir a eficiência do sistema de saúde como um todo.
2.3.2. As barreiras diante a efetivação do direito à saúde: orçamento público e a reserva do possível
No que tange a efetivação do direito à saúde, o Brasil tem enfrentado desafios complexos sendo dois deles particularmente cruciais: o orçamento público e o princípio da reserva do possível. Esses elementos frequentemente se interligam na busca por garantir o acesso universal a serviços de saúde de qualidade.
O orçamento público é um fator central na efetivação do direito à saúde. O Estado é o principal provedor de serviços de saúde e, para oferecer um sistema de saúde abrangente, precisa alocar recursos financeiros adequados. No entanto, muitas vezes, o orçamento destinado à saúde é insuficiente para atender às crescentes demandas da população, especialmente em países com sistemas de saúde subfinanciados.
Em contrapartida, em diversas circunstâncias, o Estado argumenta que os recursos obtidos são limitados, o que restringe as opções e a capacidade de atuação do governo em setores específicos, assim isso têm resultado na priorização de alguns direitos em detrimento de outros. Nesse contexto, surge a concepção de um sistema que o autor Scaff (2018) caracterizou como "vasos comunicantes". Nesse sistema, os recursos arrecadados estão disponíveis para os governantes, que tomam decisões sobre as principais prioridades no uso dos gastos públicos por meio da legislação orçamentária.
Seguindo o apresentado, é atrelado a todo rol orçamentário o princípio da reserva do possível, que nada mais é do que uma doutrina jurídica importante que reconhece que os recursos do Estado são limitados. Isso significa que o Estado não pode ser obrigado a realizar gastos excessivos em detrimento de outras áreas igualmente importantes. A reserva do possível reconhece que há uma limitação prática na capacidade do Estado de atender todas as demandas por serviços de saúde, educação e outros direitos sociais de forma imediata e plena.
Assim, as demandas sociais devem estar em consonância com a capacidade orçamentária do país e sua disponibilidade de recursos, de modo que, como afirmado por Scaff (2018, p. 296), "a reserva do possível é considerada como uma limitação prática e real à realização de determinado direito ou desejo". É nesse contexto que a questão se torna mais complexa, quando a disponibilidade financeira se torna um obstáculo à aplicação da norma constitucional.
No que diz respeito ao conceito desse princípio, se evidencia que a disponibilidade dos recursos financeiros do Estado para efetivar a concretização dos direitos sociais depende das escolhas políticas, que são organizadas no contexto do orçamento público. Sobre esse assunto, Barcellos (2011, p. 277) oferece uma explicação adicional:
De forma geral, a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas. (...) a reserva do possível significa que, para além das discursões sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado – e em última análise da sociedade, já que é esta que o sustenta –, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos.
Flavio Martins, traz ainda:
A reserva do possível passa a ser essencialmente entendida como constituindo essa limitação imanente a este tipo de direitos: mesmo quando a pretensão de prestação é razoável, o Estado só está obrigado a realizá-la se dispuser dos necessários recursos, daí a designação mais expressiva de reserva do financeiramente possível. [...] a reserva do possível invade o próprio plano jurídico, é o direito que está intrinsecamente condicionado pela ‘reserva do possível’ e não apenas as condições da sua efetividade social ou da sua realização otimizada. E a reserva do possível invade o próprio plano normativo do direito social quando seu objeto a título principal se traduza, como dissemos, numa prestação financeira ou numa prestação fática direta e imediatamente convertível em prestação financeira
(MARTINS, 2020, p. 185).
Desse modo, então, se nota que há algumas barreiras, e essas podem criar tensões significativas entre o direito à saúde e as restrições financeiras do Estado. Por um lado, a falta de financiamento adequado pode resultar em sistemas de saúde sobrecarregados, falta de recursos médicos e longos tempos de espera para tratamentos. Por outro lado, a pressão para alocar recursos adicionais para a saúde pode competir com outras necessidades sociais, como educação, segurança e infraestrutura.
Enfim, a busca por um equilíbrio entre a efetivação do direito à saúde e as restrições orçamentárias é um desafio contínuo para os governos. Para enfrentar essa questão, é essencial uma abordagem estratégica que envolva a alocação eficiente de recursos, a priorização das necessidades mais urgentes e a busca por fontes alternativas de financiamento, como parcerias público-privadas.
3.4. Da responsabilidade civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado no âmbito da judicialização da saúde envolve o dever do Estado de fornecer serviços de saúde adequados e, quando necessário, arcar com os custos associados a ações judiciais. Para lidar com essa questão complexa, é essencial encontrar um equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais à saúde e a sustentabilidade do sistema de saúde como um todo, através de políticas públicas eficazes e medidas de prevenção de litígios excessivos.
Assim, é importante destacar que a judicialização da saúde pode criar um dilema para o Estado, pois, por um lado, busca atender às necessidades individuais dos requerentes, mas, por outro, enfrenta desafios orçamentários e de alocação de recursos. Desse modo, então, isso pode resultar em tensões financeiras significativas e impactar a capacidade do Estado de atender a todas as demandas por serviços de saúde.
3.4.1. Definição e elementos da responsabilidade civil
Entende-se por responsabilidade civil como um princípio legal que implica que uma pessoa ou entidade é obrigada a arcar com as consequências legais de suas ações ou omissões quando estas causam danos a terceiros. Em outras palavras, quando alguém comete uma ação que resulta em prejuízo a outra pessoa ou propriedade, essa pessoa pode ser responsabilizada civilmente e, assim, deve compensar a parte prejudicada pelos danos causados. É uma parte fundamental do sistema jurídico que busca garantir que as vítimas recebam uma reparação justa por perdas e danos.
Venosa aplica seus conhecimentos na ideia que a responsabilidade civil infere-se:
Em princípio, toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar […] O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso
(VENOSA, 2020, p. 1)
Dessa forma, a responsabilidade civil é um pilar fundamental do sistema jurídico que estabelece a obrigação de uma pessoa ou entidade compensar os danos causados a terceiros devido a ações ou omissões indevidas. Para que a responsabilidade civil seja configurada de acordo com a lei, vários elementos devem estar presentes e são essenciais para uma análise completa do caso. Estes elementos incluem:
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Conduta do agente: refere-se às ações negligentes, imprudentes ou deliberadas do agente que causam danos a outra parte. É o ponto de partida para determinar a responsabilidade.
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Dano: envolve a existência de prejuízo real, como perda material ou lesões pessoais, resultantes da conduta do agente. É o impacto causado à parte prejudicada.
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Nexo causal: estabelece a relação direta entre a conduta do agente e o dano. É necessário provar que a ação ou omissão do agente foi a causa do dano para estabelecer a responsabilidade civil.
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Culpa: ocorre quando alguém não age com a devida atenção ao realizar uma ação, podendo manifestar imperícia, imprudência ou negligência. Além da conduta negligente ou imprudente, é necessário mostrar que o agente agiu com conhecimento do risco de causar dano e mesmo assim agiu de forma irresponsável.
Assim, a responsabilidade civil é um conceito legal complexo que envolve diversos elementos interligados, como conduta do agente, dano, nexo causal e culpa. Assim, a responsabilidade civil do Estado diante da judicialização da saúde é uma questão complexa e desafiadora. Embora os cidadãos tenham o direito de buscar reparação quando não recebem tratamentos médicos adequados, essa prática pode criar tensões financeiras e administrativas para o Estado.
Dessa maneira, então, é nítido que há uma responsabilidade do Estado no processo de judicialização da saúde, é dele o dever de arcar com os danos causados a terceiros devido a ações ou omissões indevidas acarretadas pela saúde pública. Em contrapartida, o Estado busca soluções diferentes para lidar com esse imbróglio, uma vez que para arcar com essas questões é necessário dispor de recursos financeiros altíssimos, o que foge do orçamento estatal muitas vezes. Notado isso, o Estado têm buscado dividir essa responsabilidade com munícipios, governos estaduais e com a União, a fim de minimizar os gastos, e não prejudicar os demais orçamentos da receita brasileira
Nesse sentido, Áquilas Mendes (2003, p. 115), há dez anos atrás já conseguiu entendeu que:
O gasto em saúde deve estar ligado ao planejamento, como um instrumento que baliza o orçamento. Se o gasto é caracterizado por um dispêndio de recursos, representado por uma saída de recursos financeiros, esse só pode ser viabilizado se estiver em acordo com o que foi planejado e orçado. É importante assinalar que nenhum gasto deverá ser realizado sem que haja disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros. Para tanto, é importante que se resgate o planejamento como primeira função da gestão orçamentário-financeira.
Enfim, é necessário encontrar um equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais à saúde e a sustentabilidade do sistema de saúde, e isso requer políticas públicas eficazes, alocação transparente de recursos e a promoção de medidas alternativas para a resolução de conflitos. É um desafio contínuo em busca de um sistema de saúde acessível e funcional para todos os cidadãos.
3.4.2. Da responsabilidade civil do Estado no fornecimento de medicamentos
O fornecimento de medicamentos se trata de uma questão relevante e complexa que, muitas vezes, envolve o papel do governo na garantia do acesso a tratamentos médicos essenciais. Nesse contexto, discute-se a responsabilidade legal e moral do Estado em fornecer medicamentos aos cidadãos quando necessário.
Como já evidenciado nos trechos anteriores, em muitos países, a saúde é considerada um direito fundamental e, portanto, o Estado tem a obrigação de garantir o acesso igualitário a serviços de saúde, incluindo medicamentos. Isso é geralmente respaldado por constituições, leis de saúde e tratados internacionais. Diante disso, o fornecimento de medicamentos é uma parte crítica dos serviços de saúde. O Estado geralmente é responsável por fornecer medicamentos essenciais à população, seja por meio de programas de saúde pública, hospitais públicos ou sistemas de seguros de saúde.
De acordo com o previsto na Constituição Federal, mais especificamente no artigo 196, a responsabilidade pelos cuidados com a saúde é atribuída à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Essa atribuição pode ser cumprida de forma independente ou coordenada, desde que estejam estritamente em conformidade com os princípios e limites estabelecidos na própria Constituição. Nesse contexto, tanto os tribunais quanto a doutrina convergem no entendimento de que “todos os entes federativos compartilham a responsabilidade solidária pelo fornecimento gratuito de medicamentos” (PLANALTO, 2023).
É válido lembrar a que responsabilidade civil do Estado no fornecimento de medicamentos pode surgir em várias situações, bem como em situações de negligência, erro médico, pela falta de medicamentos, pela defasagem no acesso equitativo, e dentre outras maneiras. Entretanto, o Estado busca um linear de defesa em relação a essa problemática, uma vez que não há um orçamento vasto e robusto para arcar com todos aqueles medicamentos que são solicitados pelos cidadãos, deve haver uma organização sistemática e segura para essa providência.
Em resumo, a responsabilidade civil do Estado no fornecimento de medicamentos é uma questão jurídica e ética complexa. Embora o Estado tenha a obrigação de garantir o acesso a medicamentos essenciais, a determinação de sua responsabilidade em casos específicos depende de fatores legais, como negligência, erro médico e falta de acesso equitativo. É importante que o Estado mantenha políticas de saúde eficazes e que os cidadãos tenham meios legais para buscar compensação em caso de falhas no fornecimento de medicamentos.